Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5280/17.0T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CLÁUSULA
DETERMINABILIDADE DOS LOCAIS DE TRABALHO
ACORDO
ISENÇÃO
HORÁRIO DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
DEDUÇÕES
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
DANO NÃO PATRIMONIAL
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RP201904115280/17.0T8MAI.P1
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 292, FLS 145-172)
Área Temática: .
Legislação Nacional: ALÍNEA A), Nº 2 DO ARTº 390º DO CT
Sumário: I - Não contendo a cláusula do contrato de trabalho a mínima referência que permita concluir pela determinabilidade dos locais de trabalho, já que se limita a estabelecer a “(..) faculdade (da entidade empregadora) transferir, temporária ou definitivamente, o Segundo Contraente para outro local de trabalho“, nem tão pouco existindo quaisquer factos que permitam concluir que, pese embora a expressão genérica utilizada (outro local de trabalho), o autor sabia, ou era-lhe possível e exigível que tivesse previsto, que estava a aceitar a possibilidade de ser transferido “para locais nos quais existem aeroportos: em Lisboa, Porto, Faro, Madeira e Açores”, a mesma é nula.
II - A lei não admite genericamente a possibilidade do trabalhador exercer as suas funções em regime de isenção de horário de trabalho, antes a limitando quanto a determinados trabalhadores e para o exercício de determinadas funções, tipificados na lei. Para além disso, admitem-se outras situações de isenção de horário de trabalho, mas dependendo de previsão em instrumentos de regulamentação que seja aplicável em cada caso concreto.
III - Significa isto, pois, que é pressuposto da prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho que a actividade desenvolvida pelo trabalhador deve também estar ligada a um modo específico da prestação de trabalho, ou seja, pressupõe a existência real de uma situação prevista na lei e deve ter uma das finalidades abrangidas pelas modalidades previstas na lei.
IV - Provado que o autor “Durante a vigência do contrato de trabalho, (..) não trabalhou para além de 40 horas por semana, durante oito horas por dia e durante cinco dias por semana”, ou seja, nunca prestou trabalho para além dos limites máximos do normal horário diário e do período normal de trabalho semanal, é de concluir que, afinal, não se verificava a situação ao abrigo da qual se pretendeu justificar o acordo de isenção de horário de trabalho e o correspondente pagamento da quantis de € 250,00, isto é, não executou trabalhos que só podiam ser “efectuados fora dos limites do horário de trabalho”, dado que nunca excedeu os “limites máximos do período normal de trabalho”.
V - Por conseguinte, é forçoso concluir que a Ré não ilidiu a presunção legal que leva a considerar que aquele valor se reconduz simplesmente à noção de retribuição.
VI - Para poder beneficiar das deduções a que se refere a norma da alínea a), n.º2, do art.º 390.º do CT, isto é, “[A]s importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento”, no período compreendido entre o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, recai sobre a entidade empregadora o ónus de alegar e provar tal matéria na acção.
VII - O agravamento do síndrome depressivo com insónia, ansiedade e ataques de pânico recorrentes reflecte-se de modo relevante na estabilidade psicológica do trabalhador, consubstanciando um dano não patrimonial com gravidade suficiente para ser merecedor da tutela do direito.
VIII - Transitada em julgado a sentença e confirmado o decidido, os juros de mora são devidos desde a data em que foi fixada a indemnização por danos não patrimoniais, o que bem se compreende, pois de outro modo existiria um lapso temporal, maior ou menor, ficando aquele valor actualizado sujeito ao fenómeno da erosão monetária, com a consequente e injustificável lesão dos interesses do credor, no caso o autor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO nº 5280/17.0T8MAI.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho da Maia, B... deu início à presente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, através da apresentação do requerimento em formulário próprio a que se referem os artigos 98.º C e 98.º D do Código de Processo do Trabalho, demandando C..., Unipessoal, Lda, com o propósito de impugnar o despedimento que por esta lhe foi comunicado por escrito na sequência de procedimento disciplinar.
Pede que se condene a Ré a ver declarada a ilicitude ou a irregularidade de tal despedimento, com as legais consequências.
Juntou cópia da decisão de despedimento.
Foi designado dia para a audiência de partes a que alude o art.º 98º-F, n.º 1, do CPT, a qual veio a ser realizada, mas sem que se tenha logrado alcançar a resolução do litígio por acordo.
A Ré, notificada para o efeito, apresentou articulado motivador do despedimento e juntou o processo disciplinar.
Sustenta a empregadora, no essencial, que despediu o trabalhador, na sequência de procedimento disciplinar que lhe moveu, por este ter desobedecido a uma ordem legítima da entidade empregadora de transferência do seu local de trabalho para a Ilha F..., nos Açores, incorrendo em faltas injustificadas a partir do dia 08 de agosto de 2017.
Considera, assim, que o autor violou os deveres prescritos nas alíneas b) e e) do n.º1 em conjugação com o n.º2 do artigo 128.º do Código do Trabalho, preenchendo a sua conduta os requisitos legais do conceito de justa causa de despedimento prescritos nas alíneas a), d) e g) do n.º 2 do artigo 351.º do mesmo diploma legal.
Notificado para efeitos do disposto no artigo 98.º-L/1 do CPT, o trabalhador apresentou a sua contestação nos autos, sustentando que não praticou qualquer infração laboral, pois que a ordem de transferência de local de trabalho que lhe foi dirigida da sua entidade empregadora era ilícita.
Conclui que inexiste justa causa para o despedimento, peticionando que seja:
1) Reconhecida a ilicitude da supressão do pagamento da quantia paga a título de I.H.T. e, consequentemente, fixada a sua retribuição em € 1.365,00;
2) Reconhecida a ilicitude da ordem de transferência do local de trabalho que lhe foi dada, por manifesta ausência de fundamentação da mesma;
3) Reconhecida a nulidade da cláusula 2.2. do respetivo contrato de trabalho;
4) Reconhecido que o trabalhador desobedeceu legitimamente a uma ordem ilícita da empregadora e, como tal, não faltou injustificadamente ao serviço;
5) Por via disso, reconhecido que o trabalhador foi ilicitamente despedido pela empregadora, por ausência de justa causa, e, em consequência, seja esta condenada:
a) No pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir, desde a data do despedimento – 11/10/2017 – até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, à razão de € 1.466,64;
b) Caso opte pela reintegração, no pagamento de € 250,00 por cada dia de atraso na sua reintegração, a título de sanção pecuniária compulsória;
c) No pagamento de indemnização por danos não patrimoniais sofridos, no valor não inferior a € 1.500,00;
d) No pagamento de juros legais desde a data dos respetivos vencimentos e até efetivo e integral pagamento.
A entidade empregadora apresentou resposta à contestação e reconvenção.
Elaborou-se então despacho saneador, julgando-se verificados os necessários pressupostos processuais e a instância válida e regular.
Por se considerar que a matéria constante dos artigos 4º a 6º do articulado de contestação e dos artigos 2º a 20º do articulado de resposta à contestação consubstancia a prática de um ato que a lei não prevê, consideraram-se os mesmos como não escritos.
Dispensou-se a convocação da audiência prévia e, bem assim, a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova, na consideração da complexidade da causa não justificar esses procedimentos.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais.
I.2 Subsequentemente foi proferida sentença encerrada com o dispositivo seguinte:
- «Por tudo o exposto, julga-se a presente ação procedente e, em consequência:
1 – Reconhece-se a ilicitude da supressão do pagamento da quantia paga sob a designação I.H.T. e, consequentemente, fixa-se a retribuição do autor em € 1.395,44.
2 – Reconhece-se a nulidade da cláusula 2.2. do contrato de trabalho celebrado entre partes.
3 – Reconhece-se a ilicitude da ordem de transferência do local de trabalho que foi dada pela ré ao autor.
4 – Reconhece-se que o trabalhador desobedeceu legitimamente a uma ordem ilícita da empregadora e, logo, que não faltou injustificadamente ao serviço.
5 – Julga-se ilícito o despedimento do autor e, em consequência, condena-se a ré a:
a) Reintegrar o autor no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
b) Pagar uma sanção diária compulsória de € 100,00 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de reintegração do autor, a partir do trânsito em julgado da presente decisão;
c) Pagar ao autor as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento, à razão mensal de € 1.395,44, deduzindo-se o subsídio de desemprego que auferiu no mesmo período de tempo, relegando-se a sua para o respetivo incidente de liquidação, nos termos dos artigos 609.º/2 e 358.º/2 do Código de Processo Civil, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da liquidação e até efetivo e integral pagamento;
d) Pagar ao autor a quantia de € 1.500,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da presente sentença e até efetivo e integral pagamento.
Custas pela entidade empregadora.
Valor: o já fixado
Após trânsito, cumpra-se o disposto no artigo 75.º/2 do Código de Processo do Trabalho.
Registe e notifique.
(..)».
I.3 Inconformada com esta sentença, a Ré empregadora apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido e fixado o modo de subida e efeito adequados. Encerrou as alegações com as conclusões seguintes:
...........................................
...........................................
...........................................
I.4 O recorrido autor apresentou contra-alegações, mas sem que se mostrem sintetizadas em conclusões. No essencial refere o seguinte:
...........................................
...........................................
...........................................
I.5 O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.
I.6 Cumpridos os vistos legais, remeteu-se o projecto de acórdão aos excelentíssimos adjuntos e determinou-se a inscrição para julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas para apreciação respeitam ao seguinte:
ii) Erro de julgamento na aplicação do direito aos factos:
a) Na interpretação da cláusula 2.2 do contrato de trabalho, sobre a possibilidade de transferência do trabalhador [conclusões 21 a 42];
b) Sobre a validade da comunicação da ordem de transferência [conclusões 43 a 47];
c) Sobre a licitude da ordem de transferência, existência de justa causa por desobediência do trabalhador e licitude do despedimento (conclusões 48 a 61];
d) Sobre a remuneração paga sob a designação de isenção de horário de trabalho [conclusões 62 a 70];
e) Na condenação no pagamento de retribuições intercalares [conclusões 71 a 74];
f) Ao ter condenado a R. no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais [conclusões 75 a 87];
g) Na fixação dos juros de mora sobre aquela indemnização [conclusões 88 a 91].
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco factual que se passa a transcrever:
A – Factos provados
1) Em 7 de Setembro de 2017, mediante envio ao autor da nota de culpa, a ré instaurou ao autor um processo disciplinar, imputando-lhe a prática dos factos que constam dessa mesma nota de culpa e que aqui se dão por integralmente reproduzidos (cfr. Procedimento Disciplinar apenso).
2) Acompanharam a nota de culpa, em anexo, os 12 documentos na mesma indicados.
3) A nota de culpa era capeada por uma carta com o seguinte teor:
Exmo. Senhor,
Somos a comunicar a V. Exa. que lhe foi movido um processo disciplinar nos termos da nota de culpa que se junta.
A provarem-se os factos descritos na nota de culpa, é nossa intenção proceder ao seu despedimento com justa causa.
Dispõe V. Exa. de 10 dias úteis para responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considere relevantes para o esclarecimento dos factos dela constantes e da sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade.
De V. Exa.
Atenciosamente”.
4) A nota de culpa foi recebida pelo autor no dia 11 de setembro de 2017.
5) O autor apresentou resposta à nota de culpa, recebida pela ré em 26 de setembro de 2017 (cfr. PD apenso).
6) Na resposta à nota de culpa o autor não requereu a realização de qualquer diligência probatória.
7) Foi elaborado pela ré relatório e decisão final, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. PD apenso).
8) Face aos factos considerados como provados em tal relatório e decisão final, a ré concluiu pela adequação da aplicação ao autor da sanção de despedimento com justa causa.
9) Em 9 de Outubro de 2017, a ré enviou ao autor a decisão final do processo disciplinar, determinando o seu despedimento com justa causa.
10) O autor foi contratado pela ré no dia 10 de agosto de 2015 para exercer ao seu serviço as funções correspondentes à atividade de “Técnico Especialista”, com a categoria profissional de Operador Informático Principal – documento de fls. 93-96 do PD apenso.
11) É do seguinte teor a cláusula 2.1. de tal contrato: “o local de trabalho do Segundo Contraente será nas instalações da D... no Porto, encontrando-se ainda adstrito às deslocações inerentes às suas funções ou indispensáveis à sua formação profissional”.
12) É do seguinte teor a cláusula 2.2. de tal contrato: “assiste à Primeira Contraente, quando necessidades ou conveniências de serviço o justifiquem, a faculdade de transferir, temporária ou definitivamente, o Segundo Contraente para outro local de trabalho, sem que este possa rescindir o contrato e/ou opor-se à transferência invocando prejuízo sério, o que o Segundo Contraente desde já aceita”.
13) Em 4 de Julho de 2017, a ré enviou ao autor uma carta registada com aviso de receção, com o seguinte teor:
Vimos pela presente, ao abrigo da cláusula 2.2. do contrato de trabalho entre nós celebrado e do artigo 194.º, n.º 2 do Código do Trabalho, comunicar a V. Exa. que, atendendo às nossas necessidades de serviço no nosso estabelecimento sito em E..., ..., ....-... ..., ..., nos Açores, decidimos transferi-lo, com carácter definitivo, para o referido estabelecimento.
Esta transferência definitiva produzirá os seus efeitos a partir de 4 de Agosto de 2017, data que deverá apresentar-se ao serviço no novo local de trabalho, mantendo o seu actual horário de trabalho.
A empresa custeará todas as despesas directamente impostas pela sua transferência, nos termos legalmente previstos e mediante a apresentação das respectivas facturas.”.
14) O autor estava ausente da sua residência aquando da tentativa de entrega da carta pelos CTT no dia 5 de Julho de 2017 e apenas foi levantar a comunicação à estação dos CTT no dia 7 de Julho de 2017.
15) Em 6 de Julho de 2017, tendo a ré tomado conhecimento de que o autor ainda não havia recebido a comunicação do dia 4 de Julho de 2017, enviou-lhe uma nova carta, com o seguinte teor:
Exmo. Senhor,
Em 4 de Julho de 2017 enviámos-lhe uma carta a comunicar a sua transferência definitiva de local de trabalho. Tomámos conhecimento na presente data de que a referida carta ainda não foi recebida por V. Exa., por estar ausente aquando da sua entrega e por ainda não a ter ido levantar à estação dos CTT.
Por este motivo, enviamos-lhe esta nova comunicação, que substitui a anterior.
Vimos pela presente, ao abrigo da cláusula 2.2 do contrato de trabalho entre nós celebrado e do artigo 194.º, n.º 2 do Código do Trabalho, comunicar a V. Exa. que, atendendo às necessidades de serviço no nosso estabelecimento sito na E..., ..., ....-... ..., ..., nos Açores, decidimos transferi-lo, com carácter definitivo, para o referido estabelecimento.
Esta transferência definitiva produzirá os seus efeitos a partir de 8 de Agosto de 2017, data em que deverá apresentar-se ao serviço no novo local de trabalho.
A empresa custeará todas as despesas directamente impostas pela sua transferência, nos termos legalmente previstos e mediante a apresentação das respectivas facturas.
Sem outro assunto de momento, subscrevemo-nos.”.
16) Esta segunda carta foi recebida pelo autor no dia 7 de julho de 2017.
17) Da nota de culpa referida em 1) consta que a “a necessidade de transferir o Trabalhador Arguido para o novo local de trabalho deveu-se aos seguintes motivos:
a) A Entidade Empregadora conta actualmente com 3 (três) colaboradores (técnicos electromecânicos e de electrónica) na E..., sendo esta equipa responsável pela operação e manutenção do sistema de tratamento de bagagens, manutenção dos cacifos de bagagem e manutenção do sistema de detecção automática de incêndios.
b) A Entidade Empregadora tem sempre um técnico em permanência durante 15 horas e 30 minutos diariamente, durante todos os dias do ano. Cada técnico era assignado a um turno de 8 (oito) horas, existindo sempre uma sobreposição de 30 minutos nas mudanças de turno. O regime de rotação era de 4 (quatro) dias de trabalho e 2 (dois) dias de folga.
c) Dado o regime de turnos existente, a Entidade Empregadora, com 3 colaboradores, realiza uma prestação de serviços que não conseguia salvaguardar, em regime de trabalho normal, as férias dos colaboradores, baixas médicas ou outras situações imprevisíveis.
d) Para essas circunstâncias, a Entidade Empregadora vê-se obrigada a recorrer à realização de trabalho extraordinário dos colaboradores da E... ou ao envio de um colaborador de outro aeroporto para suprir longas ausências.
e) Para se assegurar uma prestação de serviços sem recorrência às medidas de contingência adoptadas, tornava-se assim necessário a alocação de um técnico devidamente qualificado, como é o caso do Trabalhador Arguido, à equipa da E....
f) Acresce que, nos termos do contrato celebrado com a Secretaria Regional dos Transportes e Obras Públicas da Região Autónoma dos Açores, em vigor desde 1 de Junho de 2017, para a prestação de serviços na E..., a R. ficou obrigada a ter um Técnico Electromecânico em permanência 15H30min (quinze horas e trinta minutos), perfazendo um total de 4 (quatro) técnicos em rotação 365 dias por ano (CADERNO DE ENCARGOS; ANEXO I – Especificações e requisitos Técnicos, ponto 1.4.2) que se encontra junta à presente nota de culpa (doc. n.º5) e se dá por integralmente reproduzida.”.
18) O autor enviou à ré uma carta datada de 14 de julho de 2017, com o seguinte teor:
“…
Apraz-me comunicar a V. Exas. que não cumprirei tal ordem de transferência do meu local de trabalho para E... por considerar tal ordem ilegal.
Razão pela qual considero a minha desobediência lícita.
Assim, findo o período de férias, apresentar-me-ei no meu actual local de trabalho, ou seja, Avenida ..., n.º ...., ..., ....-... ..., Portugal.”.
19) Em 18 de Julho de 2017, a ré remeteu ao autor uma nova carta, com o seguinte teor:
“…
Dado que o gozo de férias deve ocorrer em dias úteis, deverá gozar o seu actual período de férias até dia 4 de Agosto de 2017 (sexta-feira), inclusive. Na segunda-feira seguinte, dia 7 de Agosto de 2017, viajará para o seu novo local de trabalho, nos Açores, onde começará a trabalhar no dia 8 de Agosto de 2017.
Desta forma, as datas que lhe indicámos nas nossas anteriores comunicações estão correctas.
A transferência do seu local de trabalho está prevista e foi determinada nos termos do seu contrato de trabalho, pelo que deverá apresentar-se no novo local de trabalho no dia 8 de Agosto de 2017, assumindo as consequências das atitudes que tomar, sendo que anotamos que tem perfeita consciência de que está a desobedecer a uma ordem da empresa dada ao abrigo do contrato de trabalho e da legislação em vigor.
Conforme já lhe comunicámos, iremos adquirir e remeter-lhe o bilhete de avião para que no dia 7 de Agosto de 2017 possa viajar para o novo local de trabalho.
Como já referido nas nossas cartas de 22 de junho de 2017 e 13 de julho de 2017, deixou de estar isento de horário de trabalho e, consequentemente, de receber a correspondente retribuição, passando a cumprir os seguinte horário de trabalho: das 9h00 às 13h00 e das 14h00 às 18h00, se segunda a sexta-feira.
…”.
20) O autor enviou à ré uma carta datada de 25 de julho de 2017, com o seguinte teor:
“…
Quanto à minha mudança de local de trabalho reitero que não aceito ir trabalhar para os Açores, na medida em que considero ilegítima a Vossa ordem de mudança do meu local de trabalho, até porque nunca me passou pela cabeça poder ir trabalhar para os Açores; não conheço nem o custo de vida aí existente nem os acessos a habitação e respectivos custos, atendendo a que aqui já tenho tal situação perfeitamente definida.
A minha tomada de posição está definida:
- Não aceito a Vossa ordem, na medida em que a considero ilícita;
- Dado que face à Vossa determinação me devo considerar em férias até ao dia 4 de Agosto, informo que me apresentarei ao trabalho no próximo dia 7 de Agosto, no que tem sido o meu local de trabalho, no ...;
- Considero, pois, ser desnecessário a aquisição de bilhete de avião para a deslocação para os Açores, pois não irei, do que desde já devem ficar cientes para evitar a invocação de posteriores prejuízos.
…”.
21) Em 31 de Julho de 2017, a ré enviou ao autor o bilhete de avião para a viagem a realizar no dia 7 de Agosto de 2017 para o seu novo local de trabalho, nos Açores.
22) O autor recebeu a referida carta e bilhete de avião, que nunca devolveu à ré.
23) No dia 7 de agosto de 2017, o autor dirigiu-se ao local de trabalho, sito no ..., onde pretendia entrar.
24) O autor não foi autorizado a entrar nas instalações da ré, no ....
25) No dia 8 de Agosto de 2017, o autor não se apresentou no novo local de trabalho, nos Açores.
26) O autor enviou ré uma carta datada de 8 de agosto de 2017, com o seguinte teor:
“…
Ontem, dia 7 de Agosto de 2017, pelas 9h00, desloquei-me às instalações da C..., no ..., onde se encontra situado o meu local de trabalho, para reiniciar a minha actividade, visto terem terminado as férias que me foram impostas pela empresa.
Aí chegado, solicitei acesso ao meu local de trabalho, na portaria onde estavam os vigilantes G... e H..., que me recusaram a entrada, com informação de que tinham ordens expressas por parte da D... para que eu não entrasse. Inclusivamente, pedi para utilizar a casa de banho, o que nem sequer me foi permitido.
Dado este panorama, é lícito presumir que V. Exas. não têm intenção de aceitar que desempenhe as minhas funções no ....
Informo, no entanto, que estou à Vossa inteira disposição para desenvolver a minha actividade profissional no referido local.
Tendo por assente que tal disponibilidade está a ser recusada por parte de V. Exas., informo que não me resta outra alternativa que não seja recorrer a Tribunal para tutela dos direitos que me assistem.
Lamento que V. Exas. não tenham assumido a verticalidade de me transmitir que eu, ou aceitava a Vossa ordem de deslocação para os Açores, ou ia ser despedido ou desprezado por tal facto, sentindo-se, assim, desobrigados de pagarem qualquer retribuição, não obstante a minha declaração de desenvolver a minha actividade nas instalações do ..., meu local de trabalho.
Conforme já tive oportunidade de Vos transmitir, a minha disponibilidade para trabalhar mantém-se. O que não posso é aceitar ordens de transferência de local de trabalho manifestamente infundadas e ilícitas, que têm como único propósito mascarar uma situação de incumprimento da sentença proferida pelo Tribunal que Vos condenou a reintegrar-me.
Assim, como já não estou mais na disposição de chegar ao ... e ver as portas fechadas para o meu acesso, informo que, não obstante a manutenção dessa minha disponibilidade para trabalhar, aguardo as Vossas instruções, caso Vos reste um laivo de aproveitamento dessa mesma disponibilidade e pretendam acatar a decisão já proferida pelo Tribunal, que Vos condenou a reintegrar-me, cumprindo-a, ao invés de a desprezarem ou de mascararem tal incumprimento com infundadas e ilícitas ordens de transferência de local de trabalho.
Por isso, só me resta lamentar o Vosso comportamento, face às várias cartas que Vos enviei, as quais só merecem o Vosso desprezo e o Vosso silêncio.
É, pois, sintomático que o Vosso comportamento está eivado de má fé.
Lamento, assim, ter de Vos informar que irei recorrer à via judicial, conforme referido, com o que aliás V. Exas. já estão lamentavelmente familiarizados.
…”.
27) Por carta datada de 14 de agosto de 2017, a ré respondeu ao autor nos seguintes termos:
“…
Acusamos a recepção da carta de V. Exa. de 8 de Agosto de 2017.
Perante o seu conteúdo e dispensando-nos de tecer quaisquer considerações sobre os comentários no mínimo incorrectos que dela constam, somos a esclarecer o seguinte:
i) A C... deu cumprimento ao determinado pela sentença do Tribunal de Trabalho da Maia tendo reintegrado V. Exa. nos seus quadros.
De facto por carta de 22 de Julho de 2017 foi-lhe comunicado que deveria apresentar-se ao serviço em 30 desse mesmo mês.
Tal carta veio a ser devolvida aberta, não tendo V. Exa. comparecido ao serviço em tal data.
ii) Em 4 de Julho comunicámos-lhe que, por necessidades de serviço e ao abrigo da cláusula 2.2 do seu contrato de trabalho e da lei aplicável, a sua transferência para as nossas instalações na E..., nos Açores.
iii) Como esta comunicação não foi logo recebida por V. Exa. reiterámos o seu conteúdo em de 6 de Julho de 2017.
iv) Em 8 de Julho de 2017 comunicou V. Exa. que se encontrava de baixa médica até 12 desse mês.
v) Em 13 de Julho apresentou-se V. Exa. nas nossas instalações do ... tendo-lhe sido comunicado que deveria gozar férias a que tinha direito até 4 de Agosto de 2017.
vi) Nesse mesmo dia negou-se V. Exa. a receber a carta que lhe foi entregue “por a mesma se encontrar endereçada para a minha residência e não por “mão própria”.
vii) Em 14 de Julho de 2017 solicitou V. Exa. esclarecimentos relativamente à conjugação dos teores das nossas cartas de 4 e 6 Julho, e afirmou então perentoriamente e a negrito “não cumprirei tal ordem de transferência do meu local de trabalho para a E... por considerar tal ordem ilegal”.
viii) Em 18 de Julho de 2017 esclarecemos V. Exa. sobre a pretensa não conjugação dos teores das nossas cartas de 4 e 6 de Julho e alertámos V. Exa. para o facto de ter de assumir as consequências da atitude que tomasse relativamente à referida transferência.
ix) Em 25 de Julho de 2017 reiterou V. Exa. que não aceitava a referida transferência por considerar ilegítima a mudança do seu local de trabalho e acrescentando “até porque nunca me passou pela cabeça poder ir trabalhar para os Açores; não conheço nem o custo de vida aí existentes nem os acessos a habitação e respectivos custos....”
x) Em 31 de Julho de 2017 foi-lhe remetido o bilhete de avião para se deslocar para o seu novo local de trabalho que foi por V. Exa. recebido em 1 de Agosto de 2017.
xi) Seguiram-se as cartas de V. Exa. de 1 e 3 de Agosto cujos conteúdos conhece perfeitamente e que nada adiantam.
Temos assim que V. Exa., além de não ter comparecido ao trabalho sem qualquer justificação entre 30 de Junho e 6 de Julho de 2017, tendo sido transferido para o seu novo local de trabalho com efeitos desde 8 de Agosto, pois o dia 7 destinava-se à sua deslocação sem perda de qualquer dia de descanso, aí não tem comparecido para
prestar trabalho.
Como esta sua atitude perfeitamente deliberada como supra (vii)) se referiu, e, embora como também supra (viii)) se referiu, mantendo a sua atitude de não comparecer para prestar trabalho, consideramos que a forma consciente e deliberada como está a incumprir a legítima ordem de transferência do local de trabalho que oportunamente lhe foi transmitida, terá que arcar com as respectivas consequências.
…”.
28) O autor nunca se apresentou no local de trabalho sito na E..., ..., ....-... ..., Ilha F..., nos Açores.
29) O autor não compareceu ao trabalho nos seguintes dias:
- 8 de Agosto de 2017;
- 9 de Agosto de 2017;
- 10 de Agosto de 2017;
- 11 de Agosto de 2017;
- 14 de Agosto de 2017;
- 16 de Agosto de 2017;
- 17 de Agosto de 2017;
- 18 de Agosto de 2017;
- 21 de Agosto de 2017;
- 22 de Agosto de 2017;
- 23 de Agosto de 2017;
- 24 de Agosto de 2017;
- 25 de Agosto de 2017;
- 28 de Agosto de 2017;
- 29 de Agosto de 2017;
- 30 de Agosto de 2017;
- 31 de Agosto de 2017;
- 1 de Setembro de 2017;
- 4 de Setembro de 2017; e
- 5 de Setembro de 2017.
30) A ré contava com a atividade do autor no novo local de trabalho, nos Açores, para a satisfação das respetivas necessidades na operação e manutenção do sistema de tratamento de bagagens, manutenção de cacifos de depósito de bagagem e manutenção do sistema de deteção automático de incêndios na E....
31) A ré recorre a trabalho extraordinário para realização das referidas atividades.
32) A esse título e do dia 8 de agosto até ao dia 6 de Setembro de 2017, a ré pagou a quantia de € 1.405,02.
33) O bilhete de avião custou € 312,46.
34) O autor não utilizou tal bilhete.
35) O autor foi despedido pela ré em 02/11/2016, despedimento esse que foi sindicado como ilícito, através de sentença proferida em 05/06/2017, transitada em julgado em 03/07/2017, no âmbito do processo n.º 5527/16.0T8MAI, que correu termos pelo Juiz 2 desse Tribunal.
36) Fruto da referida decisão, a ré foi condenada, nomeadamente, na reintegração do autor no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
37) O referido em 17) apenas chegou ao conhecimento do autor quando o mesmo recebeu a Nota de Culpa.
38) Quando o autor recebeu a referida comunicação de transferência de local de trabalho para os Açores, no dia 7 de Julho de 2017, o mesmo sentiu-se mal e teve necessidade de se deslocar ao médico, tendo entrado numa situação de incapacidade temporária para o trabalho por motivo de doença até ao dia 12/07/2017.
39) O autor apresentou-se ao trabalho no seu local de trabalho, sito no ..., em ..., após o termo da situação de incapacidade, dia 13 de Julho de 2017.
40) Nesse dia não lhe foi permitido exercer qualquer função e foi-lhe determinado que entrasse em gozo de férias até 4 de Agosto de 2017.
41) No dia 07 de agosto de 2017, o autor apresentou-se ao serviço no local de trabalho, sito no ..., não tendo sido autorizado a entrar nas instalações da empregadora.
42) Até ao seu primeiro despedimento, o autor tinha como funções, em síntese, a gestão de projetos, que consistia no acompanhamento dos projetos da empregadora, servindo de elo de ligação entre os clientes e os executores das tarefas, o controlo documental dos projetos e o respetivo planeamento.
43) O autor nunca exerceu as funções referidas em 17), para as quais não está habilitado.
44) Para que o autor pudesse levar a cabo tais funções, necessitava que lhe fosse emitido um cartão do aeroporto, que lhe permitisse aceder às áreas reservadas do mesmo.
45) Tal cartão apenas é emitido mediante a apresentação de certificado de registo criminal válido, que a ré nunca solicitou ao autor, e mediante a obtenção prévia de um certificado de formação profissional de Segurança Aeroportuária, certificado esse de que o Trabalhador não dispunha, como a empregadora bem sabia, já que o seu havia caducado em 06/06/2016.
46) Para efeito de obtenção do dito certificado de Segurança Aeroportuária, ao trabalhador deveria ter sido ministrada formação profissional, da qual deve ser dado conhecimento ao Instituto Nacional de Aviação Civil, com pelo menos 15 dias de antecedência, o que a empregadora não fez.
47) O contrato de trabalho a termo incerto celebrado pelas partes foi considerado convertido em contrato de trabalho por tempo indeterminado, dada a ineficácia da aposição do termo.
48) Ao serviço da “I..., ACE”, o autor auferia a retribuição base de € 1.330,90.
49) Nos termos da cláusula 3.1 do contrato de trabalho celebrado pela partes, o autor “… desempenhará a sua atividade durante 5 dias por semana, com um período normal de trabalho efetivo até 8 (oito) horas diárias e 40 (quarenta) horas semanais”.
50) Em 10/08/2015, as partes assinaram o acordo de isenção de horário de trabalho junto com documento 15 com a contestação/reconvenção, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
51) Nos termos do ponto 2 de tal acordo, o autor iria auferir “…exclusivamente enquanto se mantiver em vigor o presente acordo, o valor de € 250 a título de retribuição por isenção de horário de trabalho”.
52) O autor sempre recebeu a quantia de € 250,00 a título de isenção de horário de trabalho.
53) Durante a vigência do contrato de trabalho, o autor não trabalhou para além de 40 horas por semana, durante oito horas por dia e durante cinco dias por semana.
54) A ré declarou ao Consulado da República de Angola que o autor auferia um salário ilíquido mensal de € 1.365,00.
55) A empregadora atribuiu ao trabalhador um seguro de saúde, através da seguradora Tranquilidade, o qual representa um encargo mensal de € 30,44, que o trabalhador beneficiava.
56) A ordem de transferência de local de trabalho para os Açores, a recusa de aceitação da prestação de trabalho do trabalhador no local de trabalho sito no ..., em ... e a nova cessação do contrato de trabalho do trabalhador agravou o síndrome depressivo com insónia, ansiedade e ataques de pânico recorrentes deste.
57) O que determinou a necessidade de acompanhamento médico e medicamentoso.
B – Factos não provados
a) Ao autor nunca foi permitido discutir o clausulado do contrato de trabalho, que apenas lhe foi submetido para assinatura.
b) Aquando da admissão do trabalhador ao serviço da empregadora, foi convencionado que aquele iria auferir a retribuição mensal ilíquida de € 1.365,00, acrescida de subsídio de alimentação no valor diário de € 6,53.
c) Apenas no próprio dia da formalização da admissão do trabalhador é que a empregadora lhe comunicou que iria decompor a respetiva retribuição em duas rubricas: vencimento base e isenção de horário de trabalho.
d) A empregadora, na pessoa da então Diretora de Recursos Humanos, Senhora Dra. J..., sublinhou que tal cisão da retribuição em retribuição base e I.H.T. se ficava a dever a alegadas razões de processamento de salários e que a quantia que lhe iria ser paga sob a denominação de isenção de horário de trabalho fazia parte integrante da respetiva retribuição e, como tal, sempre lhe seria paga.
e) Ao autor foi transmitido que nunca lhe seria exigido que trabalhasse em regime de isenção de horário de trabalho, designadamente, sem sujeição aos limites máximos do período normal de trabalho.
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II.3 Alteração da matéria de facto por iniciativa deste Tribunal ad quem
Impõe-se proceder à alteração da matéria de facto fixada, mas por iniciativa desta Relação, no âmbito dos poderes oficiosos de que dispõe (art.º 662.º 1, CPC), em razão do facto provado 50 remeter para documento – acordo de isenção de horário de trabalho - sem que haja menção do seu conteúdo essencial, quando o mesmo é relevante para a apreciação de uma das questões que foi colocada para apreciação à 1ª instância e agora é também objecto do recurso, por discordância com o decidido.
Assim, no facto 50, onde consta provado:
- Em 10/08/2015, as partes assinaram o acordo de isenção de horário de trabalho junto com documento 15 com a contestação/reconvenção, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Passa a constar o seguinte:
50. Em 10/08/2015, as partes assinaram o acordo de isenção de horário de trabalho junto com documento 15 com a contestação/reconvenção, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde consta, para além do mais o seguinte:
É celebrado o presente acordo de isenção de horário de trabalho, nos termos dos artigos 218.º e 219.º do Código do Trabalho, o qual se regerá pelas condições constantes das cláusulas seguintes:
1. O presente acordo é celebrado no pressuposto que o Segundo Contraente se encontra, nos termos do n.º 1 do artigo 218º do Código do Trabalho, na situação de:
a. Execução de trabalhos preparatórios ou complementares que, pela sua natureza, só possam ser efectuados fora dos limites do horário do trabalho;
2. O Segundo Contraente irá auferir, exclusivamente enquanto se mantiver em vigor o presente acordo, o valor de € 250 a titulo de retribuição por isenção de horário.
3. Durante o período em que vigorar o regime de isenção, e em virtude do mesmo, o Segundo Contraente não estará sujeito aos limites máximos do período normal de trabalho, não lhe sendo devido qualquer pagamento a título de trabalho suplementar nas termos da lei.
4. A isenção de horário de trabalho prevista neste acordo é estabelecida em benefício da Primeira Contraente, podendo esta, unilateralmente, a todo o tempo, fazer cessar esse regime.
5. O regime de isenção de horário de trabalho decorrente do presente acordo iniciar-se-á em 10/08/2015.

II.4 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
A Recorrente Ré insurge-se contra a sentença por alegado erro na aplicação do direito aos factos quanto aos pontos indicados na delimitação do objecto do recurso.
Passando à sua apreciação, seguiremos a ordem inculcada no recurso.
II.4.1 Interpretação da cláusula 2.2 do contrato de trabalho, sobre a possibilidade de transferência do trabalhador [conclusões 21 a 42].
A cláusula 2, do contrato de trabalho celebrado entre a Ré e o autor tem o conteúdo seguinte (factos 11 e 12):
-«2.1 O local de trabalho do Segundo Contraente será nas instalações da D... no Porto, encontrando-se ainda adstrito às deslocações inerentes às suas funções ou indispensáveis à sua formação profissional.
2.2 Assiste à Primeira Contraente, quando necessidades ou conveniências de serviço o justifiquem, a faculdade de transferir, temporária ou definitivamente, o Segundo Contraente para outro local de trabalho, sem que este possa rescindir o contrato e/ou opor-se à transferência invocando prejuízo sério, o que o Segundo Contraente desde já aceita.»
Debruçando-se sobre a cláusula 2.2., o Tribunal a quo, após aprofundada fundamentação, concluiu que a mesma é nula, como tal, não vinculando juridicamente o trabalhador. É sobre essa conclusão que incide a discordância da recorrente.
Cingindo-nos ao essencial da parte da fundamentação que é colocada em causa, dela consta o seguinte:
- «Parece, pois, que efetivamente o autor incumpriu uma ordem que lhe foi dada pela sua entidade empregadora.
Considera, todavia, o trabalhador, que a ordem de transferência do local de trabalho que lhe foi dirigida pela sua entidade empregadora era ilícita, razão pela qual não lhe devia obediência.
A questão a decidir impõe, assim, a apreciação da validade ou não da ordem de transferência do trabalhador emitida pela empregadora, o que, por sua vez, pressupõe uma análise do regime legal que regula o local de trabalho e a possibilidade da sua alteração por decisão unilateral da entidade empregadora.
(..)
Na situação dos autos, como resulta dos pontos 13) e 15) dos factos provados, a comunicação escrita de transferência efetuada pela empregadora ao trabalhador foi a seguinte:
“Vimos pela presente, ao abrigo da cláusula 2.2. do contrato de trabalho entre nós celebrado e do artigo 194.º, n.º 2 do Código do Trabalho, comunicar a V. Exa. que, atendendo às nossas necessidades de serviço no nosso estabelecimento sito em E..., ..., ....-... ..., Ilha F..., nos Açores, decidimos transferi-lo, com caráter definitivo, para o referido estabelecimento”.
Atendendo ao teor da comunicação escrita efetuada pela empregadora ao trabalhador, e como é expressamente reconhecido nessa comunicação, estamos perante uma transferência definitiva e não temporária.
Para além disso, a empregadora alicerça, em primeira linha, tal transferência na cláusula 2.2. no contrato de trabalho celebrado entre as partes em 10 de agosto de 2015.
Ora, tendo por referência as cláusulas contratuais do contrato de trabalho celebrado entre as partes, verificamos que na cláusula 2.2. as partes estipularam que o local de trabalho do trabalhador seria nas instalações da ré no Porto.
Resulta igualmente do contrato de trabalho celebrado entre as partes que no mesmo se encontra prevista uma cláusula de mobilidade geográfica, mais precisamente na cláusula 2.2., onde se prevê que a empregadora tem a faculdade, quando necessidades ou conveniências de serviço o justifiquem, de transferir temporária ou definitivamente o trabalhador para outro local de trabalho, sem que este possa rescindir o contrato e/ou opor-se à transferência invocando prejuízo sério, o que o trabalhador aceitou.
Quanto à validade desta cláusula, diremos, desde já, que salvo o devido respeito por diversa opinião, a mesma não é válida, padecendo do vício de nulidade.
Senão vejamos.
O artigo 193.º/1 do Código do Trabalho estabelece que «o trabalhador deve, em princípio, exercer a atividade no local contratualmente definido …».
A definição do local de trabalho pode ser estabelecida em termos mais ou menos amplos de forma a assegurar, desde logo, uma eventual mobilidade do trabalhador. Como nota João Leal Amado [in Contrato de Trabalho à Luz do Novo Código de Trabalho, págs. 243-244], a propósito da noção de local de trabalho, «dado que o local do cumprimento da prestação constitui um aspeto essencial do programa contratual, a definição do âmbito geográfico da prestação laboral caberá, naturalmente, aos sujeitos desse contrato».
Acrescenta, todavia, o mesmo Autor que sendo «(…) embora um conceito relativo ou elástico, podendoser dotado de uma amplitude ou extensão variáveis, o certo é que, ainda assim, não poderá verificar-se uma total indeterminação do local de trabalho, pois a situação de heterodisponibilidade do trabalhador tem de resultar, de algum modo, espacialmente delimitada pelo contrato. Com efeito, o trabalhador não se poderá obrigar a prestar toda e qualquer atividade, em todo e qualquer lugar, sob a autoridade e direcção do empregador. A exigência de determinação ou determinabilidade do objecto do contrato de trabalho é incontornável, quer quanto ao tipo de funções desempenhadas, quer quanto ao lugar de execução das mesmas», referindo mais adiante que, «de acordo com o disposto no próprio art. 280.º do CCivil, o trabalhador comprometer-se-á, por conseguinte, a prestar ao empregador uma actividade funcional, temporal e espacialmente delimitada ou balizada – sob pena de, não o fazendo, acabar por se ver colocado numa posição próxima da servil. O que é totalmente inadmissível».
Ora, também a nós nos parece que o parâmetro geográfico da prestação de trabalho não pode ficar indeterminado, designadamente através da concessão ao empregador do poder de colocar o trabalhador em qualquer local indicado por aquele.
Como se refere no AC TRL de 07.03.2012 [processo nº 4397/07.3TTLSB.L1-4], «o local de trabalho tem de estar determinado ou ser determinável, correspondendo, em qualquer caso, à efectiva execução contratual e não a hipotéticas necessidades empresariais futuras. Estas podem dar lugar a posteriores alterações do local de trabalho segundo regras que equilibrem os interesses de ambas as partes».
Prossegue o mesmo aresto: «na definição contratual do local de trabalho, não podem, pois, as partes contratantes estabelecer regras donde resulte uma total indeterminação ou indeterminabilidade do local de prestação do trabalho ou da mobilidade geográfica ou transferência do trabalhador» [cfr. ainda o Acórdão do STJ de 14-05-2014, CJ STJ, Ano XXII, T.II, 2014, pág. 270-271].
No caso em apreço, como já se referiu, as partes estipularam no contrato de trabalho celebrado entre ambas que o local de trabalho do autor seria nas instalações da D... no Porto, tendo convencionando nesse mesmo contrato que quando necessidades ou conveniências de serviço o justificassem, a empregadora poderia transferir, temporária ou definitivamente, o trabalhador para outro local de trabalho, sem que este pudesse rescindir o contrato e/ou opor-se à transferência invocando prejuízo sério.
Tal significa que, para além do contrato conter uma determinação concreta do local de trabalho onde o trabalhador deveria desempenhar funções ao serviço da empregadora, consagra igualmente um pleno direito de mobilidade geográfica daquele, a ser exercido durante a execução do contrato de trabalho celebrado, sem qualquer determinação ou determinabilidade em termos de parâmetros geográficos da prestação da atividade laboral, mediante uma total e livre mobilidade do trabalhador resultante de hipotéticas e futuras necessidades ou conveniências da empregadora.
Parece-nos que dúvidas não poderão existir de que na indicada cláusula existe uma indeterminação do parâmetro geográfico da prestação de trabalho, não permitindo ao trabalhador com o mínimo de definição ou previsibilidade saber qual o seu possível lugar de trabalho. Note-se que a menção “para outro local de trabalho” nem sequer está acompanhada de qualquer outro clausulado de indicação do âmbito geográfico de atuação da empregadora, o que significa que, ao abrigo da citada cláusula, o trabalhador deu o seu acordo a qualquer mudança/transferência para qualquer lugar (em tese, do planeta) em que funcionassem os estabelecimentos da empregadora.
Ora, a admissibilidade do ius variandi com base em estipulação contratual não poderá deixar de ser harmonizada com os próprios princípios constitucionais, e concretamente com o princípio da segurança no emprego, ínsito no artigo 53º da Constituição da República Portuguesa.
Na verdade, e como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira [Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª edição Revista, Coimbra Editora, pág. 713], «o direito à segurança no emprego abrange também a proteção do trabalhador na organização interna do trabalho, dentro da empresa ou serviço, pondo-o a coberto de mudanças arbitrárias de posto ou de local de trabalho. O trabalhador tem direito não só a não ser privado do seu emprego, mas também a que este seja dotado de condições de estabilidade e segurança nos planos funcional e espacial. Isto aponta também para a necessidade de o chamado ius variandi do empregador (…) dever ser sujeito, na medida em que represente uma “variação não contratual” da prestação de trabalho decidida pelo empregador, a normativização clara dos seus pressupostos (interesse fundamentado da empresa, imperturbabilidade da posição laboral e retributiva do trabalhador).». «A admissibilidade do ius variandi com base em estipulação contratual deverá também observar, pelo menos, os princípios da irrenunciabilidade global e definitiva a direitos (…) e garantias (Cfr. CT, arts. 314º-2, 315º-3 e 316º-2), e ter em conta a necessidade de harmonização com outros direitos fundamentais (direito a constituir família, direito à conciliação da vida profissional com a vida familiar e pessoal), não podendo, em qualquer caso, conduzir à indeterminação ou indeterminabilidade do objeto do contrato de trabalho.»
Já no campo da lei civil substantiva, haverá que atender ao artigo 280.º do Código Civil, que prevê os requisitos do objeto negocial, ou seja, as condições de validade do negócio jurídico, entre eles se contando o da determinabilidade.
Com este pressuposto da determinabilidade, pretende-se significar que o objeto negocial deve estar individualmente concretizado no momento do negócio ou poder vir a ser individualmente determinado, segundo um critério estabelecido no contrato ou na lei.
No caso de não estar satisfeito o requisito da determinabilidade, como se verifica na citada cláusula 2.2. do contrato, a consequência é a nulidade, a qual opera ipso jure, independentemente das partes conhecerem ou deverem conhecer o vício em causa, sem que tal vício determine, porém, a invalidade de todo o negócio, atento o disposto no artigo 292.º do Código Civil.
Concluímos, assim, que a citada cláusula (2.2.) se terá de considerar como nula, não vinculando, pois, juridicamente o trabalhador».
Discorda a recorrente, procurando defender a validade do acordo expresso na cláusula 2.2 do Contrato de Trabalho, sustentada nos argumentos seguintes:
i) Os locais de trabalho para onde o Recorrido podia ser transferido eram perfeitamente determináveis: a Recorrente dedica-se à concepção, projecto, fabrico, venda, distribuição, instalação, prestação de serviços e comissionamento de equipamentos e soluções para o sector aeroportuário, tendo o Recorrido sido contratado nesse âmbito; consequentemente, a Recorrida apenas tem estabelecimentos que se dedicam a esta actividade em locais nos quais existem aeroportos: em Lisboa, Porto, Faro, Madeira e Açores; assim, por referência à actividade e aos interesses da Recorrente, que eram do conhecimento do Recorrido, era possível determinar quais os seus estabelecimentos para onde aquele podia ser transferido.
ii) Na interpretação do sentido e alcance da cláusula contratual que formaliza o acordo entre Recorrente e Recorrida haverá que atender, para além do conteúdo literal, à natureza da actividade da entidade empregadora e às funções para cujo desempenho o trabalhador foi contratado (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-10-2013, em que é Relator o Desembargador Jerónimo Freitas, in www.dgsi.pt);
Sustenta que sendo determináveis os locais de trabalho, não pode concluir-se pela nulidade da cláusula contratual ao abrigo do art.º 280.º do CC. Ao celebrar o acordo ínsito na referida cláusula, deixaram que fosse a evolução do próprio contrato a determinar aquele que seria o seu local de trabalho, o que era legítimo.
Contrapõe o recorrido que a cláusula do respectivo contrato de trabalho que é nula, por absoluta indeterminação do âmbito geográfico e por afastar a possibilidade de resolução do contrato de trabalho com fundamento em prejuízo sério.
Adiantamos já a nossa concordância com a fundamentação e consequente decisão do tribunal a quo quanto a esta questão, não trazendo a recorrente qualquer argumento válido para a por em causa, desde logo por partir de pressupostos que nem sequer têm respaldo nos factos provados.
Diz a Recorrente que os locais de trabalho para onde o Recorrido podia ser transferido eram perfeitamente determináveis, por a Recorrente se dedicar à concepção, projecto, fabrico, venda, distribuição, instalação, prestação de serviços e comissionamento de equipamentos e soluções para o sector aeroportuário, tendo o Recorrido sido contratado nesse âmbito.
Acontece que não há qualquer facto provado de onde possamos retirar que o autor, quando celebrou o contrato de trabalho, tivesse conhecimento, adquirido por si próprio ou que lhe tenha sido transmitido na negociação do contrato, sobre eventuais implicações ou exigências decorrentes do âmbito de actividade da recorrente que levassem a que o desempenho das funções para cujo desempenho foi contratado decorressem em instalações aeroportuárias.
Apenas consta provado que “[O) autor foi contratado pela ré no dia 10 de agosto de 2015 para exercer ao seu serviço as funções correspondentes à atividade de “Técnico Especialista”, com a categoria profissional de Operador Informático Principal” (facto 10) e que “o local de trabalho do Segundo Contraente será nas instalações da D... no Porto, encontrando-se ainda adstrito às deslocações inerentes às suas funções ou indispensáveis à sua formação profissional” (facto 11).
Com efeito, nem as funções para cujo desempenho o autor foi contratado – “Técnico Especialista”, com a categoria profissional de Operador Informático Principal” - permitem estabelecer uma ligação específica a actividades directamente relacionadas com instalações aeroportuárias e que tivessem como pressuposto o seu desempenho nas mesmas ou no local, entenda-se, a cidade, onde se situam, nem tão pouco da cláusula que fixa o local de trabalho é possível extrair, em termos lógicos, a consequência pretendida pela recorrente.
Por conseguinte, não existe fundamento para a recorrente vir dizer que “consequentemente (..) apenas tem estabelecimentos que se dedicam a esta actividade em locais nos quais existem aeroportos: em Lisboa, Porto, Faro, Madeira e Açores”, pretendendo defender que o autor necessariamente teria esse conhecimento, como se fosse uma consequência lógica.
Justamente por isso, não serve ao caso concreto a invocação feita pela recorrente ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-10-2013, por coincidência relatado pelo também aqui relator [no processo n. º1596/12.0TTLSB.L1-4, disponível em www.dgsi.pt], nomeadamente, ao apelar a um extracto da fundamentação daquele aresto, onde se escreveu “Na interpretação do sentido e alcance da cláusula haverá que atender, para além do conteúdo literal, à natureza da actividade da apelada e às funções para cujo desempenho foi contratado o apelante”.
É que naquele aresto prosseguiu-se logo de seguida dizendo “Relevando, assim, da matéria provada o seguinte”, enunciando-se um conjunto de factos, em face dos quais veio a concluir-se não se verificar a nulidade da cláusula ali em apreço, nos termos do art.º 280.º do CC, designadamente, porque embora não especificasse «(..) precisamente qual a concreta localização dos locais de trabalho, dentro ou fora do território português, relativamente aos quais o trabalhador apelante aceitou ser colocado para prestar a sua actividade, (..) esses locais são determináveis pela referência, na mesma cláusula, às empresas pertencentes ao grupo (...), isto é, “ao grupo internacional “(...), que tem sede em França e está presente em 21 países, bem assim aos clientes da (…), tendo sido cometido à entidade empregadora, nos termos contratuais aceites pelo trabalhador, o poder de determinar o local de trabalho nos parâmetros da actividade caracterizada e atentas as funções para que aquele foi contratado, dentro ou fora do território português».
Ora, no caso vertente, nem a cláusula contém a mínima referência que permita concluir pela determinabilidade dos locais de trabalho, já que se limita a estabelecer a “(..) faculdade (da entidade empregadora) transferir, temporária ou definitivamente, o Segundo Contraente para outro local de trabalho“, nem tão pouco existem quaisquer factos que permitam concluir que, pese embora a expressão genérica utilizada (outro local de trabalho), o autor sabia, ou era-lhe possível e exigível que tivesse previsto, que estava a aceitar a possibilidade de ser transferido “para locais nos quais existem aeroportos: em Lisboa, Porto, Faro, Madeira e Açores”, como agora vem a recorrente defender.
É essa diferença fundamental que nos levou a dizer que a invocação daquele aresto não contribua para a tese da recorrente.
Por conseguinte, reitera-se, concorda-se com o tribunal a quo quando afirma que “na indicada cláusula existe uma indeterminação do parâmetro geográfico da prestação de trabalho, não permitindo ao trabalhador com o mínimo de definição ou previsibilidade saber qual o seu possível lugar de trabalho. Note-se que a menção “para outro local de trabalho” nem sequer está acompanhada de qualquer outro clausulado de indicação do âmbito geográfico de atuação da empregadora, o que significa que, ao abrigo da citada cláusula, o trabalhador deu o seu acordo a qualquer mudança/transferência para qualquer lugar (em tese, do planeta) em que funcionassem os estabelecimentos da empregadora”, vindo a concluir “não estar satisfeito o requisito da determinabilidade” do local de trabalho, importando tal a nulidade da cláusula 2.2.
Assim, quanto a este ponto improcede o recurso.
II.4.2 Sobre a validade da comunicação da ordem de transferência [conclusões 43 a 47];
No seguimento da apreciação das questões suscitadas na causa, o Tribunal a quo passou a apreciar da validade da ordem de transferência, “por determinação unilateral da empregadora, agora à luz do regime legal previsto nos citados artigos 194º a 196º”, vindo a concluir que a mesma emitida “é substancialmente ilegítima, na medida em que não explicitou devidamente os requisitos legais dessa mesma ordem, desde logo quanto ao requisito da existência de um interesse legítimo da empresa que exigisse a transferência daquele concreto trabalhador”.
Discorda a Recorrente, sustentando que comunicou ao Recorrido que eram necessidades de serviço no seu estabelecimento sito na E..., nos Açores, a motivar a transferência, bem assim que ficou provado que tais necessidades de serviço existiam efectivamente (pontos 30 e 31 da matéria de facto dada por provada), não tendo o recorrido colocado em causa ou pedido esclarecimento quanto às mesmas, pelo que compreendeu o seu teor.
Nesses pressupostos, defende que a comunicação de transferência encontrava-se fundamentada nos termos e para os efeitos previstos no art.º 194.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho.
Da fundamentação da sentença recorrida, na parte em que se debruça sobre esta questão e no que aqui releva, consta o seguinte:
-«Na situação dos autos, e atendendo ao teor da comunicação escrita efetuada pela empregadora ao trabalhador, estamos perante uma transferência individual e definitiva, que cai no âmbito da previsão do número 1 alínea b) do artigo 194.º.
Assim, tal transferência, para ser considerada como lícita, tem de ser justificada por «motivo do interesse da empresa que a exija» e não pode implicar «prejuízo sério para o trabalhador».
No que concerne ao interesse da empresa, sustenta Júlio Gomes - ainda que por reporte ao anterior Código de Trabalho e 2003, mas cujas considerações são totalmente transponíveis para o atual Código – que «o conceito de “interesse da empresa” (…) há-de tratar-se, pois, de uma decisão que possa explicar-se em termos de uma racionalidade de gestão – o que aliás, está de acordo com a necessidade de fundamentação prevista no artigo 317.º [atualmente artigo 196.º] para qualquer transferência – e não de uma decisão tomada de ânimo leve e sem a necessária reflexão (repare-se que a letra do nº 1 do artigo 315º [hoje artigo 194.º/1, al. b)] refere mesmo que o interesse da empresa deve “exigir” a transferência)» [Direito do Trabalho – Relações Individuais de Trabalho, Vol. I, 2007, pág. 641 e ss.].
Assim, e como se expõe no citado Acórdão da Relação de Lisboa de 05.06.2013, em «(…) situações como a dos autos, de transferência definitiva do trabalhador, tem de ser feita uma adequada e concreta ponderação dos interesses em confronto, de maneira a encontrar a solução mais eficiente e eficaz para as necessidades empresariais que reclamam a transferência, mas igualmente equilibrada por referência à posição do trabalhador, de maneira a que a sua deslocação, em face das circunstâncias concretas e conhecidas pela entidade patronal, não se revele prejudicial para aquele, para além dos limites do que é razoável e exigível. (…). Logo, a fundamentação referida no número 2 do artigo 196.º tem de especificar e concretizar, com um mínimo de detalhe e objetividade, os motivos (reais e verdadeiros) que impõem ao empregador a aludida transferência (ainda que temporária), até porque, importa não esquecer, a transferência dos trabalhadores pode constituir, para muitos empregadores (pessoas singulares ou coletivas), um meio de sancionamento, afastamento ou isolamento encapotado de empregados incómodos ou dispensáveis e/ou um “empurrão” para estes deixarem por sua iniciativa a empresa.».
Também Diogo Vaz Marecos [Código do Trabalho Anotado, 2ª edição, pág. 478] nota: «o disposto no artigo 196º visa essencialmente não só possibilitar que o trabalhador disponha de um período de tempo mínimo para organizar a sua vida, como permitir a apreciação judicial dos motivos ou fundamentos invocados para a transferência do local de trabalho. Na hipótese de um tribunal vir a sindicar a fundamentação aduzida, este encontra-se circunscrito aos motivos constantes do texto que determina a transferência, não sendo considerados os motivos que o empregador venha a apresentar em sede judicial que extrapolem a comunicação realizada».
Ou seja, o artigo 196.º exige uma comunicação escrita da determinação de transferência, devidamente fundamentada para que se possa aferir, a posteriori, da veracidade e relevância das razões que estão subjacentes à mesma. Na verificação judicial da legalidade da transferência o tribunal tem de se ater às razões estritamente invocadas pela empregadora na comunicação de transferência efetuada ao trabalhador para efeitos do artigo 194.º/1, al. b), desde logo quanto ao motivo de interesse da empregadora que exija a transferência.
Em suma, a fundamentação referida no nº 2 do artigo 196.º tem de especificar e concretizar com um mínimo de detalhe e objetividade, os motivos (reais e verdadeiros) que impõem à empregadora a aludida transferência.
Volvendo ao caso de que nos vimos ocupando, verificamos que a fundamentação que a empregadora fez constar da carta que endereçou ao trabalhador a comunicar-lhe a transferência foi a seguinte: “… nossas necessidades de serviço no nosso estabelecimento sito em E... …”.
Fazendo apelo ao já descrito quadro legal e interpretação doutrinal e jurisprudencial que do mesmo vem sendo feita, afigura-se-nos que, ressalvado sempre o devido respeito por opinião divergente, a carta aludida em 13) dos factos provados (e 15)), em que a empregadora comunica a transferência da trabalhadora, se limita, em termos de justificação, a aludir a uma mera afirmação genérica e vaga, que por isso não cumpre as exigências legais impostas nesta matéria. Com efeito, desconhece-se de todo quais são as necessidades que determinam a transferência ordenada, sendo certo que esta alegada justificação só vem a ser apresentada na nota culpa quando, como vimos, deveria constar expressamente da comunicação pela qual é determinada ao trabalhador a transferência.
Por outro lado, e face ao teor da primeira parte da alínea b) do nº 1 do artigo 194.º, o motivo de interesse da empresa tem que exigir a transferência do trabalhador, daquele particular trabalhador. Ora, manifestamente, a fundamentação aduzida – “necessidades de serviço” – não permite de modo algum aferir do nexo de causalidade entre o interesse da empregadora e a ordem de transferência daquele trabalhador em concreto.
Saliente-se, mais uma vez, que o tribunal na apreciação da legalidade da ordem de transferência apenas se pode ater às razões estritamente invocadas pela empregadora na comunicação de transferência aludida em 13) dos factos provados, não podendo ser valorados fundamentos entretanto aduzidos pela empregadora em sede de nota de culpa, de decisão de despedimento e de articulado motivador do despedimento.
Assim, e tendo presente o teor da comunicação escrita efetuada pela entidade empregadora, somos a concluir que a ordem por si emitida é substancialmente ilegítima, na medida em que não explicitou devidamente os requisitos legais dessa mesma ordem, desde logo quanto ao requisito da existência de um interesse legítimo da empresa que exigisse a transferência daquele concreto trabalhador».
Começaremos por dizer que, também aqui, acompanhamos a fundamentação do Tribunal a quo que, para além de sustentada na doutrina e jurisprudência citadas, que igualmente subscrevemos, faz a correta interpretação e aplicação da norma em causa.
A talhe de foice, refira-se que, em mais uma coincidência, o aqui relator interveio como adjunto e subscreveu o acórdão citado neste extracto da fundamentação da sentença, nomeadamente, de 05-06-2013, Relação de Lisboa de 05-06-2013 [proc.º 107/13.4TTBRR-A.L1-4, Desembargador José Eduardo Sapateiro, disponível em www.dgsi.pt].
A fundamentação, pela sua profundidade, é quanto basta para dar resposta às questões colocadas pela recorrente. Não obstante, complementarmente deixamos duas breves considerações quanto à fundamentação usada pela recorrente.
A primeira serve para assinalar que, em boa verdade, a recorrente não suscita aqui qualquer questão de direito para opor à fundamentação da sentença recorrida, limitando-se a manifestar a sua discordância quanto ao decidido.
Com efeito, por um lado nem justifica porque entende que a sua comunicação satisfaz com suficiência o que se entende por minimamente exigível quanto ao conteúdo da comunicação de transferência no que concerne à indicação dos motivos da transferência; por outro, nem tão pouco esgrime qualquer argumento para por em causa entender-se, como afirmado na sentença, “que o tribunal na apreciação da legalidade da ordem de transferência apenas se pode ater às razões estritamente invocadas pela empregadora na comunicação de transferência aludida em 13) dos factos provados, não podendo ser valorados fundamentos entretanto aduzidos pela empregadora em sede de nota de culpa, de decisão de despedimento e de articulado motivador do despedimento”. E, acrescentamos nós, ainda que venham a resultar provados, sendo por isso inútil a invocação dos pontos 30 e 31 da matéria de facto provada.
Ora, o direito ao recurso não visa conceder à parte um segundo julgamento da causa, mas apenas permitir-lhe a discussão sobre determinados pontos concretos, que na sua perspectiva foram incorrectamente mal julgados, para tanto sendo necessário que se enunciem os fundamentos que sustentam esse entendimento, devendo os mesmos consistir na enunciação de verdadeiras questões de direito, que lhe compete indicar e sustentar, cujas respostas sejam susceptíveis de conduzir à alteração da decisão recorrida.
Em poucas palavras, o recorrente deve expor ao tribunal ad quem as razões da sua discordância, procurando convencer da sua pertinência, a fim de que este tribunal se debruce sobre elas e decida se procedem ou não, coisa que aqui não acontece manifestamente.
Para sustentar a suficiência da ordem de transferência a recorrente alega, ainda, que “O Recorrido nunca colocou em causa essas necessidades de serviço nem pediu qualquer esclarecimento quanto às mesmas, pelo que compreendeu o seu teor”. Para que melhor se perceba o argumento, nas alegações diz que “[S]e o Recorrido tinha alguma dúvida relativamente às necessidades de serviço da Recorrente que justificavam a transferência, seria suficiente que lhe pedisse esclarecimentos, o que nunca fez – nem por telefone, nem nas diversas cartas que enviou à Recorrente e que se encontram juntas aos autos”.
Percorridas as peças processuais da recorrente não se encontra nelas semelhante invocação. Dai que na sentença recorrida nada se encontre a esse propósito.
Assim sendo, estamos também perante uma questão nova, por essa razão não podendo este tribunal de recurso dela conhecer, como tem sido entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência. Apenas nos casos expressamente previstos (cfr. artigo 665º nº 2, 608º, nº 2, in fine, CPC), pode o tribunal superior substituir-se ao tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Com efeito, a jurisprudência tem reiteradamente entendido que os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu” [Cfr. Acórdãos do STJ (disponíveis em www.dgsi.pt): de 22-02-2017, proc.º 519/15.4T8LSB.L1.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; de 14-05-2015, proc.º 2428/09.1TTLSB.L1.S1, Conselheiro Melo Lima; de 12-09-2013, proc.º 381/12.3TTLSB.L1.S1 e de 11-05-2011, proc.º786/08.4TTVNG.P1.S1, Conselheiro Pinto Hespanhol].
Assim, também quanto a este ponto improcede o recurso.
II.4.3 Sobre a licitude da ordem de transferência, existência de justa causa por desobediência do trabalhador e licitude do despedimento (conclusões 48 a 61];
Defende a recorrente que sendo a ordem de transferência lícita por assentar num acordo celebrado pelas partes e estar devidamente fundamentada, o trabalhador autor, ao não a acatar, incorreu em violação dos seus deveres, designadamente, de proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações (art.º 126.º/1, CT), dado ter adoptado uma postura manifestamente provocatória e desafiadora nas cartas que lhe dirigiu, sem apresentar argumento válido que obstasse à transferência do seu local de trabalho, para depois em 20 faltas injustificadas consecutivas, violando também os seus deveres profissionais de comparecer ao serviço com assiduidade e de cumprir as ordens da Recorrente respeitantes à execução do trabalho, previstos nas alíneas b) e e) do n.º 1 do art.º 128.º do Código do Trabalho.
Conclui que o despedimento do Recorrido foi lícito e fundamentado em justa causa, nos termos do art.º 351.º, n.º 1 e n.º 2, alínea e) do Código do Trabalho, errando o Tribunal a quo ao ter entendido e decidido pela ilicitude do despedimento.
Esta linha de fundamentação estava dependente da recorrente ver atendidas as suas posições quanto às questões anteriores, isto é, assenta no pressuposto de se considerar a ordem de transferência lícita.
Como não foi esse o nosso entendimento, inexiste o pressuposto base para sustentar os fundamentos desta questão, consequentemente ficando prejudicada a sua apreciação, logo, prevalecendo a conclusão que o tribunal a quo retirou, em suma, a seguinte:
-«(..) ao contrário do sustentado pela empregadora, o comportamento assumido pelo trabalhador, de recusa de cumprimento da ordem de transferência para os Açores e da sua não apresentação em tal local de trabalho, não consubstancia um comportamento ilícito nem culposo e, portanto, não consubstancia uma desobediência ilegítima.
E, assim sendo, haver-se-á de concluir que o comportamento do trabalhador não revela qualquer infração disciplinar, inexistindo justa causa para o seu despedimento, o que conduz à respetiva ilicitude, nos termos do disposto nos artigos 381.º, alínea b), com as legais consequências – artigos 389º e seguintes [neste sentido, poderão ver-se, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-05-2015, CJ nº 263, Ano XL, T. III, 2015, pág. 345, www.coletaneadejurisprudencia.com; Acórdão da Relação do Porto de 13-04- 2015, processo nº 214/14.6TTMTS.P1].
Assim, também aqui improcede o recurso.
II.4.4 Sobre a remuneração paga sob a designação de isenção de horário de trabalho [conclusões 62 a 70];
Na reconvenção o autor veio, nos artigos 45.º a 57.º, alegar que ao ser admitido pela Ré foi convencionada a retribuição mensal ilíquida de € 1.365,00, valor equivalente ao que anteriormente auferia ao serviço de outra empresa do grupo, a “I..., ACE”, acrescida de subsídio de alimentação no valor diário de € 6,53. Apenas no próprio dia da formalização da admissão do Trabalhador é que a Empregadora lhe comunicou que iria decompor a respectiva retribuição em duas rubricas: vencimento base e isenção de horário de trabalho e lhe apresentou o contrato de trabalho e o acordo de isenção de horário de trabalho.
A Directora de Recursos Humanos da Ré sublinhou que tal cisão da retribuição em retribuição base e I.H.T. se ficava a dever a alegadas razões de processamento de salários e que a quantia que lhe iria ser paga sob a denominação de isenção de horário de trabalho fazia parte integrante da respectiva retribuição e, como tal, sempre lhe seria paga. Foi-lhe também transmitido que nunca lhe seria exigido – como nunca foi – que trabalhasse em regime de isenção de horário de trabalho.
Ao longo de toda a vigência do respectivo contrato sempre cumpriu apenas o horário de trabalho acordado no contrato, 40 horas por semana, durante oito horas por dia e durante cinco dias por semana.
A própria Empregadora reconheceu que a retribuição do Trabalhador era de € 1.365,00, conforme a mesma declarou ao Consulado da República de Angola.
Por essa razão, a Ré não podia ter suprimido – como suprimiu – de forma unilateral o pagamento de tal quantia ao Trabalhador, por carta de 18/07/2017.
Nessa base, veio defender – artigos 71 a 74 da reconvenção - que a quantia que lhe era paga a título de I.H.T. - € 250,00 - deve considerar-se integrada no conteúdo do contrato individual de trabalho do Trabalhador, na medida em que o valor da retribuição convencionado a incluía, sem que estivesse dependente da não sujeição aos limites máximos do período normal de trabalho, sendo que sempre cumpriu exclusivamente o horário de trabalho e recebeu o respectivo quantitativo. A supressão daquele montante ficou a dever-se, tal como a ordem de transferência de local de trabalho para os Açores, à vontade da Empregadora prejudicar o Trabalhador. Integrando o valor pago a título de I.H.T. a sua retribuição, a supressão do pagamento de tal quantia estava vedada à Empregadora, sob pena de violação do princípio da irredutibilidade da retribuição – art. 129.º, al. d), do Código do Trabalho, devendo o mesmo ser considerado na fixação da indemnização pelo despedimento ilícito.
A recorrente, na resposta à contestação, impugnou os factos acima referidos.
Apreciada a questão, o tribunal a quo concluiu que “(..) o referido pagamento da quantia mensal de € 250,00, constituindo retribuição sem essa causa específica de atribuição – a prestação do trabalho em regime de isenção de horário de trabalho – está protegido pela chamada garantia da irredutibilidade da retribuição consagrada o artigo 129.º/1, al d) do Código do Trabalho, não sendo lícito à ré proceder à sua retirada».
Insurge-se a recorrente Ré, alegando que a remuneração em causa destina-se a compensar circunstâncias específicas em que o trabalho é prestado: a disponibilidade do trabalhador para prestar a sua actividade além dos limites máximos dos períodos normais de trabalho: mais de 8 horas por dia e 40 horas por semana.
Resulta dos registos dos tempos de trabalho do Recorrido que este não observava horas certas de entrada e saída do seu local de trabalho e que, além disso, prestou em determinados dias (23) mais de 8 horas de trabalho.
Tendo a retribuição pela isenção de horário de trabalho sido paga pela Recorrente ao Recorrido para compensar a disponibilidade deste para trabalhar além dos períodos normais de trabalho, podia ser retirada quando tal regime deixasse de aplicar-se, como efectivamente sucedeu quando a Recorrente decidiu que o Recorrido deveria passar a cumprir um horário de trabalho, por não estar sujeita ao princípio da irredutibilidade da retribuição (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-10-2016, em que é Relatora a Desembargadora Paula Leal de Carvalho, in www.dgsi.pt);
O Tribunal a quo violou, por erro de interpretação, o disposto no art.º 129.º, n.º 1, alínea d) do Código do Trabalho.
Na fundamentação da sentença, na parte em que se debruça sobre esta questão, consta o seguinte:
-«Quanto à quantia paga a título de I.H.T., considera o trabalhador que a mesma deve considerar-se integrada no conteúdo do seu contrato individual de trabalho, na medida em que foi consigo convencionado o valor da retribuição a receber incluindo o montante em causa, a sua concessão não estava dependente da sua não sujeição aos limites máximos do período normal de trabalho, uma vez que sempre cumpriu o respetivo horário de trabalho, e recebeu o respetivo quantitativo ao longo de toda a vigência do respetivo contrato de trabalho.
Vejamos
Resulta da matéria provada que contemporaneamente com o contrato de trabalho, as partes assinaram um acordo de isenção de horário de trabalho, nos termos do qual o autor iria auferir, enquanto se mantivesse em vigor tal acordo, a quantia de € 250,00 a título de retribuição por isenção de horário de trabalho. Mais se provou que o autor sempre recebeu tal quantia, até que a ré, por cartas datadas de 22 de junho, 13 de julho e 18 de julho de 2017 lhe comunicou que o mesmo deixaria de estar isento de horário de trabalho e, consequentemente, de receber a correspondente retribuição, passando a cumprir o horário das 09h00m às 13h00m e das 14h00m às 18h00m.
Uma vez que a retribuição do trabalhador goza de irredutibilidade (artigo 129.º/1, al. d) do Código do Trabalho), importa apurar se aquela prestação integra a retribuição do trabalhador e, em caso afirmativo, se a mesma podia ser retirada, sem que desse facto decorresse a violação das garantias do autor quanto à não diminuição da retribuição.
Como é sabido, o conceito de retribuição tem vários sentidos, podendo falar-se em remuneração em sentido amplo, que abrange as diversas prestações remuneratórias de que o trabalhador beneficia, e retribuição em sentido estrito ou técnico-jurídico.
O conceito técnico-jurídico de retribuição retira-se do artigo 258.º e seguintes do Código do Trabalho de 2009.
Assim, nos termos de tal disposição legal, a retribuição abrange o conjunto de valores pecuniários ou não que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o empregador está obrigado a pagar, regular e periodicamente ao trabalhador como contrapartida do seu trabalho (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida).
Como refere João Leal Amado [Contrato de Trabalho, à luz do novo Código do Trabalho, pág. 295], «a retribuição ou salário traduz-se, afinal, no preço da mercadoria força de trabalho, constituindo um elemento essencial do contrato de trabalho, enquanto obrigação capital e nuclear a cargo da entidade empregadora».
Ou seja, a retribuição é constituída por um conjunto de valores, expressos ou não em moeda, a que o trabalhador tem direito, por título contratual ou normativo, correspondente a um dever da entidade empregadora.
A primeira característica da retribuição é a de que ela representa, em princípio, a contrapartida da prestação de trabalho, como tal fixada pela vontade das partes, pelas normas que regem o contrato de trabalho ou pelos usos.
O elemento da contrapartida é, assim, um elemento de grande importância na delimitação técnica da retribuição porque permite excluir do âmbito do conceito de retribuição as prestações patrimoniais do empregador que não decorram do trabalho prestado mas prossigam outros objetivos ou tenham uma justificação diversa – é, em suma, necessário que se possa detetar uma contrapartida específica – diferente da disponibilidade da força de trabalho ou da prestação do trabalho – para que essas prestações do empregador se possam colocar à margem do salário do trabalhador.
Mas a atribuição de caráter retributivo a uma certa prestação do empregador exige também uma certa regularidade e periodicidade no seu pagamento, embora possa ser diversa de umas prestações para outras.
Essa característica tem um duplo sentido indiciário: por um lado, apoia a presunção da existência de uma vinculação prévia (quando se não ache expressamente consignada); por outro, assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador e, por essa via, confere relevância ao nexo existente entre retribuição e as necessidades pessoais e familiares daquele.
Com a expressão “regular”, a lei refere-se a uma prestação não arbitrária, que segue uma regra permanente, sendo, pois, constante. E ao exigir o caráter “periódico” para que a prestação se integre na retribuição, a lei considera que ela deve ser paga em períodos certos no tempo ou aproximadamente certos, de forma a inserir-se na própria ideia de periodicidade típica do contrato de trabalho e das necessidades recíprocas dos dois contraentes.
Assim, e como se refere no AC STJ de 13.07.2011 [www.dgsi.pt], «a retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desenvolvida, ou, mais rigorosamente, da força de trabalho por ele oferecida».
Ou seja, para a lei apenas é de qualificar como retribuição, a prestação devida ao trabalhador pelo empregador como contrapartida do seu trabalho e que, enquanto tal, revista as qualidades da regularidade e da periodicidade.
De acordo com a regra geral de distribuição do ónus da prova fixada no artigo 342.º/1 do Código Civil, compete àquele que invoca um direito fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
Deste modo, e aplicando esta regra geral do ónus da prova à matéria da retribuição, sempre que o trabalhador se pretendesse prevalecer do regime de tutela da retribuição, que a lei estabeleceu a seu favor, teria que provar que auferiu ou tinha direito a auferir determinadas prestações do empregador e que tais prestações integravam o conceito de retribuição, por corresponderem aos elementos essenciais daquele conceito.
Ora, ciente das dificuldades de prova para o trabalhador, o legislador estabeleceu a seu favor uma presunção nesta matéria, que consta do n.º 3 do artigo 258.º do Código do Trabalho de 2009 – presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
Estabeleceu-se, pois, neste normativo uma presunção juris tantum no sentido de que qualquer atribuição patrimonial efetuada pelo empregador em benefício do trabalhador, salvo prova em contrário, constitui parcela da retribuição. E conforme estatui o artigo 350.º/1 do Código Civil «quem tem a seu favor esta presunção escusa de provar o facto a que ela conduz». A existência de presunção legal importa, assim, a inversão do ónus da prova (artigo 344.º do Código Civil).
Assim, provando-se a existência de uma dada prestação patrimonial efetuada pelo empregador ao trabalhador, recairá sobre aquele o ónus de demonstrar que não se verificam, in casu, os elementos próprios e caracterizadores da retribuição.
Como nota Maria do Rosário Palma Ramalho [ob. cit., pág. 574], «para além da retribuição base, o trabalhador pode ter direito a determinados complementos remuneratórios, os quais integram ou não o conceito de retribuição, consoante partilhem os respetivos elementos essenciais. No caso afirmativo, estes complementos beneficiam da tutela da irredutibilidade e do regime da tutela dos créditos retributivos; no caso negativo poderão ser retirados ao trabalhador, se a razão pela qual foram atribuídos deixar de existir».
No caso em apreço, resultou provado que em documento autónomo, mas contemporâneo à celebração do contrato de trabalho, as partes acordaram em que o autor iria trabalhar em regime de isenção de horário de trabalho, tendo a ré, a partir desse momento, pago ao autor uma importância a esse título. A referida prestação, dadas as características da periodicidade e regularidade, não podem deixar de assumir natureza retributiva.
Todavia, e tal como vem sendo pacificamente defendido pela doutrina e jurisprudência, o princípio da irredutibilidade da retribuição não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição, estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade no trabalho, a situações de desempenho específicas ou a maior trabalho.
Como refere Pedro Romano Martinez [Direito do Trabalho, 3ª edição, pág. 595], «… os complementos salarias que são devidos enquanto contrapartida do modo específico do trabalho – como um subsídio de “penosidade”, de “isolamento”, de “toxicidade”, de “trabalho noturno”, de “turnos”, de “risco” ou de “isenção de horário de trabalho” – podem ser reduzidos, ou até suprimidos, na exata medida em que se verifiquem modificações ou a supressão dos mencionados circunstancialismos externos do serviço prestado. (…) Tais subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação base que lhes serve de fundamento».
Ou seja, é permitido ao empregador retirar ao trabalhador determinados complementos salariais se cessar, licitamente, a situação que serviu de fundamento à atribuição dos mesmos, sem que daí decorra a violação do princípio da irreversibilidade da retribuição.
Podemos, então, concluir que a ré podia retirar ao autor o pagamento da retribuição por isenção de horário de trabalho?
Parece-nos que não.
E assim é porque, desde logo, a ré não demonstrou que tivesse cessado a situação que serviu de fundamento à atribuição ao autor da isenção de horário de trabalho.
Mas, e principalmente, a resposta àquela questão não poderá deixar de ser negativa porque também não ficou demonstrado que o pagamento mensal ao autor da quantia de € 250,00 tivesse como causa específica da sua atribuição a prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho.
Com efeito, e ao invés, resultou da matéria provada que durante a vigência do contrato de trabalho o autor não trabalhou para além do seu período normal de trabalho, isto é, não trabalhou mais de 40 horas semanais e 8 horas diárias. Tal significa que, no caso em apreço, não se pode concluir que a isenção, de facto, se verificava ou, dito de outro modo, que o pagamento feito a tal título era justificado pela prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho.
Assim, o referido pagamento da quantia mensal de € 250,00, constituindo retribuição sem essa causa específica de atribuição – a prestação do trabalho em regime de isenção de horário de trabalho – está protegido pela chamada garantia da irredutibilidade da retribuição consagrada o artigo 129.º/1, al d) do Código do Trabalho, não sendo lícito à ré proceder à sua retirada».
Concorda-se com a fundamentação transcrita e, pese embora não tenham resultados provados todos os factos alegados pelo autor, consideramos que o tribunal a quo fez uma criteriosa apreciação da questão e decidiu em conformidade com o direito aplicável.
A fundamentação é clara e dá resposta às questões colocadas pela recorrente. Mas para que não suscite dúvidas, justificaremos aquela asserção com as considerações essenciais para o efeito, começando por apontar o que se provou com relevo para este ponto, nomeadamente o seguinte:
48) Ao serviço da “I..., ACE”, o autor auferia a retribuição base de € 1.330,90.
49) Nos termos da cláusula 3.1 do contrato de trabalho celebrado pelas partes, o autor “… desempenhará a sua atividade durante 5 dias por semana, com um período normal de trabalho efetivo até 8 (oito) horas diárias e 40 (quarenta) horas semanais”.
50. Em 10/08/2015, as partes assinaram o acordo de isenção de horário de trabalho junto com documento 15 com a contestação/reconvenção, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde consta, para além do mais o seguinte:
É celebrado o presente acordo de isenção de horário de trabalho, nos termos dos artigos 218.º e 219.º do Código do Trabalho, o qual se regerá pelas condições constantes das cláusulas seguintes:
1. O presente acordo é celebrado no pressuposto que o Segundo Contraente se encontra, nos termos do n.º 1 do artigo 218º do Código do Trabalho, na situação de:
a. Execução de trabalhos preparatórios ou complementares que, pela sua natureza, só possam ser efectuados fora dos limites do horário do trabalho;
2. O Segundo Contraente irá auferir, exclusivamente enquanto se mantiver em vigor o presente acordo, o valor de € 250 a titulo de retribuição por isenção de horário.
3. Durante o período em que vigorar o regime de isenção, e em virtude do mesmo, o Segundo Contraente não estará sujeito aos limites máximos do período normal de trabalho, não lhe sendo devido qualquer pagamento a título de trabalho suplementar nas termos da lei.
4. A isenção de horário de trabalho prevista neste acordo é estabelecida em benefício da Primeira Contraente, podendo esta, unilateralmente, a todo o tempo, fazer cessar esse regime.
5. O regime de isenção de horário de trabalho decorrente do presente acordo iniciar-se-á em 10/08/2015.
51) Nos termos do ponto 2 de tal acordo, o autor iria auferir “…exclusivamente enquanto se mantiver em vigor o presente acordo, o valor de € 250 a título de retribuição por isenção de horário de trabalho”.
52) O autor sempre recebeu a quantia de € 250,00 a título de isenção de horário de trabalho.
53) Durante a vigência do contrato de trabalho, o autor não trabalhou para além de 40 horas por semana, durante oito horas por dia e durante cinco dias por semana.
54) A ré declarou ao Consulado da República de Angola que o autor auferia um salário ilíquido mensal de € 1.365,00.
Da noção legal de retribuição retira-se que a mesma compreende o conjunto de valores que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em contrapartida da actividade por ele desempenhada, presumindo-se, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador (art.º art.º 258.º CT).
Como melhor elucida Monteiro Fernandes, reportando-se àquele artigo, a noção legal de retribuição consiste no conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida) [Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 479].
Assim, esta noção mais ampla de retribuição, abrange quer a retribuição base, isto é, “aquela que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido” [n.º2, al.a) art.º 250.º CT/03], quer todas as demais que tenham caráter regular e periódico, feitas directa ou indiretamente, em dinheiro ou espécie, quer seja por força da lei, quer por imposição de instrumento de regulamentação colectiva ou, ainda, decorrente de prática da empresa, também elas correspondendo ao direito do trabalhador como contrapartida do seu trabalho [n.ºs 1 e 2, art.º 249.º CT/03].
A Lei não diz quando deve considerar-se que uma prestação é regular e periódica. Como assinala aquele mesmo autor, “O problema da qualificação jurídica de cada uma das atribuições patrimoniais feitas pelo empregador ao trabalhador, por referência ao conceito de retribuição, ganhou uma acuidade singular com a amplificação do leque daquelas atribuições, na contratação colectiva e na prática das empresas. (.. ). Em muitos casos, com efeito, o trabalhador não recebe apenas da entidade patronal a quantia certa, paga no fim de cada semana, quinzena ou mês, que vulgarmente se designa salário, ordenado ou vencimento (e a que, tecnicamente, se costuma aplicar o rótulo de vencimento base). Certo é que essa prestação regular e periódica é aquela que não só pretende corresponder directamente a uma certa «medida» da prestação de trabalho, mas também acompanha um dado «ritmo» de satisfação de necessidades – a das necessidades correntes, do dia a dia – do trabalhador e da sua família” [Op. cit. pp. 476/477].
Dito de outro modo, determinada prestação integrará o conceito de retribuição se tiver sido percebida com uma regularidade e periodicidade tal que leve a concluir que criaram no trabalhador uma legítima expectativa quanto ao seu recebimento.
No caso, sendo certo que “O autor sempre recebeu a quantia de € 250,00 a título de isenção de horário de trabalho”, não há qualquer dúvida que estamos perante uma prestação paga regular e periodicamente, como tal criando no trabalhador autor uma legítima expectativa quanto ao seu recebimento e, logo, integrando o conceito legal de retribuição.
A questão colocada consiste em saber se essa prestação no valor de € 250,00 mensais, paga sob a denominação “Isenção Horário” e havendo um acordo escrito de isenção de horário de trabalho (facto 50), podia ser retirada pela empregadora sem que tal consubstanciasse violação das garantias do trabalhador quanto à não diminuição da retribuição.
Com efeito, a lei laboral consagra o denominado princípio da irredutibilidade da retribuição, actualmente expresso no art.º 129.º/1 al. d), do CT, ao estabelecer: (1) É proibido ao empregador: [d)] Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Porém, como é pacificamente entendido pela doutrina e jurisprudência, a irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares.
Aquele princípio não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho, a situações de desempenho específicas, como é o caso da isenção de horário de trabalho, ou a maior trabalho, como ocorre com a prestação de trabalho além do período normal de trabalho (vulgo, trabalho suplementar). Essas prestações remuneratórias não se encontram submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, por essa razão apenas sendo devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, sendo permitido à entidade empregadora suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição [cfr. proc.º 913/08.1TTPNF.P1.S1, Conselheiro SAMPAIO GOMES, disponível em www.dgsi.pt].
Nesse mesmo sentido, Pedro Romano Martinez, observa que «(..) os complementos salariais que são devidos enquanto contrapartida do modo específico do trabalho – como um subsídio de “penosidade”, de “isolamento”, de “toxicidade”, de “trabalho nocturno”, de “turnos”, de “risco” ou de “isenção de horário de trabalho” – podem ser reduzidos, ou até suprimidos, na exacta medida em que se verifique modificações ou a supressão dos mencionados condicionalismos externos do serviço prestado.
O princípio da irredutibilidade da retribuição não obsta a que sejam afectadas as parcelas correspondentes ao maior esforço ou penosidade do trabalho sempre que ocorram, factualmente, modificações ao nível do modo específico de execução da prestação laboral.
Tais subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação de base que lhes serve de fundamento».- [Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, pág. 595.].
Na mesma linha de entendimento, Monteiro Fernandes, reportando-se às “prestações complementares que são determinadas pela penosidade, pelo risco, pelo isolamento, etc. (..), ou seja, pelo próprio condicionalismo externo da prestação de trabalho”, para equacionar se “face ao princípio da irredutibilidade da retribuição (art.º 129.º al. d) CT), eles deverão ser mantidos mesmo quando se alterem condições externas do serviço prestado (..)”, refere que a seu ver a resposta afirmativa conduziria a um patente absurdo, para concluir, afirmando que “(..) os referidos subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação que lhes serve de fundamento (..)” [Op. cit. p. 494/495].
Em suma, parafraseando o Acórdão desta Relação e Secção 10-10-2016 [Proc.º 25236/15.6T8PRT.P1, Desembargadora Paula Leal de Carvalho, disponível em www.dgsi.pt], no qual interveio como adjunto o aqui relator, diremos:
I. O princípio da irredutibilidade da retribuição não é extensivo a toda e qualquer prestação que tenha natureza retributiva, havendo que apreciar, caso a caso, da concreta função ou razão da sua atribuição de tal modo que, cessando licitamente a causa justificativa da sua atribuição, poderá igualmente cessar o pagamento da contrapartida correspondente.
II - É este o caso da isenção de horário de trabalho, em que o trabalhador não fica sujeito, na medida da isenção concedida, aos limites do horário de trabalho fixado, podendo, dentro do limite dessa isenção, ser-lhe exigida a prestação de trabalho e sem que o trabalhador possa reclamar o pagamento do correspondente trabalho que seria considerado como suplementar. E, daí, que deva o trabalhador ser por isso compensado com a atribuição de um acréscimo remuneratório, vulgo subsídio de isenção de horário de trabalho.
III - Mas, pese embora a natureza retributiva de tal prestação, ela não está sujeita ao princípio da irredutibilidade da retribuição, podendo deixar de ser paga se cessar licitamente a causa justificativa da sua atribuição, qual seja a prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho.
Reportando-se especificamente às importâncias pagas a título de retribuição especial por isenção de horário de trabalho, no Acórdão do STJ de 9 de Janeiro de 2011 [Proc. 557/06.2TTPRT.P1.S1, Conselheiro Pinto Hespanhol, www.dgsi.pt], escreve-se o seguinte:
«(..) o regime de isenção de horário de trabalho é, por natureza, transitório e reversível, dependendo de uma acção cuja iniciativa repousa na vontade da entidade empregadora, sendo que a correspectiva retribuição especial só é devida se e enquanto o trabalhador desfrutar dele.
Assim, tal como afirma o acórdão deste Supremo Tribunal, de 9 de Janeiro de 2008, Processo n.º 2906/07, da 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt, com o n.º de documento SJ200801090029064, embora as importâncias pagas a título de retribuição especial por isenção de horário de trabalho, dadas as características de periodicidade e regularidade, não possam deixar de assumir natureza retributiva, daí não se pode concluir, sem mais, que as mesmas não possam ser retiradas».
Atento o exposto, à primeira vista pareceria que no caso nada obstaria a que a Ré tivesse feito cessar a isenção de horário de trabalho e o correspectivo pagamento. Mas não é assim, pois para que fosse era necessário que houvesse uma certeza de se estar perante uma real situação de isenção de horário de trabalho.
Ora, não podemos esquecer que a lei presume, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador (art.º art.º 258.º CT). E, tratando-se de uma presunção ilidível recai sobre a entidade empregadora o ónus de alegar e provar os factos necessários para a afastar (art.º 350.º CC).
Importa agora que nos detenhamos sobre a figura da “isenção de horário de trabalho, cingindo-nos ao actual Código do Trabalho/09, aqui aplicável, matéria regulada nos artigos 218.º e 219.º.
Num breve parêntesis assinala-se que as soluções consagradas nesses artigos acolheram o essencial do que constava estabelecido no Código do Trabalho de 2003, nomeadamente nos artigos 177.º e 178.º, sendo que nesse diploma foram introduzidas substanciais alterações quanto ao precedente regime, então regulado pelos artigos 50.ª da LCT e, especificamente, 13.º, 14.º e 15.º do Decreto-lei 409/71, de 27 de Setembro [Regime Jurídico da Duração do Trabalho].
No primeiro deles (218.º), com a epígrafe “Condições de isenção de horário de trabalho”, consta o seguinte:
1 - Por acordo escrito, pode ser isento de horário de trabalho o trabalhador que se encontre numa das seguintes situações:
a) Exercício de cargo de administração ou direcção, ou de funções de confiança, fiscalização ou apoio a titular desses cargos;
b) Execução de trabalhos preparatórios ou complementares que, pela sua natureza, só possam ser efectuados fora dos limites do horário de trabalho;
c) Teletrabalho e outros casos de exercício regular de actividade fora do estabelecimento, sem controlo imediato por superior hierárquico.
2 - O instrumento de regulamentação colectiva de trabalho pode prever outras situações de admissibilidade de isenção de horário de trabalho.
No segundo (219.º), com epígrafe “Modalidades e efeitos de isenção de horário de trabalho”, estabelece-se o seguinte:
1 - As partes podem acordar numa das seguintes modalidades de isenção de horário de trabalho:
a) Não sujeição aos limites máximos do período normal de trabalho;
b) Possibilidade de determinado aumento do período normal de trabalho, por dia ou por semana;
c) Observância do período normal de trabalho acordado.
2 - Na falta de estipulação das partes, aplica-se o disposto na alínea a) do número anterior.
3 - A isenção não prejudica o direito a dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, a feriado ou a descanso diário.
4 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no número anterior.
Não se regista alteração de relevo em relação ao precedente CT/03, apenas sendo de assinalar que o legislador veio fazer referência expressa ao “teletrabalho”, como uma das situações de “exercício regular de actividade fora do estabelecimento, sem controlo imediato por superior hierárquico”, em que é admissível a prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho. Como se assinalou, as alterações de relevo haviam já sido introduzidas com o CT/03.
A este propósito, Monteiro Fernandes observa o seguinte:
O CT inova consideravelmente nesta matéria. A isenção de horário de trabalho, outrora tratada como um mecanismo absolutamente excepcional, cuja aplicação estava sujeita a controlo administrativo – tendo em vista que a existência de horário de trabalho era de interesse de ordem pública -, é agora regulada como mais um instrumento de flexibilidade na organização do trabalho, entre outros cujo uso fica entregue à gestão dos interessados.
Desde logo, o CT admite a previsão (por via regulamentar colectiva) de novas hipóteses de isenção, para além daquelas que são contempladas nas alíneas do art.º 218.º/1.
Depois, faz depender a isenção de mero acordo das partes (empregador e trabalhador), que tem que ser escrito e enviado (para efeitos de fiscalização) à inspecção do trabalho (art. 218.º/1 e 3). Esse acordo só pode ser eficaz se ocorrer alguma das situações descritas na lei. Mas não há dúvida de que – tendo em conta o que está essencialmente em causa: a inexistência de horário de trabalho e a possibilidade de ultrapassagem dos limites de tempo de trabalho legalmente definidos – o CT baixou aqui, consideravelmente, o nível de tutela, abrindo largo espaço à transacção entre as partes» [Op. cit. p. 383].
Prossegue mais adiante para afirmar o entendimento seguinte:
- «Desta mudança de regime decorre uma consequência importante. Encarada na lei anterior, fundamentalmente como uma facilidade ou um benefício para o empregador, que, assim, adquiria um meio excepcional de dispor flexivelmente da força de trabalho, ela podia cessar por sua iniciativa unilateral, que, em regra, se exprimiria pela omissão do pedido de renovação anual a dirigir à Inspecção-Geral do Trabalho. E, cessando a isenção, cessaria também, o direito à correspondente retribuição especial. O CT, ao invés, confia a gestão do assunto a ambas as partes, faz assentar a isenção por escrito e inviabiliza, com isso, a hipótese de cessação por vontade unilateral do empregador» [Op. cit. p. 384].
Feita esta incursão sobre o regime de prestação de trabalho em isenção de horário, cabe retirar as ideias fulcrais para o caso.
A lei não admite genericamente a possibilidade do trabalhador exercer as suas funções em regime de isenção de horário de trabalho, antes a limitando quanto a determinados trabalhadores e para o exercício de determinadas funções, tipificados na lei. Para além disso, admitem-se outras situações de isenção de horário de trabalho, mas dependendo de previsão em instrumentos de regulamentação que seja aplicável em cada caso concreto.
Significa isto, pois, que é pressuposto da prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho que a actividade desenvolvida pelo trabalhador deve também estar ligada a um modo específico da prestação de trabalho, ou seja, pressupõe a existência real de uma situação prevista na lei e deve ter uma das finalidades abrangidas pelas modalidades previstas na lei.
Revertendo ao caso, resultou demonstrado que no acordo de isenção de horário de trabalho, consta, no que aqui releva, o seguinte:
-«(..)
1. O presente acordo é celebrado no pressuposto que o Segundo Contraente se encontra, nos termos do n.º1 do artigo 218.º do Código do Trabalho, na situação de:
a. Execução de trabalhos preparatórios ou complementares que, pela sua natureza, só possam ser efectuados fora dos limites do horário de trabalho.
2. O Segundo contraente irá auferir, exclusivamente enquanto se mantiver em vigor o presente acordo, o valor de € 250,00 a título de retribuição de isenção de horário.
3. Durante o período em que vigora o regime de isenção, e em virtude do mesmo, o Segundo Contraente não estará sujeito aos limites máximos do período normal de trabalho, não lhe sendo devido qualquer pagamento a título de trabalho suplementar nos termos da lei.
4. A isenção de horário de trabalho prevista neste acordo é estabelecida em benefício da Primeira Contraente, podendo esta, unilateralmente, a todo o tempo, fazer cessar esse regime.
(..)».
Por conseguinte, como decorre do texto do acordo, a alegada causa específica para a atribuição do valor de € 250,00, reside na prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho, justificada pela “Execução de trabalhos preparatórios ou complementares que, pela sua natureza, só possam ser efectuados fora dos limites do horário de trabalho”, como tal não estando “sujeito aos limites máximos do período normal de trabalho, não lhe sendo devido qualquer pagamento a título de trabalho suplementar nos termos da lei”.
Acontece, como assinala o tribunal a quo, que face à matéria de facto provada constata-se que o autor “Durante a vigência do contrato de trabalho, (..) não trabalhou para além de 40 horas por semana, durante oito horas por dia e durante cinco dias por semana”, ou seja, nunca prestou trabalho para além dos limites máximos do normal horário diário e do período normal de trabalho semanal.
O que leva a concluir que, afinal, não se verificava a situação ao abrigo da qual se pretendeu justificar o acordo de isenção de horário de trabalho e o correspondente pagamento da quantis de € 250,00, isto é, não executou trabalhos que só podiam ser “efectuados fora dos limites do horário de trabalho”, dado que nunca excedeu os “limites máximos do período normal de trabalho”.
Por conseguinte, é forçoso concluir que a Ré não ilidiu a presunção legal que leva a considerar que aquele valor se reconduz simplesmente à noção de retribuição. Não havendo uma real situação que justifique o acordo de isenção de horário de trabalho, aquela prestação de € 250,00 está protegida pelo princípio da irredutibilidade, de nada valendo prever-se naquele texto a possibilidade da Ré, “unilateralmente, a todo o tempo, fazer cessar esse regime” (ponto 4).
Foi justamente para afastar este percurso e consequente decisão, que a Ré veio aqui alegar que “Resulta dos registos dos tempos de trabalho do Recorrido que este não observava horas certas de entrada e saída do seu local de trabalho e que, além disso, prestou em determinados dias (23) mais de 8 horas de trabalho”.
Contudo, fê-lo inutilmente, dado estar a extravasar a matéria dada como provada, sendo certo que não impugnou a decisão sobre a matéria quanto aquele alegado facto, nem de resto teria fundamento para o fazer, dado que jamais fez essa alegação no articulado próprio. Na verdade, como se fez questão de assinalar, a Ré limitou-se a impugnar a matéria de facto alegada pelo autor, não contrapondo qualquer outra versão, nem alegando quaisquer factos.
Concluindo, o recurso improcede também quanto a esse ponto.
II.4.5 Na condenação no pagamento de retribuições intercalares [conclusões 71 a 74];
Insurge-se a recorrente contra a sentença, em razão do tribunal a quo ter decidido que apenas as quantias auferidas pelo Recorrido a título de subsídio de desemprego seriam deduzidas do valor das retribuições intercalares, na consideração de que não foi alegado nem provado que tivesse auferido quaisquer rendimentos em actividades iniciadas posteriormente o despedimento e por causa dele.
A parte da fundamentação da sentença posta em causa é a seguinte:
-«(..)
Para efeitos do disposto no artigo 390.º do Código do Trabalho, a este valor haverá que se deduzir o subsídio de desemprego que o trabalhador eventualmente haja auferido no mesmo período de tempo, o qual deverá ser entregue pela ré à segurança social, pois que, como se decidiu no AC TRP de 10.10.2011 [www.dgsi.pt], «já quanto à dedução prevista no n.º3 do citado artigo [montante do subsídio de desemprego auferido pelo trabalhador] independentemente da questão de ter ou não sido suscitada pelas partes, ou de se ter feito, ou não, prova do pagamento do subsídio de desemprego, acautelar tal possibilidade, prevendo e determinando na sentença a necessidade de tais descontos para o caso do referido subsídio ter sido auferido».
Não se alegou nem provou que o trabalhador tivesse auferido quaisquer rendimentos em atividades iniciadas posteriormente ao despedimento e por causa dele.
Consequentemente, em face das disposições legais acima explanadas, assiste ao trabalhador o direito de obter a condenação da entidade empregadora a pagar-lhe o valor das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, deduzindo-se a essa compensação o montante de subsídio de desemprego que eventualmente o trabalhador haja auferido no referido período temporal [montante esse que terá que ser entregue pela empregadora à Segurança Social nos termos do nº 2, al. c), do citado artigo 390.º], cuja liquidação se terá de relegar para momento oportuno nos termos do artigo 609.º/2 do Código de Processo Civil».
Sustenta a Recorrente que não tinha de alegar nem provar que o Recorrido prestou actividade profissional remunerada para outra entidade após o seu despedimento, de modo a que as importâncias assim auferidas fossem deduzidas do valor das retribuições intercalares, dado que tal obrigação de dedução resulta da lei (art.º 390.º, n.º 2 alínea a) do Código do Trabalho). Além disso, é em sede de incidente de liquidação de sentença que terá de determinar-se quais as deduções a efectuar ao abrigo do referido art.º 390.º, n.º 2 do Código do Trabalho.
Pois bem, não assiste razão ao recorrente, também aqui se acompanhando a sentença recorrida.
Em primeiro lugar, importa sublinhar que, no rigor das coisas, o recorrente não traz nenhum argumento jurídico para afirmar o contrário do que foi entendido pelo Tribunal a quo. Dito de outro modo, limita-se a contrapor a sua posição ao entendimento seguido na sentença.
Não obstante, justificaremos a nossa posição. É entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores, ao que cremos pacífico, que para poder beneficiar das deduções a que se refere a norma da alínea a), n.º2, do art.º 390.º do CT, isto é, “[A]s importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento”, no período compreendido entre o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, recai sobre a entidade empregadora o ónus de alegar e provar tal matéria na acção [cfr. Ac. TR Coimbra, de 12-11-2015, proc.º n.º 24/09.2TTLRA.C1, Desembargador Ramalho Pinto, disponível em www.dgsi.pt].
No mesmo sentido pronuncia-se o Ac. do STJ de 12-09-2012 [proc.º 154/06.2TTMTS-C.P1.S1, Conselheiro Fernandes da Silva, disponível em www.dgsi], em cujo sumário pode ler-se:
I - A imperatividade do regime legal atinente à dedução dos rendimentos de trabalho por actividade iniciada após o despedimento não dispensa o empregador de alegar e provar que o trabalhador os auferiu; sem essa alegação e prova não é possível operar/determinar a referida dedução.
(..)
III - Diversamente, a dedução do subsídio de desemprego constitui matéria de conhecimento oficioso, já que se trata de uma prestação do Estado, substitutiva da retribuição, que, uma vez recuperada, tem que ser devolvida à Segurança Social, não redundando, por isso, num qualquer benefício para o empregador».
Reportando-se a esse aresto, também no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10/09/2014 [proc.º 4463/09.0TTLSB.L1-4, Desembargador Duro Mateus Cardoso, disponível em www.dgsi.pt], afirma-se o seguinte: III – A dedução do subsídio de desemprego deve ser ordenada, até oficiosamente, mas importâncias que o trabalhador tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, constituem matéria de excepção que a entidade empregadora deve alegar concretamente e provar.”
No mesmo sentido pronunciou-se também esta Relação, em mais do que um aresto, citando-se aqui pelo expressivo sumário o Acórdão de 11-01-2011 [Proc.º 71/09.0TTSTS.P1, Desembargador António José Ramos, disponível em www.dgsi.pt], onde se lê:
«I – Face à sua conexão com o direito estabelecido pelo nº 1 do artº 437º do CT, as deduções previstas nos nº 2 e 3 deste normativo, funcionam como factos extintivos do direito, no todo ou em parte, às retribuições intercalares conferidas por aquele nº 1, competindo, assim, à entidade empregadora contra quem é invocado o direito a estas retribuições a prova daqueles factos extintivos.
II – Recai sobre a entidade empregadora o ónus da prova da percepção pelo trabalhador de rendimentos de trabalho em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento que fundamenta a dedução na importância das retribuições que o trabalhador deixou de auferir, bem como o dos montante do subsídio de desemprego auferidos pelo trabalhador.
III– A dedução prevista no nº 2 do artigo 437º do CT, não é de conhecimento oficioso, dependendo o seu conhecimento da alegação e prova que o trabalhador auferiu rendimentos de trabalho por actividade iniciada após o despedimento.
IV – Já quanto á dedução prevista no nº 3 do citado artigo [montante do subsídio de desemprego auferido pelo trabalhador] independentemente da questão ter ou não sido suscitada pelas partes, ou de se ter feito, ou não, prova do pagamento de subsídio de desemprego, sempre deverá o tribunal, oficiosamente, acautelar tal possibilidade, prevendo e determinando na sentença a necessidade de tais descontos para o caso do referido subsídio ter sido auferido”.
Partilhando o mesmo entendimento, desta Relação podem ver-se, de entre os arestos publicados em www.dgsi.pt, os seguintes:
- Ac. de 28-03-2011 [proc.º 340/07.8TTOAZ-B.P1, Desembargador Ferreira da Costa];
-Ac. de 28-11-2011 [proc.º 154/06.2TTMTS-C.P1, Desembargadora Fernanda Soares];
- Ac. de 18/11/2013 [proc.º n.º 170/07.7TTVFR.P2, Desembargador Eduardo Petersen Silva];
- Ac. de 17-11-2014 [proc.º 422/12.4TTGDM.P1, Desembargador António José Ramos];
Por conseguinte, sem necessidade de outras considerações, conclui-se pela improcedência do recurso também quanto a esta questão.
II.4.6 Ao ter condenado a R. no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais [conclusões 75 a 87];
Prossegue a recorrente, agora discordando da sentença por a ter condenado no pagamento de uma indemnização por danos morais ao recorrido autor, no valor de Euros 1.500,00.
O Tribunal a quo chegou a essa decisão com base na fundamentação seguinte:
«Impõe-se agora apreciar a peticionada indemnização por danos não patrimoniais.
Neste particular, peticionou o trabalhador a condenação da empregadora a pagar-lhe a uma indemnização de € 1.500,00 a título de danos não patrimoniais.
Nos termos do disposto no artigo 389.º/1, al. a) do Código do Trabalho, «sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado a indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais».
A obrigação de indemnizar, em sede de responsabilidade civil por facto ilícito, tem como suposição, para além da verificação do facto, que este seja imputável ao lesante a título de culpa e que exista um nexo de causalidade entre o mesmo facto (ilícito) e um resultado (danoso) (artigos 483.º e 563.º do Código Civil).
Verificada a existência de culpa e o nexo causal entre o facto praticado pelo agente e o dano, conclui-se existir obrigação de indemnizar, em sede de responsabilidade civil por facto ilícito, pelo que se impõe, então, com vista a determinar o quantitativo indemnizatório, avaliar os danos produzidos e aferir do grau de responsabilidade do autor da lesão, que terá de ser feita em função da sua maior ou menor culpabilidade, da situação económica deste e do lesado e das demais circunstâncias do caso (artigo 494.º do Código Civil). Note-se que é ao devedor que cabe provar que a falta de cumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua (artigo 799.º/1 do Código Civil).
E a obrigação de indemnizar é extensível aos danos não patrimoniais, pois estabelece o artigo 496º/1 do Código Civil que «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», sendo que o n.º 3 do mesmo preceito, reportando-se à mesma indemnização, acrescenta que «o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso as circunstâncias referidas no artigo 494.º ...», ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Tal como vem sendo entendido pela doutrina e jurisprudência, a indemnização por danos não patrimoniais, prevista no mencionado artigo 496.º do Código Civil, assume a natureza de uma compensação com que se visa, através da atribuição de uma prestação pecuniária, atenuar de algum jeito o desgosto, a dor o sofrimento suportado e/ou a suportar pelo lesado, proporcionando-lhe a possibilidade de angariar um acréscimo de bem-estar capaz de compensá-lo pelos desgostos, as dores ou o sofrimento suportados ou que haja de suportar.
Em se tratando de uma compensação, todas as circunstâncias do caso têm de ser devidamente valoradas, sem esquecer, como refere Antunes Varela [Das Obrigações em Geral, 1º volume, pág. 627-628], que «o montante da reparação deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida».
No caso em apreço, resultou demonstrado nos autos que o autor foi alvo de um despedimento que o tribunal considerou ilícito. Mais se provou que a ordem de transferência do seu local de trabalho para os Açores, a recusa da prestação de trabalho no local de trabalho sito no ... e a nova cessação do contrato de trabalho agravaram o síndrome depressivo com insónia, ansiedade e ataques de pânico que o mesmo já vinha sentindo, o que determinou a necessidade de acompanhamento médico e medicamentoso.
Como é sabido, a estabilidade no emprego é constitucionalmente protegida, sendo indiscutível o valor e a importância que ele representa na estabilidade psíquica do trabalhador, quer pela perda do direito ao trabalho, quer pelas repercussões financeiras que a mesma poderá, o que acontece na maioria das vezes, ter na vida pessoal do trabalhador [cfr. AC TRP de 18.06.2008, www.dgsi.pt].
Ora, temos para nós que o agravamento do estado depressivo em que o autor já se encontrava, determinado pelo comportamento da ré que culminou com um novo despedimento, é suficientemente grave para merecer a tutela do direito, afigurando-se-nos adequada, proporcional, equitativa e suficiente à dimensão dos danos apurados, a compensação de € 1.500,00 peticionada».
Defende a recorrente o seguinte:
-O Tribunal a quo considerou um pretenso agravamento de danos de que já padecia o recorrido, mas não ficou provada a medida de tal agravamento, não sendo possível estabelecer um nexo de causalidade entre o despedimento do Recorrido e os danos que o mesmo alegou.
- A Recorrente não sabe se está a ressarcir danos actuais ou passados, de cujo ressarcimento foi absolvida no âmbito do referido processo n.º 5527/16.0T8MAI.
- Ao condenar a Recorrente no pagamento d indemnização por danos não patrimoniais sem estabelecer qualquer nexo de causalidade entre os seus alegados o Tribunal a quo violou o disposto no referido art.º 563.º do Código Civil.
E, para sustentar esses argumentos, alega o que segue:
- O Recorrido já estava a ter acompanhamento médico e medicamentoso, pelo menos, desde Março de 2017, pelo que não foi a cessação do contrato de trabalho do Recorrido a determinar que o mesmo necessitasse de acompanhamento médico e medicamentoso.
- No processo n.º 5527/16.0T8MAI, que correu termos no Juízo do Trabalho da Maia – Juiz 2, o recorrido pediu que lhe fosse paga pela Recorrente uma indemnização por danos morais no valor de Euros 2.000,00, tendo o Tribunal julgado esse pedido totalmente improcedente.
- Os sintomas alegados pelo Recorrido (síndrome depressivo com insónia, ansiedade e ataques de pânico) em nada são compatíveis com a postura e comportamento que o mesmo assumiu após lhe ter sido comunicada a transferência do local de trabalho, de permanente provocação e desafio da Recorrente;
A argumentação é esforçada, mas não impressiona e muito menos convence.
Provou-se que [56] “A ordem de transferência de local de trabalho para os Açores, a recusa de aceitação da prestação de trabalho do trabalhador no local de trabalho sito no ..., em ... e a nova cessação do contrato de trabalho do trabalhador agravou o síndrome depressivo com insónia, ansiedade e ataques de pânico recorrentes deste”; [57] O que determinou a necessidade de acompanhamento médico e medicamentoso.
Foi com base nestes factos que o Tribunal a quo, estribado na fundamentação que antes enuncia, concluiu
“que o agravamento do estado depressivo em que o autor já se encontrava, determinado pelo comportamento da ré que culminou com um novo despedimento, é suficientemente grave para merecer a tutela do direito, afigurando-se-nos adequada, proporcional, equitativa e suficiente à dimensão dos danos apurados, a compensação de € 1.500,00 peticionada”.
Entendimento que merece a nossa concordância, conforme passamos a justificar.
Com o Código do Trabalho de 2003, o legislador veio pôr à dúvida que porventura ainda subsistisse de que o despedimento ilícito conferia ao trabalhador o direito a ser indemnizado pelos danos não patrimoniais decorrentes do despedimento ilícito (art.º 436.º 1 do CT/03).
Aquela norma consta actualmente no art.º 389.º 1 do CT/09, dispondo que [1]Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado: [a] A indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais”.
A condenação nessa indemnização dependerá sempre da verificação dos respectivos pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente, para além do facto ilícito e culposo (o despedimento ilícito), a verificação de danos não patrimoniais com gravidade bastante para serem merecedores da tutela do direito (art.º 496º nº 1 do CC) e o respectivo nexo de causalidade.
Sobre o que se deve entender por danos não patrimoniais, elucida Antunes Varela que, ao lado dos danos pecuniariamente avaliáveis “há outros prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização” [Das Obrigações em geral, Vol. I., 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1980, p. 496].
O Código Civil admite a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, mas limitando-a àqueles “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” [art.º 496.º/1 CC].
Em anotação ao artigo 496.º do CC, Pires de Lima e Antunes Varela, observam que “[A] gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)”, deixando igualmente nota, em linha com o entendimento da jurisprudência do STJ que sinalizam, que “[O]s simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos morais” [Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 499].
Atendendo a este quadro legal, conforme é entendimento pacífico da jurisprudência, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, “em direito laboral para haver direito à indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá o trabalhador que provar que houve violação culposa dos seus direitos, causadora de danos que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objectivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável” [Ac. STJ de 15-12-2011, Recurso n.º 588/08.87TTVNG.P1.S1 - 4.ª Secção, Conselheiro Pereira Rodrigues, disponível em sumários de acórdãos de 2011, www.stj.pt.; e, Ac. STJ de 19 de Abril de 2012, proc.º 1210/06.2TTLSB.L1.S1 , Conselheiro Gonçalves Rocha, disponível em www.dgsi.pt].
Por último, importa referir que de acordo com as regras gerais sobre o ónus de prova, sobre o trabalhador recaí o ónus de alegar provar a existência dos danos não patrimoniais, bem como a sua gravidade o nexo de causalidade com o facto ilícito (artigo 342º, nº 1 do CC), para se poder fixar o montante da indemnização segundo equidade (art.º 496.º/4 CC).
Contrariamente ao alegado pela recorrente, há um real “agravamento do estado depressivo”, o que vale por dizer, dos danos, não tendo a recorrente fundamento para questionar essa realidade, referindo-se-lhe como “pretenso agravamento”. Por outro lado, também não tem razão quando diz que “não ficou provada a medida de tal agravamento”. O uso da expressão “agravar” num contexto de diagnóstico médico, significa “aumento da gravidade ou da intensidade de uma doença, sintoma” [https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/agravamento], que foi o que sucedeu no caso, sendo o oposto de melhorar.
No caso, tendo o autor obtido vencimento na anterior acção que reconheceu a ilicitude do despedimento efectuado pela Ré e, para além do mais, determinou a sua reintegração, seria expectável, em termos de normalidade das coisas, que recuperasse do estado depressivo, caso a Ré tivesse cumprido com boa-fé a decisão que lhe foi desfavorável. Mas assim não sucedeu e por razões que bem se percebem, pois ao ver solucionado aquele litígio, o autor imediatamente foi confrontado com uma ordem de transferência ilícita e com grande impacto na sua vida pessoal, dado ter-lhe sido determinado que passasse a trabalhar nos Açores, gerando imediatamente novo conflito laboral, que implicou a necessidade de recusa do cumprimento da ordem ilícita, facto de que a Ré se serviu para lhe instaurar o processo disciplinar que se seguiu, o qual veio a culminar com a decisão de despedimento ilícito, desta feita por estar fundada em pretensa justa causa.
São essas as razões que determinaram um dano concreto e autónomo, traduzido no agravamento do síndrome depressivo com insónia, ansiedade e ataques de pânico recorrentes, determinando – ou exigindo, ou implicando – como consequência, “a necessidade de acompanhamento médico e medicamentoso”.
Alega a recorrente que na anterior acção não foi atendido o pedido de danos morais ai formulado pelo autor. Com o devido respeito, não vimos qual a relevância desse facto para a apreciação do presente litígio, nem a recorrente o logrou explicar.
O mesmo é de dizer, quando vem alegar que os sintomas invocados pelo Recorrido (síndrome depressivo com insónia, ansiedade e ataques de pânico) em nada são compatíveis com a postura e comportamento que o mesmo assumiu após lhe ter sido comunicada a transferência do local de trabalho, de permanente provocação e desafio da Recorrente. O facto está provado e, diga-se, entre outros meios de prova, por testemunho médico.
O agravamento do síndrome depressivo com insónia, ansiedade e ataques de pânico recorrentes reflecte-se de modo relevante na estabilidade psicológica do trabalhador, consubstanciando um dano não patrimonial com gravidade suficiente para ser merecedor da tutela do direito.
Mostram-se, pois, verificados os requisitos necessários para a procedência do pedido, como bem entendeu o Tribunal a quo.
Improcede, pois, mais esta parte do recurso.
II.4.7Na fixação dos juros de mora sobre aquela indemnização [conclusões 88 a 91].
Por último, a recorrente discorda da sentença em razão do Tribunal a quo ter decidido que decidiu que o valor da indemnização por danos não patrimoniais vence juros calculados a partir da data de prolação da sentença.
Em causa está, agora, a parte da fundamentação da sentença que segue:
- «Sobre esta quantia acrescem juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, a calcular a partir da data da prolação da presente sentença e até efetivo e integral pagamento (artigo 804.º, 805.º/1, 806.º/1 e 2 do Código Civil e Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2002, de 09/05, in DR, I-Série A, de 27 de junho de 2002)».
Defende a recorrente que nos termos do art.º 806.º, n.º 1 do Código Civil, “na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora”, pelo que apenas existirá mora após o trânsito em julgado da sentença, e não logo após a sua prolação, estribando-se no Acórdão do STJ de 26-11-2015 [Proc.º n.º 30516/11.7T2SNT.L1.S1, Conselheiro Orlando Afonso, disponível em www.dgsi.pt].
O tribunal a quo fez apelo ao Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº. 4/2002, de 9 de Maio [publicado no DR n.º 146/2002, Série I-A de 2002-06-27 e também disponível em www.dgsi.pt], aresto que se pronunciou no sentido de que “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.
Como se observa no Acórdão do STJ de 13-07-2004 [proc.º 04B2616, Conselheiro Salvador da Costa, disponível em www.dgsi.pt], a doutrina fixada naquele aresto “assenta na ideia de uma decisão actualizadora da indemnização em razão da inflação no período compreendido entre ela e o momento do evento danoso, decisão que, tendo em conta a motivação daquele Acórdão, tem que ter alguma expressão no sentido da utilização, no cálculo da indemnização ou da compensação, do critério da diferença de esfera jurídico-patrimonial a que se reporta o nº. 2 do artigo 566º do Código Civil, incluindo a menção à desvalorização do valor da moeda”.
Foi em atenção à doutrina fixada naquele aresto que o tribunal a quo decidiu serem devidos juros de mora sobre a indemnização fixada naquela data, a calcular a partir da data da prolação da sentença e até efetivo e integral pagamento.
No acórdão do STJ, de 26-11-2015, invocado pelo recorrente, consta da respectiva fundamentação, na parte que aqui interessa, o seguinte:
A segunda questão invocada pelos recorrentes é a respeitante aos juros de mora devidos.
Aqui há que distinguir os juros de mora decorrentes dos danos não patrimoniais e os demais juros em que os recorrentes foram condenados. O momento inicial da contagem dos juros depende da actualização ou não do montante a indemnizar. Se o Tribunal actualizar o montante do dano indemnizado para reparar o prejuízo que o lesado efectivamente sofreu, os juros moratórios não poderão ser concedidos desde a citação por tal representar uma duplicação de parte do prejuízo, de facto, ocorrido.
É esta a tese do Acórdão Uniformizador nº4/2002 que diz: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº2 do art.566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto no art.805ºnº3 (interpretado restritivamente) e 806ºnº1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação”.
A obrigação de indemnizar, em regra, nasce no próprio momento da prática do acto ilícito, (veja-se Prof. Pessoa Jorge in Lições de Direito das Obrigações, pag.607) no entanto, no que aos danos não patrimoniais tange, é necessário, primeiro definir se estes, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito e, em segundo lugar, determinar (equitativamente) o montante dos danos a compensar.
Ao contrário dos danos patrimoniais cujo valor poderá já estar determinado na petição inicial, a obrigação de indemnizar relativa aos danos morais apresenta-se por definir e de objecto indeterminado, pois ignora-se se os danos efectivamente se verificaram e qual o valor da indemnização.
A existência de danos não patrimoniais (tutelados pelo direito) só se fixa com a decisão que os reconheceu e daí que o devedor só fique constituído em mora após o trânsito em julgado da referida decisão, devendo os juros ser contados a partir do dia da constituição da mora (art.806ºnº1 do CC).
É certo que de acordo com o art.º805ºnº2 b) do CC há mora do devedor, independentemente de interpelação, se a obrigação provier de facto ilícito, só que o alcance desta disposição se reconduz, pelas razões atrás expostas, à obrigação de indemnizar por danos patrimoniais».
Salvo melhor opinião, se bem interpretamos este aresto, não diverge da doutrina afirmada pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2004, que, de resto, expressamente invoca. Repare-se que a conclusão assenta na consideração do mesmo pressuposto, ou seja, que “[A] existência de danos não patrimoniais (tutelados pelo direito) só se fixa com a decisão que os reconheceu”.
Seja como for, não vimos razões para pôr em causa o decidido, crendo-se que fez a correcta aplicação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2004.
Conforme decorre literalmente do art.º 628.º do CPC, o trânsito em julgado ocorre quando uma decisão já não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação. Verificada tal insusceptibilidade, forma-se caso julgado, que se traduz na impossibilidade da decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.
Como melhor elucida Antunes Varela [com Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1985, p. 701/702]:
O efeito mais importante a que a sentença pode conduzir é o caso julgado.
Diz-se que a sentença faz caso julgado quando a decisão nela contida se torna imodificável. A Imodificabilidade da decisão constitui assim a pedra de toque do caso julgado. A sentença converte-se em caso julgado quando os tribunais já não a podem modificar. Para que tal conversão se opere, é necessário que a decisão transite em julgado
Daí que, transitada em julgado, a sentença (ou decisão) confirmada produz efeitos quanto ao decidido desde a sua prolação e não apenas após a data em que se verificou o trânsito em julgado. O trânsito em julgado é a condição para que possa produzir efeitos, mas estes não se geram apenas a partir desse momento, antes sendo reportados à data da decisão.
Revertendo ao caso, significa isto que transitada em julgado a sentença e confirmado o decidido, os juros de mora são devidos desde a data em que foi fixada a indemnização por danos não patrimoniais, o que bem se compreende, pois como elucida o Acórdão do STJ de 11-02-2015 [proc.º 6301/13.0TBMTS.S1, Conselheiro Helder Roque, disponível em www.dgsi.pt] - reportando-se igualmente à doutrina do AUJ 4/2002- de outro modo existiria um lapso temporal, maior ou menor, ficando aquele valor actualizado sujeito ao fenómeno da erosão monetária, com a consequente e injustificável lesão dos interesses do credor, no caso o autor.
Só assim não aconteceria em caso de alteração da sentença quanto ao segmento decisório que fixou a indemnização por danos não patrimoniais.
Concluindo, também quanto a este ponto improcede o recurso.
II.3.2
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas do recurso a cargo da recorrente Ré, atento o decaimento (art.º 527.º 2, CPC).

Porto, 11 de Abril de 2019
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira