Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
210/19.7T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: SISTEMA RETRIBUTIVO
ALTERAÇÃO
MOTORISTA TIR
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RP20211018210/19.7T8MTS.P1
Data do Acordão: 10/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO DA RÉ, IMPROCEDENTE;
RECURSO DO AUTOR, PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Legislação Nacional: CLÁUSULA 74º N.º7 DO CCT
Sumário: I - Por regra, a entidade patronal não pode unilateralmente modificar o sistema retributivo dos seus trabalhadores, no que concerne aos elementos que derivam da lei ou dos instrumentos de regulamentação colectiva.
II – Pese embora isso, nada impede que tal retribuição seja alterada por acordo entre as partes contratantes, ou mesmo unilateralmente, através de um compromisso vinculativo para a entidade patronal, desde que daí resulte um regime mais favorável para o trabalhador, sendo que a prova dessa favorabilidade compete ao empregador (art. 342º, nº 2, do CC).
III - Não faz prova de que se destinavam ao pagamento da prestação retributiva prevista na cláusula 74ª nº7 do CCT, a existência de recibos de vencimento, em que se menciona a atribuição de valores ao trabalhador, constantes de verbas, denominadas de “ajudas de custo internacional”, caso a empregadora não demonstre que havia um acordo para essa substituição.
IV - O nº 7 da cláulsula 74ª do CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE nº 9, 1ª série, de 08.03.1980, prevê uma retribuição que acresce à retribuição normal ou de base, tendo em conta as características e condições em que os trabalhadores motoristas de TIR prestam a sua actividade.
V - Retribuição, esta que não tem a ver com a efectiva realização de trabalho extraordinário, prendendo-se a referência a “trabalho extraordinário”, tão só, com o modo de cálculo da mesma, que nos termos da cláusula 40º daquela CCT, é remunerada com o adicional de 50% na primeira hora e 75% nas horas ou fracções subsequentes.
VI - A base de cálculo de prestação complementar ou acessória, quando disposição legal, convencional ou contratual não disponha em contrário, é a retribuição delineada no critério supletivo constante do art. 262.º nº1 do CT/2009.
VII - Donde, no âmbito deste Código, inexistindo disposição em contrário, as prestações retributivas referentes à cláusula 74ª nº7 e ao prémio TIR não devem ser consideradas no subsídio de Natal, cujo valor, sendo de um mês de retribuição, se reconduz ao somatório da retribuição base e diuturnidades.
VIII - A condenação como litigante de má fé assenta num juízo de censura sobre um comportamento que se revela desconforme com um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de Direito.
IX – Assim sendo, a sanção por litigância de má fé apenas pode e deve ser aplicada aos casos em que se demonstre, pela conduta da parte, que ela quis, conscientemente, litigar de modo desconforme ao respeito devido não só ao tribunal, como também ao seu antagonista no processo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 210/19.7T8MTS.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 3
Recorrente: B…
Recorrida: C…, Lda

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO
O A., B…, titular do NIF ………, residente na Rua …, n.º .., 3º Esq., Póvoa de Varzim intentou a presente acção de processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra C…, Lda., pessoa coletiva nº ………, com sede na Rua …, n.º …, ..., pedindo que deve, “a presente acção ser julgada procedente por provada e em consequência:
I) que reconheça, confirme e verifique os créditos supra referidos, nos montantes que lhe são devidos (de cláusula 74 5.013,00€; prémio TIR 12,00€; subsidio de natal 922,87€; subsidio de férias 2.481,66€; férias não gozadas 4.407,63€ trabalho em dia de descanso ou feriados 5.079,84€) acrescidos de juros à taxa legal, vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento:
II) seja a Ré notificada para juntar aos autos cópia dos registos de tacógrafo, declarações de actividade e recibos de vencimento do Autor;
III) seja a Ré condenada a regularizar a situação contributiva do Autor junto do Instituto de Segurança Social IP;”.
Fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, que trabalhou por conta da ré desde 10/10/2016, com as funções de motorista na condução de veículos pesados de mercadorias, em solo internacional, contrato de trabalho este que cessou a 16/1/2018 por o ter denunciado.
Mais, alega que, apesar das funções que exercia nunca a ré lhe pagou o valor correspondente à cláusula 74ª do CCT aplicável nem o prémio TIR, os quais deverão acrescer aos subsídios de férias e de natal.
Por fim, alega que lhe é devido o valor correspondente a férias não gozadas, trabalho suplementar em dia de descanso ou feriados.
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Realizada a audiência de partes sem acordo, foi a R. notificada para contestar, o que fez, nos termos que constam a fls. 34 e ss., por impugnação, invocou a prescrição do direito a que o autor se arroga e deduziu reconvenção.
Conclui que “deve:
a. ser declarado prescrito o alegado direito de crédito do Autor;
(caso assim não se entenda,)
b. a presente ação ser julgada improcedente por não provada, exceto na quantia de € 12,00;
c. ser considerada procedente a reconvenção e em consequência ser o Autor condenado a pagar à Ré a quantia de € 557,00, deduzida do crédito daquele de € 12,00, no valor total de € 545,00.”.
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O A., respondeu nos termos que constam a fls. 53 e ss., insurgindo-se contra a invocada prescrição do seu crédito e contestou o pedido reconvencional, invocando a prescrição do crédito a que a ré se arroga.
Termina que “deve a presente acção ser julgada procedente por provada e em consequência:
I) Ser declarada improcedente a exceção invocada pela Ré, sendo a mesma condenada pelo pedido peticionado na P.I.
II) Ser declarada procedente a exceção invocada pelo Autor, sendo absolvido do pedido reconvencional da Ré.
III) Seja a Ré notificada para a juncão da documentação supra solicitada.”.
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Em sede de audiência prévia, foi admitido o pedido reconvencional, fixado o valor da causa em € 18.471,87, proferido saneador tabelar e despacho a julgar improcedente a excepção da prescrição invocada pela ré, procedente a excepção de prescrição do direito da ré e, nessa medida, improcedente o pedido reconvencional e dispensada a identificação do objecto do litígio e dos temas de prova.
Realizada a audiência de julgamento, nos termos documentados na acta de fls. 151 e ss., foram os autos conclusos e proferida sentença que terminou com a seguinte decisão:
Nestes termos, e por todo o exposto:
a) julgo parcialmente procedente o pedido formulado nos autos, pelo que condeno a ré a pagar ao autor a quantia global de €4.976,64, respeitando a quantia de €4.722,84 à compensação prevista na cláusula 74ª, n.º 7, do CCT e a quantia de €253,80 a prémio TIR em falta;
b) absolvo a ré da instância em relação ao pedido formulado sob a alínea III) do petitório.
Custas a cargo de autor e ré, na proporção dos respetivos decaimentos.
Notifique. Registe.”.
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Inconformados com esta, a R. e o A. apresentaram recurso.
A Ré, nos termos das alegações juntas a fls. 162 e ss., que finalizou com as seguintes “CONLUSÕES
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O A., nos termos das alegações, juntas a fls. 167 e ss., que finalizou com as seguintes “CONCLUSÕES:
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Não foram oferecidas contra-alegações.
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Admitidos os recursos, ambos como apelação com efeito devolutivo, foi ordenada a subida dos autos a esta Relação.
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O Ex.mo Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do art. 87º nº 3, do CPT, no sentido de parcial procedência de ambos os recursos.
Notificadas deste as partes nada disseram.
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Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.
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É sabido que, salvo as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito a este Tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas (cfr. art.s 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 608º nº 2, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, as questões suscitadas e a apreciar consistem em saber:
Recurso da Ré:
- se o Tribunal “a quo” errou, ao não dar como provado que a título da compensação prevista na cláusula 74ª, nº 7 do CCT, a Ré pagou as quantias descritas nos recibos de vencimento como “ajudas de custo internacional”.
- Recurso do Autor:
- se ocorre contradição entre o ponto 5 da matéria de facto dada como provada e a al. b) do que não se provou;
- se o Tribunal “a quo” errou, na resposta dada ao ponto 8, da matéria de facto fixada;
- se são devidos ao A. os créditos laborais peticionados por trabalho prestado em dia de descanso semanal;
- se errou, ao não condenar a Ré a pagar ao A. o montante global de € 4.407,63 a título de férias não gozadas;
- se errou, no cálculo que efectuou quanto à cláusula 74ª nº 7 do CCT;
- se errou, ao não condenar a Ré a pagar a quantia global de € 922,87 a título de subsídio de natal e € 2.481,66 a respeito de subsídio de férias, no tocante aos anos de 2016 a 2018;
- se deve a Ré ser condenada a pagar ao A. € 12,00 de prémio TIR; - se deve a Ré ser condenada como litigante de má-fé.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS:
A 1ª instância considerou, “Estão provados os seguintes factos:
1. O autor celebrou contrato de trabalho com a Ré a 10 de Outubro de 2016, com a categoria profissional de motorista, mediante o pagamento da retribuição mensal de €550,00, acrescida do prémio TIR no valor mensal de €105,75 e “prémio, referente à Cláusula 74 do CCTV, correspondente a uma compensação de duas horas extraordinárias, como compensação pelas despesas suportadas no estrangeiro” (cláusulas 2ª e 4ª do contrato celebrado entre as partes, junto a fls. 9 dos autos).
2. O autor exercia as funções de motorista de veículos pesados em solo internacional.
3. Por carta remetida à ré, com aviso de receção, datada de 11/1/2018 e recebida por esta a 18/1/2018, declara o autor comunicar que “por motivos particulares, denuncia o contrato de trabalho, não cumprindo os dias do aviso prévio a que está vinculado.
(…)
Esta rescisão produzirá todos os seus efeitos a partir do dia 15 de janeiro de 2018, data em que cessarei todas e quaisquer funções laborais para a empresa”.
4. A título de prémio TIR a ré pagou ao autor a quantia mensal de €105,00.
5. Em regra, o autor iniciava as suas viagens durante o dia de Domingo.
6. Nos meses de outubro de 2016 a dezembro de 2017 o autor recebeu todos os meses uma quantia variável, à razão de €72,72 por dia, que era identificado como “ajudas de custo internacional” nos recibos de vencimento.
7. O autor não exerceu qualquer atividade para a ré no mês de janeiro de 2018, não se tendo apresentado ao trabalho.
8. O autor auferiu retribuição a título de trabalho suplementar nos meses de outubro a dezembro de 2016, janeiro a agosto de 2017.
9. No ano de 2016 o autor auferia a retribuição base de €550,00 e no ano de 2017 auferia a retribuição base de €557,00.
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De resto não se provou:
a) que o autor tenha deixado de gozar dias de férias;
b) que o autor tenha trabalhado 12 domingos no ano de 2016; 52 domingos no ano de 2017 e 2 domingos no ano de 2018;
c) que a rubrica “ajudas de custo internacional” que consta nos recibos de vencimento do autor se destinasse a pagar a compensação prevista na cláusula 74ª do CCT aplicável;
d) o alegado pelo autor nos artigos 25º, 26º e 29º do articulado de resposta.”.
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B) - O DIREITO
Previamente, a iniciarmos, a apreciação das questões colocadas em ambos os recursos, importa que se refira qual o direito substantivo aplicável e relevante para a apreciação daquelas, o que, aliás, as partes não questionam.
Assim, tendo a relação laboral entre o autor e a ré se iniciado em Outubro de 2016 e terminado em Janeiro de 2018, em plena vigência do actual Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, não se suscitam dúvidas que, caberá atender ao mesmo e, por outro lado, atender ao contrato colectivo de trabalho celebrado entre a ANTRAM - Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e a FESTRU - Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários Urbanos, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 9, de 8 de Março de 1980, com a revisão publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 16, de 29 de Abril de 1982, que as partes reconhecem como aplicável à relação laboral entre elas estabelecida, pese embora, não se ter apurado a filiação de cada uma na respectiva associação subscritora daquele instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, mas, dado a mesma ser sempre aplicável por força das diversas Portarias de Extensão (PE), designadamente a publicada no BTE, 1ª série, n.º 33, de 8 de Setembro de 1982, atendendo à actividade desenvolvida pela Ré, bem como às funções desempenhadas pelo autor ao seu serviço.
E, sendo certo, como bem se notou na decisão recorrida que recentemente, este CCT foi revisto pelo CCT celebrado entre as mesmas entidades e publicado no BTE n.º 34 de 15/9/2018 é, também certo que a mesma não tem aplicação no caso (pois o contrato de trabalho celebrado entre as partes findou em Janeiro de 2018). A Portaria de Extensão n.º 287/2018, publicada no DR, 1ª Série, de 24 de Outubro, alarga de igual modo a sua aplicação a todos os empregadores que se dediquem ao transporte rodoviário de mercadorias e trabalhadores ao seu serviço.
Vejamos, então.
Começando pelo recurso da Ré.
Analisemos, se o Tribunal “a quo” errou, ao não dar como provado que a título da compensação prevista na cláusula 74ª, nº 7 do CCT, a Ré pagou as quantias descritas nos recibos de vencimento como “ajudas de custo internacional”.
O Tribunal “a quo” concluiu que, “não logrou a ré provar que as quantias pagas ao autor a título de ajudas de custo correspondiam à compensação prevista na cláusula 74º, já que a única prova que apresentou para tanto foram as suas declarações de parte, o que é manifestamente insuficiente para a convicção deste tribunal” e, por isso, deu como não provado (conforme alínea c), “que a rubrica “ajudas de custo internacional” que consta nos recibos de vencimento do autor se destinasse a pagar a compensação prevista na cláusula 74ª do CCT aplicável” e condenou a Ré/Apelante a pagar ao Autor a quantia de € 4.722,84, a título da compensação prevista na cláusula 74ª, n.º 7, do CCT.
Dessa condenação discorda a Ré, alegando que, “Contrariamente ao que o Tribunal sustenta, a única prova de que que as quantias pagas ao autor a título de ajudas de custo correspondiam à compensação prevista na cláusula 74º não foram as declarações de parte. Na verdade, a Ré, por requerimento de 13-03-2019, procedeu à junção de todos os recibos de vencimento emitidos pela Ré ao Autor.
Esses recibos não foram impugnados pelo Autor.
Ademais, estes recibos são a exata reprodução dos que o próprio Autor juntou com a sua petição Inicial, sob doc n.º 3. Desses recibos resulta a quantia paga pela Ré ao Autor a com a designação de “ajudas custo internacional”. Assim, existe ainda prova documental a corroborar o exposto. Mas mais que isso,
Segundo o Autor e o Tribunal, aquela quantia não se destinava ao pagamento da compensação prevista na cláusula 74ª, n.º 7, do CCT.
Mas a verdade é que, então, nessa lógica, ficou por provar a que se referia então as quantias pagas naquele rúbrica denominada de “ajudas custo internacional”.
Cabia ao Autor o ónus da prova do destino de tais quantias, atenta a sua posição de refutar que se destinassem ao pagamento da compensação prevista na cláusula 74ª, n.º 7, do CCT. Isto em conformidade com o disposto no artigo 342º, n.º 2 do Código Civil, porquanto a aqui Ré invocou um facto extintivo do direito do Autor, ou seja, o pagamento daquela compensação, cabendo, assim, ao Autor, no caso concreto dos autos, alegar, pelo menos, a que título tal pagamento foi feito.
A verdade é que, conforme resulta da matéria de facto dada como provada, a contrario, não se deu como provado, por exemplo, que a Ré tivesse que pagar ao Autor qualquer quantia a título de ajudas de custo, como por exemplo, estadia, alimentação, deslocações, etc…
A verdade é que a Ré pagou ao Autor aquela quantia e, a entender-se que a mesma não se destinava ao pagamento da compensação prevista na cláusula 74ª, n.º 7, do CCT, verifica-se inexistir qualquer outra causa para tal pagamento.
Dos autos nenhuma prova resulta nesse sentido.
Pelo que tal constituiria, assim, um enriquecimento sem causa por parte do Autor e constituiria mesmo um claro abuso de direito, nos termos do disposto no 334º, in fine, do Código Civil, o que desde já se arguí novamente.
Pois que a pretensão do Autor, assim como o entendimento do Tribunal implicam que o direito que aquele se arroga exceda manifestamente os limites impostos pelo fim económico desse mesmo direito, porquanto o fim é a compensação do Trabalhador a título da cláusula 74ª, n.º 7, do CCT, a qual foi paga e sem que o Autor provasse qualquer outro destino para essa verba, pelo que terá de se concluir que, de facto, a mesma foi efetivamente paga a título do invocado pela Ré.
O facto da denominação contabilística atribuída ser diferente afigura-se irrelevante, porque, conforme exposto, o Autor nem sequer ousou alegar para que seria, então, aquela verba.
Pelo exposto, o Tribunal tinha de dar como provado que, a título da compensação prevista na cláusula 74ª, n.º 7, do CCT, a Ré pagou as quantias descritas nos recibos de vencimento como “ajudas custo internacional”. E, apuradas essas quantias, se constata que a Ré pagou mais que os € 4.772,84 devidos.”.
Mas, a Ré não tem razão.
Expliquemos.
Os argumentos que invoca para concluir que pagou ao A. a compensação prevista no art. 74º, nº 7 da CCT, não procedem.
Reitera, agora, o que havia alegado em sede de contestação, dizendo que “basta analisar os recibos juntos pelo próprio Autor, para se constatar que essa compensação era mensalmente paga na rubrica denominada “ajudas de custo internacional”. Desse modo, não se convenceu a Mª Juíza “a quo” e não nos convencemos nós, pese embora, as suas declarações de parte, prestadas pelo seu gerente, D… que, desacompanhadas de outras provas e de outra factualidade provada que demonstrasse que o A. tinha aceite a modificação da retribuição a que tem direito e a Ré aceita (nos termos do nº 7, da referida cláusula 74ª).
Porque, a ser do modo que a Ré defende, não se suscitam dúvidas que a situação seria enquadrável numa modificação da estrutura remuneratória do A. que, sendo possível depende, também, de outros condicionalismos que, como adiante explicaremos, não se provaram.
Da análise dos recibos, juntos pelo A. e pela Ré, não consta qualquer rubrica paga a título daquela cláusula.
O que resulta dos recibos é que a Ré indicou pagar ao Autor quantias que designou de “ajudas custo internacional” e nada mais. E, assim, ao contrário do que afirma não existe qualquer prova documental a corroborar as declarações de parte. E, sendo assim, não podemos concordar que o Tribunal “a quo” tenha errado ao decidir que, aquela quantia não se destinava ao pagamento da compensação prevista na cláusula 74ª, nº 7, do CCT.
E, não infirma esta convicção, o argumento da recorrente, quando afirma que, “então, nessa lógica, ficou por provar a que se referia então as quantias pagas naquele rúbrica denominada de “ajudas custo internacional”” e defende que, “cabia ao Autor o ónus da prova do destino de tais quantias, atenta a sua posição de refutar que se destinassem ao pagamento da compensação prevista na cláusula 74ª, n.º 7, do CCT”. Porque, não é de modo algum desse modo.
Pois, se é certo o que refere, que, “em conformidade com o disposto no artigo 342º, n.º 2 do Código Civil, a aqui Ré invocou um facto extintivo do direito do Autor, ou seja, o pagamento daquela compensação”, é também certo que não logrou prová-lo. Ou seja, que as quantias pagas na rubrica denominada de “ajudas de custo internacional”, se destinavam a pagar aquela compensação, prevista na cláusula 74ª, n.º 7, do CCT, em discussão nos autos. O que lhe cabia a si provar e não competia ao A., como diz. Como a Ré, bem sabe, a prova é pela positiva e por isso, era a R. é que tinha de ter provado que tais quantias, daquela forma, por si, denominadas se destinavam ao pagamento da compensação prevista na cláusula 74ª, nº 7, do CCT, o que convictamente, só podemos concordar, não fez.
Sendo, ainda, totalmente irrelevantes, face ao que se mostra em discussão nos autos e o pedido formulado pelo A., nesta acção, os argumentos da Ré consistentes na alegação de que, “A verdade é que, conforme resulta da matéria de facto dada como provada, a contrario, não se deu como provado, por exemplo, que a Ré tivesse que pagar ao Autor qualquer quantia a título de ajudas de custo, como por exemplo, estadia, alimentação, deslocações, etc…
A verdade é que a Ré pagou ao Autor aquela quantia e, a entender-se que a mesma não se destinava ao pagamento da compensação prevista na cláusula 74ª, n.º 7, do CCT, verifica-se inexistir qualquer outra causa para tal pagamento.
Dos autos nenhuma prova resulta nesse sentido”.
Sempre com o devido respeito, o pagamento de qualquer quantia a título de ajudas de custo não faz parte do objecto da acção, sendo irrelevante não existir nos autos qualquer prova para a causa desse pagamento. Na presente acção o A. não peticionou qualquer quantia a título de ajudas de custo e, dessa forma, é totalmente irrelevante não se ter dado como provado “que a Ré tivesse que pagar ao Autor qualquer quantia a título de ajudas de custo, como por exemplo, estadia, alimentação, deslocações, etc…”, como refere, porque nada a esse propósito pediu o Autor.
Acrescendo que, a Ré não discordou do direito do autor àquela compensação prevista na cláusula 74ª, n.º 7, do CCT, tendo-o admitido na contestação, apenas, vindo dizer (vejam-se artigos 14 e 15), que “É falso que a Ré nunca tivesse pago ao Autor compensação prevista no artigo 74º, n.º 7, da CCT” e que, “Basta analisar os recibos juntos pelo próprio Autor, para se constatar que essa compensação era mensalmente paga na rubrica denominada “ajudas de custo internacional”.”.
Assim, é manifesto, que nem como, eventual, modificação da estrutura da retribuição do A., a pretensão da Ré, pode ser atendida.
Pois, conforme se entendeu e se sintetizou, no sumário do (Acórdão do STJ de 17.12.2009, Proc. nº 949/06.7TTMTS.P1.S1, in www.dgsi.pt), “X - A Jurisprudência constante deste Supremo Tribunal evidencia que a entidade patronal, por regra, não pode unilateralmente modificar o sistema retributivo dos seus trabalhadores, no que concerne aos elementos que derivam de lei ou dos instrumentos de regulamentação colectiva.
XI - Apesar disso, nada impede que tal retribuição seja alterada por acordo entre as partes contratantes, ou mesmo unilateralmente, através de um compromisso vinculativo para a entidade patronal, desde que daí resulte um regime mais favorável para o trabalhador, sendo que a prova dessa favorabilidade compete ao empregador (art. 342.º, n.º 2, do CC)”.
E, em idêntico sentido, no sumário do (Acórdão do STJ de 15.11.2006, Proc. nº 06S2706, in www.dgsi.pt), “I - A prestações previstas na lei ou em instrumento de regulamentação colectiva podem ser modificadas por acordo entre a entidade patronal e o trabalhador, ou mesmo unilateralmente, através de um compromisso vinculativo para a entidade patronal, desde que dessa alteração resulte um regime mais favorável para o trabalhador.
II - Compete à entidade patronal a prova de que o sistema remuneratório praticado em virtude dessa alteração é mais favorável para o trabalhador.”.
Sem esquecer que, não diverge desta solução, o art. 476º do CT, dispondo que “As disposições de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador”.
Assim, acompanhando-se o entendimento acima exposto e o disposto neste artigo, seria admissível a alteração do sistema retributivo devido ao autor, por acordo entre este e a Ré, ou mesmo unilateralmente, mas dependendo a sua validade, em qualquer dos casos, de um resultado mais favorável àquele.
Certo é, que o ónus de alegação e prova desse resultado mais favorável recaía sobre a Recorrente (art.º 342.º, n.º 2, do CC).
Pois, relembrando, nos termos do disposto no nº1 do art. 5º do CPC, “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles que se baseiam as excepções invocadas”.
O mesmo é dizer que, se porventura o alegado, apenas nesta sede, esquema retributivo mais favorável ao autor, tinha por base uma correspondência entre aquela rubrica denominada de “ajudas de custo internacional” e a cláusula 74ª, prestação retributiva estabelecida na CCT aplicável, então deveria a Ré ter feito essa alegação em termos concretos e precisos no seu articulado, dado tratar-se de matéria de excepção ao direito invocado pelo autor. Em suma, de acordo com as regras gerais sobre a repartição do ónus de prova, ao autor cabia alegar a relação de trabalho com a ré e o exercício da actividade de motorista de transportes internacionais, enquanto factos constitutivos do direito a ser pago nos termos previstos na CCT aplicável, nomeadamente, a título de cláusula 74ª e, sobre a Ré recaia o ónus de alegar e provar os factos necessários, concretos e precisos, que caracterizavam o alegado esquema retributivo mais favorável, enquanto defesa por excepção (art. 342º nºs 1 e 2, do CC).
Ora, nada disso consta da contestação.
A Ré limitou-se a dizer o que consta dos artigos 14 e 15, já supra transcritos e, apenas, agora, nesta sede (veja-se conclusão 10 da sua alegação) vem dizer que “apuradas essas quantias, se constata que a Ré pagou mais que os € 4.772,84 devidos”, o que, sempre com o devido respeito, não tem qualquer suporte fáctico.
A Ré não alegou, logo impossível de provar que tenha havido algum acordo de alteração do sistema retributivo previsto na CCT.
Assim, só podemos concluir que à R. competia e não conseguiu provar, como alega, que efectuou o pagamento da “Cláusula 74ª” sob a denominação de “ajudas de custo internacional” nem alegou qualquer acordo com o A., ou que tal sistema o favorecia.
Pois que, como dissemos antes, a alteração unilateral por parte da Ré, também, era possível, mas, a sua validade dependia de um resultado mais favorável para o autor.
No entanto, entendeu o Tribunal “a quo” que, não se provou “que a rubrica “ajudas de custo internacional” que consta nos recibos de vencimento do autor se destinasse a pagar a compensação prevista na cláusula 74ª do CCT aplicável” e, é nesta consideração que o Tribunal “a quo” entendeu ser devido ao autor o crédito reclamado a título de compensação da cláusula 74ª nº 7, com o que, não podemos deixar de concordar.
Pois, não se retira dos factos provados, que qualquer pagamento, sob a rubrica mencionada nos recibos, como “ajudas de custo internacional” tivesse por finalidade ser um substituto da compensação prevista na cláusula 74ª do CCT aplicável e, se assim é, muito menos pode aferir-se, se porventura tal tem correspondência com a realidade, que no cômputo final o resultado fosse mais favorável ao autor, proporcionando-lhe receber mais do que receberia se fosse paga a quantia mensal prevista na CCT a título daquela compensação, (veja-se, neste sentido o, (Ac. desta Relação de 10.07.2019, Proc. nº 3386/17.4T8VFR.P1, relator Desembargador Jerónimo Freitas, in www.dgsi.pt)).
Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da alegação da Ré e improcede a sua apelação.
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Vejamos, agora.
O Recurso do Autor.
Comecemos por analisar, os pontos relativos à matéria de facto impugnada, por um lado, saber se ocorre, a alegada, contradição entre o ponto 5 da matéria de facto dada como provada e a al. b) do que não se provou e, por outro, se o Tribunal “a quo” errou, na resposta dada ao ponto 8, da matéria de facto fixada.
Conclui o recorrente que, “face à matéria de facto dada como provada, a mesma contém imprecisões que influenciaram a aplicação do direito ao caso concreto, pelo que, é necessário proceder à clarificação dos factos atendendo à prova produzida”.
Sintetizando que, “o Tribunal a quo no ponto 5 da matéria de facto dada como provada, concluiu que, o Recorrente iniciava, em regra, as suas viagens durante o dia de Domingo. H) Concomitantemente, o Tribunal a quo não dá como provado “que o autor tenha trabalhado 12 domingos no ano de 2016; 52 domingos no ano de 2017 e 2 domingos do ano de 2018” - I) O que acaba por consubstanciar uma contradição. J) Desvirtuando inclusive a frequência com que o Recorrente iniciava a sua jornada laboral, uma vez que era sempre ao Domingo; ...”.
E, no que toca ao ponto 8 da matéria de facto fixada (que, obviamente, é lapso, já que o facto impugnado é o identificado no ponto 7 daquela) – “o autor não exerceu qualquer atividade para a ré no mês de janeiro de 2018, não se tendo apresentado ao trabalho.” – alega e conclui o recorrente que, “o Tribunal a quo não teve em linha de consideração a prova produzida. DD) Face ao circunstancialismo exposto, o Tribunal a quo, deveria ter dado como provado que o Recorrente não exerceu qualquer atividade para a Ré no mês de janeiro de 2018, por iniciativa da Recorrida, ...”.
*
A apreciação desta questão, da impugnação da decisão proferida, pelo Tribunal “a quo” relativa à matéria de facto, por este Tribunal “ad quem” pressupõe que o recorrente cumpra determinados ónus, conforme dispõe o art. 640º ex vi do art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.Trabalho.
Sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto dispõe o art. 640º o seguinte:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
(…)”.
Resulta da análise deste dispositivo que, o legislador concretizou a forma como se processa a impugnação da decisão, sobre a matéria de facto, tendo reforçado, neste novo regime, os ónus de alegação a cargo do recorrente, impondo-lhe que deixe expressa a solução que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação após a reapreciação dos concretos meios de prova que, considera, impõem decisão diversa da recorrida.
Nas palavras de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço dos ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Transpondo o exposto para o caso, verifica-se que houve gravação dos depoimentos prestados em audiência e o apelante impugna a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto, provados e não provados, que considera incorrectamente julgados.
Em conclusão, resulta das alegações e das respectivas conclusões que, a A., recorrente, em nosso entender, de modo satisfatório, impugna a decisão da matéria de facto dando cumprimento aos ónus impostos pelo art. 640º, nº 1 al.s. a), b) e c). Fazendo referência aos concretos pontos, (não sendo relevante, o lapso supra apontado) da matéria de facto provada e não provada, que considera incorrectamente julgados, a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida, indicando os elementos probatórios que, considera, devem conduzir à alteração dos pontos impugnados e ainda as passagens da gravação, que transcreve, em que se funda o recurso, cfr. nº 2 al. a) daquele art. 640º, pelo que, admitimos a reapreciação da decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, quanto aos números e alíneas cuja resposta vem impugnada. Ou seja, os pontos 5 e 7 dos factos provados e o facto da al. b) que não se provou.
Dispõe o art. 662º, nº1, que: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.
Decorre deste artigo que, os poderes da Relação sobre o julgamento da matéria de facto, consubstanciado na reapreciação dos meios de prova, foram aumentados no âmbito do actual código de processo civil, veja-se a propósito o comentário tecido por (Teixeira de Sousa ao Ac. do STJ de 24.9.2013 in “Cadernos de Direito Privado”, nº 44, págs. 29 e ss.).
No entanto, sem esquecer, em particular, quando se procede à reapreciação da força probatória dos depoimentos de testemunhas, das declarações de parte e dos documentos escritos como os que se mostram juntos aos autos, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto nos art.s 396º, 362º, 366º do CC e art.s 466º, nº 3 e 607º, nº5, 1ª parte.
Apesar disso, cabe à Relação, enquanto tribunal de 2ª instância, reapreciar, não apenas se a convicção expressa pelo tribunal de 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os restantes elementos constantes dos autos revelam, mas, também, avaliar e valorar, de acordo com o princípio da livre convicção, toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto.
Salienta-se nos (Ac.s do STJ de 24.09.2013 e desta Relação de 05.03.2016, entre outros, in www.dgsi.pt (local da internet onde se encontrarão os demais arestos a seguir citados, sem outra indicação)), que na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância.
Nessa medida, e no que se refere à questão da convicção, já não estará em causa cingir apenas a sua actividade de apreciação ao apuramento da razoabilidade da convicção do julgador da 1ª instância, mas antes formar a sua própria convicção nos elementos probatórios disponíveis nos autos, (veja-se neste sentido o Ac. do STJ de 16.12.2010).
E desse modo, impõe-se-lhe que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada.”, cfr. se sentenciou no (Ac. do STJ de 03.11.2009).
A lei, art. 607º, nº 4, determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição de fundamentação da matéria de facto, devendo o juiz analisar criticamente as provas e especificar os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
Perante o exposto e tendo nós concluído que devemos conhecer do recurso acerca da decisão proferida sobre a matéria de facto importa, então, analisar se assiste razão ao apelante, quanto a esta questão, nos termos por ela pretendidos.
Avancemos, então, com a apreciação concreta do que foi objecto de impugnação no recurso, procedendo a uma análise critica de todas as provas, de modo a formar a nossa convicção, inclusive, com audição de todos os registos gravados, pese embora, a parcial transcrição junta aos autos, uma vez que, também, com base neles a Mª Juíza “a quo” formou a sua convicção.
Uma nota mais, para assinalarmos que se procedeu à audição integral de toda a prova gravada e não apenas nas partes invocadas pelo recorrente, por se entender útil, para contextualizar essas partes, também antes ou depois das mesmas.
Os pontos impugnados têm o seguinte teor:
Provados:
5. Em regra, o autor iniciava as suas viagens durante o dia de Domingo.
7. O autor não exerceu qualquer atividade para a ré no mês de janeiro de 2018, não se tendo apresentado ao trabalho.
Não Provado:
b) que o autor tenha trabalhado 12 domingos no ano de 2016; 52 domingos no ano de 2017 e 2 domingos no ano de 2018;
A Mª Juíza “a quo” fundamentou as respostas dadas de provados aos factos que constam daqueles pontos 5 e 7 e de não provado ao facto da alínea b), em síntese, nos seguintes termos:
“(...).
A testemunha E…, colega de profissão do autor (que trabalhava para outra sociedade com o mesmo gerente e que partilhavam instalações), confirmou que, por regra, o autor iniciava as suas viagens nos domingos, depois de almoço.
Prestaram ainda declarações as partes, que confirmaram o já vertido em cada articulado. De referir, apenas, que o autor confirmou que não trabalhou em qualquer dia do mês de janeiro (apesar de afirmar que apenas não o fez porque a ré não lhe assegurou transporte até às suas instalações, como estava obrigada pelo acordado; o que, porém, não resultou provado, pois tal afirmação foi contrariada pelo legal representante da ré e nenhuma outra prova foi produzida quanto a tal).
Deste modo, não se provou que o autor não tenha gozado as férias a que teria direito (o que nem o próprio conseguiu precisar), nem que tenha trabalhado todos os domingos que alega (a este propósito note-se ainda que, apesar de admitir não ter trabalhado em qualquer dia do mês de janeiro, não se coibiu o autor de afirmar na petição inicial ter trabalhado dois domingos em janeiro de 2018 e pedir a retribuição correspondente).
(...).”.
Como já referimos supra, insurge-se e defende o recorrente que, “No entanto, relativamente ao ponto 5 da “Fundamentação de Facto” dada como provada, a douta sentença refere que o Recorrido iniciava, em regra, as suas viagens durante o dia de Domingo.
Ora, em bom rigor o Trabalhador iniciava sempre a sua jornada ao Domingo.
Contudo, apesar do facto considerado provado o Tribunal a quo afirma que não se provou que o Autor tenha trabalhado 12 Domingos em 2016, 52 em 2017 e 2 em 2018!
Além de, salvo o devido respeito, tais afirmações serem contraditórias, a 1.ª Instância desconsiderou indevidamente a prova produzida em sede de audiência, prejudicando o Recorrente no que concerne aos seus créditos peticionados a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal ou feriados.
Aliás, na fundamentação de direito, designadamente no parágrafo 61.º da douta sentença, o douto Tribunal vai mais longe ao afirmar que “Da audiência de julgamento resultou provado que, por regra, o autor iniciava as suas viagens durante o dia de Domingo, sem que, no entanto, se provasse que tal ocorria por determinação da ré”
O Tribunal a quo acabou por desvirtuar o depoimento puro e genuíno prestado pelo Recorrente que foi em consonância com a testemunha E…, frise-se, motorista profissional de ibérico que à data dos factos laborava para uma empresa que se localiza no mesmo parque e com a mesma gerência da Recorrida.
(...).
Em suma, o Recorrente fazia, quase sempre as mesmas rotas rumo a Itália. Sendo que, conforme a prova testemunhal e os registos do tacógrafo juntos pelo mesmo fazem prova, a sua jornada de trabalho começava ao Domingo atendendo aos prazos para entrega de mercadoria que a entidade empregadora se prontificava a cumprir junto dos seus clientes. É notório que, se a Recorrida agendava as Terças-feiras para a entrega de mercadoria em Itália, o Recorrente, para fazer a sua viagem em segurança e com observância das regras rodoviárias, teria, forçosamente que sair no dia do seu descanso semanal, a um domingo!
Assim, o Recorrente trabalhava de Domingo a Quarta-feira da semana seguinte, Quinta-feira descarregava o camião, ia carregar o camião Sexta-feira e descansava no Sábado.
Não restam dúvidas que a jornada de trabalho se iniciava ao Domingo, para que a entidade empregadora conseguisse cumprir os prazos estabelecidos com os seus clientes! (...)
Face à prova documental junta aos autos em conjugação com a prova testemunhal, aplicando a mesma à matéria de facto aqui vertida, é notório que o Tribunal a quo não poderia ter ignorado que o Recorrente trabalhou sábados, domingos e feriados…
Assim, contrariamente à decisão proferida da 1.º Instância, a Recorrida deve ser condenada ao pagamento, na íntegra, dos créditos relacionados com o trabalho prestado aos feriados e aos dias de descanso, apurado em 4.919,04€ (quatro mil novecentos e dezanove euros e quatro cêntimos), atendendo que: em 2016 trabalhou 12 domingos, o que perfaz um total de 912,96 (novecentos e doze euros e noventa e seis cêntimos) e no ano de 2017 trabalho 52 domingos, o que totaliza 4006,08€ (quatro mil e seis euros e oito cêntimos)
(...)
No entanto, reitere-se, pela simples prova documental junta pelo Recorrente conjugada com o seu depoimento e da testemunha E… fica provada a carga horaria do mesmo na empresa, determinada exclusivamente pela entidade empregadora.
No entanto, caso assim não se entenda, o que só se admite por hipótese meramente académica, sempre se diga que pelo menos os Domingos que o Recorrente passava no estrangeiro – sublinhe-se que o mesmo saía no Domingo e regressava na quarta-feira da semana seguinte – têm de ser pagos porque efectivamente trabalhou, o que desde já se requer.
Neste caso, estaria pelo menos em causa metade dos Domingos peticionados.”.
Que dizer?
Decorre do que antecede que, o apelante se insurge contra o ponto 5 dos factos provados e a al. b) do que não se provou, pugnando pela sua alteração, com vista à pretensão de que deve a Recorrida “ser condenada ao pagamento, na íntegra, dos créditos relacionados com o trabalho prestado aos feriados e aos dias de descanso, apurado em 4.919,04€ (quatro mil novecentos e dezanove euros e quatro cêntimos), atendendo”, como alega, “que: em 2016 trabalhou 12 domingos, o que perfaz um total de 912,96 (novecentos e doze euros e noventa e seis cêntimos) e no ano de 2017 trabalho 52 domingos, o que totaliza 4006,08€ (quatro mil e seis euros e oito cêntimos)”, desde logo, invocando ocorrer contradição entre as afirmações constantes daqueles.
No entanto, adiantando desde já, sem que lhe assista razão.
Pois, como é sabido, os factos são contraditórios quando são opostos, ou seja, quando simultaneamente se afirma um facto e o seu oposto de tal modo que em termos lógicos se anulariam reciprocamente.
Ora, é manifesto que tal não ocorre no caso, no confronto entre o facto 5 e al. b) do que não se provou.
Pois, o facto 5, em si, nos termos em que se mostra redigido, é abstracto, por não concretizar os períodos que “em regra” iniciou o A. as suas viagens durante o dia de Domingo. Sendo que, o “em regra” não significa, de forma alguma, o “sempre” que o recorrente, alega. E, dessa forma não pode considerar-se que haja qualquer contradição com o facto constante da al b) que não se provou.
Ou seja, não se concretizando qualquer dia, no facto 5, não ocorre qualquer contradição.
Assim, por esta razão, nenhuma alteração há que efectuar, a qualquer dos factos, nem por outro motivo, que não ocorre, nomeadamente, a alegada desconsideração indevida da prova produzida em audiência. Acrescendo que, não perfilhamos da convicção exposta pelo recorrente, ou se vislumbra a ocorrência de erro na apreciação das provas produzidas, em concreto, as por ele indicadas. Sem dúvida, das provas produzidas, em concreto, os trechos dos depoimentos que o recorrente considera impunham a alteração daqueles, a nossa convicção não é diversa daquela que firmou a Mª juíza “a quo”.
Também a nós não se nos suscitaram dúvidas sobre a ausência de prova convincente, quanto àquele facto que não foi considerado provado, impugnado pelo recorrente, concordando com a decisão recorrida, já que a mesma se mostra conforme com a convicção que formámos.
A audição integral dos depoimentos, facilitou-nos a formação da nossa convicção, perante a análise conjunta de toda a demais prova produzida nos autos, não se nos suscitando dúvidas sobre o acerto da decisão recorrida e a falta de razão do recorrente.
Como dissemos, ouvidos integralmente os depoimentos das testemunhas inquiridas na audiência de julgamento e, não apenas, aqueles excertos que o apelante considera cruciais para fundamentar a sua pretensão, ficámos plenamente convencidos que a Mª Juiza “a quo” os apreciou correctamente. Foi uma julgadora bastante activa durante toda a produção da prova, colocou as questões que teve por pertinentes e fundadas e, apreciou convenientemente toda essa prova, conjugando-a e complementando-a com a prova documental junta, tendo, em nosso entender, apreciado devidamente a prova produzida.
Como é sabido, a liberdade de apreciação da prova não é sinónimo de arbitrariedade ou discricionariedade e, portanto, que essa apreciação há-de ser reconduzível a critérios objectivos: a livre convicção do juiz, embora seja uma convicção pessoal, não deve ser uma convicção puramente subjectiva ou emocional e voluntarista, mas sim uma convicção formada para além de toda a dúvida tida por razoável e, portanto, capaz de se impor aos outros.
O processo para definir os factos sobre os quais o tribunal deve construir a sua decisão não é puramente cognitivo, o que explica a inevitável relatividade da certeza histórica de um facto que a prova disponibiliza.
Num sistema de prova livre, como é no caso, a valoração dos depoimentos das testemunhas é muito importante, deixando ao juiz a determinação da máxima de experiência que deve aplicar em cada caso em concreto.
Apesar de, em ambos os casos, o da prova livre e legal, o método de valoração da prova não deve ser contrário à lógica, devendo antes ser pautado de harmonia com um critério de normalidade jurídica, consoante aquilo que normalmente sucede, sabendo-se que as provas não têm forçosamente que criar no espirito do juiz uma certeza absoluta acerca do facto a provar, certeza, essa, que seria impossível ou geralmente impossível, devendo elas é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida.
No decurso do julgamento da matéria de facto não se visa o conhecimento ou apreensão absoluta de um acontecimento, tanto mais que intervêm, irremediavelmente, diversos meios susceptíveis de induzir em erro, quer porque se trata de conhecimento de factos passados, alguns deles há muito tempo, quer porque assenta, na maioria das vezes, em meios de prova que, pela sua natureza, se revelam particularmente falíveis, como todos sabemos é o caso da prova testemunhal.
Sabendo-se, ainda, quer do que resulta da doutrina quer da jurisprudência, que a valoração das provas, reportada à credibilidade dos depoimentos, é eminentemente subjectiva, depende, essencial e substancialmente, da imediação, princípio que, pressupondo a oralidade, domina a recolha das provas de índole testemunhal, permite, num quadro de emissão e recepção de sinais de comunicação, que não sendo, apenas, de palavras, mas também de simples gestos, posturas ou outras formas de acção ou omissão, como o próprio silêncio, podem valer mais que mil palavras, determinando a adequada apreciação dos depoimentos. Tal não significa que a apreciação, eminentemente subjectiva, conducente a conferir maior ou menor credibilidade de um depoimento, é insindicável, pois ao julgador é imposto o dever de explicitar as razões da sua convicção pessoal, na fundamentação da decisão, isto é, que revele não só os motivos por que certo depoimento mereceu maior credibilidade do que outro, mas também que explicite o raciocínio lógico que utilizou na apreciação global e lógica de toda a prova.
E, é por isso que cabe a esta Relação sindicar a apreciação feita pela Mª Juíza “a quo”, no que respeita aos factos impugnados, cuja apreciação o recorrente defende não foi a correcta, pugnando que sobre aqueles factos foi feita prova cabal para se decidir de modo diverso do que foi feito.
Ora, não temos dúvidas, com o devido respeito, que essa é apenas a convicção daquele, já que, também, não é a nossa.
Assim, independentemente, da questão de saber, se o A. iniciava as viagens durante o dia de Domingo “por determinação ou não da Ré”, face ao pedido concreto do A. (pagamento de alegados créditos devidos pela prestação de trabalho “aos feriados e aos dias de descanso” e não trabalho suplementar, como se considerou na decisão recorrida) o não se provar que ocorria ou não por determinação da ré, é totalmente irrelevante, já que o fundamento do direito peticionado, é outro, alegadamente, a prestação de trabalho em dias de descanso semanal.
E, isso, em nossa convicção, do mesmo modo que o considerou a Mª Juíza “a quo”, não logrou o A. provar. Ou seja, que tenha trabalhado todos os Domingos que alega e a que se refere a al. b) que não se provou.
Com o devido respeito, a construção do recorrente para sustentar que “lhe são devidos todos os créditos laborais peticionados a este título”, entenda-se “trabalho prestado em dia de descanso semanal” (conclusões P e Q), carece de factos para ser sustentada e nem o seu depoimento é susceptível de convencer de outro modo, ou a salvaguarda que tece nas suas alegações e conclui em S).
Em suma, como é manifesto, o A. não aponta qualquer errada apreciação das provas produzidas, o que o mesmo aponta é uma “diversa convicção daquela que foi a da Mª Juíza “a quo”, como bem demonstra o que diz quando inicia o seu recurso, dizendo que, a matéria de facto dada como provada contém “imprecisões” e depois, referindo-se ao seu depoimento e da testemunha E…, que o Tribunal “a quo” acabou por “desvirtuar”, são bem demonstrativos de que o que o recorrente não aponta à decisão recorrida, qualquer erro que fundamente a impugnação deduzida ou susceptível de gerar a alteração da decisão de facto, mas, apenas, alega a sua própria convicção.
O mesmo acontecendo com a impugnação deduzida a propósito do ponto 7 (não 8, como já dissemos), onde se deu como provado que, “o Autor não exerceu qualquer atividade para a Ré no mês de Janeiro de 2018, não se tendo apresentado ao trabalho.”.
Acrescendo que quanto a este firma a sua convicção e peticiona que a redacção daquele seja alterada, alegando que, “o Tribunal a quo, deveria ter dado como provado que o Recorrente não exerceu qualquer atividade para a Ré no mês de janeiro de 2018, não por iniciativa da própria, mas por força do comportamento da Recorrida que não deu instruções nem disponibilizou transporte”, o que faz, invocando factualidade, por si alegada, na resposta à contestação e que não resultou provada, (como se verifica da al d) do que não se provou) e o mesmo não a impugnou.
Não se provou, como alega, que, “Existia entre as partes um acordo relativamente ao transporte do Trabalhador, o que é corroborado por ambas, ainda que com nuances”.
Prosseguindo que, “Assim, por determinação da entidade empregadora, quando regressado a Portugal, o camião teria que ser estacionado, imperativamente, no estaleiro da empresa. Assim, atendendo que o Recorrente reside na Póvoa de Varzim e a sede da Recorrente se situa em …, tal imposição da entidade empregadora só era exequível se a mesma fornecesse transporte ao Trabalhador para as deslocações. Geralmente, até seria o próprio representante da Recorrida ou o filho deste, a combinar com o Recorrente as horas das boleias.
Independente do custo que as boleias acarretavam para a entidade empregadora, tal sistema foi instituído a seu benefício. Atendendo que a descarga do camião não era realizada no dia da sua chegada a Portugal, a exigência por parte da Recorrida devia-se a questões de segurança com a mercadoria.
Aliás, o Recorrente estaria proibido de estacionar o camião perto da sua habitação independentemente da sua hora de chegada. O veículo deveria ser imobilizado no parque, até porque, por um lado, o camião nunca era descarregado no dia da chegada, e por outro, não é crível que o camião andasse carregado a “passear” até casa do Trabalhador com a entidade empregadora a suportar os custos (portagens, gasóleo…) de tal deslocação e a correr o risco de ver a mercadoria roubada ou danificada.”.
Ora, como se verifica da factualidade provada, nada se provou que demonstre a alegação que antecede, nem que nos permita concluir do modo que o faz o recorrente, quando diz: “Assim, independentemente das divergências, dúvidas não há que o Trabalhador estava dependente dos meios da entidade patronal para se deslocar entre a sua residência até ao camião. E, salvo melhor entendimento, é esta a pedra toque no que concerne aos créditos do mês de Janeiro.
Em Janeiro de 2018, o Recorrente estava disponível para trabalhar e aguardava por indicações da Recorrida nesse sentido. Sucede que, a Recorrida, já de má-fé, não atribuiu nenhum serviço ao Recorrente, nem agendou as regulares boleias entre as partes ou disponibilizou veículo para tal.
(...)
Assim, é notório que a formulação do facto pelo Tribunal a quo, foi infeliz; atendendo que, não foi por vontade do Recorrente que o mesmo não prestou qualquer serviço, mas por imposição da Recorrida, que não lhe atribuiu qualquer viagem.”.
Assim, na ausência de factos que permitam concluir da forma que o recorrente conclui e não se verificando qualquer erro na apreciação das provas produzidas, ou desconsideração das mesmas, quanto ao ponto 7 dos factos provados, improcede, também, quanto a este a impugnação deduzida pelo recorrente e, a conclusão que formula em DD).
Com, a consequente, manutenção da decisão recorrida, quando decidiu: «No que respeita à pretensão do autor em auferir a retribuição pelos 15 dias de vigência do contrato no ano de 2018, conforme já se deixou expresso, a mesma terá de improceder.
Na verdade, e como já se disse, está provado que o autor não exerceu qualquer atividade para a ré nesse período, não se tendo apresentado ao trabalho. Alegou o autor que tal apenas aconteceu por a ré não lhe ter assegurado transporte de casa para a empresa, como era pressuposto. No entanto, tal não resultou provado, pelo que a não comparência do autor perante a ré para exercer a atividade a que se vinculou terá de ser considerado como falta sem justificação, e por tal, não remunerada (cláusula 34ª do CCT).».
E, improcedendo este segmento da apelação, mantém-se inalterada a factualidade dada por assente, no Tribunal “a quo” e supra transcrita.
*
Analisemos, agora, se são devidos ao A. os créditos laborais peticionados por trabalho prestado em dia de descanso semanal.
Ora, quanto a esta questão, sem necessidade de outras considerações, além das que se deixaram expostas, na análise que se fez quanto à questão da impugnação e, perante a improcedência desta, não há dúvidas que ao A. não assiste o direito aos créditos laborais peticionados por trabalho prestado em dia de descanso semana. O A. não provou que trabalho prestou, nestas circunstâncias (art. 342º, nº 1, do CC). Logo, afastado fica o ónus da Ré (nº2, do mesmo art. 342º) de provar qualquer pagamento a título daquele.
Assim, ainda, que com diverso fundamento, nada a apontar à decisão recorrida, quando a este propósito, considerou e concluiu: «Pretende ainda o autor a condenação da ré no pagamento da quantia de €5.079,84 a título de trabalho suplementar, alegando para tanto que trabalhou todos os domingos, sem que tenha auferido retribuição a esse título. Impugnou a ré tal pretensão, alegando que a jornada de trabalho do autor se iniciava em regra à segunda-feira, e só pontualmente trabalhou ao domingo, e inexiste trabalho suplementar que não lhe tenha sido pago.
(...).
Assim, não tendo o autor provado a prestação de trabalho suplementar por determinação da ré e estando provado que chegou a auferir retribuição a título de trabalho no decurso do contrato, é manifesta a improcedência do peticionado pelo autor neste âmbito (não sendo sequer necessário analisar do efetivo direito do autor a auferir retribuição por trabalho suplementar quando tem direito a receber a compensação prevista na cláusula 74º, n.º 7).».
Improcede, assim, também, este aspecto da apelação.
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Apreciemos, agora, se o Tribunal “a quo” errou, ao não condenar a Ré a pagar ao A. o montante global de € 4.407,63 a título de férias não gozadas
A este propósito reitera, nesta sede, o A. o pedido já efectuado junto do Tribunal “a quo”, de condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 4.407,63€, da qual se arroga credor, alegadamente, por férias não gozadas, durante a vigência do contrato que teve com a Ré, respectivamente, alegando, serem-lhe devidos, em 2016, 819,87€, no ano de 2017, 3.334,65€ e no que toca a 2018, 253,11€.
A este respeito, decidiu-se, na sentença recorrida, o seguinte: «Pretende ainda o autor a condenação da ré no pagamento da quantia de €4.407,63 a título de compensação de férias não gozadas.
Alega para tanto terem ficado férias por gozar, invocando o disposto no art. 246º do Código do Trabalho (cujo n.º 1dispõe que “Caso o empregador obste culposamente ao gozo das férias nos termos previstos nos artigos anteriores, o trabalhador tem direito a compensação no valor do triplo da retribuição correspondente ao período em falta, que deve ser gozado até 30 de abril do ano civil subsequente”).
No entanto, não concretizou o autor os dias de férias que ficaram por gozar (em cujas declarações nem o autor conseguiu precisar), nem alegou quaisquer factos que permitam concluir por uma qualquer atuação culposa da ré. Da audiência de julgamento nada resultou provado quanto a uma qualquer conduta da ré que atribuísse ao autor qualquer direito a compensação ou indemnização por parte do autor, pelo que terá de improceder nesta parte o peticionado.».
Agora, nesta sede, vem, como dissemos, insurgir-se contra este segmento da decisão recorrida, reiterando o seu pedido, precisamente nos valores supra referidos, sob a alegação de que, “No tocante ao gozo dos dias de férias, atendendo que não pôde usufruir das mesmas devido ao comportamento da entidade empregadora, o Recorrente peticiona o montante global de 4.407,63€ (quatro mil quatrocentos e sete euros e sessenta e três cêntimos), (...)”.
E, continua, “Conforme resulta do depoimento genuíno prestado pelo Recorrente, este é peremptório a afirmar que só teve uma semana de férias, durante toda a relação laboral, a seu pedido, para tratar de assuntos particulares.
(...)
Os dias de férias foram tão curtos que nem o colega de trabalho se apercebeu da ausência do Trabalhador, veja-se a este propósito o minuto 8.43 (quando lhe perguntam se se recorda de o B… estar de férias este responde que “não”)
Por outro lado, e atendendo ao hiato temporal entre os factos e a realização da audiência de julgamento, é natural que o Recorrente não consiga determinar, com certeza, os dias que se encontrou de férias, até porque nunca julgou precisar de tal informação de modo tão detalhado como lhe foi exigido em sede de julgamento.
No entanto, atendendo que o mesmo gozou 4 dias úteis durante toda a relação contratual, é o Autor credor de 4.407,63€ (quatro mil quatrocentos e sete euros e sessenta e três cêntimos) a título de férias não gozadas por factos imputados à Requerente, (...).
Atendendo ao comportamento assumido pela entidade empregadora, é mais que evidente, que assiste razão ao Requerido no crédito ora em crise, pelo que aplicando o direito ao caso em concreto, toda a matéria referida às férias e ao seu gozo devia ter sido dada como provada, devendo a Recorrida ser condenada ao valor total global peticionado a este propósito.”.
Que dizer?
Ora, sempre com o devido respeito, pese embora, os argumentos, agora, invocados pelo A., quanto a esta questão concreta do não gozo de férias (que na petição, era em relação a todos os dias a que tinha direito, em relação ao tempo trabalhado, mas, nesta sede, já gozou “4 dias úteis durante toda a relação contratual, apesar de continuar a ser credor do mesmo valor de 4.407,63€ “pedido, sem gozar qualquer dia”), o que se nos oferece dizer é que não lhe assiste qualquer razão.
Como bem decidiu o Tribunal “a quo” “..., não concretizou o autor os dias de férias que ficaram por gozar (em cujas declarações nem o autor conseguiu precisar), nem alegou quaisquer factos que permitam concluir por uma qualquer atuação culposa da ré. Da audiência de julgamento nada resultou provado quanto a uma qualquer conduta da ré que atribuísse ao autor qualquer direito a compensação ou indemnização por parte do autor, pelo que terá de improceder nesta parte o peticionado.”. E, não diz o A. que factualidade apurada que permita concluir de modo diverso do que nesta se decidiu.
De notar que, pese embora, todas as considerações que tece, sobre as provas produzidas nos autos que, alegadamente, levariam à procedência da sua pretensão, não diz o mesmo que factualidade se apurou ou que impugna que, a provar-se, demonstrasse a sua alegação.
E, sendo sabido que, tal como as demais, a apreciação desta questão, tem de ser feita, atendendo, às regras da repartição do ónus da prova, (art. 342º do CC). Logo, importava apurar se, logrou o A. provar que não gozou as férias que peticiona (nº 1, daquele art. 342º), acrescendo, no caso, provar que tal não aconteceu devido ao comportamento da Ré. E, só provadas estas premissas, haveria que analisar se, logrou a ré demonstrar o pagamento de todas as quantias peticionadas por aquele, já que a ela compete provar o alegado pagamento (nº 2 do mesmo art. 342º).
No entanto, sendo desse modo, tal como o decidiu a Mª Juíza “a quo”, a resposta é fácil.
Não tendo o A. provado que não gozou as férias que alega não ter gozado, já que ao mesmo competia, (art. 342º, nº 1, do CC), a improcedência do pedido a este respeito é manifesta.
O A. não logrou fazer prova de quaisquer dias de férias que tenha deixado de gozar. Ou seja, não só não provou que não tenha gozado a totalidade dos dias de férias a que tinha direito, como não provou que a Ré não o tenha permitido, razão pela qual não é de se lhe atribuir qualquer direito a este título.
Desse modo, improcede, o pedido de indemnização efectuado a este propósito e improcede, este segmento da apelação, em concreto, as conclusões EE) a KK).
*
E, que dizer, quanto ao alegado erro, no cálculo que se efectuou, na sentença, quanto à cláusula 74ª nº 7 do CCT.
Alega o recorrente que, “Apesar de, erradamente, o Tribunal a quo não tenha dado como provado os outros créditos reclamados, a verdade é que, no que concerne à compensação aferida na cláusula 74.º, este condenou a Requerida ao pagamento de 4.722,84€ (quatro mil setecentos e vinte e dois euros e oitenta e quatro cêntimos).
(...)
No entanto, os cálculos apresentados pelo Tribunal a quo não traduzem a totalidade do crédito que o Recorrente deveria receber a este título, designadamente: a) em 2016, eram-lhe devidos 309,30€ (trezentos e nove euros e trinta cêntimos) mensais a este título; b) no que ano de 2017 concerne o valor mensal aqui em causa é de 313,20€ (trezentos e treze euros e vinte cêntimos), c) no ano de 2018 era-lhe devido 326,70€ (trezentos e vinte e seis euros e setenta cêntimos);
Sucede, que na versão da mencionada CCT aplicável ao caso concreto, e que o Recorrente conhece, a mesma cláusula tem a seguinte redação:
Cláusula 40ª.
(Retribuição do trabalho extraordinário)
O trabalho extraordinário será remunerado com os seguintes adicionais sobre o valor da hora normal:
a) 50% na primeira hora;
b) 75% nas horas ou fracções subsequentes.
Logo, efectuados os cálculos, conclui-se que:
a) o valor hora normal de 2016 é de 3,17€, em 2017 é de 3,21€ e em 2018 é de 3,35€,
b) motivo pelo qual o valor da primeira hora extraordinária é de 4,76€ em 2016, de 4,82€ em 2017 e 5,03€ em 2018;
c) por sua vez o valor da segunda hora extraordinária é de 5.55€ em 2016, de 5,62€ em 2017 e 5,86€ em 2018;
Assim, e salvo o devido respeito, os valores peticionados pelo Recorrente a este título na P.I estão corretos e tem direito aos mesmos na íntegra, motivo pelo qual não prescinde do seu pagamento,
(...)
Consequentemente, é devido ao Requerente a este título o valor total de 5.013,00€ (cinco mil e treze euros).”.
Na fundamentação da sentença, refere a este respeito a Mª Juíza “a quo”, em síntese, o seguinte: «(...)
O valor correspondente à compensação prevista no n.º 7 da cláusula 74ª é calculado por referência a duas horas de trabalho extraordinário. A retribuição do trabalho extraordinário está prevista na cláusula 40ª e corresponde a um acréscimo de 50% nas primeiras quatro horas, e o valor do cálculo da retribuição horária normal está prevista na cláusula 42º e corresponde à formula (RMx12):(52 x horas trabalho semanais). Efetuados os cálculos conclui-se que o valor hora normal no ano de 2016 ascendia a €3,17 e no ano de 2017 ascendia a €3,21; consequentemente o valor da hora extraordinária de trabalho ascendia a €4,76 no ano de 2016 e a €4,81 no ano de 2017. Deste modo, o valor que o autor tem a receber pela cláusula 74ª em relação ao ano de 2016 ascende à quantia mensal de €285,60 e em relação ao ano de 2017 ascende à quantia mensal de €288,60.
E esta quantia é devida por todos os meses de trabalho efetivo prestado, bem como na retribuição de férias e respetivo subsídio.
(...). Quanto ao subsídio de natal, é de considerar que tal prestação retributiva não o integra.».
Vejamos.
A única questão a analisar, a propósito deste segmento do litígio, é apenas, saber se assiste razão ao recorrente quando alega que o Tribunal “a quo” errou, no cálculo da compensação devida nos termos da cláusula 74, nº 7 da CCT.
E, cremos, assistir-lhe razão.
No entanto, previamente, diga-se que, a referida cláusula 74ª da CCT aqui aplicável, sob a epígrafe “Regime de trabalho para os trabalhadores deslocados no estrangeiro”- introduzida nas alterações ao CCT publicadas no BTE nº 16 de 29 de Abril de 1982, não constando do diploma original (publicado no BTE nº 9 de 8/03/0980)-, estabelece, no que agora importa, o seguinte:
“1. Para que os trabalhadores possam trabalhar nos transportes internacionais rodoviários de mercadorias deverá existir um acordo mútuo para o efeito. No caso do trabalhador aceitar a empresa tem de respeitar o estipulado nos números seguintes.
(...)
7. Os trabalhadores têm direito a uma retribuição mensal que não será inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia.”.
Como é entendimento reiterado do STJ, este nº 7, consagrou o direito dos trabalhadores dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias, deslocados no estrangeiro, a uma retribuição mensal que não pode ser inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia, conforme, entre outros, os (Ac. de 24.02.2015, Proc. nº 365/13.4TTVNG.P1.S1 e o Ac. de 17.12.2009, Proc. nº 949/06.7TTMTS.S1), explicando-se no último, sobre o sentido e alcance daquela cláusula, o seguinte:
«(...)
Como se vê, a cláusula em análise começa por pressupor um acordo mútuo entre as partes no sentido de que o motorista possa trabalhar nos transportes internacionais rodoviários de mercadorias (n.º 1) e, uma vez aceite essa possibilidade por banda do trabalhador, fica a entidade patronal obrigada a pagar-lhe “… uma retribuição mensal … não inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia”.
Tem este Supremo Tribunal vindo a entender, pacífica e reiteradamente, que a enunciada “retribuição” se destina a compensar o trabalhador pela maior penosidade e risco decorrentes da possibilidade de desempenho de funções no estrangeiro, certo que esse desempenho “… implica uma prestação de trabalho extraordinário de difícil controlo, não dependendo, pois, de uma efectiva prestação deste tipo de trabalho – extraordinário”, conforme se observa no Acórdão desta secção de 12/09/2007, na revista n.º 1803/07.
“Trata-se [discorre, logo a seguir, o mesmo Aresto], enfim, de uma «retribuição» complementar destinada à indicada compensação e à disponibilidade para uma tal prestação de trabalho, e que faz parte da retribuição global, cabendo no conceito legal de retribuição, não tendo a ver com a realização efectiva de trabalho extraordinário, aproximando-se da figura da compensação, ou «retribuição estabelecida» aos trabalhadores em geral pela isenção de horário de trabalho…”.
É dizer que o direito à falada compensação não exige um efectivo e ininterrupto desempenho de funções no estrangeiro, bastando a vinculada disponibilidade do trabalhador para esse efeito».
E, sobre a “Retribuição do trabalho extraordinário”, dispunha a cláusula 40ª da CCT, que – “1. O trabalho extraordinário será remunerado com os seguintes adicionais: a) 50% para as primeiras quatro horas extraordinárias; b) 75% para as restantes”.
No entanto, a referida cláusula sofreu alteração em 1990 passando a ter a seguinte redacção: “1. O trabalho extraordinário será remunerado com os seguintes adicionais sobre o valor da hora normal: a) 50% na primeira hora; b) 75% nas horas ou fracções subsequentes” – BTE, nº19, 1ª série, de 22.05.1990.
E, sendo deste modo, no que respeita ao cálculo do valor da hora de trabalho extraordinário, assiste razão ao recorrente.
Os cálculos efectuados, na decisão recorrida, nos termos estipulados naquela primeira redacção da al. a) da cláusula 40ª, não se mostram correctos, face à actual redacção.
Assim, efectuados os respectivos cálculos, sendo o valor da hora normal no ano de 2016 de €3,17 e no ano de 2017 de €3,21, o valor da 1ª hora extraordinária de trabalho ascende a €4,76 e o da 2ª hora a €5,55, no ano de 2016 e o valor da 1ª hora, no ano de 2017, ascende, a €4,82 e a 2ª hora a €5,62. E, deste modo, o valor que o autor tem a receber pela cláusula 74ª em relação ao ano de 2016 ascende à quantia mensal de €309,08 e em relação ao ano de 2017 ascende à quantia mensal de €312,90.
Não havendo que proceder a quaisquer cálculos em relação ao ano de 2018, pelas razões já supra referidas, ou seja, ter-se concluído que o A. não tem direito a qualquer retribuição, em 2018, uma vez que não exerceu qualquer actividade para a ré nesse ano.
Há, então, quanto àqueles dois anos de 2016 e 2017, proceder à correcção dos valores fixados na sentença, a título da compensação da referida cláusula 74ª.
Sendo que, quanto a esta e, bem assim, quanto ao pagamento da quantia correspondente ao prémio TIR, tal como se considerou na decisão recorrida, tem o autor direito a ver incluído o valor deste prémio, apenas, na retribuição de férias e no respectivo subsídio, mas já não no subsídio de natal, ao contrário do que pretende o recorrente.
Pois, sem dúvida, na análise desta questão, a Mª Juíza “a quo” efectuou o “correcto” enquadramento jurídico e subsumiu correctamente os factos ao direito aplicável, com a suficiente e adequada fundamentação que subscrevemos, bem decidindo, considerando o que, se transcreve, em síntese, ou seja, «Pretende também o autor a condenação da ré no pagamento da quantia correspondente ao prémio TIR na retribuição de férias e subsídios de férias e de natal.
Pelos fundamentos supra aduzidos, e que aqui se dão por reproduzidos, é de considerar que tem o autor direito a ver incluído o valor deste prémio na retribuição de férias e no respetivo subsídio, mas já não no subsídio de natal.
(...)
Quanto ao subsídio de natal, é de considerar que tal prestação retributiva não o integra. Vejamos. No que respeita ao subsídio de Natal, estipula o art. 44º que “todos os trabalhadores abrangidos por este CCT têm direito a um subsídio correspondente a um mês de retribuição, o qual será pago ou posto à sua disposição até 15 de dezembro”.
Na interpretação deste preceito será pertinente analisar a evolução legislativa.
Assim, o art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 88/96, de 3 de Julho, estabelecia que “os trabalhadores têm direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição”, tal como posteriormente foi consagrado nos arts. 254.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003 e 263.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009.
Até à entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003 não se levantavam dúvidas quanto a dever o cálculo do subsídio de Natal ser feito com base na retribuição auferida quando em serviço efetivo. A tal conclusão se chegava pela aplicação a este subsídio da norma do art.º 82.º da Lei do Contrato de Trabalho (Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969). Do mesmo modo se vinha interpretando o n.º 1 do art. 2º do Decreto-Lei n.º 88/96, ao prever que os trabalhadores têm direito a subsídio de Natal de “valor igual a um mês de retribuição”. Pelo seu teor literal e tendo em conta a unidade intrínseca do ordenamento jurídico, entendia-se que o legislador pretendeu assegurar que o subsídio de Natal fosse, em todos os casos, de valor igual a um mês de retribuição, apontando no sentido de que, para efeito do pagamento do subsídio de Natal, deve atender-se a todas as prestações de natureza retributiva que sejam contrapartida da execução do trabalho.
O conceito de retribuição tem vindo a manter-se ao longo da evolução legislativa (como resulta do disposto no art. 82º da LCT, do art. 249º do Código do Trabalho de 2003 e do art. 258º do atual Código do Trabalho), abrangendo aquele conceito o conjunto de valores pecuniários ou não que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o empregador está obrigado a pagar, regular e periodicamente ao trabalhador como contrapartida do seu trabalho.
Contudo, o Código do Trabalho de 2003 veio estabelecer no art. 250.º, n.º 1 que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades, norma que se mantém no atual art. 262º do Código do Trabalho de 2009. À mesma conclusão se chega por aplicação dos artigos 262.º e 263.º do Código do Trabalho de 2009. Estas normas supletivas (art. 250º do Código do Trabalho 2003 e art. 262º do Código do Trabalho 2009) impõem expressamente, para que se não apliquem, a existência de norma legal, convencional ou contratual que as contrarie. Como tal, inexistindo disposição contrária no CCT e sendo certo que tais disposições afastam claramente resultados interpretativos que, injustificadamente, afastem a sua estatuição, é de concluir que todas as prestações complementares que o autor tem direito a auferir não entram no cálculo do subsídio de Natal.».
Ora, não nos suscitando o que antecede, qualquer dúvida ou contradição, contrariamente, ao que o recorrente, refere, sem necessidade de outras considerações que, inevitavelmente, repetissem aquelas há, apenas, face à correcção que se efectuou, supra, à quantia a que ascendia a quantia mensal a receber pela cláusula 74ª, em relação aos anos de 2016 e 2017, que apurar a quantia devida por todos os meses de trabalho efectivo prestado, bem como na retribuição de férias e respectivo subsídio.
Acrescentando-se, apenas, previamente, no que a estes respeita, férias e respectivo subsídio, que em relação ao ano de 2016, ano de admissão do A. ao serviço da R., é de considerar que tendo, ele, sido admitido no 2º semestre de 2016, não se aplica o previsto no nº 2 da cláusula 23ª do CCT, (já que, esta, respeita ao início de trabalho no 1º semestre do ano), mas, o disposto no nº 1 do art. 239º do CT, que lhe confere e atribui dois dias de férias por cada mês de trabalho e, sendo desse modo, tem o mesmo direito a 6 dias de férias e respectivo subsídio.
Assim, e na concretização do exposto, em relação aos três meses de trabalho do ano de 2016 tem o autor direito a haver a quantia de €927,24 referente à compensação prevista na cláusula 74º, nº 7. Pela retribuição de férias deste ano da admissão e respectivo subsídio tem o autor direito a auferir a compensação de €123,60.
Ou seja, no total, em relação ao ano de 2016, tem o autor de receber da ré a quantia global de €1050,84.
Quanto ao ano de 2017, o valor mensal que o autor deveria ter auferido a título de compensação prevista na cláusula 74ª, ascende à quantia mensal de €312,90, que soma um total de €4.067,708 (respeitante a onze meses de trabalho, retribuição de férias e subsídio de férias).
Em suma, face ao acabado de decidir procede, parcialmente, este aspecto da apelação do A. e altera-se o valor respeitante à quantia de “€ 4.722,84”, referente à compensação prevista na cláusula 74ª, nº7, referida na al. a) do dispositivo da sentença recorrida, para a quantia de € 5.118,54.

Procede, assim, nos termos apontados, este segmento da apelação.
*
Passemos, agora, à apreciação da questão de saber, se o Tribunal “a quo” errou, ao não condenar a Ré a pagar a quantia global de €922,87 a título de subsídio de natal e € 2.481,66 a respeito de subsídio de férias, no tocante aos anos de 2016 a 2018.
O recorrente, conforme decorre das suas alegações considera que, assim, foi, no essencial, baseado no alegado direito à retribuição de 2018 que peticiona, na consideração de os valores auferidos pela cláusula 74ª e prémio TIR deverem ser considerados no subsídio de Natal e no alegado erro no cálculo do valor mensal da cláusula 74ª.
Ora, face ao antes decidido, a apreciação desta questão, nos termos em que o recorrente a coloca, mostra-se prejudicada, sendo que os termos da sua procedência e improcedência já ficaram decididos na questão anterior, nada mais se nos oferecendo dizer.
*
Agora, vejamos a questão de saber, se deve a Ré ser condenada a pagar ao A. €12,00 de prémio TIR.
Quanto a esta questão, não há dúvidas que tem razão o recorrente.
Consta da fundamentação da sentença recorrida, o seguinte: «Pela presente ação pede ainda o autor a condenação da ré no pagamento da quantia de €12,00, alegando que mensalmente a ré pagou-lhe menos €0,75 no valor do prémio TIR.
Em sede de contestação a ré admitiu este erro no pagamento do prémio TIR e reconheceu sua obrigação de pagar ao autor a reclamada quantia de €12,00, pelo que procederá nesta parte o peticionado pelo autor.».
Ora, face ao que antecede, dúvidas não há, que não só a Ré deve ser condenada a pagar ao A. € 12,00 de prémio TIR, como o foi, nos termos da decisão recorrida, sendo evidente, tratar-se de lapso, o não ter esse valor sido atendido no dispositivo da sentença.
Assim, procede, este aspecto da apelação do A. e altera-se o valor da “quantia de € 253,80 de prémio TIR em falta”, referido na al. a) daquele dispositivo para o valor total de € 265,80.
E, em consequência do decidido supra, quanto à compensação prevista na cláusula 74ª, nº7, também referida naquela al. a), altera-se a quantia global, ali mencionada, para a quantia de € 5.384,34.
*
Por último, analisemos se deve a Ré ser condenada como litigante de má-fé.
Alega e conclui o recorrente que deve, ainda, a Recorrida ser condenada como litigante de má-fé por voluntariamente ter omitido a junção de documentação e protelado a entrega da mesma, que fez de forma imprecisa, incompleta e até claramente manipulada.
Que dizer?
Nos termos do disposto no art. 542º, do CPC diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Decorre este do dever de cooperação na condução e intervenção no processo a que alude o artigo 7º nº 1 do Código de Processo Civil, tem como principal manifestação no que toca às partes, o dever de litigância de boa-fé (cfr. ainda o artigo 8º do mesmo diploma, onde sob a epígrafe “Dever de boa fé processual” se preceitua: “as partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior”). Ou seja, impõe, aquele dever de cooperação às partes o dever de agirem de boa fé e cuja violação pode traduzir-se em litigância de má fé.
Com efeito, as partes têm o dever de pautar a sua actuação processual por regras de conduta conformes com a boa-fé, tendo a condenação do pleiteante como litigante de má-fé um forte cariz punitivo do seu comportamento processual.
A parte tem o dever de não alterar a verdade dos factos ou de não omitir factos relevantes para a decisão da causa. Se intencionalmente, ou por falta da diligência exigível a qualquer litigante, a parte violar qualquer desses deveres, a sua conduta fá-lo incorrer em multa e indemnização, destinada a ressarcir a parte contrária dos danos resultantes da má-fé.
E, sendo desse modo, quanto à peticionada condenação da ré como litigante de má-fé, não se vislumbram nos autos, nem os demonstra o A. quaisquer fundamentos para deferir a pretensão por si deduzida.
A condenação como litigante de má fé assenta num juízo de censura sobre um comportamento que se revela desconforme com um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de Direito.
Sendo que, qualquer sanção por litigância de má fé, apenas, pode e deve ser aplicada aos casos em que se demonstre, pela conduta da parte, que ela quis, conscientemente, litigar de modo desconforme ao respeito devido não só ao tribunal, como também ao seu antagonista no processo.
Tudo o que não se verifica, no caso.
Indefere-se, assim, a requerida condenação da ré como litigante e má-fé.
E, improcede esta questão da apelação.
*
III - DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se nesta secção em julgar:
I – Totalmente improcedente a apelação da Ré;
II - Procedente, nos termos apontados, a apelação do Autor, revoga-se a sentença recorrida, quanto aos montantes em que condenou a Ré, na al. a) do dispositivo e, em consequência, altera-se e substitui-se a redacção daquela a) para a seguinte:
“a) julga-se parcialmente procedente o pedido formulado nos autos, pelo que, condena-se a ré a pagar ao autor a quantia global de € 5.384,34, respeitando a quantia de € 5.118,54 à compensação prevista na cláusula 74ª, nº 7, do CCT e a quantia de € 265,80 a prémio TIR em falta;”.
*
Custas da apelação da Ré, a cargo da mesma:
Custas da apelação do Autor, sem prejuízo de eventuais benefícios que lhe hajam sido concedidos, a cargo do mesmo, na proporção do respectivo decaimento.
*
Porto, 18 de Outubro de 2021
*
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão