Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
70103/19.0YIPRT.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL FERREIRA
Descritores: RECURSO
QUESTÃO NOVA
REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RP2024020870103/19.0YIPRT.P2
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A ineptidão da petição inicial não pode ser suscitada como questão nova em sede de recurso, pois, embora se trate de questão de conhecimento oficioso, esse conhecimento só pode ter lugar até ao despacho saneador, ou, se não houver tal despacho, até à sentença final.
II – A atribuição de eficácia executiva ao requerimento de injunção constitui unicamente a criação de um título executivo, não havendo qualquer conhecimento do mérito da acção, posto que nem sequer há a intervenção de um juiz na formação do título executivo, pelo que não se coloca a questão da existência de caso julgado.
III – Quer a emissão de letras de câmbio, quer a entrega de cheques, constituem formas de “datio pro solvendo”, pois que não se visa extinguir de imediato a obrigação, mas apenas facilitar o seu cumprimento futuro (só assim não será se houver acordo expresso das partes na substituição da obrigação)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 70103/19.0YIPRT.P2
(Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Gondomar – Juiz 2)


Relatora: Isabel Rebelo Ferreira
1ª Adjunta: Judite Pires
2ª Adjunta: Ana Vieira

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:



I – “A..., S.A.” deduziu processo de injunção contra AA, pedindo a condenação desta pagar-lhe a quantia de €6.732,57, sendo €6.510,16 de capital, €72,41 de juros vencidos e €150,00 de “outras quantias”.
Para o efeito alegou que a requerida encomendou, comprou e recebeu da sociedade “B..., S.A.”, segurada da requerente, os bens indicados nas facturas descriminadas no requerimento de injunção, tendo sido emitidas notas de crédito no valor global de €1.291,69, tudo no valor total de €17.339,63.
Alegou ainda que celebrou com aquela sociedade um contrato de seguro de crédito, através do qual se obrigou a pagar-lhe uma parte dos valores em causa se a requerida, no seu vencimento, os não pagasse, o que ocorreu, tendo a requerente pago, no âmbito do referido seguro a quantia de €6.510,16. E que a quantia de €150,00 é devida nos termos do art. 7º do D.L. 62/2013, de 10/05.
Dado o facto de a requerida ter deduzido oposição, onde invoca que o procedimento de injunção não é o meio próprio para a requerente exercer o direito que se arroga, bem como a excepção de ilegitimidade e alega que entregou cheques e letras para garantia e pagamento das mercadorias, sendo que alguns deles não foram apresentados a pagamento, o que configura mora da credora, e que nunca foi interpelada para proceder ao pagamento de qualquer factura ou indemnização, os autos prosseguiram os seus termos, no Juízo Local Cível de Gondomar do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, como acção declarativa de condenação destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, com forma de processo especial nos termos do D.L. 269/98, de 01/09.
Notificada para se pronunciar, a requerente respondeu, impugnando os factos alegados pela requerida e defendendo não se verificarem as excepções invocadas.
Por decisão de 14/09/2021 foi a requerida absolvida da instância, por se entender não ser o procedimento de injunção o apropriado ao exercício do direito alegado pela requerente.
Interposto recurso desta decisão pela requerente, por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/03/2022 foi decidido revogar aquela decisão, devendo os autos de injunção prosseguir os seus ulteriores termos processuais.
Prosseguindo, então, os autos, procedeu-se seguidamente a julgamento.
Após, foi proferida sentença, em 17/01/2023, na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar a requerida a pagar à requerente a quantia de € 6.550,16, acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal em vigor para as operações comerciais desde a notificação para oposição ao requerimento de injunção até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se a mesma do demais pedido.
De tal sentença veio a requerida interpor recurso, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
«A. Por sentença proferida em 17/01/2023, o Tribunal a quo, julgou parcialmente procedente a ação, condenando a Recorrente a (…);
B. Não se conformando com tal decisão, vem a Recorrente apresentar o presente recurso, o qual tem por objecto: o erro de julgamento; a errada subsunção dos factos dados como provados ao direito; a nulidade da sentença por os fundamentos estarem em oposição com a decisão – artigo 615º nº 1 alínea c) (primeira parte) do CPC; impugnação da matéria de facto - erro na apreciação da prova;
Porquanto,
C. A Recorrida interpôs o procedimento de injunção que deu origem aos presentes autos, reclamando da Recorrente o pagamento da quantia de 6.550,16 euros, e juros de mora, alegando para tal, ter celebrado com a B..., S.A. (fornecedora de produtos à Recorrente) um contrato de seguro de crédito (o qual foi junto aos autos pela Recorrida em 25/11/2020, Requerimento com Refª 37269686), através do qual se obrigou a pagar a esta uma parte dos valores das faturas que elencou na exposição de facto, se a Recorrida os não pagasse, no seu vencimento, o que alega ter ocorrido – falta de pagamento que a Recorrente não reconheceu, apresentando defesa por impugnação e exceção em sede de Oposição;
D. Realizado o julgamento, do depoimento das testemunhas e da prova documental junta aos autos, entendemos, que não resultou provado quais as faturas cuja alegada falta de pagamento pela Recorrente obrigaram a Recorrida a pagar à sua Segurada uma indemnização no montante de 6.550,16 euros;
E. Veja-se que no requerimento de injunção a Recorrida elencou várias faturas e notas de crédito (estas não identificadas) no valor global de 17.339,63 euros, sendo que a Recorrida apenas e tão só, pagou à sua Segurada a quantia de 6.550,16 euros, valor cujo pagamento agora peticiona à Recorrente;
F. Após notificada pelo Tribunal a quo (despacho de 23/04/2021, com Referência: 423732409) para proceder à discriminação, em relação a cada fatura, de qual o valor que pagou e que deu lugar ao total do montante da indemnização reclamada nestes autos, assim como as notas de crédito emitidas, a Recorrida não logrou efetuar tal discriminação, desconhecendo os autos, a Recorrente e, quiçá, a própria Recorrida, a que faturas foi imputado o pagamento efetuado por si à Segurada e, aqui, reclamado à Recorrente;
G. Da prova produzida em audiência de julgamento também não foi possível esclarecer a que faturas a Recorrida imputou o pagamento efetuado com a indemnização; desde logo, leia-se o depoimento da testemunha BB, conforme ata de audiência de julgamento, de 29 de Setembro de 2022, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal (H@bilus Media Studio) – 00:13:30 a 00:48:55), segmentos (38:22 a 39:20), (39:26 a 39:43), (44:56 a 46:38) e (47:47 a 48:36);
H. O depoimento desta testemunha nada esclarece relativamente às faturas, alegadamente, pagas através da indemnização, pois que, nas palavras da testemunha, a Recorrida não imputa a quaisquer faturas o pagamento da indemnização, mas antes, ao crédito mais antigo; declarações que são manifestamente contrárias ao estipulado nas cláusulas do contrato de seguro de crédito em causa nos presentes autos, assim como à exposição da matéria de facto constante do requerimento de injunção, pois do mesmo resulta que a obrigação da Recorrida indemnizar a sua Segurada nasce pela falta de pagamento de faturas – leia-se o contrato junto pela Recorrida Aos autos, em 25/11/2020, Requerimento com Refª37269686;
I. Por sua vez, dos esclarecimentos prestados pela B..., S.A., mormente, do doc.1 junto aos autos em 06/10/2022, resulta que aquela apenas comunicou à Seguradora/Recorrida faturas com data de emissão posterior a 11/04/2018, quando do requerimento de injunção e da matéria de facto dada como provada no ponto 1, de a. a p., se encontram elencadas várias faturas com data de emissão anterior a 11/04/2018, isto é, com data de emissão compreendida entre 13/12/2017 e 29/03/2018;
J. De acordo, com a informação prestada, as faturas elencadas no requerimento de injunção e anteriores a 11/04/2018 estariam pagas; pelo que não se pode admitir que, com base nas mesmas, venha a Recorrida peticionar o reembolso do pagamento por si efetuado à Segurada;
K. Saliente-se que tal falta de discriminação de quais as faturas pagas com a aludida indemnização, levou a que a Segurada da Recorrida, na pendência da presente ação, tenha lançado mão, em 22/02/2021, do procedimento de injunção, Processo n.º 15114/21.5YIPRT, através do qual também peticionou a cobrança de algumas das faturas que a Recorrida peticionou nos presentes autos, mormente, das faturas elencadas no ponto 14. da motivação deste recurso, para o qual desde já se remete por uma questão de economia e celeridade processual – o que foi comunicado ao Tribunal a quo por Requerimento de 15/04/2021, com Ref.ª 38566314, com a junção da notificação da Recorrente para aquela injunção;
L. Acresce, ainda, que na audiência de julgamento foi comunicado ao Tribunal a quo, que àquela injunção tinha sido aposta fórmula executória (pois, a Recorrente não apresentou oposição à Injunção, uma vez que reconheceu que lhe devia as faturas peticionadas naquele requerimento), a qual serviu de título à execução movida pela B..., S.A. contra a Recorrente;
M. Contudo, e fazendo tábua rasa de tal processo, assim como da falta de discriminação das faturas que titularam o pagamento da indemnização à Segurada, o Tribunal a quo decidiu condenar a Recorrente no pagamento do valor da referida indemnização, sem especificar quais as faturas que se consideram pagas com tal indemnização; incorrendo, assim em manifesto erro de julgamento, por considerar provados e não provados factos, manifestamente, insuficientes para proferir tal decisão de condenação; pois que não constam da matéria de facto (provada e não provada), da douta sentença recorrida, quais as faturas que a Recorrida pagou em substituição da Recorrente, o que era essencial para determinar, quais as mercadorias e preço pago com a referida indemnização;
N. E não constam da douta sentença recorrida, pois, no requerimento de injunção não foram invocados, pela Recorrida, os factos essenciais para a procedência da sua pretensão; desde logo, quais as faturas efetivamente pagas pela indemnização; nem posteriormente, quando convidada pelo Tribunal a quo para discriminar as mesmas; nem da audiência de julgamento, e da demais prova documental junta aos autos, resulta tal concretização; pelo que estamos perante a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir; por ser inepta a petição inicial o Tribunal a quo ficou impedido de decidir e dar como provado o não pagamento das faturas elencadas em 1. dos factos provados; e não dando como provada tal falta de pagamento, sempre deveria ter decidido pro legem, isto é, pela absolvição da Recorrente, e não pela sua condenação;
O. Ao condenar a Recorrente no pagamento da quantia de 6.550,16 euros, incorreu o Tribunal a quo num erro de raciocínio lógico, pois que a decisão proferida é, manifestamente, contrária à que lhe era imposta pelos fundamentos de facto e de direito de que o Tribunal se serviu ao proferi-la; motivo pelo qual a douta sentença recorrida é nula, por os fundamentos de facto estarem em oposição com a decisão proferida – artigo 615º n.º 1 al. c) (primeira parte) do CPC – nulidade que desde já REQUER seja conhecida e declarada;
Acresce, ainda,
P. O Tribunal a quo tendo julgado procedente uma ação onde não se encontram, devidamente, concretizados todos os factos constitutivos do direito invocado, proferiu uma sentença que não concretiza os factos que sustentam a sua decisão, deixando, por tal motivo, espaço para que o pagamento de todas as faturas constantes da exposição de facto, possa ser novamente peticionado/cobrado, noutras ações, e duplamente cobrado, pois que a sentença continua sem esclarecer que faturas se encontram pagas pela indemnização;
Q. Uma decisão judicial tem de assentar num princípio de certeza e segurança jurídica, de modo, a que, quando transitada em julgado, exclua toda a situação contraditória ou incompatível com a que ficou definida na decisão transitada, pois que a força de caso julgado incide sobre a decisão, mas também sobre a conclusão de certos fundamentos, atingindo questões preliminares, enquanto pressupostos, premissas ou antecedentes lógicos da decisão - leia-se o Acórdão da Relação de Coimbra de 22/09/2015, cujo sumário se encontra transcrito na motivação e para o qual se remete;
R. Motivo pelo qual entendemos que a decisão recorrida viola o princípio da segurança jurídica, consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa, tendo o Tribunal a quo incorrido em manifesto erro de julgamento, motivo pelo qual, deverá ser revogada a douta sentença recorrida;
Por sua vez,
S. Como ficou exposto em K e L destas conclusões, na pendência dos presentes autos a Segurada da Recorrida lançou mão do requerimento de injunção, através do qual peticionou o pagamento de algumas das faturas apresentadas pela Recorrida nestes autos – conforme ponto 14 da motivação deste recurso para o qual se remete -, sendo que nesse requerimento de injunção foi aposta fórmula executória, servindo, assim, de título à execução movida por aquela contra a Recorrente;
T. Nos presentes autos, foi reconhecida a legitimidade da Recorrida devido a encontrar-se sub-rogada no direito da Segurada, B..., S.A, o que é o mesmo que dizer que a Recorrida investe-se no direito que a Segurada tinha sobre a Recorrente para lhe poder cobrar, diretamente, o seu crédito, como se daquela se tratasse (estamos perante uma substituição do titular do direito, como se da mesma parte se tratasse);
U. O Tribunal a quo tendo tido conhecimento da existência da referida injunção, na qual os pedidos e causa de pedir são iguais aos da presente ação, não poderia, pura e simplesmente, fazer tábua rasa do efeito de caso julgado que resulta da aposição de fórmula executória naquele requerimento de injunção;
V. O direito e a justiça não se compadecem com incertezas, nem com contradições; o princípio da segurança jurídica, princípio basilar do Estado de Direito Democrático, tem no caso julgado um dos seus maiores postulados; - leia-se o Acórdão do STJ de 30/11/2021, cujo sumário se encontra transcrito na motivação deste recurso e para o qual se remete;
W. Entendemos, assim, que a decisão recorrida violou, também, a autoridade do caso julgado, que se formou na pendência destes autos, ainda que esta ação tenha sido, primeiramente intentada;
Por fim,
X. Quanto à impugnação da matéria de facto, entendemos que o Tribunal a quo incorreu em erro na apreciação da prova, pois que da análise da prova documental constante dos autos, assim como da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, resulta provado o facto constante da alínea b) dos factos não provados; assim como, o facto constante do ponto 2. dos factos provados encontra-se desconforme com a prova documental junta aos autos pela Segurada da Recorrida; motivo pelo qual se impugna a factualidade descrita em b) dos factos não provados e em 2. dos factos provados;
Y. Relativamente à factualidade dada como não provada na alínea b), diga-se que, do ponto 1 dos factos provados, resulta que a Recorrente encomendou, comprou e recebeu da B..., S.A., os bens constantes das faturas aí elencadas, as quais foram juntas aos autos pela Autora/Recorrida por requerimento com Ref.ª 37504716, de 17/12/2020;
Z. Da análise de tais faturas resulta que, o modo de pagamento das mesmas, é através de cheque a 90 dias, conforme os dizeres nelas apostos: “Modo pagamento: Cheque a 90 dias” – leiam-se as faturas juntas pela Recorrida no seu Requerimento de 17/12/2020, com Ref.ª 37504716; tal garantia de pagamento, resulta, ainda, dos documentos 9 e 28 juntos com tal requerimento, os quais titulam alegadas despesas relativas à alteração/dilação da data dos cheques emitidos pela Recorrente;
AA. Ora, é a própria Autora que reconhece que as faturas elencadas no seu requerimento de injunção, e constantes do ponto 1 dos factos provados, foram garantidas por cheques, pois esse era o modo de pagamento exigido pela sua Segurada, B..., S.A., aliás, como resulta do depoimento da testemunha CC que, como o Tribunal a quo considerou na fundamentação da sentença, “Já a testemunha CC, contrapôs que todos os cheques/letras foram apresentados a pagamento, não havendo motivo para que não o fossem”; e o mesmo resulta do depoimento da testemunha BB, conforme ata de audiência de julgamento, de 29 de Setembro de 2022, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal (H@bilus Media Studio) – 00:13:30 a 00:48:55), segmento (39:26 a 39:43);
BB. Por sua vez, tal factualidade dada como não provada, entra, ainda, em contradição com o facto dado como provado em 3 dos factos provados;
CC. Motivo pelo qual, deverá ser alterada a matéria de facto dada como não provada na alínea b), passando a constar dos factos provados que:
Todos os pagamentos devidos foram garantidos e efetuados pela Requerida através de cheques ou letras;
DD. Por sua vez, e quanto ao facto dado como provado em 2., resulta do documento 1 junto aos autos pela Segurada da Recorrida, B..., S.A., em 06/10/2022, que foram por esta emitidas, entre 25/09/2018 a 29/04/2019, conforme alíneas 4), 5), 7) e 9) daquele documento, notas de crédito no valor global de 9.877,20 euros e não no valor global de 1.291,69 euros;
EE. Pelo que o ponto 2. da matéria de facto dada como provada deverá passar a ter a seguinte redação:
Foram emitidas pela referida B... notas de crédito no valor global de € 9.877,20;
FF. A douta decisão recorrida violou o preceituado nos artigos 186º, 619º e ss do CPC e 2º da CRP.
Termos em que,
Deverá ser dado provimento ao presente recurso,
revogando-se a douta sentença recorrida, assim fazendo
INTEIRA e SÃ JUSTIÇA.».
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido e, no mesmo despacho, proferido em 13/04/2023, decidiu-se “não haver qualquer contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e, consequentemente, inexiste qualquer nulidade da sentença proferida”.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II – O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação por parte do tribunal ad quem de eventuais questões que se coloquem de conhecimento oficioso.
Os recursos ordinários “destinam-se a permitir que o tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação das decisões recorridas”, estando em causa questões que já foram “objecto de decisão, tratando-se apenas de apreciar a sua manutenção, anulação, alteração ou revogação”.
“Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando (…) estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis”.
Portanto, porque o recurso é um “meio de impugnação de uma anterior decisão judicial”, o mesmo “apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas”.
Estas “não podem ser apreciadas no recurso, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos, pois estes destinam-se a reapreciar questões, e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprimir um ou mais órgãos de jurisdição”.
Excepcionam-se, como já se referiu, as questões que sejam de conhecimento oficioso, “desde que a sua decisão não esteja coberta pelo caso julgado”, como o serão, por exemplo, a inconstitucionalidade, a existência de excepções dilatórias, a nulidade ou a caducidade em caso de direitos indisponíveis (cfr. Recursos em Processo Civil, António Santos Abrantes Geraldes, Almedina, 2022, 7ª edição actualizada, págs. 30 e 139 a 142).
No caso, a recorrente levanta no seu recurso uma questão que não foi apreciada na primeira instância, não tendo sido sequer aí levantada, nomeadamente por esta na oposição que apresentou: a ineptidão do requerimento inicial por falta de causa de pedir.
Apesar de se tratar de uma questão nova, poder-se-ia pensar que a mesma poderia ser conhecida por este tribunal de recurso, por se tratar de questão de conhecimento oficioso, nos termos dos arts. 186º e 196º do C.P.C..
Sucede, porém, que, no caso, já se mostra ultrapassado o momento em que poderia haver lugar a tal conhecimento oficioso.
Com efeito, dispõe o art. 200º do C.P.C., sob a epígrafe “Quando deve o tribunal conhecer das nulidades”:
1 - O juiz conhece das nulidades previstas no artigo 187.º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 191.º e no artigo 194.º logo que delas se aperceba, podendo suscitá-las em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas.
2 - As nulidades a que se referem o artigo 186.º e o n.º 1 do artigo 193.º são apreciadas no despacho saneador, se antes o juiz as não houver apreciado; se não houver despacho saneador, pode conhecer-se delas até à sentença final.
3 - As outras nulidades devem ser apreciadas logo que sejam reclamadas.
Desta norma resulta que a nulidade decorrente da ineptidão da petição inicial, ainda que de conhecimento oficioso, não pode ser conhecida pelo tribunal a todo o tempo, mas apenas no despacho saneador, quando a forma processual o comporte, ou, não havendo lugar a despacho saneador, até à sentença final.
No caso, portanto, a questão em causa só poderia ter sido conhecida até à sentença final (visto que não houve lugar a despacho saneador), e já não em sede de recurso.
Donde, estando em causa uma questão nova e tendo já passado o momento em que a mesma poderia ser conhecida oficiosamente, tal questão não pode ser conhecida por este tribunal de recurso.
Ainda assim, sempre se dirá que a arguição da referida ineptidão não poderia proceder, atento o disposto no art. 186º, nº 3, do C.P.C., segundo o qual a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial, o que sucedeu no caso.
Como quer que seja, atento o supra referido, vedado está o conhecimento desta questão em sede de recurso.
Pelo que, nesta parte, não se conhece do objecto do recurso.
Portanto, em face do exposto, considerando o objecto do recurso interposto que está delimitado pelas respectivas conclusões, são as seguintes as questões a tratar, por ordem lógica de precedência:
a) apreciar da nulidade da sentença;
b) averiguar da existência de violação do princípio da segurança jurídica e da autoridade de caso julgado;
c) apurar da alteração da matéria de facto conforme propugnado pela recorrente;
d) averiguar, com base na pretendida alteração da matéria de facto ou independentemente dela, se a acção deve ser julgada improcedente e a R. absolvida do pedido.
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Vejamos a primeira questão.
Invoca a recorrente a nulidade da sentença, nos termos do art. 615º, nº 1, al. c), 1ª parte, do C.P.C., por os fundamentos de facto estarem em oposição com a decisão proferida.
A situação prevista na alínea c), 1ª parte, da norma em causa, respeita aos casos de “oposição entre a decisão e os fundamentos em que ela repousa”, referindo-se a lei “à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão”. Há aqui “um vício real no raciocínio do julgador”, pois “a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente” (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed. revista e actualizada, 1985, págs. 689 e 690).
Ora, vista a sentença recorrida verifica-se que a fundamentação (de facto e de direito) e a decisão não estão em contradição, pois que da primeira resulta que o tribunal a quo entende que a pretensão da requerente deve proceder no que respeita ao ressarcimento por parte da requerida do valor que pagou à sua segurada no âmbito do contrato de seguro de crédito com esta realizado e na decisão julga-se precisamente procedente a acção nessa parte, em consonância com o que se disse na fundamentação.
Pode-se concordar ou não com a decisão e/ou com os fundamentos, pode-se entender que existiu erro de julgamento ou que a decisão não é correcta e é injusta, mas isso não significa que exista contradição entre os fundamentos e a decisão.
Independentemente da concordância ou não com a decisão, da leitura da sentença percebe-se o motivo pelo qual foi a acção julgada parcialmente procedente – sendo que a questão de saber se a consequência de não dar como provado o não pagamento das facturas era a absolvição da requerida do pedido contende com o mérito da acção, não se traduzindo em qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão da sentença.
É de concluir, pois, que não ocorre a nulidade invocada pela recorrente.
Não merece, portanto, provimento o recurso nesta parte.
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Passemos à segunda questão.
Invocando que não é possível saber quais as concretas facturas relativamente às quais foi imputado o pagamento da indemnização da recorrida à sua segurada e que esta, a credora inicial da recorrente, lançou mão de procedimento de injunção para reclamar o pagamento de diversas facturas, entre as quais algumas das invocadas pela recorrida nos presentes autos, tendo naquele procedimento sido aposta a fórmula executória, a recorrente defende que ao ser condenada a pagar à seguradora a quantia que esta pagou à segurada foi violado o princípio da segurança jurídica consagrado no art. 2º da Constituição da República Portuguesa e também a autoridade de caso julgado decorrente da aposição da fórmula executória naquele processo.
O art. 2º da Constituição da República Portuguesa refere-se ao princípio do Estado de direito democrático, o qual tem vários sub-princípios concretizadores, entre os quais os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos. “Estes princípios apontam sobretudo para a necessidade de uma determinada conformação formal e material dos actos legislativos”. “A ideia de segurança jurídica reconduz-se a dois princípios materiais concretizadores do princípio geral da segurança: “o princípio da determinabilidade de leis (exigência de leis claras e densas)”; “o princípio da protecção da confiança traduzido na exigência de leis tendencialmente estáveis”.
Por sua vez, de acordo com o princípio da protecção da confiança, “o cidadão deve poder confiar em que aos seus actos, praticados de acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros previstos ou calculados com base nessas mesmas normas. Este princípio aponta basicamente para: (1) a proibição de leis retroactivas; (2) a inalterabilidade do caso julgado; (3) a tendencial irrevogabilidade de actos administrativos constitutivos de direitos”.
Em suma, “o princípio do Estado de direito, densificado pelos princípios da segurança e da confiança jurídica, implica, por um lado, como elemento jurídico objectivo da ordem jurídica, a durabilidade e permanência da própria ordem jurídica, da paz jurídico-social e das situações jurídicas; por outro lado, como elemento jurídico-subjectivo dos cidadãos, a confiança na permanência das respectivas situações jurídicas” (cfr. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 4ª ed., Almedina, págs. 309, 311 e 312).
Assim, visto o acabado de referir e tendo em conta o que está em causa nos autos, apenas na vertente da inalterabilidade do caso julgado se poderia colocar a questão da segurança jurídica.
Ora, desde logo não consta dos autos qualquer documento do qual resulte que foi aposta fórmula executória no outro processo de injunção a que alude a requerida, sendo certo que se trata de facto que apenas pode provar-se por documento autêntico, isto é certidão daquele procedimento.
De todo o modo, ainda que tenha efectivamente sido aposta a fórmula executória no referido procedimento, sempre se verifica da notificação junta pela requerida em 15/04/2021 (que se vai considerar para efeito de raciocínio, posto que a requerida se limitou a juntar a notificação que recebeu, mas não certidão do requerimento de injunção apresentado) que o que foi reclamado nessa injunção foi o pagamento de quantias respeitantes à falta de pagamento de letras nas suas respectivas datas de vencimento (sendo que cada uma das letras respeitava a valores de diversas facturas, nalguns casos com dedução de montantes de notas de crédito, e que algumas das letras até foram reformadas).
Não resulta que, no caso, tenha sido reclamado o pagamento da quantia que a “B...” recebeu da “A..., S.A.”, não se podendo concluir por qualquer duplicação, e, se foi aposta a fórmula executória, é de concluir que não foi deduzida qualquer oposição, ou seja, a recorrente não invocou naquele processo o recebimento pela aí requerente da quantia entregue no âmbito do seguro.
Portanto, nenhum elemento permite concluir que houvesse qualquer duplicação entre os dois procedimentos
De todo o modo, acrescente-se que, como resulta do regime dos procedimentos destinados ao cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, o fim primário do procedimento é o de conferir força executiva ao requerimento, sendo que o requerimento de injunção a que tenha sido aposta a fórmula executória constitui título executivo.
Com efeito, “a revelia absoluta do requerido implica a atribuição de eficácia executiva ao requerimento de injunção, ou seja, a criação de um título executivo por via de um ato administrativo de um funcionário judicial qualificado, enquadrável no disposto na alínea d) do artigo 703º do Código de Processo Civil”.
“Não se trata de um título executivo estritamente administrativo, porque é formado num procedimento sob algum controlo jurisdicional, mas também não é um título executivo judicial, porque se constitui sob a chancela de um oficial de justiça. Em razão da sua natureza e modo de formação, justifica-se qualificá-lo de título executivo judicial impróprio, ou, noutra perspetiva, de título executivo especial ou atípico” (cfr. Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Ação e Execução, Almedina, 8ª ed., 2021, págs. 118 e 65).
Ou seja, trata-se aqui unicamente da criação de um título executivo, não havendo qualquer conhecimento do mérito da acção, posto que nem sequer há a intervenção de um juiz na formação do título executivo.
E não havendo qualquer decisão de mérito proferida por um juiz, sequer se coloca a questão de existência de caso julgado, mesmo na vertente de autoridade do caso julgado, ou de violação desse caso julgado.
Anote-se que tal não significa que a recorrente corra o risco de pagar duas vezes o mesmo crédito, como alega, uma vez que, dado que seja à execução tal título executivo, pode deduzir embargos de executado, invocando já ter pago parte da quantia exequenda (se realmente tal suceder), atenta a actual redacção do art. 857º do C.P.C..
Conclui-se, assim, não ter havido violação do princípio da segurança jurídica, designadamente por violação da autoridade de caso julgado, não merecendo o recurso provimento também nesta parte.
*
Apreciemos a terceira questão.
O recurso pode ter como objecto a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e a reapreciação da prova gravada (cfr. art. 638º, nº 7, e 640º do C.P.C.).
Neste caso, o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição (nº 1 do art. 640º):
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No que respeita à alínea b) do nº 1, e de acordo com o previsto na alínea a) do nº 2 da mesma norma, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Uma vez que a impugnação da decisão de facto não se destina a que o tribunal de recurso reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, a lei impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.
No caso concreto, verifica-se que a recorrente deu cumprimento às referidas exigências, especificando os concretos factos que põe em causa e indicando as razões da sua discordância, nomeadamente por referência aos meios de prova que, em seu entender, sustentam a solução que propugna.
São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida (transcrição):
«1. A R. encomendou, comprou e recebeu da B..., S.A., com sede na Estrada ..., ..., ... ..., os bens constantes das seguintes facturas por esta emitidas:
a. Factura n.º 14051, emitida em 13/12/2017, no valor de 648,95€, com data de vencimento a 13/03/2018;
b. Factura n.º 14052, emitida em 13/12/2017, no valor de 226,22€, com data de vencimento a 13/03/2018;
c. Factura n.º 14053, emitida em 13/12/2017, no valor de 319,46€, com data de vencimento a 13/03/2018;
d. Factura n.º 14055, emitida em 14/12/2017, no valor de 304,87€, com data de vencimento a 14/03/2018;
e. Factura n.º 14056, emitida em 14/12/2017, no valor de 91,92€, com data de vencimento a 14/03/2018;
f. Factura n.º 14062, emitida em 14/12/2017, no valor de 530,49€, com data de vencimento a 14/03/2018;
g. Factura n.º 14138, emitida em 16/12/2017, no valor de 59,00€, com data de vencimento a 26/03/2018;
h. Factura n.º 14563, emitida em 22/01/2018, no valor de 8,15€, com data de vencimento a 22/04/2018;
i. Factura n.º 14783, emitida em 8/03/2018, no valor de 9,23€, com data de vencimento a 6/06/2018;
j. Factura n.º 14885, emitida em 20/03/2018, no valor de 1.340,60€, com data de vencimento a 18/06/2018;
k. Factura n.º 14886, emitida em 20/03/2018, no valor de 1.391,47€, com data de vencimento a 18/06/2018;
l. Factura n.º 14901, emitida em 21/03/2018, no valor de 63,91€, com data de vencimento a 19/06/2018;
m. Factura n.º 14903, emitida em 21/03/2018, no valor de 147,21€, com data de vencimento a 19/06/2018;
n. Factura n.º 14958, emitida em 27/03/2018, no valor de 714,48€, com data de vencimento a 25/06/2018;
o. Factura n.º 14959, emitida em 27/03/2018, no valor de 383,37€, com data de vencimento a 25/06/2018;
p. Factura n.º 15008, emitida em 29/03/2018, no valor de 224,61€, com data de vencimento a 27/06/2018;
q. Factura n.º 15105, emitida em 11/04/2018, no valor de 149,67€, com data de vencimento a 10/07/2018;
r. Factura n.º 15106, emitida em 11/04/2018, no valor de 68,78€, com data de vencimento a 10/07/2018;
s. Factura n.º 15107, emitida em 11/04/2018, no valor de 1.668,52€, com data de vencimento a 10/07/2018;
t. Factura n.º 15196, emitida em 11/04/2018, no valor de 495,99€, com data de vencimento a 18/07/2018;
u. Factura n.º 15197, emitida em 19/04/2018, no valor de 321,67€, com data de vencimento a 18/07/2018;
v. Factura n.º 15209, emitida em 20/04/2018, no valor de 562,70€, com data de vencimento a 19/07/2018;
w. Factura n.º 15210, emitida em 20/04/2018, no valor de 146,44€, com data de vencimento a 19/07/2018;
x. Factura n.º 15212, emitida em 20/04/2018, no valor de 117,05€, com data de vencimento a 19/07/2018;
y. Factura n.º 15241, emitida em 27/04/2018, no valor de 128,41€, com data de vencimento a 26/07/2018;
z. Factura n.º 15294, emitida em 4/05/2018, no valor de 761,27€, com data de vencimento a 2/08/2018;
aa. Factura n.º 15295, emitida em 4/05/2018, no valor de 610,52€, com data de vencimento a 2/08/2018;
bb. Factura n.º 15369, emitida em 10/05/2018, no valor de 456,63€, com data de vencimento a 8/08/2018;
cc. Factura n.º 15370, emitida em 10/05/2018, no valor de 44,23€, com data de vencimento a 8/08/2018;
dd. Factura n.º 15371, emitida em 10/05/2018, no valor de 581,89€, com data de vencimento a 8/08/2018;
ee. Factura n.º 15372, emitida em 10/05/2018, no valor de 78,62€, com data de vencimento a 8/08/2018;
ff. Factura n.º 15376, emitida em 10/05/2018, no valor de 31,93€, com data de vencimento a 8/08/2018;
gg. Factura n.º 15417, emitida em 16/05/2018, no valor de 736,67€, com data de vencimento a 14/08/2018;
hh. Factura n.º 15418, emitida em 16/05/2018, no valor de 163,61€, com data de vencimento a 14/08/2018;
ii. Factura n.º 15419, emitida em 16/05/2018, no valor de 59,64€, com data de vencimento a 14/08/2018;
jj. Factura n.º 15520, emitida em 24/05/2018, no valor de 737,48€, com data de vencimento a 22/08/2018;
kk. Factura n.º 15521, emitida em 24/05/2018, no valor de 442,22€, com data de vencimento a 22/08/2018;
ll. Factura n.º 15601, emitida em 28/05/2018, no valor de 302,74€, com data de vencimento a 26/08/2018;
mm. Factura n.º 15603, emitida em 29/05/2018, no valor de 358,10€, com data de vencimento a 27/08/2018;
nn. Factura n.º 15604, emitida em 29/05/2018, no valor de 278,25€, com data de vencimento a 27/08/2018;
oo. Factura n.º 15713, emitida em 7/06/2018, no valor de 620,76€, com data de vencimento a 5/09/2018;
pp. Factura n.º 15765, emitida em 11/06/2018, no valor de 358,09€, com data de vencimento a 9/09/2018;
qq. Factura n.º 15764, emitida em 11/06/2018, no valor de 185,84€, com data de vencimento a 9/09/2018;
rr. Factura n.º 15870, emitida em 28/06/2018, no valor de 233,76€, com data de vencimento a 26/09/2018;
ss. Factura n.º 15871, emitida em 28/06/2018, no valor de 216,16€, com data de vencimento a 26/09/2018;
tt. Factura n.º 15872, emitida em 28/06/2018, no valor de 49,00€, com data de vencimento a 26/09/2018;
uu. Factura n.º 15873, emitida em 28/06/2018, no valor de 200,34€, com data de vencimento a 26/09/2018;
vv. Factura n.º 15899, emitida em 29/06/2018, no valor de 102,26€, com data de vencimento a 27/09/2018;
ww. Factura n.º 15900, emitida em 29/06/2018, no valor de 51,13€, com data de vencimento a 27/09/2018;
xx. Factura n.º 15971, emitida em 11/07/2018, no valor de 102,26€, com data de vencimento a 9/10/2018;
yy. Factura n.º 15972, emitida em 11/07/2018, no valor de 177,51€, com data de vencimento a 9/10/2018;
zz. Factura n.º 15996, emitida em 13/07/2018, no valor de 147,33€, com data de vencimento a 11/10/2018;
aaa. Factura n.º 15997, emitida em 13/07/2018, no valor de 125,79€, com data de vencimento a 11/10/2018;
bbb. Factura n.º 15998, emitida em 13/07/2018, no valor de 165,10€, com data de vencimento a 11/10/2018;
ccc. Factura n.º 15999, emitida em 13/07/2018, no valor de 354,63€, com data de vencimento a 11/10/2018;
ddd. Factura n.º 16171, emitida em 13/08/2018, no valor de 51,13€, com data de vencimento a 11/11/2018;

2. Foram emitidas pela referida B... notas de crédito no valor global de € 1.291,69;
3. No âmbito dos fornecimentos de vestuário efetuados, a R. emitiu cheques e letras à B..., S.A., para garantia e pagamento das mercadorias que lhe foram fornecidas.
4. A A. celebrou com a referida B..., S.A., um acordo, titulado pela apólice ...72, através do qual se obrigou a pagar a esta 80% dos valores devidos pela requerida, se esta, no seu vencimento, os não pagasse, o que ocorreu.
5. Assim, a A. pagou à B..., em 21/05/2019, a quantia de € 6.510,16.
6. Quantia esta que a R., até hoje, não liquidou.
7. A A. remeteu à R., para a Rua ..., Loja ..., ..., carta datada de 24/8/2018, na qual diz, sob o assunto “Pagamentos em atraso ao Tomador/Segurado B..., S.A.”, o seguinte: “Informamos V. Exa. que o nosso Tomador/Segurado acima identificado nos comunicou a existência de atrasos nos pagamentos, por parte de V. Exas., bem como a existência de créditos (vencidos e vincendos) num total de 22.424,18 EUR. No pressuposto de que não foram, entretanto, liquidados os valores vencidos e certos de que terão todo o interesse em regularizar as situações em atraso, evitando, assim, o prosseguimento de diligências de outra natureza, solicitamos a vossa resposta no prazo máximo de 10 dias, contados da data de emissão desta carta.”
8. A morada da loja da Ré situava-se, nessa data, na mesma Rua ....
9. Por outro lado, a residência da R. era e é na Rua ...., ..., ..., Gondomar.».
Tendo sido dados como não provados os seguintes factos (transcrição):
«a) A R. sempre cumpriu os seus compromissos, tendo sempre anuído às solicitações da B..., S.A..
b) Todos os pagamentos devidos foram garantidos e efetuados pela Requerida através de cheques e letras.
c) Alguns cheques e letras não foram apresentados a pagamento, uma vez que a B..., S.A. viu a sua conta bancária penhorada pelas Finanças, assim como vários créditos que detinha sobre os seus clientes.
d) A A. não apresentava os cheques a pagamento na data do seu vencimento por sua decisão de tesouraria e não a pedido da R.
e) A R. foi interpelada por diversas vezes pela B..., Lda., por telefone e mensagem escrita,
f) Todos os cheques emitidos pela R. foram apresentados a pagamento,
g) As letras ...49, ...65, ...81, ...57, ...26, foram emitidas para pagamento das facturas emitidas entre 13/12/2017 e 13/08/2018, sendo que as restantes letras foram emitidas para pagamento das facturas emitidas posteriormente a essa data, nomeadamente, até 18/12/2018.
h) A A. suportou custos com a cobrança da presente dívida no valor de € 150.».
Antes de mais, vejamos a questão invocada pela recorrente quanto à descriminação das facturas e à não consideração como provado que a recorrente não pagou as facturas em causa, posto que tal questão, embora não inserida pela recorrente no texto do recurso na impugnação da matéria de facto, contende efectivamente com a apreciação da matéria de facto.
Desde logo quanto à questão da não prova do não pagamento, adianta-se que não assiste qualquer razão à recorrente, posto que o não pagamento não é um facto constitutivo do direito do credor (note-se que a requerente, por via da sub-rogação, nos termos já reconhecidos no acórdão desta mesma Relação de 07/03/2022, e secundados na sentença recorrida, assume nos autos a mesma posição da credora original), sendo antes o pagamento um facto extintivo do direito do credor. O que significa, de acordo com o disposto no art. 342º, nº 2, do Código Civil, que é ao devedor que cabe a prova de que pagou e não ao credor que cabe provar que não houve pagamento.
E daí que seja absolutamente irrelevante, no caso, estar provado (ou não) que a requerida não pagou as facturas elencadas no ponto 1 da matéria de facto (relevante seria que a requerida tivesse provado que pagou todos os respectivos montantes).
Igualmente não assiste razão à recorrente quando pretende que seria necessário descriminar quais as facturas relativamente às quais havia montantes por pagar e foi imputado o pagamento da indemnização por parte da requerente.
Na verdade, de acordo com o art. 2º, nº 1, das condições gerais da apólice, juntas com o requerimento de 19/11/2020, o objecto do seguro é “a cobertura dos créditos decorrentes da venda de bens ou da prestação de serviços”, até ao limite de crédito fixado pela seguradora, relevando a existência de facturas unicamente para a consideração do que sejam “créditos” para efeitos do seguro, uma vez que, nos termos do art. 1º, consideram-se “créditos” “as quantias facturadas pelo Segurado, com pagamento a prazo, emergentes da venda dos bens ou prestação dos serviços identificados nas Condições Particulares da Apólice”.
Quer dizer, não são todos os créditos do segurado que são objecto do seguro, apenas aqueles que constem de facturas, que respeitem a venda de bens ou a prestação de serviços e cujo pagamento seja a prazo, pelo que a referência às facturas só releva para efeitos de saber se se trata de créditos elegíveis, também quanto à questão do prazo.
A partir daí, o que interessa é saber qual o montante global do crédito cujo pagamento esteja em falta (pois que o sinistro só existe, entre outras situações, a partir do momento em que haja mora do devedor por prazo superior ao previsto nas condições particulares – art. 3º, al. d), das condições gerais), a fim de ser calculado o valor do pagamento a ser feito pela seguradora, visto que o montante segurado não corresponde à totalidade da dívida, mas apenas a uma percentagem desse valor, que no caso era de 80%, conforme previsto nas condições particulares da apólice, juntas com o requerimento de 25/11/2020.
No caso, seguramente depois de analisadas as informações fornecidas pela segurada, incluindo as facturas dos bens vendidos à requerida, a seguradora concluiu pelo valor de €6.510,16 como sendo o que correspondia a 80% do montante total em dívida dos créditos abrangidos pelo contrato de seguro e pagou essa quantia a esse título.
O que interessa, portanto, é que, da dívida total da requerida de capital (só esta estava abrangida pelo seguro), parte foi paga pela seguradora, ficando esta sub-rogada nesse montante no direito de crédito da vendedora/credora, não relevando para este efeito que facturas poderiam estar em dívida ou não na ocasião.
Anote-se que das informações prestadas pela segurada/credora em 06/10/2022 decorre que havia vários fornecimentos no tempo, com a emissão das respectivas facturas, e que eram emitidas letras de montantes que englobavam diversas facturas, sendo que várias letras foram reformadas (portanto, com pagamentos parciais) e outras devolvidas por falta de pagamento, resultando a dívida da requerida do não pagamento das letras e não propriamente da falta de pagamento de cada uma das facturas emitidas por si, decorrendo ainda que o crédito participado ao seguro foi o proveniente da devolução de letras.
Pretende ainda a recorrente que deve ser considerado como provado o facto da al. b) dos factos não provados e que deve ser alterada a redacção do ponto 2 dos factos provados.
Quanto a este ponto 2, cujo teor é “Foram emitidas pela referida B... notas de crédito no valor global de € 1.291,69”, defende a recorrente que deve ser dado como provado que “Foram emitidas pela referida B... notas de crédito no valor global de € 9.877,20”.
De acordo com o princípio do dispositivo, que vigora em processo civil, incluindo nos procedimentos de injunção, e que se encontra plasmado, nomeadamente, no art. 5º do C.P.C., apenas podem ser tidos em conta os factos essenciais alegados pelas partes (os que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas), com excepção unicamente dos factos instrumentais que resultem da instrução da causa, dos factos notórios e dos conhecidos pelo juiz por virtude do exercício de funções, e dos factos que sejam complemento ou concretização dos factos alegados e que resultem da instrução da causa.
No caso, a requerente alegou no requerimento de injunção que foram emitidas notas de crédito no valor global de € 1.291,69. Este facto não foi especificadamente impugnado pela requerida na oposição, nem se encontra em contradição com qualquer facto alegado neste articulado, pelo que se encontra admitido por acordo das partes nos articulados, nos termos do art. 574º, nº 2, do C.P.C.
Já o facto de terem sido emitidas notas de crédito no valor global de €9.877,20 não foi alegado por qualquer das partes, nomeadamente pela requerida, em qualquer articulado, e não se pode considerar contido no facto alegado pela requerente, atento o montante bastante superior em causa (só se se tratasse de montante inferior seria um facto contido na alegação efectuada). Portanto, não pode ser considerado pelo tribunal, porque tal constituiria uma violação do princípio do dispositivo, nos termos referidos.
E de todo o modo, do documento junto em 06/10/2022, em que a recorrente se baseia, apenas consta a referência a notas de crédito, mas nada se diz quanto à origem dessas notas de crédito, a que respeitam as mesmas, designadamente que respeitassem a devoluções de mercadoria e que as correspondentes quantias a débito integrassem a definição de créditos em dívida abrangidos pelo contrato de seguro.
Isto é, não resulta que as notas de crédito que excedem aquelas que constam do ponto 2 dos factos provados fossem contrapartida de facturas respeitantes a créditos pela venda de bens com pagamento a prazo – e só essas seriam relevantes para o cálculo do montante da dívida a ser ressarcido pelo seguro.
Não há, pois, que alterar este ponto da matéria de facto.
Relativamente à al. b) dos factos não provados, pretende a recorrente que se dê como provado que “Todos os pagamentos devidos foram garantidos e efetuados pela Requerida através de cheques ou letras”.
Anote-se, antes de mais, que quanto à alegação desta factualidade, a oposição padece do mesmo vício que a recorrente imputou à recorrida a propósito da não descriminação das facturas.
É que a recorrente alegou o pagamento, aduzindo que entregou cheques e letras para garantia e pagamento das mercadorias que lhe foram fornecidas, que deveriam ser apresentados a pagamento nas respectivas datas de vencimento. Mas também reconheceu que alguns cheques e letras não foram apresentados a pagamento (embora considerando existir uma situação de mora da credora), sem nada ter alegado quanto às facturas que corresponderiam a estes cheques e letras, ou seja igualmente não descriminou o que estaria pago, defendendo genericamente que estaria tudo.
Há que ter em conta, ainda, que, quer a emissão de letras de câmbio, quer a entrega de cheques, constituem formas de “datio pro solvendo”, de dação em função do cumprimento, pois que não se visa extinguir de imediato a obrigação, mas apenas facilitar o seu cumprimento futuro (só assim não será se houver acordo expresso das partes na substituição da obrigação) – sobre o assunto, cfr. Abel Delgado, Lei Uniforme sobre Letras e Livranças anotada, 7ª ed., 1996, págs. 14 a 17, e Lei Uniforme sobre Cheques anotada, 5ª ed., 1990, págs. 17 a 19.
Nos termos do art. 840º, nº 1, do Código Civil, que regula a “datio pro solvendo”, se o devedor efectuar uma prestação diferente da devida, para que o credor obtenha mais facilmente, pela realização do valor dela, a satisfação do seu crédito, este só se extingue quando for satisfeito, e na medida respectiva.
Donde, neste caso subsistem em simultâneo a relação subjacente e a relação cambiária, com o objectivo de tornar mais segura a satisfação do credor, facilitando o cumprimento da obrigação, o que significa que a emissão de letras e de cheques não extingue o crédito inicial, o que ocorrerá apenas quando os títulos de crédito respectivos forem pagos, continuando a caber ao devedor o ónus da prova deste pagamento (cfr. Ac. da R.P. de 27/04/1995, com o nº de processo 9431037, sumariado em www.dgsi.pt).
No caso, a própria recorrente na oposição reconhece que nem todas as letras e todos os cheques foram apresentados a pagamento (embora o justifique com uma situação imputável à própria credora). O que significa que, efectivamente, não foram pagos todos os cheques e todas as letras, o que só por si é suficiente para concluir pela não prova de que todos os pagamentos foram efectuados.
Ademais, quanto ao facto de todos os pagamentos serem “garantidos” (apesar de não ser relevante para a solução da questão, uma vez que, como se disse, estamos perante uma situação de datio pro solvendo) por cheques e letras, atenta a forma genérica como tal foi alegado, como já se referiu, valem aqui as considerações efectuadas na sentença recorrida de que “o lastro documental é manifestamente insuficiente para se poder afirmar se o foram [emitidos] relativamente a todas facturas, na medida em que não foram juntos quaisquer cheques, não é possível fazer corresponder às facturas as letras juntas pela R. com o seu requerimento de 15/4/2021 (refª 28622579), não foram encetadas diligências, designadamente junto das entidades bancárias, no sentido de averiguar o destino das aludidas cheques/letras e não resulta essa matéria, de forma clara, de qualquer outro meio de prova, designadamente testemunhal”.
Refira-se ainda que não há contradição entre este facto não provado e o facto provado do ponto 3, posto que o que está provado é que foram emitidos cheques e letras no âmbito dos fornecimentos de vestuário, e o que ficou não provado foi que essa emissão abrangeu todos os pagamentos devidos.
Igualmente não há que alterar, portanto, esta alínea dos factos não provados.
Pelo que, não merece provimento a impugnação da matéria de facto.
*

Resta apreciar a quarta questão.
Tendo em conta o resultado do tratamento da questão anterior, a factualidade a ter em conta para apreciação da pretensão da recorrente é a que consta dos factos dados como provados na sentença recorrida e já transcritos.
Dos factos provados resulta a verificação do sinistro de “mora do devedor que subsista por prazo superior ao fixado em Condições Particulares” e que, em cumprimento do contrato de seguro celebrado, a requerente indemnizou a segurada do montante de 80%, contratualmente fixado, dos créditos elegíveis em mora, em conformidade com o que já se analisou no tratamento da questão anterior.
Sendo assim, conforme se analisou na sentença recorrida, a requerente ficou sub-rogada nos direitos da segurada quanto ao valor pago, podendo exigir o seu ressarcimento à requerida, que deve pagar-lhe tal montante.
Ademais, como também resulta do que já se analisou anteriormente, não releva o facto de não estarem descriminadas facturas às quais teria sido imputado o pagamento (que, aliás, já vimos que não sucedeu, posto que o não pagamento reclamado à seguradora foi de letras de câmbio) e não colhe a objecção de que todas as facturas podem ser novamente cobradas, até porque, se a credora inicial exigir o pagamento em duplicado desta quantia que recebeu da seguradora, nomeadamente em sede de execução fundada em injunção, a requerida pode deduzir embargos de executado, nos termos que se referiram aquando do tratamento da segunda questão.
Não merece, assim, acolhimento a pretensão da recorrente no sentido da improcedência da acção.
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Em face do resultado do tratamento das questões analisadas, é de concluir pela não obtenção de provimento do recurso interposto pela requerida e pela consequente confirmação da decisão recorrida.
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III - Por tudo o exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela recorrente (art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.).
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Notifique.


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Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora - art. 663º, nº 7, do C.P.C.):
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datado e assinado electronicamente
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Porto, 8/2/2024.
Isabel Ferreira
Judite Pires
Ana Vieira