Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1518/11.5T2OVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CAIMOTO JÁCOME
Descritores: OPOSIÇÃO À PENHORA
Nº do Documento: RP201412171518/11.5T2OVR-A.P1
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - De acordo com o estatuído na alínea b), do nº 1, do artº 784º, do CPC, o executado pode opor-se contra a imediata penhora de bens seus que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda.
Trata-se, pois, de uma situação de impenhorabilidade subsidiária objectiva.
II - A responsabilidade (cambiária) do avalista não é subsidiária da do avalizado.
III - Não tem cabimento, na execução cambiária, a invocação pelo executado avalista do fundamento de oposição à penhora previsto na referida al. b), do artº 784º, do CPC, com referência ao estatuído no artº 752º, do mesmo diploma.
IV - Nada impede, pois, a imediata penhora do imóvel pertencente ao executado apelante, enquanto obrigado cambiário (ver arts 32º, 43º e 47º, da LULL, aplicável ex vi do artº 77º, do mesmo diploma).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1518/11.5T2OVR-A.P1 - APELAÇÃO

Relator: Desem. Caimoto Jácome (1496)
Adjuntos: Desem. Macedo Domingues
Desem. Oliveira Abreu

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1- RELATÓRIO

B…, com os sinais dos autos, executado nos autos principais, em que é exequente C…, S.A., e executados a sociedade D…, Lda., E… e o opoente, ora apelante, veio este opor-se à penhora da fração autónoma designada pela letra “O”, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1556, da freguesia e concelho de Viana do Castelo, alegando que a penhora da fração pertencente ao oponente foi ilegal, dado que incidiu sobre um bem que só subsidiariamente responde pela dívida exequenda, pois existindo garantia real constituída pela sociedade subscritora e a quem prestou o seu aval nas livranças dadas à execução, essa garantia real, no caso duas hipotecas voluntárias, deve ser previamente excutida. Para tanto, invoca o disposto nos artigos 697.º do Código Civil e 752.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil; e ainda invoca a circunstância de ao aval ser aplicável o regime da fiança, pelo que o avalista pode arrogar-se do benefício de excussão prévia da coisa hipotecada, nos termos do disposto no artigo 639.º, n.º 1 do Código Civil.
Mais alega que o facto de o imóvel onerado com as hipotecas constituídas pela sociedade subscritora ter sido transmitido a terceiro não inviabiliza a execução desse bem no património do adquirente.
Notificado o exequente, este impugnou os fundamentos alegados pelo oponente, mais tendo invocado que instaurou execução contra o adquirente do imóvel onerado com as duas hipotecas constituídas pela subscritora, que corre termos neste mesmo juízo sob o n.º 3741/12.6T2OVR, tendo a ali executada sido declarada insolvente.
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Conclusos os autos, O Sr. juiz, apreciando o incidente suscitado, proferiu decisão, tendo concluído (dispositivo):
Termos em que julgo improcedente o incidente de oposição, mantendo-se a penhora efectuada pelo agente de execução sobre a fração autónoma designada pela letra “O” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1556, da freguesia e concelho de Viana do Castelo.
Custas pelo oponente, por ter ficado vencido (art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC e tabela II anexa ao RCP).”.
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Inconformado, o executado B… apelou da sentença, tendo, na sua alegação, formulado as seguintes conclusões:
A. O Exequente preencheu as livranças em branco que lhe haviam sido entregues como caução de contratos de mútuo com hipoteca (contendo as livranças precisamente essa menção: “Caução s/ forma de CE Mútuo com hipoteca nº…..”.) e instaurou a execução contra a devedora principal e os avalistas (entre os quais o Recorrente).
B. Estando-se perante uma execução hipotecária em que foi dado de garantia ao Exequente um imóvel pertencente à sociedade subscritora da livrança caução que é a obrigada principal e foi igualmente demandada na execução, a penhora deveria ter-se iniciado pelos bens sobre que incide a garantia real e só poderia recair no imóvel do avalista, quando se reconhecesse a insuficiência daquele bem para conseguir o fim da execução.
C. Tendo sido penhorado um bem próprio do avalista, antes de verificada a insuficiência do bem que responde prioritariamente pela satisfação da dívida, o Recorrente deduziu oposição a essa penhora, com fundamento na penhorabilidade subsidiária real que é uma das vertentes da penhorabilidade subsidiária contemplada na al. b) do nº1 do artº 784º do C.P.C. (a par da penhorabilidade subsidiária pessoal), por aplicação do disposto no artº 752º, nº1 e 745º, nº 5 do mesmo Código.
D. A função do aval é uma função de garantia, inserida ao lado da obrigação de um certo subscritor cambiário, a cobri-la e caucioná-la.
E. Quer se entenda que a obrigação do avalista tem natureza subsidiária e acessória de outra obrigação cambiária (como Pereira Coelho e Barbosa de Magalhães), quer que a responsabilidade do avalista é autónoma da do devedor principal, a verdade é que o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, sendo que a extensão e o conteúdo da obrigação do avalista se aferem pela do avalizado (princípio da equiparação entre a obrigação do avalista e a do avalizado constante do artº 32º, nº I da L.U.L.L.).
F. Sendo o avalista responsável da mesma maneira que o afiançado e podendo este invocar o disposto no artº 752º, nº1 do C.P.C. e exigir que sejam previamente penhorados (e vendidos/excutidos) os bens sobre que incidiu a garantia real (ou opor-se a que sejam penhorados outros antes desses), também o avalista – que está na mesma posição – o deve poder fazer.
G. É que neste caso não estamos perante dois devedores principais solidários, mas sim perante um devedor principal e um garante dessa obrigação (que responde da mesma forma que o afiançado).
H. Como escreveu o Exmo. Senhor Conselheiro Roseira de Figueiredo no voto de vendido ao Assento nº 3/81 do STJ, “No caso da verdadeira obrigação solidária, há uma só obrigação (complexiva, se se quiser); os sujeitos passivos estão todos colocados no mesmo plano; e a prestação é divisível entre eles. A letra, essa incorpora diversas obrigações sucessivas e autónomas, com múltiplos sujeitos passivos (e activos); há nela um obrigado directo (o aceitante) e obrigados de regresso, que apenas são garantes do pagamento; e a prestação não se divide. O artº 47º da Lei Uniforme declara que os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador, mas é bem de ver que essas pessoas não se encontram vinculadas nos mesmos termos em que o estão os condevedores na solidariedade passiva perfeita.”
I. Por outro lado, como decidiu o STJ, “tudo o que favoreça ou desfavoreça o avalizado estende-se ao avalista” por idêntica responsabilidade” (“salvo nos casos previstos nos artº 7º e 32º, 2ª parte”).
J. Só este entendimento respeita os dois aspectos específicos do regime do aval: um, o princípio da equiparação entre a obrigação do avalista e do avalizado constante do artº 32º nº I, nos termos do qual “o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada”, outro, o princípio da acessoriedade formal da obrigação do avalista relativamente à do avalizado constante do artº 32, nº II, segundo o qual a sua obrigação - a do avalista – mantém-se no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma (cfr. Assento de 28.03.1995 do STJ)
K. A equiparação expressa na estatuição “responde da mesma maneira” do artº 32º, nº I, significa que o avalista, relativamente à sua própria obrigação, ocupa posição igual àquele por quem deu o aval.”
L. Não se está perante uma excussão prévia dos bens da subscritora da livrança em relação ao avalista (dado que este é solidariamente responsável com o aceitante da letra/subscritor da livrança nos termos dos artºs 47º e 77º da LULL), mas perante a “excussão prévia” dos bens sobre que incide garantia real (artºs 32º da LULL e 752º, nº1 do C.P.C.), dado que o avalista é equiparado ao avalizado (ocupa igual posição) e este prestou uma garantia real.
M. A dívida assegurada por hipoteca teve sempre um regime especial: “a penhora tinha de começar necessariamente pelos bens hipotecados”, regime diferente do que sucedia para o caso de dívida privilegiada ou garantida por consignação.
N. Falava-se de “bem afecto à satisfação da dívida” e “pagamento de dívida garantida por hipoteca” sem se fazer qualquer referência ao facto de a hipoteca poder ter sido prestada apenas por um dos executados.
O. A única excepção à aplicação do (antigo) artº 835º do C.P.C relacionava-se com a garantia prestada por terceiro (não executado), pois aqui a doutrina afasta a aplicação da regra da subsidiariedade real.
P. Porém, no caso sub judice o bem hipotecado é propriedade do condevedor (que é o devedor principal) e, além disso, a garantia do avalista (em livrança em branco) foi prestada em simultâneo com a garantia real (hipoteca) do devedor e subscritor da livrança, perante o próprio portador dos títulos, e foi expressamente mencionada nas escrituras de mútuo.
Q. Quando se está perante dois condevedores principais ainda se compreenderá que só o dono do bem dado de garantia possa invocar a excussão prévia da garantia real, dado que só um dos devedores prestou a garantia, mas estando-se perante um devedor principal e um garante (cuja medida da responsabilidade se mede pela do afiançado), não faz sentido interpretar a norma do artº 752º, nº do C.P.C. no sentido de que só o devedor cujos bens se encontram onerados pela garantia real se possa opor à penhora de outros bens que também lhe pertençam, pois choca o sentido de justiça.
R. É necessário distinguir se os bens dados de garantia pertencem ao avalizado ou a terceiro, pois o benefício de excussão prévia existe (apenas) se os bens pertencerem ao avalizado (mas já não se pertencerem a terceiro), por força da acessoriedade da obrigação do avalista em relação ao devedor principal e do princípio da equiparação entre as obrigações de um e de outro.
S. O entendimento de que, por força da natureza da sua obrigação, o avalista goza, numa execução por dívida provida de garantia real, do benefício da excussão prévia do bem pertencente ao avalizado (devedor principal) e por este dado de garantia para o cumprimento da obrigação assumida perante o credor, é o que está mais de acordo com o espírito do legislador e com a unidade do sistema jurídico (artº 9º do Código Civil), não só porque o legislador, ao referir-se a garantia que onere “bens pertencentes ao devedor” no artº 752º, nº1 do CPC, pretendeu excluir da aplicação dessa norma a prévia excussão dos bens onerados pertencentes a terceiro (tendo sido esse o sentido da alteração legislativa operada com a reforma de 1995/96), mas ainda porque o legislador, na situação em que concorrem garantias reais e pessoais, acautelou o benefício de excussão prévia das garantias reais.
T. Na verdade, a própria lei prevê para o caso da fiança que, se para segurança da mesma dívida houver garantia real constituída por terceiro, contemporânea da fiança ou anterior a ela, tem o fiador o direito de exigir a execução prévia das coisas sobre que recai a garantia real (artº 639º, nº1 do Código Civil).
U. Na situação em apreço, as hipotecas e os avales nas livranças dadas à execução foram constituídos no mesmo momento (como resulta das escrituras públicas) e, apesar de estar em causa um aval, deve aplicar-se o regime previsto nessa disposição legal, por diversos motivos: desde logo porque o “aval” mais não é do que uma fiança: o aval é a “fiança prestada, em forma própria, na letra, livrança ou cheque” (Ana Prata, Dicionário Jurídico). São ambas garantias pessoais acessórias.
V. Em segundo lugar, no caso do aval estamos perante uma solidariedade imperfeita, ou seja, uma situação de obrigação plural do lado passivo, em que, sendo os vários condevedores solidários face ao credor, nas relações entre si não o são, pois só um deles suporta a totalidade do encargo da dívida;
W. Em terceiro lugar, não existe qualquer outra disposição legal sobre o benefício de excussão havendo garantias reais e pessoais e a razão de ser desta norma justifica a sua aplicação a todos os casos em que forem prestadas garantias pessoais e reais.
X. O Opoente só quis responsabilizar-se pela dívida no caso de o bem hipotecado, pertencente à sociedade devedora principal vir a mostrar-se insuficiente para a satisfação do crédito do Banco (pois estava em causa um empréstimo concedido a esta sociedade) e neste caso, o valor do bem dado de garantia é muito superior à quantia exequenda, incluindo juros e despesas, e daí que seja mais do que suficiente para garantir o crédito exequendo.
Y. Considera, assim, o Recorrente que a sua fracção autónoma só deverá responder subsidiariamente pela dívida exequenda, após excussão prévia do bem hipotecado pertencente ao devedor principal, para garantia do cumprimento dessa dívida, e apenas se o produto da venda deste bem for insuficiente para satisfação do direito do Exequente.
Z. A sentença recorrida violou, assim, designadamente, o disposto nos artºs 32º, nº1 da L.U.L.L., 752º, nº1 e 745º, nº5 do C.P.C. e 639º e 9º do Código Civil.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e sendo julgada procedente a oposição à penhora.

Na resposta à alegação a apelada defende o decidido.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é balizado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1 e 3, do C.P.Civil (actualmente arts. 635º, nº 4, e 640º, nºs 1 e 2).

2.1- OS FACTOS E O DIREITO

Importa considerar a seguinte matéria de facto:
- O Banco exequente, na qualidade de tomador, é dono e legítimo portador das seguintes livranças de caução subscritas pela executada D…, Lda, e avalizadas (à subscritora) pelos executados E… e B…:
a) uma livrança de € 31.312,53, emitida em 19/11/1996 e com vencimento em 14/03/2011;
b) uma livrança de € 12.409,19, emitida em 26/11/2002 e com vencimento em 14/03/2011; e
c) uma livrança de € 1.196,16, emitida em 08/11/2002 e com vencimento em 14/03/2011 (ver certidão pedida à 1ª instância e junta a fls. 139-193, aqui dada como integralmente reproduzida.
- Apresentadas a pagamento, nas datas do respectivo vencimento, as referidas livranças não foram pagas por qualquer dos obrigados (a sociedade subscritora e avalistas da subscritora, ora executados), nem então nem posteriormente.
- A livrança supra identificada na alínea a) foi entregue ao exequente como caução de um contrato de mutuo com hipoteca, celebrado em 19 de Novembro de 1996, cuja cópia da escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, respectiva alteração e documento complementar.
- Para garantia das responsabilidades referentes ao contrato de mútuo com hipoteca referido no item anterior e tituladas pela livrança de caução identificada na alínea a), foi constituída, por escritura datada de 19 de Novembro de 1996, uma hipoteca voluntária prestada a favor do exequente sobre o imóvel aí melhor identificado, hipoteca esta devidamente registada na competente Conservatória do Registo Predial.
- A livrança supra identificada na alínea b) foi entregue ao exequente como caução de um segundo contrato de mútuo com hipoteca, celebrado em 26 de Novembro de 2002, cuja cópia da escritura de mútuo com hipoteca e documento complementar está junta e aqui se dá como integralmente reproduzida.
- Para garantia das responsabilidades referentes ao contrato de mútuo com hipoteca referido no item anterior e tituladas pela livrança de caução identificada na alínea b) do referido item, foi constituída, pela referida escritura datada de 26 de Novembro de 2002, uma hipoteca voluntária prestada a favor do exequente sobre o imóvel aí identificado, hipoteca esta devidamente registada na competente Conservatória do Registo Predial.
- A livrança supra identificada na alínea c) foi entregue ao exequente como caução do descoberto de uma conta de depósitos à ordem, cuja cópia se junta e aqui se dá como integralmente reproduzida para todos os efeitos legais (ver a mencionada certidão junta, pedida à 1ª instância).
- Na acção executiva foi penhorada a fracção autónoma designada pela letra “O” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1556, da freguesia e concelho de Viana do Castelo;
- O exequente celebrou com a sociedade executada contratos de mútuo com hipoteca, no âmbito dos quais a sociedade subscritora, aqui também executada, constituiu a favor do exequente, para garantia do capital mutuado, juros, encargos e despesas, duas hipotecas voluntárias sobre o seguinte imóvel (e suas benfeitorias) de sua propriedade: prédio urbano composto por casa de rés-do-chão e cave com anexo e logradouro, denominado “F…”, sito em …, freguesia e concelho de Ovar, inscrito na matriz sob o artº 8095 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o nº 2574. Tais hipotecas encontram-se registadas pelas Ap. 57 de 1997/08/26 e 8 de 2003/10/18, sendo o montante máximo assegurado para efeitos de registo respectivamente de € 297.283,54 (Esc: 59.600.00$00) e € 56.235,22, como pode comprovar-se das certidões juntas aos autos com o requerimento executivo.
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Dispõe o nº 1, do artº 835º do CPC revogado (actual artº 752º), que “Executando-se dívida com garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora inicia-se pelos bens sobre que incida a garantia e só pode recair sobre outros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução.”
Estabelece o artº 784º, do NCPC, os fundamentos da oposição à penhora de bens pertencentes ao executado (anterior artº 863º-A).
Os fundamentos da oposição à penhora são apenas os que se encontram previstos nas alíneas do nº 1, do artº 784º, do CPC, ou seja, causas de impenhorabilidade de direito processual (alínea a), causas de impenhorabilidade enunciadas na lei substantiva (alínea c) - existem dois tipos de causas, as estipuladas pelas partes, por negócio jurídico (é o caso dos arts. 602º, 603º e 833º, do Código Civil (CC)) ou estabelecidas por lei (p. ex., o artº 1184º, do CC, que isenta de responsabilidade pelas dívidas do mandatário sem representação os bens que ele haja adquirido em execução do mandato e devam ser transmitidos para o mandante; outro exemplo, será ainda o crédito de alimentos (artº 2008º, nº 2, do CC) e ainda violação das regras de penhorabilidade subsidiária objectiva (alínea b).
De acordo com o estatuído na alínea b), do nº 1, daquele normativo, o executado pode opor-se contra a imediata penhora de bens seus que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda.
Trata-se, pois, de uma situação de impenhorabilidade subsidiária objectiva.
Conclui, no essencial, o apelante que a penhora deveria ter-se iniciado pelos bens sobre que incide a garantia real dada pela sociedade executada mutuária e só poderia recair no imóvel do apelante quando se reconhecesse a insuficiência daquele bem para conseguir o fim da execução, sendo que a tal não obsta a qualidade de avalista do executado. A seu ver, tal não significa isto que o executado/recorrente não venha a responder pelo pagamento da dívida exequenda, mas apenas que tal só deverá suceder depois de verificada a insuficiência do bem dado de garantia (real) pela subscritora das livranças, devedora principal.
Na decisão recorrida, começa-se por afirmar que “o oponente confundiu a responsabilidade subsidiária dos bens penhorados com a penhorabilidade subsidiária subjectiva, tomando as duas situações por uma só, quando na verdade se tratam de realidades distintas e, por isso, com enquadramento processual também distinto.
Assim, enquanto a violação das regras (de direito substantivo) de penhorabilidade subsidiária objectiva constituem fundamento de oposição à penhora, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 784.º do Cód. Proc. Civil, a violação das regras (de direito substantivo) de penhorabilidade subsidiária subjectiva são antes fundamento de oposição à execução, conforme melhor flui do disposto no n.º 1 do artigo 745.º do Cód. Proc. Civil.”.
Vejamos.
Os títulos dados à execução são três livranças subscritas (emitidas) pela sociedade, também executada, com a firma D…, Lda, e avalizadas pelos executados B…, ora apelante, e E…, que não foram pagas no momento acordado nos aludidos títulos de crédito.
Trata-se, pois, de uma execução cambiária e não de uma execução hipotecária.
Como é sabido, aos títulos de crédito vêm, generalizadamente, associadas as seguintes características:
- literalidade, com o significado que o direito incorporado no título é definido nos precisos termos que dele constam;
- abstracção, o direito proclamado pelo título vale, como tal, sem que seja possível ou necessária a fundamentação em qualquer modo legítimo de adquirir;
- autonomia, o direito cartular é autónomo e diferente quer da relação fundamental, quer das sucessivas convenções extra-cartulares.
Estando a letra de câmbio/livrança no domínio das relações imediatas, isto é, não tendo entrado em circulação, não valem os princípios cambiários da literalidade e abstracção (a letra/livrança é independente da causa debendi).
Os títulos de crédito, uma vez emitidos regularmente, dão origem a uma relação jurídica cartular, dotada de vida e disciplina própria, a qual é fonte de direitos e obrigações.
Aquela última característica (autonomia) tem particular relevo no tocante às relações cartulares mediatas como as eventualmente (ver infra) existentes entre o executado/opoente/avalista e o Banco exequente beneficiário (ver artº 17º, da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças (LULL)). Não assim no domínio das relações imediatas, como as estabelecidas entre o Banco exequente e sociedade executada D…, Lda, ou seja, as relações existentes entre os obrigados cambiários que se encontram ligados pela relação subjacente (Pedro de Vasconcelos, Direito Comercial, Títulos de Crédito, p. 37), em que tudo se passa como se a relação deixasse de ser literal e abstracta, ficando sujeita às excepções que se fundamentam nas relações pessoais (Prof. Ferrer Correia, Letra de Câmbio, p. 87).
O executado avalista (apelante) não é sujeito da relação subjacente existente entre o C…, S. A., e a mencionada subscritora/emitente das livranças e só a esta é permitido deduzir qualquer tipo de defesa.
A relação subjacente ao aval, ou seja, a constituída pela relação jurídica que funda a prestação do aval e que só pode ser invocada nas relações entre o avalista e o avalizado, não se confunde com a relação existente entre o avalizado, subscritor da livrança, e a exequente (subscritora/tomadora/emitente), consistente no negócio jurídico celebrado entre a sociedade (Banco) exequente e a referida subscritora do título de crédito dado à execução (contrato de mútuo com hipoteca).
Ora, a obrigação do avalista é autónoma e não acessória, como a do fiador, pois, embora se defina pela do avalizado, vive e subsiste, independentemente desta (Vaz Serra, RLJ, 103º/429, J. Oliveira Ascensão, Direito Comercial, Títulos de Crédito, III, p. 169 e segs., e Pedro de Vasconcelos, ob. cit. p. 127).
Traduzindo-se em assegurar o cumprimento de uma concreta obrigação, a obrigação do aval não obedece à regra accessorium sequitur principale, pois que se mantém mesmo no caso de a obrigação garantida ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.
Assim, não se justifica que o avalista possa defender-se com a excepção do avalizado, salvo a do pagamento (Paulo Sendim, Letra de Câmbio, II, p. 834 e segs.).
O fim específico do aval é o de garantir o cumprimento pontual do direito de crédito cambiário. É uma garantia prestada à obrigação cartular do avalizado.
Segundo o Prof. Ferrer Correia (Letra de Câmbio, p. 196), “o fim próprio, a função específica do aval é garantir ou caucionar a obrigação de certo subscritor cambiário”.
O avalista é apenas sujeito da relação subjacente ou fundamental à obrigação cambiária do aval, relação essa constituída entre ele e o avalizado e que só é invocável no confronto entre ambos.
Na verdade, sendo o aval um autêntico acto cambiário, origem duma obrigação autónoma, pois que o dador do aval assume também uma responsabilidade abstracta e objectiva pelo pagamento do título, que subsiste mesmo no caso da obrigação que ele garante ser nula por qualquer razão que não seja por vício de forma (artº 32º, do LULL), não se aplica o estatuído nos artºs 637º e 638º, do CC.
Em suma, no campo das relações mediatas prevalecem os princípios de autonomia, abstracção e literalidade da relação cambiária.
De todo o modo, a qualificar-se como de imediatas as relações entre o avalista da subscritora e o beneficiário do título de crédito, pois que as suas obrigações, independentes das dos avalizados, têm como primeiro credor o interveniente cambiário que assim se lhes opõe, mesmo nesse domínio das “relações imediatas” a obrigação cambiária continua a ser literal e abstracta, pelo que não tem o avalista legitimidade para trazer à colação uma situação de impenhorabilidade subsidiária objectiva.
A responsabilidade (cambiária) do avalista não é, como predito, subsidiária da do avalizado.
Resulta do exposto que se entende, tal como na decisão recorrida, não ter cabimento, nesta execução cambiária, a invocação pelo executado avalista, ora apelante, do fundamento de oposição à penhora previsto na referida al. b), do artº 784º, do CPC.
Nada impede, pois, a imediata penhora do imóvel pertencente ao executado apelante, enquanto obrigado cambiário (ver arts 32º, 43º e 47º, da LULL, aplicável ex vi do artº 77º, do mesmo diploma).
Como bem salienta o sentenciador da 1ª instância, o estatuído nos arts. 697º, do CC e 752º, nº 1, do CPC, não têm aplicação nos autos, uma vez que tais disposições legais pressupõem que a garantia real onere bens pertencentes ao devedor, e no caso em apreço o oponente é avalista, e, como tal, obrigado directo, mas não é devedor principal, nem dono da coisa hipotecada.
Enfim, não foram violados os normativos referidos nas conclusões do recurso.
Improcede, assim, o concluído na alegação do recurso.

3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
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Anexa-se o sumário

Porto, 17/12/2014
Caimoto Jácome
Macedo Domingues
Oliveira Abreu
__________
SUMÁRIO (artº 713º, nº 7, do CPC, actual artº 663º, nº 7):
I- De acordo com o estatuído na alínea b), do nº 1, do artº 784º, do CPC, o executado pode opor-se contra a imediata penhora de bens seus que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda.
Trata-se, pois, de uma situação de impenhorabilidade subsidiária objectiva.
II- A responsabilidade (cambiária) do avalista não é subsidiária da do avalizado.
III-Não tem cabimento, na execução cambiária, a invocação pelo executado avalista do fundamento de oposição à penhora previsto na referida al. b), do artº 784º, do CPC, com referência ao estatuído no artº 752º, do mesmo diploma.
IV-Nada impede, pois, a imediata penhora do imóvel pertencente ao executado apelante, enquanto obrigado cambiário (ver arts 32º, 43º e 47º, da LULL, aplicável ex vi do artº 77º, do mesmo diploma).

Caimoto Jácome