Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3346/06.0TBVNG-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: EMENDA DA PARTILHA
ARRESTO PRELIMINAR
CADUCIDADE
LEVANTAMENTO DA PROVIDÊNCIA
Nº do Documento: RP202203243346/06.0TBVNG-D.P1
Data do Acordão: 03/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No regime do Código de Processo Civil de 1961, são pressupostos da ação destinada a obter a emenda da partilha na falta de acordo, que o interessado tenha tomado conhecimento da situação justificativa da emenda apenas depois da sentença homologatória da partilha e que a instauração do procedimento ocorra dentro de um ano, a contar desse conhecimento.
II - Se, no procedimento cautelar preliminar (de arresto), é invocada pelo Requerido, na oposição que deduziu, após a decisão, a caducidade do direito de ação para emenda da partilha, de que aquele é dependência, e a prova sumária realizada aponta, com segurança, para a verificação dessa exceção perentória, a providência cautelar ordenada perde a sua justificação e deve ser levantada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 3346/06.0TBVNG-D.P1 (apelação)
Comarca do Porto – Juízo de Família e Menores de V. N. Gaia – J 2

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida


Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.[1]
AA, divorciada, residente na Rua ..., ..., ..., Vila Nova de Gaia, instaurou providência cautelar de arresto, como preliminar da ação principal para emenda da partilha a propor contra BB, divorciado e seu ex-cônjuge, residente na Rua ..., ..., em ..., Gondomar, peticionando que seja decretado o arresto do valor depositado a título de tornas no processo de inventário para partilha de bens do casal que correu termos como apenso B, no montante de €89.905,25, acrescido dos juros moratórios, vencidos e vincendos que a Requerente há de peticionar na ação principal, ou em alternativa em quaisquer contas bancárias tituladas pelo Requerido ou pela sua irmã, visando o trajeto que tal valor tenha prosseguido após eventual levantamento; ou o arresto do valor depositado em quaisquer contas bancárias tituladas pelo Requerido cujo montante seja suficiente para garantia dos créditos da Requerente; ou ainda, caso não sejam encontrados os valores aqui identificados em contas bancárias daquele, o arresto do valor depositado em quaisquer contas bancárias tituladas pela sua irmã, cujo montante seja suficiente para garantia dos créditos da Requerente.
Produzida e analisada a prova indicada, foi proferida a seguinte decisão cautelar, ipsis verbis:
«Nesta conformidade, julga-se a presente providência parcialmente procedente, e, consequentemente, determina-se o arresto, até ao valor de 164.603,31€, todos os saldos e/ou valores de qualquer conta de depósito, à ordem ou a prazo, poupança, fundos de investimento mobiliário, ações ou quaisquer outros títulos valores depositados, que o requerido BB possua em qualquer instituição bancária, oficiando-se, para o efeito e com caráter de urgência, ao Banco de Portugal – Departamento de Supervisão Bancária, nos termos e para os efeitos do disposto nos art. 773.º e 780.º, ambos do Cód. Processo Civil, “ex vi” do disposto no art. 391.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.»
Realizada a providência e notificado o Requerido, este deduziu oposição com os fundamentos que expôs no seu requerimento de 29.11.2021, onde invocou, além do mais, as exceções do caso julgado e da caducidade de propor ação de emenda à partilha.
Entretanto, foi a Requerente convidada a pronunciar-se sobre as questões prévias e exceções invocadas pelo Requerido no seu requerimento de oposição, tendo-se manifestado pela improcedência das exceções do caso julgado e da caducidade do seu direito de ação.
O tribunal proferiu então a decisão recorrido (a 17.1.2022), com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Assim, face ao exposto, julga-se verificada a excepção peremptória de caducidade invocada pelo requerido na sua oposição e, consequentemente, determina-se o levantamento do arresto anteriormente decretado.
Custas pela requerente.»
*
Inconformada, a Requerente interpôs recurso cujas alegações são compostas com as seguintes CONCLUSÕES:
«1º A apelante encontra-se impossibilitada de discutir o mérito da sonegação de bens e da qualificação de bens próprios investidos em bens comuns que não foram objeto e considerados na partilha – quer na partilha por inadmissibilidade da reclamação e posteriormente por caso julgado formal, quer na ação comum, por caso julgado, e agora vê a providência cautelar apensa ao processo de emenda à partilha, ser revogada, por caducidade.
2º A apelante depois de vender a casa que construiu em solteira, e que era bem próprio seu, usou o dinheiro da venda na construção da nova moradia que no inventário veio a ser partilhado como bem comum, edificado ao longo do ano 1999 e 2000, já no decurso do seu casamento.
3º A apelante que foi vítima de violência doméstica, em 2003, na sequência do qual o apelado veio a ser condenado, veio a tomar conhecimento que este desviou elevadas quantias de dinheiro e sonegou diversos valores que recebeu e sabia serem comuns do casal, e viu-se impedida sistematicamente de ver discutido o mérito desse litígio, porquanto em processo de inventario apenas foi considerado o valor existente nas contas bancárias à data do pedido de divorcio, em 2006.
4º Os diversos Tribunais de recurso foram indeferindo os seus pedidos, ao mesmo tempo que indicavam soluções, havendo mesmo acórdãos que se contradisseram, prevalecendo o que proferiu a primeira decisão, que depois eram indeferidas novamente por outros Tribunais.
5º A apelante encontra-se desde 2013 a tentar por todos os meios demonstrar em Tribunal, quer no inventário, quer nos meios comuns e agora na emenda à partilha, não o conseguindo fazer, em nítido benefício do infrator, que mercê da ação direta sonegou bens e valores e impede a apelante a demonstrar que a casa de morada de família que foi partilhada no inventário fora construída na sua quase totalidade com dinheiro que era bem próprio desta.
6º Decorre do disposto no nº 1 do artigo 1386 do anterior Código do Processo Civil: “A partilha, ainda depois de passar em julgado a sentença, pode ser emendada no mesmo inventário por acordo de todos os interessados ou dos seus representantes, se tiver havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes",
7º Exige-se, em primeiro lugar, que tenha havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens; a apelante provou já por duas vezes indiciariamente – nas providencias cautelares que intentou, ter provas suficientes da sonegação de bens e da qualificação de bens próprios investidos em bens comuns que não foram objecto e considerados na partilha.
8º O artigo 1387 do antigo Código do Processo Civil diz que: quando se verifique algum dos casos previstos no artigo anterior e os interessados não estejam de acordo quanto à emenda, pode esta ser pedida em ação proposta dentro de um ano, a contar do conhecimento do erro, contanto que este conhecimento seja posterior à sentença".
9º A apelante soube do erro e da emergência de promover a emenda à partilha a partir do momento em que transitou a sentença da ação comum (1519/19.5T8VNG), em 7 de junho de 2021, que lhe impossibilitou a discussão de mérito da sonegação de bens e qualificação dos valores investidos na casa de morada de família com a vendo dum imóvel próprio, por determinação do caso julgado.
10º Ora, a presente providência deu entrada em Tribunal a 21 de julho de 2021, 44 dias após o conhecimento do erro e da sua possibilidade para intentar a emenda à partilha.
11º Em função do exposto entende o Autor nos termos do disposto no artigo 639 do Código do Processo Civil que o Tribunal a quo violou vários preceitos legais, e entre estes concretamente:
a. O disposto no artigo 668, nº 1- b), d), 1386º e 1387º do Código do Processo Civil de 1961;
b. O disposto nos artigos 368 e 372 nº 1 -b) do atual código do Processo Civil;» (sic)
Pretendeu, assim, que seja decretada a manutenção do arresto dos valores existentes nas contas bancárias.
*
O Requerido apresentou contra-alegações pugnando pela confirmação da decisão recorrida, no sentido de que se verifica a exceção perentória da caducidade que justificou o levantamento do arresto decretado.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II.
As questões a decidir --- exceção feita para o que for do conhecimento oficioso --- estão delimitadas pelas conclusões da apelação da Requerente, acima transcritas (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil.
O recurso visa, no essencial, obter resposta à seguinte questão:
- Caducou o direito da Requerente de pedir a emenda da partilha?
*
III.
Na sentença que ordenou o arresto[2], foi considerada como indiciariamente provada a seguinte matéria de facto:
1) A requerente celebrou casamento canónico com o requerido em primeiras núpcias de ambos, no regime de comunhão de adquiridos em 2.6.1984;
2) Tal casamento que veio a ser dissolvido por divórcio, inicialmente processado como divórcio litigioso, convertido, posteriormente, em divórcio na modalidade de mútuo consentimento, em 8.9.2008, no âmbito do processo que sob o n.º 3346/06.0TBVNG correu termos pelo extinto Tribunal Judicial de Família e Menores de Vila Nova de Gaia;
3) Tal ação de divórcio foi instaurada pelo aqui requerido em 7.4.2006;
4) Como preliminar da referida ação de divórcio, em 11.11.2005 o aqui requerido intentou procedimento cautelar de arrolamento, peticionando o arrolamento do veículo automóvel de marca a Toyota ..., matrícula ..-..-TV, assim como os saldos de todas as contas bancárias à ordem, a prazo, aplicações títulos e ações de seja titular a ali requerida fosse titular;
5) Tal arrolamento veio a ser decretado nos exatos termos peticionados por decisão datada de 28.11.2005;
6) A requerente exerceu a atividade de professora do ensino primário, agora designada, professora do 1.º ciclo, desde 1975, e como tal remunerada, encontrando-se atualmente aposentada desde 30.10.2007;
7) Em finais de 1982, a requerente conheceu o requerido e, em Maio do ano seguinte, 1983, estabeleceram entre eles uma relação de namoro que culminou com o casamento, celebrado em 2.6.1984;
8) Já no ano de 1981, a requerente iniciara a construção de uma moradia, sita na Rua ..., ..., em ..., Vila Nova de Gaia;
9) A construção desta moradia foi implantada em lote de terreno adquirido a uma cooperativa, denominada “...”, com sede na Rua ..., no Porto;
10) Tal moradia foi contruída ao longo dos anos 1981 e 1982;
11) Quando a requerente casou com o requerido já aí vivia com seus progenitores há mais de um ano, pois foi viver para a casa que edificara em ... no início de 1983, ainda antes até de começar a namorar com o requerido;
12) Já com construção da moradia em curso, verificaram-se vicissitudes na formalização da aquisição do lote de terreno, sobretudo relacionadas com as garantias prestadas pela identificada Cooperativa à Banco ..., como condição de financiamento que aquela (Cooperativa) solicitara para custear as despesas de loteamento;
13) Tais vicissitudes vieram a ser ultrapassadas com recurso à via judicial, nomeadamente através de um procedimento cautelar e posterior ação principal, de forma favorável à aqui requerente, mediante a celebração de uma transação;
14) Devido a tais vicissitudes, e ao largo período de tempo durante o qual as mesmas se arrastaram, a escritura que formalizou a referida aquisição da moradia cuja construção se iniciou em 1981, só foi celebrada em 31.07.1985, tendo o preço declarado sido de 229.500 escudos;
15) O preço da aquisição do lote de terreno e o preço de construção desta moradia foi pago quer pelas remunerações que a requerente vinha amealhando com o que auferia no exercício da sua atividade de professora do 1.º ciclo, no estado de solteira, ainda com contribuições dos seus progenitores (donativos) e também com contribuições (donativos) prestados pela sua tia /madrinha de nome CC;
16) Em 26 de Outubro de 2001, requerente e requerido celebraram contrato-promessa de compra e venda, em que prometeram vender a referida moradia pelo preço de 33.000.000 escudos, tendo os promitentes compradores dado como sinal e princípio de pagamento a quantia de 3.000.000 escudos, tendo ficado a constar na cláusula sexta do referido contrato-promessa que a escritura de compra e venda seria celebrada até 30 de Dezembro de 2001;
17) Tal moradia, construída pela requerente ainda no estado de solteira, foi vendida em 2001, pelo preço correspondente, atualmente, a 164.603,31 €, deduzida da comissão de 997,60 €, paga ao intermediário da transação;
18) No início de 1998 requerente e requerido, então como casal, decidiram construir uma outra moradia, esta sita na Rua ..., ..., em ..., Vila Nova de Gaia;
19) Em 9 de Dezembro de 1999, requerente e requerido celebraram um contrato de empréstimo bancário com o Banco 1 ..., no montante de 30.000.000 escudos, tendo, para garantia do dito empréstimo, sido constituída hipoteca sobre a moradia de ...;
20) Na vigência do casamento, requerente e requerido eram titulares de contas bancárias conjuntas seguintes:
a) Conta n.º ..../....../..., existente na Banco ..., agência de ..., onde se encontravam depositadas as quantias de 20.000€ e 5.000€;
b) Conta do Banco 1 ..., atualmente Banco 2... (empréstimo)
21) Em 30.6.2004, existia uma conta no Banco 3 ..., agência de ..., com o n.º ....., de que era titular, pelo menos, o requerido, que, nessa data apresentava um saldo de 8.259,57€;
22) O requerido, antes de, por sua iniciativa, intentar a ação de divórcio litigioso, emitiu os seguintes cheques:
a) Cheque n.º ..., da conta n.º ..../....../..., existente na Banco ..., agência de ..., com data de 16.2.2005, no valor de 20.000€, ao portador;
b) Cheque n.º ..., da conta n.º ..../....../..., existente na Banco ..., agência de ..., com data de 5.7.2005, no valor de 5.000€, ao portador;
c) Cheque n.º ..., da conta n.º ..../....../..., existente na Banco ..., agência de ..., com data de 29.10.2005, no valor de 1.500€, à ordem de «Dr. DD»;
23) O requerido emitiu os referidos cheques sem conhecimento, autorização e consentimento da requerente, bem sabendo que estava, de forma deliberada e consciente, a prejudicar a requerente, o que sempre quis, subtraindo ao património da requerente;
24) O requerido ocultou as referidas operações de levantamento da requerente, ocultação facilitada pelo facto do requerido ser o primeiro titular das contas e como tal, o destinatário de toda a correspondência com origem nas mencionadas instituições bancárias sobre tal matéria;
25) Em 8.8.2002 foi registada a propriedade do veículo automóvel de marca ..., de matrícula ..-..-TV, a favor do aqui requerido;
26) Em 31.10.2005, a propriedade do veículo automóvel de marca ..., de matrícula ..-..-TV, encontrava-se registada a favor de EE, apesar de, pelo menos, ainda em 2016, ser o aqui requerido o condutor habitual de tal veículo;
27) O requerido foi acusado e julgado pelo crime de maus tratos a cônjuge na pessoa da requerente, tendo sido condenado no âmbito do proc. n.º 368/03.7GEVNG que correu termos pelo 2.º Juízo Criminal do Tribunal da Comarca de Vila Nova de Gaia, em pena de prisão, com execução suspensa pelo período de três anos 28) Da caderneta predial urbana, obtida via internet em 30.9.2021, verifica-se a existência de um prédio com o artigo matricial ..., cujos titulares são o aqui requerido, na qualidade de usufrutuário vitalício, e EE, na qualidade de proprietária de raiz;
29) Da caderneta predial urbana, obtida via internet em 30.9.2021, verifica-se a existência de um prédio com o artigo matricial ..., cujos titulares são o aqui requerido, na qualidade de usufrutuário vitalício, e EE, na qualidade de proprietária de raiz;
30) Na sequência do divórcio decretado no âmbito do processo n.º 3346/06.0TBVNG, que correu termos pelo Tribunal de Família e Menores de Vila Nova de Gaia, foi requerido inventário para partilha dos bens comuns do casal, que passou a constituir o apenso B, no qual a aqui requerente foi nomeada para exercício do cargo de Cabeça de Casal;
31) Na qualidade de cabeça de casal, a aqui requerente, em 30.8.2013, apresentou a relação de bens, constante de fls. 15 ss do 1.º volume do referido apenso B, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
32) Nessa relação de bens, a aqui requerente indicou, entre outros, como bem comum a partilhar a casa de ..., e apenas indicou como crédito a seu favor as despesas e pagamentos efetuados com a casa de morada de família, nomeadamente água, luz, manutenção e consertos, a qual se encontrava atribuída a ambos as partes, habitada por ambos, no valor global de 11.159,79€;
33) Em 8.10.2013, o aqui requerido apresentou reclamação relativamente à referida relação de bens, nos termos e com os fundamentos que constam de fls. 96 ss do 1.º volume do referido apenso B, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, invocando também créditos a seu favor resultantes do pagamento de despesas água e eletricidade;
34) Em 21.10.2013, a aqui requerente, na qualidade de cabeça de casal, apresentou resposta à reclamação à relação de bens, constante de fls. 199 ss do 2.º volume do referido apenso B, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
35) Por decisão proferida a 20.11.2013, a fls. 245/246 do 2.º volume do referido apenso B, a Mma. Juiz decidiu o seguinte: “No que se reporta ao crédito relacionado pela Cabeça de casal e referente a despesas e pagamentos efetuados com a casa de morada de família e a qual foi atribuída a ambos os ex-cônjuges, as mesmas, de acordo com os documentos juntos, as quais aliás reportam-se a datas posteriores ao decretamento do divórcio- 08.09.2008, carecem de ser peticionadas em ação própria e não alvo de partilha em processo de inventário pelo que deve ser eliminada a respetiva verba da relação de bens”, decisão essa que não foi alvo e recurso e, portanto, transitou em julgado;
36) A aqui requerente, na qualidade de cabeça de casal, veio a apresentar nova relação de bens, em conformidade com o judicialmente decidido e ordenado, conforme melhor consta de fls. 284 e 285 daquele apenso B, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
37) No âmbito do referido apenso B, foi então designada data para inquirição de testemunhas com vista à prolação de decisão quanto à reclamação apresentada à relação de bens, sendo que na data em causa (16.6.2015), pela partes foi obtido um acordo, conforme consta da ata de fls. 316/317, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e da qual consta o seguinte:
“Aberta a diligência e cumpridas as formalidades legais o Mm. .Juiz tentou a obtenção de um acordo quanto ao objecto em litígio no incidente de reclamação contra a relação de bens (bens móveis), o que foi conseguido, sendo o mesmo baseado nos seguintes termos:
- Desistem do incidente uma vez que estão de acordo quanto à reclamação e resposta à reclamação apresentadas. Comprometem-se a apresentar nova relação de bens subscrita ambos os Interessados, sem prejuízo de o Interessado manter a reclamação quanto aos créditos que detém sobre os bens comuns a partilhar, que irá renovar após a apresentação da nova relação de bens que irá ser apresentada”;
38) Deste modo, em sede do identificado processo de inventário não foram relacionados os agora alegados créditos resultantes da venda da casa de ..., nem da utilização dos certificados de aforro;
39) Por despacho proferido na conferência datada de 1.3.2016, foi determinada a realização de uma perícia de avaliação da casa de ..., cujo relatório concluiu pelo valor de 188.500€ (em13.6.2016) – cfr. fls. 432 ss, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
40) Pedidos esclarecimentos quanto ao dito relatório, o mesmo veio apresentar os esclarecimentos que constam de fls. 478 ss, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, concluindo pela correção do PVT do imóvel para 245.500€;
41) Em sede de conferência de interessados realizada em 4.4.2017 (fls. 531 ss do apenso B, cujo teor se dá por integralmente reproduzido) as partes chegaram a acordo quanto à adjudicação dos bens relacionados, tendo a referida casa de ... sido adjudicada à cabeça de casal, aqui requerente, pelo valor de 245.000€;
42) Em 3.7.2017, foi proferido despacho determinando a forma da partilha, sendo, nessa sequência, elaborado respetivo mapa, em 6.7.2017, o qual foi objeto de retificação, de acordo com despacho datado de 18.12.2017, retificação operada em 1.2.2018;
43) De acordo com o mapa da partilha (retificado) ficou a caber ao requerido um crédito de tornas no montante de 89.905,25€, em virtude de terem sido adjudicados à requerente bens de valor superior à meação que lhe cabia;
44) Por sentença proferida a 26.2.2018, foi homologada a partilha constante do mapa de partilhas, sendo adjudicados aos interessados os respetivos bens e condenados os mesmos no pagamento do passivo apurado, nos exatos termos constantes desse mapa;
45) A aqui requerente procedeu ao depósito das tornas devidas, as quais, entretanto, ficaram arrestadas à ordem do proc. n.º 9894/18.2T8VNG (procedimento cautelar), que veio depois a ser apensado ao processo principal, com o n.º 1519/06.0T8VN (conforme resulta de fls. 735 ss, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
46) Por decisão datada de 12.4.2021, proferida no proc. n.º 1519/19.5T8VNG-A, foi determinado o levantamento do arresto decretado sobre o valor das tornas depositadas nos autos de inventário, a favor do aqui requerido, pelo que as mesmas lhe foram entregues por pagamento por depósito autónomo, conforme consta de fls. 891(892, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
*
O tribunal considerou ali como não indiciada a seguinte matéria de facto:
a) Quando o então casal decidiu construir a moradia de ..., tinha disponibilidade para pagar 9.500 contos, tendo necessidade de contrair um empréstimo junto do Banco 2... de 2.000 contos para pagar o preço acordado para a compra do terreno;
b) O custo da construção da moradia de ... foi suportado, também, pela utilização do montante em certificados de aforro no valor de 24.939,89€ que coube à filha da requerente e do requerido, por herança por óbito da mãe da requerente, ocorrido em 13.1.1989, valor esse utilizado em acabamentos finais;
c) O requerido tenha pago os honorários do advogado para defesa de uma sua testemunha no processo de violência domestica no montante de 1.500,00€;
d) O requerido tinha ainda uma conta bancária só em seu nome com o n.º ....., existente no Banco 3 ..., agência de ... que, para além da quantia de 8.259,57€, albergava vário património mobiliário, nomeadamente ações de várias empresas cotadas em bolsa, então no valor de cerca de 114.000€, que o requerido levantou pessoalmente;
e) Todo o património mobiliário depositado nas mencionadas contas bancárias foi adquirido na constância do matrimónio e com a contribuição de bens comuns de ambos os então cônjuges;
f) O requerido, antes de, por sua iniciativa, intentar a ação de divórcio litigioso, efetuou o levantamento de todo o património mobiliário que se encontrava depositado nas aludidas contas bancárias conjuntas, e passou a utilizá-lo em proveito exclusivo próprio;
g) Encontrando-se vedado o acesso da requerente à correspondência bancária respetiva por ordens expressas e ameaçadoras do requerido;
h) Em data sensivelmente coincidente com a mudança da residência da moradia da Rua ..., em ..., para a moradia da Rua ..., em ..., o requerido veio a adotar um comportamento violento, paulatinamente mais agressivo, nomeadamente com ameaças de que a expulsaria de casa, utilizando frequentemente a expressão “com jeitinho ponho-te na rua”;
i) Desde a data em que foi decretado o divórcio até Agosto de 2016, foi a requerente quem sempre suportou e pagou as despesas com os serviços de fornecimento de água canalizada, gasóleo para funcionamento da caldeira, consertos da caldeira, manutenção da casa e fornecimento de energia elétrica;
j) A requerente despendeu em tais despesas os seguintes montantes:
Água por si pagas no montante de 2.287,20€;
Gasóleo da caldeira por si pagas no montante de 6.119,80€;
Reparações da caldeira por si pagas no montante de 1.456.06€;
Manutenção da casa por si pagas no montante de 3.795,98€;
Energia elétrica por si pagas no montante de 110,29€
Tudo no montante global de 13.769,33€.
k) O requerido transferiu o dinheiro levantado das referidas contas bancárias para contas bancárias tituladas por sua irmã, de nome EE, residente na Rua ..., ..., em ..., Gondomar;
l) A irmã do requerido não tem meios de subsistência que justifiquem a existência de avultadas quantias em seu nome no banco, dependendo da ajuda que o requerido lhe presta para manter níveis bastante modestos de sobrevivência.
*
Conhecendo
A decisão proferida em matéria de facto não foi impugnada, sendo a única questão a apreciar e decidir exclusiva em matéria de Direito:
- Caducou o direito da Requerente de pedir a emenda da partilha?
Sendo aplicável ao caso o disposto no art.º 1387º do Código de Processo Civil de 1961, aprovado pelo Decreto-lei nº 44129, de 28 de dezembro de 1961, na redação introduzida pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de agosto[3], vejamos se há indícios de a Requerente estar ou não estar em tempo de instaurar ação comum para emenda à partilha que teve lugar no processo de inventário subsequente ao divórcio (para partilha de bens comuns do casal), mais propriamente, se deve ou não proceder a exceção a caducidade invocada pelo Requerido no exercício do contraditório que o opôs a providência cautelar de arresto já decretada, ao abrigo dos art.ºs 366º a 368º e 393º, nº 1, do atual Código de Processo Civil.
Na decisão recorrida, depois de ter tecido algumas considerações teóricas, o tribunal a quo fez preceder o dispositivo da seguinte consideração, mais dirigida à situação concreta:
«Ora, no caso concreto, ainda que, por mera hipóteses de raciocínio, se considerasse a existência de erro relevante, nos termos acima referidos, sempre teríamos de considerar procedente a excepção peremptória de caducidade, pois que a questão que a requerente invoca há muito que vem sendo discutida, nos autos de inventário e noutros, na primeira instância e nas demais, sendo claramente anterior à sentença de partilha, a qual, por sua vez, é datada de 26 de Fevereiro de 2018 e transitou em julgado em 13 de Abril de 2018, o que resulta de forma evidente dos factos considerados provados na decisão inicial desta providência cautelar e da análise do próprio processo de inventário, nomeadamente das decisões proferidas, quer em 1.ª instância, quer nas instâncias superiores.»
Pois bem.
Atentas as alegações de recurso, na visada emenda da partilha, a recorrente pretende que sejam atendidas elevadas quantias em dinheiro que o Requerido recebeu e sonegou no inventário, onde foram considerados apenas os valores das contas bancárias existentes à data do pedido de divórcio. Pretende ainda, por via da mesma emenda, que lhe seja permitido provar que a casa de morada da família, partilhada no inventário, foi construída na sua quase totalidade com dinheiro que constituía bem próprio da Requerente, sendo, por isso, um crédito da sua titularidade.
Os art.ºs 1386º e 1387º do Código de Processo Civil de 1961 dispunham assim:
Artigo 1386.º
Emenda por acordo
1 - A partilha, ainda depois de passar em julgado a sentença, pode ser emendada no mesmo inventário por acordo de todos os interessados ou dos seus representantes, se tiver havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes.
2 - O disposto neste artigo não obsta à aplicação do artigo 667.º
Artigo 1387.º
Emenda da partilha na falta de acordo
1 - Quando se verifique algum dos casos previstos no artigo anterior e os interessados não estejam de acordo quanto à emenda, pode esta ser pedida em acção proposta dentro de um ano, a contar do conhecimento do erro, contanto que este conhecimento seja posterior à sentença.
2 - A acção destinada a obter a emenda segue processo ordinário ou sumário, conforme o valor, e é dependência do processo de inventário.

Faltando, no caso, acordo quanto à emenda da partilha, é aplicável o referido art.º 1387º, devendo a ação ser proposta dentro de um ano, a contar do conhecimento do erro pela Requerente, conhecimento esse que deve ser sempre posterior à sentença.
Se o conhecimento do erro for anterior à sentença, o regime estabelecido nesta disposição legal não pode ter aplicação. Nessa circunstância, deve o respetivo incidente ser levantado e decidido, antes de ser proferido a sentença; isto, mesmo que o mapa de partilhas já se encontre elaborado.[4]
Diz-nos a apelante, sob as conclusões 9 e 10, a merecerem aqui destaque:
9º A apelante soube do erro e da emergência de promover a emenda à partilha a partir do momento em que transitou a sentença da ação comum (1519/19.5T8VNG), em 7 de junho de 2021, que lhe impossibilitou a discussão de mérito da sonegação de bens e qualificação dos valores investidos na casa de morada de família com a vendo dum imóvel próprio, por determinação do caso julgado.
10º Ora, a presente providência deu entrada em Tribunal a 21 de julho de 2021, 44 dias após o conhecimento do erro e da sua possibilidade para intentar a emenda à partilha.
Porém, de modo contraditório, afirmara na conclusão 5:
«5º A apelante encontra-se desde 2013 a tentar por todos os meios demonstrar em Tribunal, quer no inventário, quer nos meios comuns e agora na emenda à partilha, não o conseguindo fazer, em nítido benefício do infrator, que mercê da ação direta sonegou bens e valores e impede a apelante a demonstrar que a casa de morada de família que foi partilhada no inventário fora construída na sua quase totalidade com dinheiro que era bem próprio desta.»
Ora, afirmando a recorrente que, desde 2013, anda a tentar demonstrar em Juízo, até por diferentes meios processuais, que o Requerido sonegou bens e valores do acervo patrimonial comum do casal e que a casa de morada da família, partilhada no inventário, foi construída, na sua quase totalidade, com dinheiro que era bem próprio dela, afigura-se-nos inquestionável que já então, no ano de 2013, tinha conhecimento dos fundamentos que, com a abertura do procedimento cautelar, em 21.7.2021, invoca para justificar a pretensão de emenda da partilha.
Considerando que a sentença homologatória da partilha foi proferida a 26.2.2018 (ponto 44 dos factos provados), condenando Requerente e Requerido no pagamento do passivo apurado, nos termos constantes do mapa homologado, e que transitou em julgado no dia 13.4.2018, o conhecimento pela Requerente do fundamento da emenda à partilha foi anterior à referida sentença, o que reforça a não aplicação do regime do art.º 1387º do Código de Processo Civil de 1961.
Mas, atentemos nos elementos disponíveis no processo.

Consta o seguinte de um requerimento da Requerente apresentado no processo de inventário (nº 3346/06.0TBVNG-B), onde pede aditamento à relação de bens:
«(…)
PORÉM
18º O facto da inexistência de depósitos nas contas bancárias conjuntas de ambos os interessados não elimina a existência de activos que nelas chegaram a estar depositados.
19º E tais activos não existiam nas referidas contas pela única razão de terem sido levantados em data anterior à propositura da Acção de Divórcio, por iniciativa do interessado BB que deles se apoderou em exclusivo interesse e sem conhecimentos, autorização e consentimento da aqui reclamante AA,
20º activos estes que fez depositar em outras contas bancárias, onde consta como único titular, delas não tendo incluído, como titular, a interessada AA,
21º pese embora ser do seu total conhecimento que tais activos constituíam bens comuns do casal
22º nomeadamente, fez depositar grande parte desses activos em conta bancária existente na Agência ... – Gondomar da Banco ....
ORA
23º Um vez que tais activos existem e são bens comuns do casal, pese embora na posse exclusiva do interessado BB, deverão ser relacionados no em verba própria do ACTIVO da Relação de Bens.
III – QUANTO AO PASSIVO
(…)
ACRESCE QUE
28º Em 1981, cerca de três anos antes da celebração do casamento entre os aqui interessados, a interessada AA, aqui reclamante, no estado de solteira procedeu á aquisição de um lote de terreno a uma Cooperativa de Habitação e nele iniciou a construção de uma Moradia, sita na Rua ..., ..., freguesia ... em Vila Nova de Gaia,
29º moradia esta, custeada pelos rendimentos que a interessada AA ia adquirindo no exercício da sua actividade profissional de professora, doação de uma sua tia/madrinha, casada, mas sem filhos, de nome CC e, ainda, com donativos de seus pais,
30º porquanto estes –seus pais-, projectavam habitar em conjunto com a filha, a interessada AA, a identificada moradia, aliás o que veio a acontecer.
31º Em Fevereiro/Março de 1983, a interessada AA estabeleceu uma relação de namoro de namoro com o interessado BB.
32º Porém, só deu conhecimento da moradia no final da construção, cerca de sete meses posteriores ao início da relação de namoro.
33º Aconteceu, porém, que, uma vez concluída a moradia, não foi possível proceder à escritura de transmissão em consequência de litigio existente entre a Cooperativa e o Empreiteiro,
34º razão pela qual, pese embora completamente construída e paga, antes de 02.06.1984, a celebração da escritura só foi possível em 31.06.1985
35º ou seja, cerca de um ano após a celebração do casamento entre os interessados neste Inventário e,
36º pelo que, e em consequência desse atraso na formalização do negócio, o interessado BB figura em tal aquisição como casado em regime de comunhão de adquiridos com a interessada, AA.
ISTO POSTO
37º Entretanto, por escritura de 14.12.2001, veio esta moradia – Rua ... – a ser vendida pelo preço de 133.000.000$00, o correspondente a €165.000,00,
38º montante este que foi integralmente utilizado na construção da moradia que consta da verba n.º 3 da Relação de Bens.
39º Por a identificada moradia ter sido custeada integralmente por bens próprios da interessada AA,
40º dúvidas não restam que, em substância, tal moradia é bem próprio da interessada AA,
41º assim como o produto da alienação da mesma, ou seja o valor de €165.000$00, constitui bem próprio da interessada AA.
ASSIM
42º No Passivo da Relação de Bens, deverá constar como crédito da interessada AA o montante de €165.000, 00, por o mesma corresponder ao preço da contrapartida pela alienação de um bem próprio dela (em substância) e aplicado no bem comum do casal, identificado na verba n.º 3 do Activo da Relação de Bens.

Sobre este requerimento, pronunciou-se a 1ª instância por despacho de 21.3.2017, indeferindo-o com base em caso julgado formado em decisão anterior proferida pela Relação do Porto de 26.9.2016, confirmativa de uma decisão da 1ª instância.
Deste despacho, foi interposto novo recurso para a Relação, sobre o qual recaiu novo acórdão, datado de 24.9.2018 que o confirmou. Nele, destacam-se as passagens que se seguem:
«(…)
O que significa, pois, em nosso ver, e face ao antes exposto, que admitir o aditamento requerido pela cabeça de casal, em que estão em causa os mesmos bens cuja reclamação foi antes formulada e foi indeferida por decisão transitada em julgado, seria praticar no mesmo processo um acto contraditório com aquela decisão e com os seus pressupostos e feitos lógicos, o que, como se expôs, não é consentido pela força de caso julgado formal de que ficou revestido o despacho judicial que indeferiu a reclamação de tais bens.
(…)
Aliás, mesmo invocando-se a doutrina constante do douto Acórdão desta Relação de 7.11.2016 e as suas premissas lógicas, o resultado não poderia de deixar de ser o mesmo antes referido, como ali não deixou de se salientar devidamente.
Com efeito, neste último aresto escreveu-se o seguinte (pag. 81 do translado): “Contudo, tal como não é possível apresentar uma nova reclamação da relação de bens que vise alcançar aquilo que já foi decidido em anterior incidente de reclamação, também não pode o cabeça de casal aditar à relação de bens verbas sobre as quais já foi decidido não deverem ser incluídas na relação de bens.”
Ora, é precisamente o que ora sucede, pois o aditamento foi formulado nos autos pela cabeça de casal a 27.02.2017 quando antes, por força da Decisão Singular proferida nesta Relação a 26.09.2016, tinha sido decidido (com trânsito em julgado, ocorrido a 13.10.2016) que a reclamação pela não inclusão de tais verbas na relação de bens oportunamente apresentada pela própria cabeça-de-casal não seria admissível.
Na verdade, a ser assim, não só se colocaria em causa em termos manifestos a decisão singular proferida nesta Relação, como, ainda, dessa forma, se lograria aplicar aos autos a decisão acolhida no douto Acórdão desta Relação de 7.11.2016, escamoteando o facto de a sobredita decisão singular ter transitado em primeiro lugar e, ainda, o facto de, por isso mesmo, este último Acórdão ter de ceder perante aquela decisão singular, em conformidade com o disposto no art.º 675º, nº 1 do CPC 1961 (ou artigo 625º do actual CPC) e com o decidido pelo Exmº Sr. Juiz Presidente deste Tribunal da Relação.
O que,em síntese final, vem a significar que nenhuma censura nos merece a decisão recorrida e impugnada pela cabeça-de-casal AA quanto ao indeferimento liminar do aditamento à relação de bens formulada pela apelante, decisão que é, assim, de manter, com a consequente improcedência do recurso de apelação interposto pela mesma e sendo certo que nenhuma outra questão concreta se mostra invocada pela mesma em sede de recurso da sentença homologatória da partilha.

Depois do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, a opção da Requerente não foi a emenda da partilha, mas a instauração de uma ação comum que correu termos sob o nº 1519/19.5T8VNG, onde, mais uma vez, abordou as questões da utilização de bens próprios na aquisição e um bem comum e da sonegação, pelo Requerido, de dinheiro das contas do casal, com o seguinte pedido:
«a) Reconhecer que o produto da venda da moradia sita na Rua ..., ..., em ..., Vila Nova de Gaia, no montante de €169 000,00, é bem próprio da autora e como tal activo/crédito a seu favor, por o pagamento do valor do lote de terreno onde se encontra implantada e a construção da mesma ter sido efectuado no estado de solteira da autora, por meios exclusivamente próprios, tais como remunerações, donativos dos pais, familiares e herdados por óbito da sua mãe;
b) Reconhecer que a quantia de 25.000,00€ resultante do resgate de certificados de aforro que foram adjudicados à autora por herança por óbito de sua mãe, aplicada na construção da identificada moradia da Rua ... em ..., Vila Nova de Gaia, é bem próprio da autora;
c) Reconhecer que o valor que se encontrava depositado nas contas bancárias identificadas no art. 23º da P.I., entretanto levantado pelo réu, no valor de 128.259,57 é bem comum do casal, e, como tal, reconhecer que metade desse valor (64.129,78€) constitui activo/crédito da autora;
d) Compensar os créditos da autora cujo reconhecimento se requer com o crédito do réu resultante de tornas por adjudicação em sede de inventário do bem imóvel, identificado no art. 37º da P.I., no montante de 89.905,25€.
e) Pagar à autora, após prolação de decisão transitada em julgado, o valor liquido que venha a resultar da diferença entre o montante dos créditos cujo reconhecimento se peticiona e o da compensação do crédito, a que se alude no pedido antecedente.»
Nessa ação, foi, pela 1ª instância, julgada procedente a exceção do caso julgado, invocada pelo Requerido, sendo que a sentença foi confirmada nesta Relação do Porto por acórdão de 9.2.2021.
Decorre de tudo quanto ficou exposto, e desde logo das próprias alegações da recorrente, que já em 2016, na pendência do inventário, esta tinha conhecimento da situação de erro que agora invoca; ou seja, já naquela altura suscitou no processo a existência de erro relativo à falta de relacionação do seu crédito sobre os bens comuns relativo à afetação de bens próprios na aquisição da habitação que constituiu a casa de morada da família, e a sonegação de valores integrantes do património conjugal por parte do Requerido.
Essas questões foram decididas no inventário, por despacho que formou caso julgado, exceção esta mais do que uma vez invocada e confirmada quer na 1ª instância, quer pela Relação nos acórdãos confirmativos que proferiu em sede de recurso.
Por conseguinte, a recorrente estava perfeitamente ciente, na pendência do processo de inventário, da situação que agora invoca a título de erro. E se assim aconteceu, só no inventário poderia ter solucionado a questão; nunca depois dele pela via de emenda da partilha, já que são pressupostos desta ação que o interessado tenha tomado conhecimento da situação justificativa da emenda apenas depois da sentença homologatória da partilha, e a instauração do procedimento dentro de um ano, a contar desse conhecimento.
De entre as afirmações algo contraditórias efetuadas pela apelante nas suas alegações de recurso, a que não corresponde à realidade é a de que tenha tomado conhecimento do erro de facto na descrição dos bens apenas com o trânsito em julgado da sentença proferida na ação comum nº 1519/19.5T8VNG, em 7 de junho de 2021, onde a exceção do caso julgado foi mais uma vez a causa do não conhecimento do mérito das questões ali suscitadas na petição inicial, onde novamente se revelaram conhecidas da recorrente (ali autora).
Poderia mesmo discutir-se se a omissão de bens, de créditos ou de dívidas na sua relação/descrição pode ser fundamentar um pedido de emenda da partilha. Os exemplos normalmente apontados pela doutrina respeitam a uma identificação incorreta de bens, e não à sua omissão. Lopes Cardoso[5] explica assim: “Como erro de facto na descrição considera-se toda a descrição que não corresponda à verdade, designadamente a descrição dum prédio urbano por rústico, um móvel por um imóvel ou, dentro de cada uma destas categorias, quando tenha sido descrito como de três andares um prédio de um andar único ou uma quinta por um terreno centeeiro, ou vícios ocultos da coisa ou falta de conteúdo ou extensão”. E, depois de citar Delfim Maia como defensor de que o erro de partilha por omissão de bens pode constituir fundamento da emenda da partilha no âmbito da aplicação da lei civil e do Código de 1876, acrescenta a sua divergência no sentido de que na legislação atual (Código de Processo Civil então em vigor e a que estamos a aplicar em sede de processo de inventário) não é defensável tal entendimento, mesmo que haja aquiescência de todos os interessados: a emenda à partilha não tem lugar nos casos de omissão ou indevida inclusão de bens.
A ação de emenda à partilha (na falta de acordo dos interessados) não se destina a uma reapreciação crítica de atos processuais praticados no decurso do inventário, mas a averiguar se a partilha, em si mesma, padece ou não de alguma das deficiências ou irregularidades enquadráveis nos art.ºs 1386º e 1387º do Código de Processo Civil de 1961.
Não há, no entanto, necessidade de desenvolver esta argumentação, face à comprovada verificação dos pressupostos da caducidade[6] do direito de ação de que é preliminar o presente procedimento cautelar de arresto.
E se, à luz dos elementos fornecidos neste procedimento, a ação principal a que a Requerente se propõe --- emenda da partilha --- não pode ter lugar, por caducidade do direito da Requerente, também esta providência de arresto, com ela conexa, perde a sua justificação, já que é dependência da instauração daquela ação e da sua previsível viabilidade, como se deduz dos art.ºs 373º, nº 1, al.s a) e c), 374º, nº 1 e 376º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Nesta decorrência, sem necessidade de mais delongas, há que confirmar a decisão recorrida, que julgou verificada a exceção perentória da caducidade invocada pelo Requerido na sua oposição e, em consequência, ordenou o levantamento do arresto anteriormente decretado.
*
SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
…………..
…………..
…………..
*
*
IV.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em negar a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
*
Custas pela apelante, por ter decaído totalmente no recurso (art.º 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo da taxa de justiça paga pela interposição.
*
Porto, 24 de março de 2022
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues Pires
____________________
[1] Pela sua fidelidade aos autos, segue-se de perto o relatório produzido na decisão recorrida.
[2] Sem audiência da pare contrária, como é próprio do arresto (art.º 393º, nº 1, do Código de Processo Civil).
[3] O regime do processo de inventário introduzido pela Lei nº 23/2013, de 5 de março, não foi aplicável aos processos de inventário que, à data da sua entrada em vigor (1º dia útil de setembro de 2013) estavam a correr termos (art.º 7º daquela lei), como acontece com o inventário aqui em causa, então pendente desde 11 de março de 2013.
[4] Acórdão da Relação de Coimbra de 14.12.2000, proc. 2819/99, in www.dgsi.pt.
[5] Partilhas Judiciais, Volume II, Almedina, 1990, pág.s 548 e 553.
[6] É esta, e não aquela, a questão da apelação.