Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
127/06.5IDBRG-F.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RAÚL ESTEVES
Descritores: CUMPRIMENTO DA PENA DE PRISÃO
EMISSÃO DE MANDADOS DE DETENÇÃO
TRIBUNAL COMPETENTE
INCONSTITUCIONALIDADE
NULIDADE
Nº do Documento: RP20190215127/06.5IDBRG-F.P1
Data do Acordão: 02/15/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 1ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTO, N.º7/2019, FLS.92-98)
Área Temática: .
Sumário: I – A competência do TEP para emitir mandados de detenção, de captura e de libertação apenas ocorre quando o agente do crime condenado ingressar no EP, altura em que é aberto o processo competente relativo à execução da pena.
II – Assim sendo, não é inconstitucional a interpretação do artigo 258º, nº 1, do CPP no sentido de que dali se retira que, após o trânsito em julgado da decisão que condenou o arguido a pena de prisão efectiva, caberá ao juiz do tribunal da condenação determinar a a emissão dos mandados de detenção para ingresso do condenado no EP.
III – O despacho que determina a emissão de tais mandados não é nulo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência os Juízes da 1ª Secção Criminal deste Tribunal.
1 Relatório
Nos autos 127/06.5IDBRG-F.P1, que corre os seus termos na Comarca do Porto Este, Juízo Central Criminal de Penafiel, Juiz 2, e em que é arguido, entre outros, D…, foi proferido o seguinte despacho:

“Fls. 5287 e ss. Compulsados os autos, e a data do carimbo de entrada do expediente, constata-se, da leitura do requerimento que este é parte integrante do requerimento de fls. 5274 e ss. Na verdade, o requerimento de fls. 5287 e ss. refere, nos seus pressupostos, que o arguido B… havia pedido a reforma de acórdão do Tribunal Constitucional, razão pela qual entendia que este não havia ainda transitado. Resulta do despacho de fls. 5296 que tal questão foi atempadamente decidida, tendo-se determinado a sustação dos mandados de detenção, sendo que, entretanto, tal questão perdeu acuidade porque entretanto se mostra transitado em julgado o acórdão do Tribunal Constitucional. Por essa razão, nada há a decidir.
Notifique.

O arguido D… veio, por requerimento datada de 14 de Agosto de 2018, requerer a nulidade insanável dos mandados de detenção emitidos, nos termos do art. 119º, al. e) do Código de Processo Penal.
Alega, para tanto, e em suma, que a competência para a emissão de mandados de detenção, nos presentes autos compete exclusivamente ao Tribunal de Execução de Penas do Porto, mais alegando que a dimensão normativa do art. 258º, nº 1, als. a), b) e c) do Código de Processo Penal, quando interpretadas e aplicadas no sentido de ser da competência do juiz do tribunal da condenação a emissão dos mandados de detenção para cumprimento de pena de prisão privativa da liberdade é manifestamente inconstitucional, por violação do princípio da legalidade ínsito nos arts. 1º, 2º e 3º da Constituição da República Portuguesa.
A questão que aqui se coloca é saber a partir de que momento se fixa a competência do TEP. Esta questão já foi por várias vezes suscitada, existindo vários Acórdãos de Tribunais superiores que versam sobre a mesma. Entre outros, e porque entendemos que explana de forma sucinta e clara o entendimento deste tribunal, citamos o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/12/2017, processo 606/10.0PAPNI-B.C1, disponível em www.dgsi.pt. No sumário deste Acórdão podemos ler que só uma interpretação estritamente literal nos poderá levar a concluir que a linha de fronteira de atuação entre os dois tribunais [Tribunal da Condenação e TEP] se encontra foi situada no trânsito em julgado da sentença condenatória que aplicou a pena privativa ou a medida privativa da liberdade. De facto, se atentarmos na Exposição de Motivos do Código de Execução de Penas, a dita linha de fronteira mostra-se fixada com o trânsito em julgado da sentença que decretou o ingresso do agente do crime num estabelecimento prisional, a fim de cumprir medida privativa da liberdade, sendo que não é a sentença ou o acórdão que fixa a pena de prisão do arguido que decreta o ingresso do mesmo num estabelecimento prisional, mas sim a emissão dos mandados de detenção.
Podemos ler na fundamentação do Acórdão supra citado, sendo que concordamos integralmente com os argumentos aí versados, “É evidente o propósito do legislador em estabelecer a linha de fronteira de actuação entre os dois tribunais, pelas razões de política criminal que aponta. E esta linha, numa interpretação literal, foi situada no trânsito em julgado da sentença condenatória que aplicou a pena privativa ou a medida privativa da liberdade. Nesta acepção, a partir do trânsito da sentença, toda a actividade de execução da pena competirá ao tribunal de execução de penas.
Todavia, esta interpretação é posta em causa na argumentação da Exposição de Motivos, literalmente entendida, quando nela, a dita linha de fronteira é referida ao trânsito em julgado da sentença que decretou o ingresso do agente do crime num estabelecimento prisional, a fim de cumprir medida privativa da liberdade. É que a sentença condenatória decreta uma pena de prisão, mas não decreta o ingresso do agente num estabelecimento prisional pois, como se sabe, é por intermédio de um mandado, vulgo, mandado de condução ao estabelecimento prisional para cumprimento de pena, necessariamente posterior ao trânsito da sentença, que este procedimento se desenrola.
Na Exposição de Motivos o legislador deixou claro o propósito de atribuir exclusivamente ao Tribunal de Execução das Penas a competência para acompanhar e fiscalizar a execução de medidas privativas da liberdade, e este propósito encontra-se reflectido no art. 138º, nº 2 do CEPMPL ao dispor que, após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal.
Uma vez que a pena de prisão decretada por sentença transitada só inicia a sua execução quando o condenado ingressa no estabelecimento prisional, competindo ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução dir-se-á que tal competência só se ‘inicia’ após o ingresso do condenado na instituição prisional. E se assim é, então a emissão do mandado de condução ao estabelecimento prisional para execução da pena de prisão não é, já, um ‘momento’ do acompanhamento e fiscalização da execução da pena, mas um procedimento ainda anterior.
Dispondo o art. 470º, nº 1 do C. Processo Penal que, a execução corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1ª instância em que o processo tiver corrido, sem prejuízo do disposto no artigo 138.º do Código da Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade, será então razoável entender que a emissão de tal mandado integra a competência do tribunal da condenação”.
Concluímos, assim, que inexiste qualquer nulidade por violação das regras da competência do tribunal (artigo 119º, al. e) do C.P.P., pelo que se indefere tal arguição. Por outro lado, inexiste inconstitucionalidade por violação do principio da legalidade (artigos 1º, 2º e 3º da Constituição da República Portuguesa), uma vez que nenhuma norma se mostra violada.”
Não conformado, veio o arguido recorrer, tendo concluindo nos seguintes termos:

1ª Vem o presente recurso interposto pelo arguido/recorrente D… ao despacho proferido em 16. 08 .2018 e que dele foi notificado, via postal, em 21 de Agosto do mesmo ano pelo Tribunal de Penafiel que não reconheceu a incompetência territorial do tribunal nem declarou a NULIDADE INSANÁVEL no que diz respeito a essa mesma (in) competência territorial para a (não) emissão dos mandados de detenção para cumprimento de pena de prisão efetiva.

2ª O recorrente entende e pugna por esse entendimento que, nos termos do art.º 138.º n.º 4 al. t) do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, compete em exclusividade ao Tribunal de Execução de Penas a sua emissão e que, nos termos do art.º 470.º n.ºs 1 e 2 e 477.º n.ºs 1 e 2 do C.P.P compete ao Ministério Público comunicar ao T.E.P., com certidões das peças processuais, para que aquele emita os respetivos mandados de detenção.

3.ª Sendo assim da maior e mais elementar justiça a reponderação desta decisão e a revisitação a todo o enquadramento jurídico-legal previsto no nosso ordenamento jurídico no que concerne à incompetência do Tribunal de Primeira Instância após uma decisão transitar em julgado para emitir mandados de detenção para cumprimento de pena de prisão efetiva.

4ª O requerente entende que não foram devidamente analisados os argumentos explanados no seu requerimento, onde explicava e requeria a nulidade insanável dos mesmos e ainda o juízo de inconstitucionalidade suscitado, que não foi declarado, como infra se referirá.

5ª Nessa lei especial, mormente o Código de Execução de Penas (C.E.P.), no art.º 138.º n.º 4 al. t) afirma taxativamente o seguinte: [compete ao T.E.P.] “emitir mandados de detenção, de captura e de libertação”.

6ª legislador foi de tal forma cauteloso nas expressões vocabulares usadas que teve o expresso cuidado de ter colocado duas situações distintas: a) detenção; b) captura.

7ª Os mandados de captura são aqueles mandados que são emitidos para se capturar alguém que já estivesse estado preso ou em cumprimento de pena e, por qualquer forma, conseguiu escapar ao cumprimento da pena, seja através de uma fuga do E.P., seja através de uma licença de saída precária que tenha aproveitado para não regressar ou outras situações semelhantes a estas.

8ª Posto isto, os mandados de detenção referidos nesta Lei do C.E.P. então servem para que efeitos? Se os mandados de captura descritos na al. t) do n.º 4 do art.º 138.º do C.E.P. têm aquela finalidade supra descrita, por maioria de razão os mandados de detenção têm a exclusiva finalidade de serem emitidos para um arguido condenado ser detido e conduzido ao Estabelecimento Prisional por via das certidões que o T.E. P. tenha recebido nos termos do art.º 477.º n.º 1 do Código Processo Penal.

9ª Até porque, tal como o arguido explicou no requerimento enviado aos autos, o art.º 258.º n.º 1 al. a) até c) do Código Processo Penal foi pensado e criado para o processo- crime (apenas e só) nas suas primeiras fases (inquérito e julgamento), seja para arguidos, suspeitos, assistentes, testemunhas e demais intervenientes processuais.

10ª Se atentarmos bem a redação do art.º 258.º do C.P.P., nomeadamente a sua al. b) esta refere o seguinte: “a identificação da pessoa a deter”.

11ª Muito recentemente o Supremo Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar- se sobre a (in)competência do Tribunal de 1ª Instância para a emissão dos mandados de detenção, e os Senhores Juízes Conselheiros decidiram o seguinte:

Poderia suscitar dúvida a questão da eventual incompetência do tribunal que emitiu os mandados de detenção do requerente, se deveria ser competente o T.E.P. ou o tribunal da condenação. Esta questão não é incontroversa, sendo até objeto de vários conflitos de competência entre esses tribunais. Os presidentes das secções criminais do S.T.J. têm decidido que nestes casos em que a pena não é privativa de liberdade (pena de multa), embora executada na forma de conversão em prisão subsidiária, o tribunal materialmente competente para emitir os mandados de detenção é o da condenação. Ora, só uma manifesta incompetência do tribunal que ordenou a detenção poderia ser motivo para o deferimento de um habeas corpus . ”- conforme Doc. n.º 1 que se junta em anexo para os devidos efeitos legais e demais consequências legais.

12ª Ora, isto leva- nos a concluir que qualquer Tribunal de 1 ª instância que se socorra - como foi o caso - da norma do art.º 258.º do C. P.P. para emitir os mandados de detenção para um arguido condenado em prisão efetiva para este ser detido e conduzido ao Estabelecimento Prisional, estará a violar o art.º 258.º do C.P.P e a cometer uma manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade na sua aplicação, o que provoca a nulidade insanável dos respetivos mandados, conforme al. e) do art .º 119 .º do Código Processo Penal, o que se invoca erequer desde já.
INCONSTITUCIONALIDADE
13ª A dimensão normativa do art.º 258 .º n.º 1 al. a), b) e c) do Código Processo Penal, quando interpretadas e aplicadas no sentido de ser da Competência do Juiz do Tribunal de Condenação de 1ª Instância [ e não do TEP] a emissão dos respetivos mandados de detenção para o arguido/ condenado ser conduzido ao estabelecimento prisional para cumprir pena de prisão privativa da liberdade decretada anteriormente no acórdão de sentença, é manifestamente inconstitucional por violação do princípio da legalidade ínsito nos art.ºs 1.º, 2.º e 3.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que expressamente se invoca para que dela se extraiam as necessárias consequências legais.

14ª O despacho ora recorrido emitido nestes autos alicerça- se numa fundamentação para justificar a sua competência territorial invocando a jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra de 13.12.2017 tirado nos autos de proc. n.º 606/10.0PAPNI- B.C.1 que, curiosamente e salvo o devido respeito por opinião contrária, contraria a Lei actual em vigor e o raciocínio vertido na Exposição de Motivos do projeto de Lei do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, que veio atribuir ao T.E.P., após o trânsito em julgado das condenações de prisão, todas as competências necessárias para o início da execução e da execução propriamente dita, tal como requerer as licenças de saídas jurisdicionais e as liberdades condicionais é sempre junto do TEP e nunca nos autos de 1 .ª Instância.

15ª Entendemos que essa Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra configura um desrespeito à Lei e à sua incorrecta interpretação e consequente aplicação e que, infelizmente, não alcançou o concreto espírito e a real vontade do Legislador no que concerne a estas matérias.

16ª O Supremo Tribunal de Justiça, em recente Acórdão datado de Abril de 2018, conhecendo toda a Jurisprudência dos Tribunais da Relação, ainda assim veio afirmar, resumidamente o seguinte:
a) Se a pena de prisão a cumprir for resultante de uma pena de multa não paga e que foi convertida em prisão subsidiária, é competente o Tribunal da condenação de 1ª Instância.
b) Se a pena de prisão efectiva tiver sido decretada por acórdão transitado em julgado, compete EXCLUSIVAMENTE ao Tribunal de Execução de Penas a sua emissão, e qualquer que seja a detenção efetuada com uns mandados de detenção emitidos por um qualquer outro tribunal que não o T.E.P. provocará uma manifesta incompetência do Tribunal e decretará uma libertação imediata por via do deferimento da petição do Habeas Corpus.

17ª Foram violados e/ou mal interpretados os art.º s 119.º al. e), 258.º n.º 1 al. a) a c), 470.º n.º 1 parte final e n.º 2, 477.º n.ºs 1 e 2 todos do Código Processo Penal e ainda o art.º 138.º n.º 4 al. t) do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, bem como os art.ºs 1.º, 2.º, 3.º, 13.º, 18.º, 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa.

O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de 1ª Instância respondeu ao recurso, tendo concluído nos seguintes termos:
1. O despacho que determina a emissão de mandados de detenção para cumprimento de pena de prisão é um despacho de mero expediente, sendo, assim, insusceptível de recurso, nos termos da al. a) do nº 1 do art. 400º do Código de Processo Penal.
2. Carece o recorrente de interesse em agir contra a emissão de mandados de detenção pelo Tribunal da condenação, na medida em que não impugna a emissão dos próprios mandados de detenção, mas entende ser a sua emissão da competência do Tribunal de Execução de Penas.
3. O recurso ser liminarmente rejeitado por ser legalmente inadmissível, nos termos do art. 420º, nº 1 al. b) do Código de Processo Penal.
Sem embargo, e ainda que se entenda nada obstar a decisão de mérito,
4. A pena de prisão decretada por sentença transitada só inicia a sua execução quando o condenado ingressa no estabelecimento prisional, competindo ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução. Nesta medida a competência do Tribunal de Execução de Penas só se ‘inicia’ após o ingresso do condenado na instituição prisional.
5. Nos termos do art. 470º, nº 1 do Código de Processo Penal a execução corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1ª instância em que o processo tiver corrido, sem prejuízo do disposto no artigo 138.º do Código da Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade, pelo que é razoável entender que a emissão de tal mandado integra a competência do tribunal da condenação.
6. Nos termos do disposto no art. 138º, nº 4, t) do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, compete ao Tribunal de Execução de Penas emitir mandados de detenção, captura ou libertação que visem a execução das suas próprias decisões, sendo, em consequência, competente para emitir o mandado de detenção destinado ao início da execução de uma pena de prisão fixada em sentença transitada o tribunal da condenação.
7. A alteração legislativa efectuada ao disposto no artigo 477º, nºs. 2 e 4, do Código de Processo Penal manteve intocáveis as competências do Ministério Público junto do Tribunal da condenação para proceder ao cômputo da pena, o qual deverá ser objecto de homologação pelo Juiz, pelo que tudo pressupõe que o condenado se encontre em efectivo cumprimento de pena, pois sem a detenção e subsequente sujeição a reclusão do condenado, mostrar-se-á impossível proceder ao cômputo da pena em que este foi condenado, nos termos do disposto no artigo 477º, nºs. 2 e 4, do Código de Processo Penal.
8. O Tribunal de Execução de Penas é competente para a emissão de mandados de detenção para diversos fins, sequenciais às competências que legalmente lhe estão atribuídas, no âmbito da execução da pena que se inicia com o ingresso do condenado no Estabelecimento Prisional.
9. Posto que seja um Tribunal a determinar a emissão de mandados de detenção para cumprimento de pena de prisão decretada por decisão judicial transitada em julgado, é indiferente para o legislador constitucional se essa competência pertence ao Tribunal da condenação ou ao Tribunal de Execução de Penas.
10. Nesta estrita dimensão tendo o legislador ordinário optado, claramente, pela solução que supra se defendeu, mostra-se cumprido o comando constitucional que reserva aos Tribunais as decisões relativas à privação da liberdade e demais incidências, pelo que a interpretação perfilhada de que é da competência do tribunal da condenação a emissão de mandados de detenção para cumprimento de pena de prisão não padece de qualquer inconstitucionalidade.
11 TERMOS em que:
a) Rejeitando o recurso, nos termos do art. 420º, nº 1 al. b) do Código de Processo Penal, por ser o mesmo legalmente inadmissível,
Ou, caso assim não se entenda,
b) Negando VV. Exas. provimento ao recurso interposto pelo arguido, e confirmando, in totum, o douto despacho recorrido, farão inteira JUSTIÇA.
Neste Tribunal o Digno Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos, emitindo parecer no sentindo do conhecimento do mérito do recurso, devendo o mesmo ser julgado não provido.
Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º nº 2 do CPP, foram os autos aos vistos e procedeu-se à Conferência.
Cumpre assim apreciar e decidir.
2 Fundamentação.
Como é pacífico, são as conclusões formuladas pelo recorrente no seu recurso que delimitam o seu objecto.
No caso em apreço, a única questão colocada pelo recorrente é tão-somente o saber se o despacho recorrido enferma de nulidade, por ter fixado a sua competência material para proferir despacho de emissão de mandados de detenção para cumprimento de pena do recorrente com prejuízo do Tribunal de Execução de Penas, que seria, segundo o recorrente, o competente.
Vejamos então:
Conforme resulta dos autos o recorrente foi condenado, por decisão transitada em julgado, na pena de 6 anos de prisão.
Após diversas vicissitudes processuais, foi proferido o despacho agora em recurso, onde se reconheceu inexistir qualquer nulidade quanto ao despacho que ordenou a emissão de mandados de detenção emitidos pelo Tribunal da condenação, mandados esses para cumprimento da pena em que foi condenado.
Entende o recorrente que tal despacho – o que ordenou a emissão dos mandados - padece de nulidade pois foi proferido por Tribunal sem competência material para o efeito, sendo o competente o TEP.
Ora, com o devido respeito não assiste qualquer razão ao recorrente, sendo a questão uma falsa questão, que, como veremos, encontra na lei a resposta necessária.
Na verdade defender que seria competente o Juiz do TEP a emitir os mandados de detenção para a execução da pena de prisão decretada numa sentença transitada em julgado, carecia sempre, tal tese, de ser acompanhada de uma resposta elementar – e por vezes o elementar e simples é ignorado nas mais elaboradas construções jurídicas – que é o de saber onde era proferido tal despacho, em que processo?
Não nos passará pela cabeça que o recorrente pretendesse ter um despacho avulso, sem processo de suporte, a decretar a emissão de mandados de detenção para cumprimento da pena, esse sim ilegal.
Vejamos então.
Como podemos verificar, tem sido trazido à discussão sobre o tema, num esforço para interpretar a lei, a exposição de motivos que acompanhou a lei.
Também a iremos usar aqui.
Ora, a exposição de motivos que acompanhou a proposta de Lei 252/X, em cujo ponto 15 da exposição de motivos, se pode ler: “No plano processual e no que se refere à delimitação de competências entre o tribunal que aplicou a medida de efectiva privação da liberdade e o Tribunal de Execução das Penas, a presente proposta de lei atribui exclusivamente ao Tribunal de Execução das Penas a competência para acompanhar e fiscalizar a execução de medidas privativas da liberdade, após o trânsito em julgado da sentença que as aplicou.
Consequentemente, a intervenção do tribunal da condenação cessa com o trânsito em julgado da sentença que decretou o ingresso do agente do crime num estabelecimento prisional, a fim de cumprir medida privativa da liberdade. Este um critério simples, inequívoco e operativo de delimitação de competências, que põe termo ao panorama, actualmente existente, de incerteza quanto à repartição de funções entre os dois tribunais e, até, de sobreposição prática das mesmas. Incerteza e sobreposição que em nada favorecem a eficácia do sistema”.
Adita-se no item 19 da mesma exposição de motivos:
“A presente proposta de lei optou pela organização, no Tribunal de Execução das Penas, de um processo único para cada recluso, a cujos autos principais (os que deram origem à abertura do processo) são depois apensados todos os demais processos e incidentes. Procurou assegurar-se a unidade de critério decisório, a continuidade do processo de reinserção social e a avaliação do mesmo, através do imediato acesso à «história» integral do recluso, por parte do juiz do Tribunal de Execução das Penas chamado a decidir sobre a sua situação”.
Daqui retira-se que foi vontade do legislador recortar a competência entre ambos os Tribunais com uma linha que, segundo o legislador, seria o trânsito em julgado da sentença, mas, e como se pode verificar, uma sentença que tenha decretado o ingresso do agente do crime num estabelecimento criminal, e esta, com o devido respeito, não existe, pois em bom rigor nenhuma sentença decreta o ingresso do arguido num estabelecimento prisional, limitando-se a decretar a sua condenação no cumprimento de uma pena, sendo o ingresso no estabelecimento prisional decretado posteriormente mediante a emissão dos mandados de detenção.
Também se retira da exposição de motivos que terá o TEP de organizar um processo individual de cada recluso.
Ou seja, a sentença condenatória do agente do crime determina e fixa no seu dispositivo a pena, - artigo 374º nº 3 al. b) do CPP – não se tendo que pronunciar quanto à especifica ordem de ingresso do condenado no EP, seja ele qual for, pelo que a exposição de motivos em apreço não pode ser interpretada literalmente para efeitos de compreensão do disposto no artigo 138º do CEP, e, mais importante, pretendeu o legislador que o TEP tivesse um processo único, próprio, relativo à execução da pena do condenado.
Mas, e antes de concluirmos pela evidência notória quanto à impossibilidade legal do TEP emitir os mandados de detenção para a execução da pena, analisemos o artigo 17º do CEP.
Ora, nos termos do disposto no artigo 17.º do CEP o ingresso do recluso no EP só pode ter lugar nos seguintes casos:
a) Mandado do tribunal que determine a execução da pena ou medida privativa da liberdade;
b) Mandado de detenção;
c) Captura, em caso de evasão ou ausência não autorizada;
d) Apresentação voluntária, que é sujeita a confirmação junto do tribunal competente.
(…)
Se bem interpretamos tal disposição, podemos retirar da mesma que não será o TEP que emitirá a ordem de condução do agente do crime ao EP para a execução da pena, pois não é ele que a determina, de igual forma, também não será o TEP a emitir os mandados de detenção, pois tais mandados, de acordo com o artigo 258º do CPP terão que conter informação específica que não é do domínio do TEP, e tanto assim é que, no caso de apresentação voluntária do condenado no EP haverá lugar à recolha de informação junto do Tribunal da condenação.
Apenas em caso de evasão ou ausência não autorizada é que caberá ao TEP diligenciar pela captura do recluso, mas, neste caso, já o recluso estava no EP em regime de execução da pena.
Em reforço da interpretação que fazemos, encontramos o artigo 478º do CPP que determina que os “condenados em pena de prisão dão entrada no EP por mandado do juiz competente” o que nos permite sustentar, como veremos, que o juiz do tribunal da condenação tem efectiva competência para emitir os mandados de detenção para cumprimento da pena.
Ora, entre o trânsito em julgado da decisão que decidiu pela condenação do arguido e a entrada no EP há o decurso de um período temporal – mais ou menos longo – em que o arguido, ainda não o recluso, aguarda pela emissão do respectivo mandado de detenção, sem o qual não lhe é possível iniciar a execução da pena.
Nesse período, o TEP, por força do disposto no artigo 477º nº 1 do CPP, apenas tomou conhecimento da decisão que privou o arguido da liberdade, nada mais fez, nem nada mais podia fazer.
Repare-se que, por força do artigo 18º do CEP o referido processo individual, o que permitirá ao Juiz do TEP tomar decisões no âmbito da sua competência, apenas é aberto no momento do ingresso do condenado no EP.
Ou seja, e é aqui que importa ficar, só após o ingresso do condenado no EP é que o TEP abre o processo necessário para acompanhar e decidir todas as fases e incidentes próprios da execução
Sem processo aberto não é possível ao juiz do TEP proferir qualquer decisão relativa ao concreto condenado que foi conhecedor de uma sentença transitada em julgado, e não falamos apenas da emissão de mandados de detenção para cumprimento de pena, falamos também de outras vicissitudes que poderão ocorrer no espaço temporal que decorre entre o transito em julgado da sentença que condenou o agente do crime numa pena de prisão efectiva e a entrada do mesmo no EP, a titulo de exemplo, na possibilidade de extinção do procedimento criminal pela morte do agente do crime ocorrida após o transito em julgado da decisão e antes de o mesmo ter dado entrada no EP, sendo evidente que tal decisão caberá ao Tribunal da condenação, o único que tem processo em curso para o efeito, ou quanto à prescrição de uma pena ocorrida antes da entrada do condenado no EP.
Nenhum sentido terá, entender que é o TEP a ordenar o ingresso do condenado no EP quando nem sequer ainda o processo do mesmo está aberto.
Ou seja, nada nos faz afastar a ideia que do confronto das normas supra referidas, a competência material do TEP apenas tem o seu início com a efectiva entrada do arguido no EP, adquirindo então o estatuto de recluso e a sujeição plena ao regime do CEP, sendo então acompanhado em sede do processo próprio organizado no âmbito do TEP, pelo que, e com o devido respeito, não se detecta qualquer nulidade no despacho recorrido por violação das regras da competência do tribunal
Quanto à alegada inconstitucionalidade arguida pelo recorrente.
Veio este defender que, cita-se: A dimensão normativa do art.º 258.º n.º 1 al. a), b) e c) do Código Processo Penal, quando interpretadas e aplicadas no sentido de ser da Competência do Juiz do Tribunal de Condenação de 1ª Instância [e não do TEP] a emissão dos respetivos mandados de detenção para o arguido/condenado ser conduzido ao estabelecimento prisional para cumprir pena de prisão privativa da liberdade decretada anteriormente no acórdão de sentença, é manifestamente inconstitucional por violação do princípio da legalidade ínsito nos art.ºs 1.º, 2.º e 3.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que expressamente se invoca para que dela se extraiam as necessárias consequências legais.”
Sustenta-se no recorte da competência estabelecido pelo artigo 138º do CEP que, e na parte em que agora nos interessa diz:
Artigo 138.º
Competência material
1 - Compete ao tribunal de execução das penas garantir os direitos dos reclusos, pronunciando-se sobre a legalidade das decisões dos serviços prisionais nos casos e termos previstos na lei.
2 - Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal.
4 - Sem prejuízo de outras disposições legais, compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria:
t) Emitir mandados de detenção, de captura e de libertação;
Ora, como vimos, a competência do TEP para emitir mandados de detenção, de captura e de libertação apenas ocorre quando o agente do crime condenado ingressar no EP, pois somente ai, nesse momento, é aberto o processo competente no TEP relativo à execução da sua pena.
Defender que poderia haver tal decisão sem processo aberto é que, com o devido respeito uma vez mais, seria, essa sim, uma interpretação inconstitucional do artigo 138º do CEP, pois estaria tal acto judicial a ser proferido em sede avulsa sem qualquer processo de suporte o que não é admissível face ao disposto no artigo 32º da CRP.
Assim não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade na interpretação do artigo 258º nº 1do CPP quando do mesmo se retira que após o transito em julgado da decisão que condenou o arguido a pena de prisão efectiva caberá ao juiz do tribunal da condenação emitir os mandados de detenção para ingresso no EP do condenado.
3 Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se o despacho recorrido nos seus precisos termos.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 uc’s

Porto, 15 de Fevereiro de 2019
Raúl Esteves
Vítor Morgado