Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1127/17.5T9VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA GUERREIRO
Descritores: PERDA DE VANTAGENS DO CRIME
DIREITOS
DIREITOS DO LESADO
Nº do Documento: RP202210261127/17.5T9VFR.P1
Data do Acordão: 10/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Em caso de condenação pelo crime de abuso de confiança p. e p. pelo artigo 205.º do Código Penal, estando apreendidos nos autos valores de que o arguido se apropriou que comprovadamente pertencem aos lesados, devem os mesmos ser restituídos aos seus proprietários legítimos, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 186.º, n.º1 do Código de Processo Penal e 110.º, n.º6 do Código Penal, e não declarados perdidos a favor do Estado como vantagens da prática do crime.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 1127/17.5T9VFR.P1

1. Relatório
Por Acórdão depositado nos presentes autos em 3/05/2022 foi decidido:
«a) condenar o arguido AA, como autor material de um crime de abuso de confiança agravado (€ 154.325,70), p.p. no art. 205.º, n.º 1 e 4 al. b) do CP, na pena parcelar de 3 (três) anos e 6 (meses) de prisão;
b) condenar o arguido AA, como coautor material de um crime de abuso de confiança agravado (€ 120.000,00), p.p. no art. 205.º, n.º 1 e 4 al. b) do CP, na pena parcelar de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão;
c) condenar o arguido AA, em cúmulo jurídico, pela prática dos dois crimes de abuso de confiança agravados identificados nas als. a) e b) supra, na pena única de 4 (quatro) e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período;
d) condenar a arguida BB, como coautora material de um crime de abuso de confiança agravado (€ 120.000,00), p.p. no art. 205.º, n.º 1 e 4 al. b) do CP, na pena de 2 (dois) e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período;
e) subordinar a suspensão da execução das penas aplicadas aos arguidos à obrigação dos mesmos entregarem à herança aberta por óbito de CC, na pessoa do(a) respectivo(a) cabeça de casal, a quantia de € 79.844,85, em três tranches, as primeiras duas de € 30.000,00 cada, até ao termo de cada um dos primeiros dois anos do período de suspensão da execução da pena e a terceira, no valor remanescente de € 19.844,15 até ao termo do período de suspensão da execução da pena aplicada à arguida BB (cf. art. 51.º, n.º 1 al. a) e 2 do CP);
f) declarar perdida a vantagem patrimonial ilícita de € 154.325,70, condenando o arguido AA no pagamento deste montante ao Estado;
g) declarar perdida a vantagem patrimonial ilícita de € 120.000,00, condenando os arguidos AA e BB solidariamente no pagamento deste montante ao Estado;
h) ordenar a recolha de amostras de ADN ao arguido AA e a ulterior introdução dos resultantes perfis de ADN e dos correspondentes dados pessoais na base de dados de perfis de ADN, nos termos dos artigos 8.º, n.º 2 da Lei n.º 5/2008, de 12-02;
i) condenar os arguidos no pagamento das custas penais e demais encargos do processo a que sua actividade tenha dado lugar, fixando a taxa de justiça em 5 UC para cada um deles (cf. art. 513.º e 514.º do CPP).»
Inconformados com a decisão dela vieram interpor recurso conjunto os arguidos AA e BB.
Recorreu também a assistente DD.
(…)
São, em síntese, os argumentos que se extraem das conclusões do recurso da assistente:
A CRP consagra o direito à propriedade privada.
Entende a recorrente que tendo a decisão recorrida reconhecido a propriedade das quantias apossadas pelos arguidos como propriedade da herança, no valor global de 274 325,70 euros, não pode lançar mão do confisco, quando sabe quem é o proprietário ou legitimo dono desses montantes, impondo-se assim o reconhecer e ordenar a sua restituição.
A decisão recorrida reconhece a propriedade dos montantes apropriados mas não ordenou a restituição à cabeça de casal da herança.
A perda desses montantes é inconstitucional por violar o art. 62 da CRP.
As situações de declaração de perda das vantagens não se harmonizam quando estão em causa contra patrimónios privados.
Os fins de prevenção geral e de não cometimento de crimes pelos agentes, associado à declaração de perda de vantagens, visa salvaguardar e afirmar a ideia de que o crime não compensa, o que se atém aos casos de lesão de interesses ou direitos do Estado ou apropriação de bens ou vantagens de bens de terceiros, quando desconhecidos.
Reconhecida a propriedade da herança jacente, dos montantes tornados próprios pelos arguidos por abuso de confiança, impunha-se reconhecer a propriedade (como foi feito) e bem assim ordenar a sua restituição à proprietária dessas quantias, atento o direito Constitucional à Propriedade Privada, o direito de propriedade (art.1305 e 1308 do Código Civil) e direito de sequela.
Não pode ser confiscado dinheiro privado, licito, quando não há qualquer desvantagem patrimonial, ou outra, do Estado, havendo primazia no ressarcimento do ofendido, face à eventual declaração de perda das vantagens, se as houver.
No caso não há lugar à declaração de perda a favor do Estado, pois este não foi lesado, logo não pode lançar-se mão do confisco, ou “perda clássica”, em prejuízo da legitima proprietária.
O art. 111 nº 2 do Código Penal tem sempre subjacente e prevalente, defender os legítimos interesses e direitos de quem é proprietário e ofendido, tendo-se por ofendido como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.
O Estado não pode confiscar os bens do lesado/ofendido, devendo limitar-se a restituir ao legitimo proprietário, assim anulando o prejuízo resultante da vantagem ilícita obtida, como resulta do Acórdão do STJ de 3 de Outubro de 2003.
Se se atender aos fins a tutelar que o crime de abuso de confiança visa, e tivesse sido perpetrado quanto a um veículo automóvel, impor-se-ia após a condenação dos arguidos nesse crime, a sua restituição e nunca a sua declaração de perda a favor do Estado, o que, salvo melhor opinião, também se aplica a dinheiro, apesar da sua natureza fungível.
Não se verifica qualquer utilidade, legalidade na declaração da perda a favor do Estado.
A sentença recorrida, na parte em que o é, gera uma dúvida insanável, pois por um lado reconhece o direito de propriedade sobre os montantes ilicitamente apossados pelos recorridos, mas simultaneamente, postergando-o, declara tais montantes privados e reconhecidos como tal, perdidos a favor do Estado, violando inquestionavelmente as regras da lógica e da defesa da propriedade.
O direito da ofendida, reconhecido judicialmente, não pode, por manifesta incongruência lógica, ser declarado perdido a favor do Estado.
Nos termos do art. 130 nº 2 do Código Penal, sempre se deverá ordenar a restituição dos valores de € 274.325,70 (154.235,70 + 120.000,00), acrescido dos juros desde a apropriação, sendo contabilizados desde 24 de Janeiro de 2017 até hoje sobre o montante de € 120.000,00, o que ascende a € 25.501,91, e ainda desde 30 de Março de 2016 até hoje sobre o montante de € 154.235,70 o que ascende a € 38.137,47, o que tudo totaliza o valor a restituir à recorrente, que ascende a € 337.765,08.
O acórdão recorrido violou o disposto no art. 62 da CRP, e os artigos 110 nº 6, 111 nºs 1 e 2 e ainda o 130 nº 2 do Código Penal.
Conclui pedindo a revogação do Acórdão recorrido na parte em que decretou a perda da vantagem patrimonial das quantias apropriadas e a sua substituição por outro que ordene a sua restituição total à herança, nos termos dos artigos 110 nº 6, 11 nº 1 e 130 nº 2 do Código Penal, acrescido de juros legais sobre os montantes apropriados pelos recorridos e desde a interpelação, nos montantes de €38.137,47 e €25.301,91, no montante global de 337.765,08 euros.
(…)
2 - Fundamentação
A - Circunstâncias com interesse para a decisão a proferir
Pelo seu interesse passamos a transcrever a sentença recorrida quanto à decisão sobre a matéria de facto e respetiva motivação da convicção:
«II – Fundamentação
A) De facto
i) Factos provados
1.º Em 10/12/2001, faleceu CC, no estado de casado em comunhão geral de bens com a assistente EE.
2.º Por óbito de CC, sucederam-lhe como herdeiros a sua esposa e os três do casal filhos, FF, GG e o arguido AA.
3.º Após a morte de CC, não obstante caber à assistente, o
exercício das funções de cabeça-de-casal da herança, esta solicitou ao seu filho que gerisse as contas bancárias e aplicações financeiras que a integravam.
4.º Uma dessas contas bancárias era a conta com o IBAN ..., do Banco 1..., SA que era titulada pela assistente e pelos seus três filhos.
5.º Em 07/03/2011, no arguido aplicou € 150.000,00 que se encontravam depositados na conta referida no § 4.º, na subscrição 15 apólices de seguro junto da E..., com os números:
- 14/.....4, 14/.....5, 14/.....6,
- 14/.....7, 14/.....8, 14/.....9,
- 14/.....0, 14/.....1, 14/.....2,
- 14/.....3, 14/.....4, 14/.....5,
- 14/.....6, 14/.....7, 14/.....8 e no valor de € 10.000,00 cada.
6.º Todas as mencionadas apólices tinham o arguido como “pessoa segura” e “beneficiário” e como data de vencimento o dia 07/03/2016.
7.º Após a data de subscrição das referidas apólices e anteriormente ao seu vencimento, a relação entre o arguido e a assistente deteriorou-se na sequência de desentendimentos quanto à gestão do património da herança.
8.º Por força de tal situação, em 10/03/2016, o arguido creditou o capital e os rendimentos das apólices referidas no § 5.º, num total de € 154.325,70, na conta bancária n.º ... do Banco 1..., SA (actualmente no Banco 2..., com o número ...) de que era titular e que a assistente estava autorizada a movimentar.
9.º Simultaneamente, por carta de 09/03/2016, o arguido, na qualidade de titular da referida conta, solicitou ao Banco 1..., SA a revogação da autorização de movimentação de que a assistente beneficiava, o que se veio a concretizar no dia 30/03/2016.
10.º Nessa sequência, por cartas registadas datadas de 25/11/2016 e 03/02/2017, que o arguido recebeu, a assistente interpelou-o para que procedesse à devolução à herança do montante de € 150.000,00 utilizado na subscrição dessas apólices e respectivos rendimentos.
11.º Não obstante, o arguido nunca procedeu à referida devolução.
12.º O arguido agiu nos termos descritos de forma livre, voluntária e consciente, visando apropriar-se dos € 154.325,70 que sabia pertencerem à herança e que apenas lhe tinham sido confiados pela assistente para que os administrasse, apesar de saber que a sua conduta era proibida e punida por lei.
13.º Ao património hereditário pertencia ainda uma quota social titulada pela assistente, no valor nominal de € 180.000,00, da sociedade comercial “D..., Lda.”, sita na Rua ... – São João da Madeira.
14.º O restante capital social da aludida sociedade era preenchido por uma quota social no valor nominal de € 20.000,00 que era pertencente a HH
15.º Em 19 de Setembro de 2008 foi celebrado por escrito um “Contrato de Cessão de Quota” no âmbito do qual a assistente, com o consentimento dos seus três filhos, declarou dividir a sua quota em duas, nos valores de € 100.000,00 e € 80.000,00 e cedê-las, por esses mesmos valores a II e JJ.
16.º Ainda nesse “Contrato de Cessão de Quota” o supramencionado HH
KK declarou ceder a sua quota social, pelo seu valor nominal de € 20.000,00 a JJ.
17.º No referido contrato escrito, foi convencionado que o preço total de € 200.000,00 aí declarado seria pago da seguinte forma:
- € 25.000,00 já recebidos pelos vendedores valor total pago pelos adquirentes das quotas sociais foi de € 320.000,00; e
- € 58 prestações mensais e sucessivas de € 3.000,00 cada, e uma última no valor de € 1.000,00.
18.º Não obstante o preço e a forma de pagamento declarados nesse contrato, o montante real acertado pelas partes para a realização do negócio foi superior, tendo a assistente recebido dos compradores pelo menos a quantia de € 120.000,00 em numerário.
19.º Nessa sequência, a assistente confiou os referidos € 120.000,00 ao arguido, para que este os administrasse.
20.º Na posse desse montante, o arguido, a 22/12/2008, com conhecimento e autorização da assistente, depositou-o na conta bancária domiciliada no Banco 1... com o número ..., actualmente no Banco 2... com o número ..., titulada unicamente pela arguida BB,
21.º Logo após, o referido montante foi colocado por ordem da arguida num depósito a prazo denominado ..., com o número de conta ..., actualmente junto do Banco 2... com o número ..., renovado a 27/10/2009 e com vencimento a 22/12/2009.
22.º Após tal vencimento, foi constituído novo depósito a prazo, a 26/01/2010, com o número ..., renumerado para ..., junto do Banco 2....
23.º Os arguidos foram interpelados pela assistente a 3/02/2017 (o arguido) e 24/02/2017 (a arguida) para procederem à devolução dos referidos € 120.000,00€ á conta da herança, o que não fizeram, nem naquela data, nem posteriormente.
24.º Os arguidos agiram nos termos descritos de forma livre, voluntária e consciente, em conjugação de esforços e intentos, visando apropriarem-se dos € 120.000,00 que lhes tinham sido confiados pela assistente e que sabiam pertencerem à herança, apesar de saberem que a sua conduta era proibida e punida por lei.
25.º O arguido AA não tem antecedentes criminais
26.º É oriundo de uma estrutura familiar de nível socioeconómico médio-alto, sendo o mais novo de três filhos nascidos ao casal de progenitores.
27.º Integrou o sistema de ensino em idade considerada normal, tendo concluído o 12º ano, sem registo de retenções.
28.º Iniciou a licenciatura em Gestão, que abandonou após a frequência do 1º ano, após o que adquiriu licenciatura em Direito/Solicitadoria entre 2012 e 2015.
29.º Vive sozinho desde os 16 anos, na morada dos autos, em apartamento cedido
pelos pais e localizado no centro de São João da Madeira, sendo que mantinha a proximidade do agregado familiar de origem, pernoitando de forma regular na casa dos pais.
30.º No seu percurso profissional, trabalhou como empresário na área da informática, imobiliária e construção civil.
31.º A partir de 2000 passou a trabalhar na empresa de construção civil e de compra e venda de imóveis, iniciada pela sua mãe.
32.º Em termos afetivos, mantém uma relação com BB, co-arguida no presente processo, desde o ano 2002, tendo ao casal nascido um filho, LL, atualmente com 4 anos de idade.
33.º Por volta do ano 2005, o casal passou a residir na casa da mãe do arguido, situação que se manteve até ao ano 2014, altura em que passaram a residir de forma fixa na morada dos autos, na sequência de desentendimentos familiares.
34.º À data dos fatos do presente processo, bem como no presente, o arguido mantinha residência na morada dos autos, juntamente com BB, sua companheira, e o filho de ambos.
35.º Actualmente trabalha como solicitador, com escritório localizado no centro de São João da Madeira, presta ainda serviços como perito avaliador das finanças e é titular de uma quota social de 50% na sociedade comercial L..., Lda.
36.º Beneficia de uma situação económica estável e controlada.
37.º Hoje em dia mantém relação próxima com a irmã FF, sendo que com a irmã GG e com a progenitora mantem uma relação de afastamento.
38.º Beneficia de uma imagem positiva, sendo conhecido no atual meio de residência pela sua ligação a várias associações do concelho de São João da Madeira, por ser pessoa ativa, com espírito de iniciativa e empreendedor.
39.º Manifesta sentimentos de preocupação face à incerteza do desfecho do presente
processo e eventuais consequências que dessa situação possam ocorrer em termos da sua vida sócio- familiar e profissional.
40.º Em abstrato manifesta consciência crítica quanto a situações fora do normativo, reconhecendo às instâncias judiciais e criminais o seu papel regulador.
41.º A arguida BB não tem antecedentes criminais.
42.º É a mais nova de uma fratria de dois filhos, tendo nascido e se desenvolvido na sua família de origem que usufruía de uma condição socioeconómica e cultural humilde e se regia pelos valores normativos sociais vigentes, não havendo registo de exposição a condutas de desvalor.
43.º O rendimento familiar provinha da integração laboral dos seus progenitores, sendo o seu pai sapateiro e a sua mãe gaspeadeira.
44.º Ingressou no sistema escolar com 6 anos de idade, tendo frequentado a pré-escola.
45.º Completou o ensino secundário sem registo de retenções ou incidentes, postura que manteve durante a licenciatura em Administração Pública, que completou aos 23 anos de idade.
46.º Após a licenciatura realizou estágio profissional na Câmara Municipal ..., entidade para a qual ainda hoje trabalha na qualidade de técnica superior.
47.º Com 31 anos, frequentou e completou o mestrado em Contabilidade e Administração Pública lecionado na Universidade ....
48.º Aos 22 anos iniciou uma relação afetiva com o arguido AA, sendo que ao fim de três anos ingressaram ambos no agregado familiar da mãe do coarguido, situação que se manteve entre 2006 a 2014.
49.º Em 2014 o casal fixou residência na morada identificada nos presentes autos, a qual refere pertencer ao seu companheiro.
50.º A habitação está integrada em complexo habitacional urbano, de tipologia t3, da qual despendem em média 200€/mensais de despesas de habitabilidade.
51.º O agregado familiar que integra a habitação é composto pela arguida, o seu
companheiro e o filho do casal, AA de 4 anos.
52.º Os rendimentos do agregado familiar advêm das suas funções de Técnica Superior (1200€/mês) e dos rendimentos do arguido AA cujo montante desconhece.
53.º Os seus tempos livres são dedicados à família e a frequência de ginásios.
54.º Pela comunidade em que se encontra é conhecida pelo agregado familiar que
integra, não sendo lhe sendo atribuída uma imagem negativa.
55.º Em abstrato, manifesta consciência critica quanto a situações que se mostram fora do normativo, reconhecendo o papel regulador das instâncias judicias.
(…)
Recurso da assistente:
A assistente insurge-se essencialmente contra a declaração de perda dos montantes apropriados que entende deveriam ter sido restituídos ao património da herança dado ter ficado demonstrado serem de sua propriedade, mas peticiona também montantes que não foram apreendidos e que entende vencerem juros legais
Vejamos!
Em primeiro lugar o MP no final da acusação requer a perda das vantagens do crime nos termos do artigo 110 n.º 1, alínea b), nºs 3, 4 e 6, do CP, sem prejuízo do deferimento de eventual pedido de indemnização civil a apresentar pelos herdeiros da herança indivisa aberta por óbito de CC.
Sucede que nos autos não foi deduzido pedido de indemnização pelos referidos herdeiros ofendidos.
Porém, estão apreendidas no processo as quantias de €154.325.70 constante do saldo da conta nº ... do Banco 2..., titulada pelo arguido AA e a quantia de € 40.155,85 que a decisão recorrida declarou perdidas a favor do Estado, apesar de ter ficado demonstrado que tais quantias pertencem à herança e aos respetivos herdeiros.
Assim, consideramos que a decisão recorrida viola o disposto no art. 186 nº1 do CPP e o nº6 do art. 110 do CP, pois deveria ter sido ordenada a restituição dos bens apreendidos aos respetivos proprietários, já que em caso algum, a perda a favor do Estado pode prejudicar os direitos dos lesados ofendidos.
Relativamente à quantia de €120.00,00, dado que a diferença entre o que foi apreendido e o que foi apropriado é o valor da condição fixada para a suspensão da execução da pena de prisão, também não se vislumbra justificação para condenar os arguidos a pagar tal quantia ao Estado, porquanto, estaríamos perante uma verdadeira duplicação.
Nestes termos, assiste razão à assistente no que respeita aos montantes apreendidos nos autos, quanto ao restante peticionado é desprovido de fundamento legal, porquanto, nenhum pedido de indemnização foi formulado, nem se pode restituir o que não foi apreendido.
3. Decisão
Com base nos argumentos que ficaram aduzidos, acordam os juízes neste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso dos arguidos.
Mais concedem provimento parcial ao recurso da assistente revogando as declarações de perda das quantias apreendidas nos autos e a condenação dos arguidos a pagar ao Estado o valor das vantagens do crime; em consequência ordenam a restituição à cabeça de casal da herança aberta por óbito de CC, das quantias apreendidas nos autos.
Os arguidos vão condenados em 4 Ucs de taxa de justiça e nas custas do processo.

Porto 26/10/2022
Paula Guerreiro
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo