Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
326/20.7T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: DECLARAÇÃO NEGOCIAL
CONTRATO DE TRABALHO
MODIFICAÇÃO CONTRATUAL
PERÍODO EXPERIMENTAL
RENÚNCIA DO EMPREGADOR
Nº do Documento: RP20211018326/20.7T8PNF.P1
Data do Acordão: 10/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A comunicação escrita da entidade empregadora dirigida à autora, dizendo “integrá-la no quadro de pessoal efectivo a partir de 19 de Julho de 2019” e justificando essa decisão “Em face das informações profissionais positivas transmitidas a respeito de Vª. Exª.”, consubstancia uma declaração negocial, na indagação do seu sentido devendo ser observada a disciplina contida no artigo 236.º/1 do Código Civil.
II - Atento o texto da comunicação, dele resulta a expressão inequívoca de uma declaração de vontade do então empregador com o propósito de introduzir uma alteração substancial ao contrato de trabalho a termo que fora celebrado, integrando a autora “no quadro de pessoal efectivo a partir de 19 de Julho de 2019”, o que deve ser entendido com o sentido daquela passar a ter um vínculo laboral por tempo indeterminado.
III - Havendo que atender a toda a declaração, e não só a parte dela, resulta igualmente que a entidade empregadora está a abdicar da continuação da sujeição da autora ao período experimental, bastando-se com o tempo de execução do contrato já cumprido nessa condição, isto é, entendeu que a trabalhadora revelou possuir as aptidões profissionais necessárias para satisfazer as exigências da função para que foi contratada ao abrigo de um vínculo contratual por tempo indeterminado.
IV - Nada tendo a autora oposto à modificação do contrato nos termos que lhe foram propostos na comunicação escrita, entende-se estar-se perante uma declaração de aceitação tácita relativamente à modificação contratual, em toda a abrangência da proposta.
V - Essa modificação ao contrato de trabalho circunscreve-se no âmbito do princípio da liberdade contratual (art.º 405.º do CC), não se perfilando qualquer impedimento legal à alteração de contrato a termo resolutivo para contrato sem termo, ou seja, por tempo indeterminado, inclusive no que respeita à forma de celebração.
VI - O mesmo raciocínio aplica-se à questão do período experimental, isto é, à declaração da empregadora na parte que se traduz em bastar-se com o tempo de execução do contrato já cumprido nessa condição. Exigindo-se o “acordo escrito entre partes” para a redução ou exclusão, cremos que deve considerar-se por verificado, tendo em conta que a empregadora procedeu à comunicação por escrito e houve uma declaração de aceitação tácita por parte da trabalhadora autora (art.º 217.º CC).
VII - Quando ocorreu a transmissão do estabelecimento para o Réu, a A. foi transmitida com aquele estatuto jurídico - a plenitude dos direitos contratuais e adquiridos -, ou seja, vinculada por contrato de trabalho sem termo e livre de qualquer período experimental.
VIII - Assim, a comunicação do Réu à Autora procedendo “à denúncia do referido contrato de trabalho por tempo indeterminado, no período experimental referido na alínea b), do n.º1 do art.º 122.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, com efeitos a 11.01.2020, data a partir da qual deixará de prestar a sua actividade neste estabelecimento”, consubstancia um despedimento ilícito, sujeito à disciplina do art.º 389.º do CT.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 326/20.7T8PNF.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto Este – Juízo do Trabalho de Penafiel - B… instaurou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo declarativo comum, a qual veio a ser distribuída ao J1, contra Hospital …, EPE, pedindo que seja julgada procedente, em consequência seja declarada ilícita a denúncia efetuada pela Ré e consequentemente declarada a cessação do contrato de trabalho como despedimento sem justa causa, nos termos e para efeitos do artigo 381º do CT, sendo aquela condenada nos termos seguintes:
a) A reconhecer a existência do contrato de trabalho por tempo indeterminado entre A. e R.;
b) Proceder à reintegração da A. no estabelecimento hospitalar da R. e no seu posto de trabalho;
c) No pagamento à A. da retribuição mensal (€ 850,00) devida desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da decisão, acrescida do subsídio de refeição diário, no valor de € 4,77, acrescido dos juros moratórios legais desde a citação até efectivo e integral pagamento;
d) No pagamento não inferior a € 8.000,00 a título de danos morais causados pelos termos do despedimento ilícito.
Para fundamentar os pedidos alega, em síntese, que em 01/08/2019 celebrou com a C…, S.A. um contrato de trabalho a termo certo, para exercer funções de técnica superior mediante o pagamento de retribuição mensal de € 850,00, com um período experimental de 30 dias.
A 01/09/2019 aquela sociedade transmitiu o estabelecimento para a Ré, nos termos e para efeitos do artigo 3º, nº1 do Decreto-Lei nº 75/2019, de 30 de maio, sucedendo assim a Ré na universalidade de bens, direitos e obrigações, nomeadamente no que diz respeito aos trabalhadores, passando a ser a sua empregadora.
Em Setembro de 2019 foi-lhe entregue uma carta datada de 19/07/2019, data anterior à do contrato de trabalho, a comunicar que “em face das informações profissionais positivas transmitidas a respeito de Vª. Exª., foi a situação ponderada tendo a Administração da C… decidido integrá-lo(a) no quadro de pessoal efetivo”. Em esclarecimento solicitado àquela entidade sobre a data da carta ser anterior, foi-lhe dito que se tratava de u m lapso e para o desconsiderar. Nenhuma outra alteração lhe foi comunicada relativamente ao vínculo laboral.
Inesperadamente, no dia 30/12/2019 recebeu comunicação escrita da R. a informar da caducidade do contrato de trabalho a termo, o que questionou atendendo à modalidade do vínculo contratual que lhe fora comunicado, tendo aquela, em resposta, enviado nova comunicação datada de 06/01/2020, na qual assume estar perante um contrato de trabalho por tempo indeterminado e dá sem efeito a comunicação de caducidade, mas invoca a denúncia do contrato no período experimental de 180 dias.
Alega que tal cessação configura um despedimento ilícito, uma vez que o período experimental estabelecido entre as partes foi de 30 dias e a convolação do contrato para contrato sem termo não o alterou, tendo antes a comunicação de convolação reconhecido as capacidades da A..
Mas para o caso de assim não se entender, alega que o período experimental nunca seria de 180 dias, mas antes o prazo geral 90 dias aplicável à generalidade e dos trabalhadores, face às funções que exercia, que não assumiam natureza complexa, sendo assim o despedimento ilícito e devendo a A. ser reintegrada.
Alega, ainda, a existência de abuso de direito por parte da R., por a denúncia do contrato no período experimental se ter verificado por causas estranhas à relação de trabalho ou para disfarçar uma motivação ilícita, nomeadamente com intuito discriminatório, por motivos arbitrários, uma vez que a entidade empregadora decidiu logo no mês inicial do contrato, pela sua conversão, devido às informações profissionais positivas transmitidas, o que demonstra que aquela conhecia as características da A. e estava satisfeita com a sua performance, além de todos os feedbacks dados sobre o seu trabalho serem positivos.
Alega, ainda, que ficou muito surpreendida com a cessação do contrato, que esta situação lhe causou stress, desgosto e instabilidade na sua vida.
Realizada audiência de partes, não foi possível a sua conciliação.
Regularmente notificada para o efeito, o réu contestou alegando, no essencial, que às 24 horas do dia 31/08/2019 sucedeu na universalidade de bens, direitos e obrigações da C…, tendo assumido a posição de entidade empregadora nos contratos de trabalho vigentes a essa data.
Nas reuniões preparatórias para a efectiva transmissão de estabelecimento resultou que era necessária a contratação de dois técnicos superiores para o serviço de direcção financeira, com funções de elevado grau de complexidade e responsabilidade, pelo que foram exigidos requisitos e competências mínimos específicos, para as quais foi a A. contratada, pela “C…, S.A.”, em 1 de Agosto de 2019, mediante a celebração de um contrato de trabalho a termo certo, pelo período de 6 meses, com a categoria de técnica superior na área da despesa.
No dia 30 de Dezembro de 2019, o Réu comunicou por escrito à Autora, a caducidade de contrato de trabalho a termo resolutivo certo. Na sequência desta comunicação, a Autora solicitou uma reunião com o Sr. Presidente do Conselho de Administração, tendo invocado que o seu contrato de trabalho era um contrato de trabalho sem termo, o que levou à análise mais detalhada de todos os elementos constantes do processo individual da trabalhadora, constatando-se a existência de informações contraditórias quanto à modalidade do contrato de trabalho desta, dado constar uma comunicação da “C…, S.A.”, datada de 19 de Julho de 2019 a comunicar àquela que tinha sido “decidido integrá-lo(a) no quadro de pessoal efetivo a partir a partir de 19 de Julho de 2019”.
O Réu entendeu considerar convolado o contrato de trabalho a termo certo em contrato de trabalho sem termo, contando para o efeito a antiguidade da Autora desde o início da prestação de trabalho, ou seja desde o dia 1 de Agosto de 2019.
Alega que tal convolação determinou a submissão do contrato às regras aplicáveis aos contratos sem termo, nomeadamente quanto ao período experimental, que passou a ser de 180 dias, devido ao grau de complexidade máximo e elevado grau de responsabilidade das funções da A.. As partes não excluíram ou reduziram o período experimental por escrito, pelo que a denúncia ocorreu em tal período.
Alega ainda que tal denúncia se ficou a dever ao facto de ter constatado que a A., ao longo do tempo, não estava a corresponder ao exigível e expectável, sendo que as funções que esta devia exercer, nomeadamente a validação e análise crítica da informação a integrar no sistema contabilístico tiveram de ser distribuídas a outros trabalhadores, sob pena da R. incorrer em atrasos e faltas graves passíveis de ser sancionadas em termos de financiamento. A tal acresceu as dificuldades da A. relacionar-se com os outros elementos da sua equipa de trabalho.
A A. foi alertada para o seu fraco desempenho e foram-lhe atribuídas tarefas menos complexas, bem como apresentadas sugestões quanto ao espírito de equipa, respeito e responsabilidade. No entanto, a A. não alterou o seu comportamento com os colegas nem desempenhou as tarefas de modo satisfatório.
A A. teve conhecimento da comunicação de conversão do contrato em 23/08/2019, que aceitou, sendo que a informação constante de tal comunicação quanto às informações positivas a respeito da A. não é o reconhecimento da boa ou regular prestação de trabalho desta, parecendo tratar-se de um erro quanto ao seu destinatário.
Mais alega ter actuado de boa fé com a A.. Invoca ainda que o documento junto com a petição inicial sob o nº 5 foi enviado à A. por estar associada ao grupo de trabalho e não porque o agradecimento também lhe fosse dirigido.
Conclui que a denúncia do contrato de trabalho da A. foi lícita, que a acção deve ser julgada improcedente e em consequência a R. absolvida dos pedidos formulados pela A..
I.2 Findos os articulados foi proferido despacho saneador no qual foi dispensado o despacho previsto no artigo 596º nº 1 do CPC.
Foi, ainda, fixado valor da acção em € 8.850,00.
Realizou-se, depois, a audiência de discussão e julgamento.
I.3 Subsequentemente foi proferida sentença, fixando a matéria de facto provada e aplicando o direito aos factos, concluída com o dispositivo seguinte:
Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Reconhece-se a existência de contrato de trabalho por tempo indeterminado entre A. e R.;
b) Condena-se a R. a pagar à A. a quantia de € 377,60 (trezentos e setenta e sete euros e sessenta cêntimos) a título de retribuição correspondente a 11 dias de aviso prévio em falta;
c) Absolve-se a R. do demais peticionado pela A..
Custas a cargo do A. e da R., na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 1/5 para a R. e 4/5 para a A. (cfr. artigo 527º nºs. 1 e 2 do CPC).
Registe e notifique.
(..)».
I.4 Inconformado com esta sentença, a Autora interpôs recurso de apelação, o qual foi admitido e fixado o efeito e modo de subida adequados. Apresentou alegações, as quais sintetizou nas conclusões seguintes:
………………………………
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I.5 O Recorrido Réu contra-alegou, finalizando as alegações nas conclusões seguintes:
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I.6 O Ministério Público teve visto nos autos, nos termos do art.º 87.º3, do CPT, tendo-se pronunciado no sentido da procedência do recurso, referindo, no essencial, que o período experimental seria sempre de 30 dias, porque foi o único acordado pelas partes, no contrato inicialmente celebrado e reduzido a escrito, e nunca a primeira entidade empregadora nem a Ré informaram a A. da duração de outro período experimental.
Refere-se ainda, que mais do que tudo isto, foi comunicado à A. que “Em face das informações profissionais positivas transmitidas a respeito de Vª. Exª., foi a situação ponderada tendo a Administração da C… decidido integrá-lo(a) no quadro de pessoal efetivo a partir de 19 de Julho de 2019”. Depois sustentando-se:
-« [..]
Embora na prática possa ser o mesmo, nem sequer se fala em convolação ou alteração do contrato, mas sim em integração no quadro de pessoal efectivo.
[..]
[..] parece poder concluir-se que a Administração da C…, entidade empregadora, decidiu definitivamente, ter “interesse na manutenção do contrato”, “integrando a A. no quadro de pessoal efectivo”, decisão para a qual, não foi sequer necessário o decurso da totalidade do prazo do período experimental.
E, perante esta proposta da Ré, a A., aceitou-a e conformou-se com ela, assentando que era trabalhadora efectiva, primeiro da C…, S.A., e depois da “Hospital …, E.P.E.
[..], cremos poder dizer aqui, também, que sendo a única alteração a de o contato a termo, passar a ser por tempo indeterminado, deverão manter-se as demais cláusulas, incluindo a duração do período experimental.
[..]
De outro modo, parece poder concluir-se que foi violado o princípio da lealdade, podendo invocar-se, como faz a Autora, a disposição, do abuso de Direito, do artigo 334º do Cód. Civil».
I.7 Foram cumpridos os vistos legais e determinada a inscrição do processo para julgamento em conferência.
I.8 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], as questões colocadas para apreciação pela recorrente consistem em saber se o tribunal a quo errou na aplicação do direito aos factos, ao não ter concluído pela ilicitude da denúncia do contrato de trabalho e consequente despedimento ilícito, em razão do seguinte:
i) O período experimental fixado em 30 dias, não poder ser alterado unilateralmente pela Ré;
ii) Mesmo que se entenda pela possibilidade da extensão do período experimental, o mesmo não poderia ultrapassar os 90 dias;
iii) Ainda que assim não se entenda, o Recorrido actuou em abuso de direito.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco factual que segue:
Factos assentes por acordo:
A) A A. celebrou com a C…, S.A., um contrato de trabalho a termo certo a 01/08/2019, no qual ficou acordado que a mesma exercia as funções de Técnica Superior mediante o pagamento de retribuição mensal no valor de € 850,00, acrescido de subsídio de almoço, nos termos constantes de fls. 11 a 17 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas;
B) Foi ainda acordado entre as partes que o período experimental seria de 30 dias, com início no dia 01/08/2019;
C) A A. iniciou as suas funções nas instalações da Ré no dia 01/08/2019;
D) A 01/09/2019, a C… transmitiu o estabelecimento para a ora R., nos termos e para efeitos do disposto no artigo 3º nº 1 do Decreto-Lei nº 75/2019, de 30/05, sucedendo a R. na universalidade de bens, direitos e obrigações, nomeadamente no que diz respeito aos trabalhadores;
E) Desde o dia 01/09/2019 que a A. passou a ter como entidade empregadora a aqui R.;
F) A C… procedeu à entrega à A. de uma carta datada de 19/07/2019, da qual consta que “Em face das informações profissionais positivas transmitidas a respeito de Vª. Exª., foi a situação ponderada tendo a Administração da C… decidido integrá-lo(a) no quadro de pessoal efetivo a partir de 19 de Julho de 2019”, nos termos constantes de fls. 18 dos autos e que se dá por integralmente reproduzida;
G) No dia 30/12/2019 a A. recebeu uma comunicação escrita por parte da R., em que a mesma lhe comunicava a caducidade do contrato de trabalho a termo resolutivo certo, com referência ao período do aviso prévio, nos termos constantes de fls. 19 dos autos e que se dá por integralmente reproduzida;
H) A A. questionou a R. relativamente à modalidade do seu vínculo contratual, atendendo à missiva que havia recebido sobre a sua integração nos “quadros” da empresa e da conversão do seu contrato de trabalho;
I) A R. enviou nova comunicação escrita à A., datada de 06/01/2020, onde assume que o vínculo contratual entre ambos é suportado num contrato de trabalho a tempo indeterminado, dando sem efeito a comunicação de caducidade, mas ressalvando que pretendia cessar o contrato de trabalho com a A., alegando a denúncia do contrato de trabalho dentro do período experimental de 180 dias, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 112º do Código de Trabalho, pondo assim termo ao contrato de trabalho entre A. e R., com efeitos a 10/01/2020, nos termos constantes de fls. 20 dos autos e que se dá por integralmente reproduzida;
J) A R. é uma entidade pública empresarial que presta cuidados de saúde integrados no Serviço Nacional de Saúde, criado pelo Decreto-Lei nº 75/2019, de 30/05, que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e cujo Estatutos constam do anexo II ao Decreto-Lei nº 18/2017 de 10/02;
K) No dia 30/08/2019 foi celebrado o contrato designado por “CONTRATO DE TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO HOSPITALAR”, no qual foram outorgantes “C…, S.A.”, “HOSPITAL …, E.P.E.” e “ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO NORTE, I.P.”, sendo que na sua cláusula 3, sob a epígrafe “Trabalhadores”, ficou determinado, entre o mais, que “3.1. Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 14.º do DL 75/2019, a posição de empregador nos contratos de trabalho celebrados pela C…, que estejam a produzir efeitos na Data Efetiva, identificados no Anexo I, transmite-se para o Hospital …, EPE, nos termos do disposto na lei, designadamente nos artigos 285º a 287º do Código do Trabalho. As Partes acordam que a lista identificada no Anexo I será atualizada com referência a 31 de agosto de 2019.”;
Factos demonstrados por produção de prova:
L) A carta identificada em F) foi entregue à A. em 23/08/2019;
M) Nada foi comunicado à A. quanto à alteração do período experimental para 180 dias nem esta deu o seu aval sobre tais alterações;
N) A R. nunca justificou nem demonstrou à A. que as suas funções eram revestidas de complexidade técnica que justificassem um período experimental de 180 dias;
O) A A. efectuava lançamento de facturas;
P) A A. ficou muito surpreendida com a cessação do contrato de trabalho por parte da R.;
Q) Esta situação causou stress, desgosto e instabilidade na vida da A.;
R) Das reuniões preparatórias para a efectivação da transmissão do estabelecimento hospitalar da “C…, S.A.” para a ora R. resultou que seria necessário a contratação de 2 Técnicos Superiores para o Serviço de Direcção Financeira;
S) Os Técnicos Superiores a contratar teriam por missão elaborar os processos e contabilidade sob a sua responsabilidade com o objetivo de assegurar lançamentos contabilísticos em tempo útil.”, tendo para tanto as seguintes responsabilidades (funções): elaborar os processos de controlo e conferência de contas de fornecedores da sua responsabilidade e assegurar lançamentos contabilísticos em tempo útil; realizar a gestão de contas de fornecedores e conferência de facturas; efectuar a classificação de documentos; realizar lançamentos contabilísticos; efectuar reconciliações bancárias; assegurar o cumprimento de obrigações fiscais; garantir o processo de gestão de dados de fornecedores e respetivas facturas, acedendo a dados de colaboradores e/ou clientes;
T) Dado o elevado grau de complexidade e responsabilidade das funções a exercer foram estabelecidos requisitos mínimos, a saber: licenciatura em Contabilidade/Fiscalidade/Gestão/Finanças (ou equiparável); experiência profissional mínima de 1 ano; experiência em SICC será valorizada; bom nível de conhecimento de ferramentas informáticas na óptica do utilizador (Excel);
U) Pretendendo-se que as pessoas a contratar tivessem como competências: capacidade de análise e espírito crítico; organização; relacionamento inter-pessoal; sentido de responsabilidade, pró-activo e dinâmico; sensibilidade para termos e demonstrações financeiras”;
V) A A. foi admitida pelo contrato identificado em A) em conformidade com o exigido de S) a U);
W) A A. foi admitida com a categoria profissional de Técnica Superior, para exercer as funções identificadas em S) na área da despesa;
X) Após o referido em H), a R. analisou mais detalhadamente todos os elementos constantes do processo individual da A., constatando então a existência de informações contraditórias quanto à modalidade do contrato de trabalho desta;
Y) Do processo individual da A. constava a comunicação da “C…, S.A.” identificada em F);
Z) A R. considerou convolado o contrato de trabalho a termo certo em contrato de trabalho sem termo, contando para o efeito a antiguidade da A. desde o início da prestação de trabalho, ou seja, desde o dia 01/08/2019;
AA) Atendendo à carreira geral pública, a categoria de Técnico Superior é considerada o grau de complexidade máximo, tal como é de elevado grau de responsabilidade dadas as funções a exercer, sempre que para ingressar nesta carreira seja exigido como requisito mínimo a titularidade de uma licenciatura ou grau académico superior;
BB) A R. tomou a decisão de remeter a carta identificada em I) após constatar que a A., ao longo do período em que vinha a prestar-lhe funções, não estava a corresponder ao que lhe era exigível e expectável enquanto Técnica Superior na área da Despesa;
CC) As funções que deveriam ser exercidas, e não eram, pela A., nomeadamente a validação e análise crítica de informação a integrar no sistema contabilístico, tiveram que ser distribuídas a outros trabalhadores, sob pena de a R. se ver impossibilitada de reportar a informação económica/financeira à respectiva tutela no âmbito dos deveres de informação, fazendo-a incorrer em atrasos e faltas passíveis de ser sancionado em termos de financiamento;
DD) A A. foi também evidenciando sérias dificuldades em relacionar-se com os outros elementos da sua equipa de trabalho;
EE) A A. foi alertada para o seu fraco desempenho, tendo-lhe sido, até, atribuídas tarefas menos complexas com vista à adequação/ajustamento do exigido à sua experiência;
FF) E foram-lhe apresentadas sugestões sobre a sua atitude perante os restantes elementos da equipa, no que concerne ao espírito de equipa, respeito e responsabilidade;
GG) Apesar de alertada para estes constrangimentos, a A. não alterou o seu comportamento perante os colegas;
HH) Nem desempenhou as tarefas de modo satisfatório, ainda que menos complexas do que seria exigível e expectável a alguém detentor da categoria de Técnica Superior;
II) As informações profissionais relativas à A. foram sendo sucessivamente negativas;
JJ) A A. aceitou a convolação do contrato de trabalho;
KK) O e-mail datado de 08/01/2020 e junto a fls. 22 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido, foi enviado para o correio electrónico da A. porque esta estava associada a um grupo de trabalho e não porque o agradecimento lhe fosse, também, a si dirigido.
Da discussão da causa não resultaram provados os seguintes factos:
1) A carta identificada em F) dos factos provados foi entregue à A. em setembro de 2019;
2) A A. questionou a então entidade empregadora sobre a comunicação identificada em F) dos factos provados, nomeadamente o porquê de ter uma data anterior à celebração do seu contrato, e foi-lhe dito que ignorasse esse elemento, uma vez que se tratava de um mero lapso, pedindo assim que desconsiderasse as datas incompatíveis;
3) O que a A. fez, confiando na boa-fé da entidade empregadora e tendo em conta que tal comunicação fazia alusão ao conhecimento efectivo das capacidades de trabalho da A. comunicando-lhe que a decisão de transformar o contrato a termo certo em tempo indeterminado assentava numa decisão sólida e pensada;
4) Nenhuma outra alteração foi comunicada à A., nomeadamente no que diz respeito à modificação da natureza do vínculo laboral;
5) A R. actuou com o intuito de prejudicar a A.;
6) A entidade empregadora da A. decidiu, logo no mês inicial do contrato, converter o seu contrato em tempo indeterminado porque conhecia perfeitamente as características da A. e estava satisfeita com a sua performance;
7) Já na subordinação jurídica da R., todos os feedbacks que foram dados à A. sobre o seu trabalho eram positivos;
8) A intenção da R. sempre foi a de se desvincular da A., bem sabendo que não tinha qualquer fundamento, pelo que procurou motivos que lhe permitisse fazê-lo sem o recurso aos competentes meios legais;
9) O lançamento de facturas não se reveste de complexidade especial;
10) A surpresa referida em P) dos factos provados ocorreu porque a A. sempre recebeu elogios do seu trabalho e acreditava que a R. tinha abdicado do período experimental em função da comunicação enviada pela R.;
11) A A. viu-se, de repente e sem qualquer preparação, sem trabalho e sem encontrar qualquer motivo que o justificasse;
12) A R. sempre motivou a A. e fez crer que o seu trabalho estava a ser bem desenvolvido e estava satisfeita com a sua prestação;
13) A R. sempre tranquilizou a A. quanto à estabilidade do contrato celebrado;
14) Na sequência da comunicação escrita identificada em G), a A. solicitou uma reunião com o Presidente do Conselho de Administração da R., tendo invocado que o seu contrato de trabalho era um contrato de trabalho sem termo;
15) A A. tinha conhecimento que a C…, S.A. iria transmitir a sua posição de empregadora nos contratos de trabalho, onde se incluía o seu, à aqui R. às 24 horas do dia 31/08/2019.
Não se responde ao demais alegado pelas partes, por se afigurar conclusivo ou irrelevante para a decisão da causa.
II.2 ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO POR INICIATIVA DESTE TRIBUNAL DE RECURSO
A recorrente não impugna a decisão sobre a matéria de facto.
Não obstante, no âmbito dos poderes oficiosos deste Tribunal de recurso, impõe-se a nossa intervenção para completar a matéria de facto fixada, visto constatar-se que o tribunal a quo refere-se a documentos, reproduzindo parte deles, ou faz referência ao respectivo texto, sem que resulte a transcrição com a suficiência necessária do respectivo conteúdo, abrangendo tudo o que é relevante para a apreciação da causa. Referimo-nos aos factos F e I.
Por outro lado, a formulação do facto B é susceptível de sugerir um acordo negociado quanto ao período experimental constante no contrato de trabalho a termo celebrado entre A. e R, que é coisa diferente de ter sido feito constar no contrato por esta última e aceite pela primeira sem que tenha sido objecto de negociação. Assim, entende-se que a formulação constante do facto assume natureza conclusiva e em matéria que integra o thema decidendum, ou seja, o conjunto de questões de natureza jurídica que constituem o objeto do processo a decidir, pelo que deve ser reformulada a redacção, substituindo-se pela transcrição do conteúdo da cláusula do contrato de trabalho [Cfr. Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Em conformidade com o exposto, alteram-se os factos B, F e I, nos termos seguintes:
i) O facto B, onde consta “Foi ainda acordado entre as partes que o período experimental seria de 30 dias, com início no dia 01/08/2019”, é alterado e passa a ter a redacção seguinte:
B) Na cláusula 5.2 do contrato referido no facto A), consta “O período experimental é de 30 dias e começa a contar-se do início da execução da prestação da segunda outorgante, ou seja a partir do referido dia 01 de agosto de 2019”.
ii) O facto F, onde se lê “A C… procedeu à entrega à A. de uma carta datada de 19/07/2019, da qual consta que “Em face das informações profissionais positivas transmitidas a respeito de Vª. Exª., foi a situação ponderada tendo a Administração da C… decidido integrá-lo(a) no quadro de pessoal efetivo a partir de 19 de Julho de 2019”, nos termos constantes de fls. 18 dos autos e que se dá por integralmente reproduzida, é aditado com o demais conteúdo do documento, passando a ter a redacção seguinte:
F) A C… procedeu à entrega à A. de uma carta datada de 19/07/2019, junta a fls. 18 dos autos, da qual consta o que “Em face das informações profissionais positivas transmitidas a respeito de Vª. Exª., foi a situação ponderada tendo a Administração da C… decidido integrá-lo(a) no quadro de pessoal efetivo a partir de 19 de Julho de 2019.
Aproveitamos para informar que, nos termos do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro, a antiguidade como colaborador(a) desta empresa será contada, para todos os efeitos, desde o início do primeiro contrato a termo celebrado com V. Ex.a.
Manter-se-ão o mesmo vencimento e as mesmas funções”.
iii) O facto I onde se lê “A R. enviou nova comunicação escrita à A., datada de 06/01/2020, onde assume que o vínculo contratual entre ambos é suportado num contrato de trabalho a tempo indeterminado, dando sem efeito a comunicação de caducidade, mas ressalvando que pretendia cessar o contrato de trabalho com a A., alegando a denúncia do contrato de trabalho dentro do período experimental de 180 dias, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 112º do Código de Trabalho, pondo assim termo ao contrato de trabalho entre A. e R., com efeitos a 10/01/2020, nos termos constantes de fls. 20 dos autos e que se dá por integralmente reproduzida”, é alterado passando a ter a redacção seguinte:
I) A R. enviou nova comunicação escrita à A., datada de 06/01/2020, mencionando como assunto ” Denúncia do contrato de trabalho”, com o conteúdo que segue:
«Na sequência da n/ comunicação com a referência CA-…/…, datada de 30.12.2019 e de reunião havida, procedeu-se à avaliação de toda a documentação existente relativamente ao / processo individual, tendo-se constatado a existência de informações contraditórias.
Nesta conformidade, o Conselho de Administração do Hospital …, EPE, entende considerar o contrato celebrado em 01.08.2019 convolado em contrato de trabalho por tempo indeterminado, pelo que deve ser dada sem efeito a anterior comunicação.
Porém, mantendo-se a intenção de cessar a relação contratual estabelecida, fica V. Ex.ª expressamente notificada, de que, por deliberação do Conselho de Administração datada de 06.01.2020, se procede à denúncia do referido contrato de trabalho por tempo indeterminado, no período experimental referido na alínea b), do n.º1 do art.º 122.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, com efeitos a 11.01.2020, data a partir da qual deixará de prestar a sua actividade neste estabelecimento”.
II.3 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
A recorrente discorda da sentença por alegado erro de julgamento na aplicação do direito aos factos, em razão do Tribunal a quo não ter concluído pela ilicitude da denúncia do contrato de trabalho, em consequência consubstanciando a cessação do contrato de trabalho por iniciativa da Ré despedimento ilícito
Procurando arrumar a fundamentação da recorrente atendendo às diferentes linhas de argumentação que se retiram das conclusões, ainda que de forma algo prolixa, no essencial, reiterando a posição defendida na petição inicial, alega o seguinte:
- Foi integrada pela C… no “quadro de pessoal efectivo”, em função das “informações profissionais positivas” a seu respeito, posição contratual que foi transmitida ao Réu Hospital …, E. P. E., o qual estava impedido de bulir com esse estatuto jurídico. Todavia, “havia já a Recorrente cumprido o seu período experimental, fixado em 30 dias quando, sem que nada o fizesse prever e sem qualquer comunicação prévia, decidiu a Recorrida sujeitar a Recorrente a um aumento exponencial do período experimental – máxime, para 180 dias – (..) tão só com o intuito de proceder ao terminus do vínculo laboral”.
- Mesmo que se entenda pela possibilidade da extensão do período experimental, o mesmo não poderia ultrapassar os 90 dias, nos termos e para os efeitos do art. 112º nº1 al. a) do C.T.
- Ainda que assim não se entenda, a recorrente, como qualquer outro Homem medianamente diligente colocado na sua posição e perante as mesmas circunstâncias, criou a convicção de que o seu vínculo laboral se manteria indeterminadamente, sem que nada fizesse antever que o mesmo, sem mais, cessaria abruptamente – não lhe foi comunicado estar em curso um período experimental de 180 dias, muito menos alegadas as circunstâncias que o justificassem – pelo que “a Recorrida atuou em manifesto venire contra factum proprium, pois pese embora num primeiro momento tenha atuado em sentido de criar junto da Recorrente a convicção de que a relação juslaboral que as unia se achava saudável e permanente firmada, posteriormente, e sem que nada o fizesse antever, não se coartou a mesma de subitamente romper o aludido vínculo, invocando um período experimental que parece ter fixado unilateralmente e isento de qualquer razão plausível para a sua duração”.
O tribunal a quo, após enunciar os princípios legais que regem sobre o período experimental, pronunciou-se sobre aquelas questões, no que se refere á primeira, fazendo-o nos termos seguintes:
«[..]
Nos termos do disposto no artº 114º nº 1 do CT, qualquer das partes pode, no período experimental, denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização.
Da conjugação destas duas normas retira-se que os prazos previstos no artigo 112º do CT configuram prazos imperativos quanto à sua duração máxima, não podendo ser prorrogados (neste sentido, cfr. Acórdão do TRPorto de 09/09/2019, proc. 19084/18.9T8PRT.P1, disp. in www.dgsi.pt).
E estamos perante prazos distintos consoante a natureza do vínculo (prazo) em virtude das diferentes consequências legais nos vários tipos de contrato.
No caso em apreço, resultou demonstrado que a A. celebrou com a C…, S.A., um contrato de trabalho a termo certo a 01/08/2019, no qual ficou acordado que a mesma exercia as funções de Técnica Superior mediante o pagamento de retribuição mensal no valor de € 850,00, nos termos constantes de fls. 11 a 17 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas, sendo que por força do estipulado na sua cláusula 5.1, o contrato teve início em 01/08/2019 e teria termo em 31/01/2020, ou seja, um prazo total inicial de 5 meses.
De acordo com o teor da cláusula 5.2, o período experimental estipulado foi de 30 dias.
No entanto, e como resulta do disposto no artigo 112º nº 2 alínea b) do CT, o período experimental é de 15 dias em caso de contrato a termo certo com duração inferior a seis meses, o que sucede na situação em apreço, pelo que só se pode concluir que o prazo imperativo de período experimental máximo legalmente previsto, e que não podia ser prorrogado pelas partes, era de 15 dias.
Sucede que, em 23/08/2019 a então entidade empregadora comunicou à A. a convolação do contrato em contrato de trabalho sem termo, ou seja, a sua integração no quadro de pessoal efectivo, através da entrega da carta identificada em F) dos factos provados.
Como se verificou supra, no caso dos contratos de trabalho sem termo, o prazo máximo de período experimental varia consoante o tipo de funções (cfr. artigo 112º nº 1 alínea b, do CT), sendo em qualquer caso superior ao previsto para os contratos de trabalho a termo.
A primeira questão que se coloca é se a convolação do contrato de trabalho da A. determinou a alteração do prazo de período experimental para os termos previstos para os contratos de trabalho sem termo e que, no que aqui interessa, poderá ser de 90 dias, se se considerar que a A. exerce funções que se enquadram na média da generalidade dos trabalhadores; ou de 180 dias no caso de se entender que a A. era uma trabalhadora que exercia um cargo de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressupunha uma especial qualificação.
É entendimento do Tribunal que, face aos motivos subjacentes à existência de um período experimental, a convolação do contrato de trabalho implica a automática alteração do prazo de período experimental para o legalmente previsto para o contrato de trabalho sem termo, devendo, no entanto, o início de tal prazo ser contado desde o início do contrato convolado.
Com efeito, como foi decidido no Acórdão do TRPorto de 03/06/2019, proc. 2558/18.9T8PRT.P1, disp. in www.dgsi.pt, supra citado, «As razões que estão subjacentes à fixação de um período experimental e, para além disso, ao estabelecimento de períodos experimentais com duração distinta atendendo à natureza do vínculo – por tempo indeterminado ou a termo certo -, justificam que em caso de conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado concomitantemente passe a ser também aplicável o período experimental estabelecido na lei para essa situação concreta. Com efeito, como observa Monteiro Fernandes, «A necessidade dessa experiência (ou “período de prova”) existe sobretudo nos contratos de duração indeterminada. Se há prazo estipulado, é de presumir que a força de trabalho se destine a um objecto concreto e delimitado, em relação ao qual é mais fácil estabelecer previamente a adequação entre o homem e a função” [Op. cit. p. 339]. Por conseguinte, nesses casos, passando a vigorar um período experimental de maior duração, haverá que levar em conta o tempo (dias) de trabalho já executado, visto contar a partir do início da prestação do trabalhador».
Considera-se, assim, que ao caso concreto, deve ser aplicado um dos prazos de período experimental previstos no nº 1 do artigo 112º do CT.
Por outro lado, refira-se que nos presentes autos não ficou demonstrado que entre as partes tenha existido qualquer acordo escrito entre as partes para a redução do prazo legalmente previsto, como exigido pelo nº 5 do artigo 112º do CT para que o mesmo seja válido.
No que se refere ao prazo concretamente aplicável, alega a A. que as funções que exercia não revestiam qualquer complexidade e que deve ser considerado o prazo de 90 dias previsto na alínea a) da citada norma legal. Vejamos.
De acordo com os factos dados como provados, a A. foi contratada para exercer as funções de técnica superior, em conformidade com o exigido de S) a U) dos factos provados, para exercer as funções identificadas em S) na área da despesa.
Os técnicos a contratar nos termos indicados de SS) a U) dos factos provados, de entre as quais a A., teriam por missão elaborar os processos e contabilidade sob a sua responsabilidade com o objetivo de assegurar lançamentos contabilísticos em tempo útil.”, tendo para tanto as seguintes responsabilidades (funções): elaborar os processos de controlo e conferência de contas de fornecedores da sua responsabilidade e assegurar lançamentos contabilísticos em tempo útil; realizar a gestão de contas de fornecedores e conferência de facturas; efetuar a classificação de documentos; realizar lançamentos contabilísticos; efectuar reconciliações bancárias; assegurar o cumprimento de obrigações fiscais; garantir o processo de gestão de dados de fornecedores e respetivas facturas, acedendo a dados de colaboradores e/ou clientes.
Dado o elevado grau de complexidade e responsabilidade das funções a exercer foram estabelecidos alguns requisitos mínimos: licenciatura em Contabilidade/Fiscalidade/Gestão/Finanças (ou equiparável); experiência profissional mínima de 1 ano; experiência em SICC será valorizada; bom nível de conhecimento de ferramentas informáticas na óptica do utilizador (Excel), pretendendo-se que as pessoas a contratar tivessem como competências: capacidade de análise e espírito crítico; organização; relacionamento inter-pessoal; sentido de responsabilidade, pró-activo e dinâmico; sensibilidade para termos e demonstrações financeiras.
Para avaliação da complexidade técnica das funções da A. deve recorrer-se à Lei nº 35/2014, de 20/06, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (doravante LGTFP), a qual estabelece, quanto às carreiras, no seu artigo 86º nº 1, em termos de graus de complexidade funcional, que “Em função do nível habilitacional exigido, em regra, em cada carreira, estas classificam-se nos seguintes graus de complexidade funcional: a) Grau 1, quando se exija a titularidade de escolaridade obrigatória, ainda que acrescida de formação profissional adequada; b) Grau 2, quando se exija a titularidade do 12.º ano de escolaridade ou de curso que lhe seja equiparado; c) Grau 3, quando se exija a titularidade de licenciatura ou de grau académico superior a esta”.
No caso em apreço, verifica-se que para as funções para as quais a A. foi contratada era exigida licenciatura em Contabilidade/Fiscalidade/Gestão/Finanças, pelo que, por este parâmetro, o cargo da A. enquanto técnica superior enquadra-se no grau de complexidade funcional máximo.
Por outro lado, e como resulta do disposto nos artigos 69º, 72º nº 2 e 76º da Lei de Enquadramento Orçamental, aprovada pela Lei nº 151/2015, de 11/09, com as alterações introduzidas pela Lei nº 37/2018, de 07/08, as funções afectas aos técnicos superiores da área de despesa, para as quais a A. foi contratada, podem originar responsabilidade disciplinar, financeira, civil, criminal e contra-ordenacional pelos actos e omissões de que resulte violação das normas de execução orçamental.
Refira-se ainda que, não obstante se deva considerar a remuneração para efeitos de enquadramento do cargo em sede de prazo de período experimental, e de a retribuição paga à A. não ser elevada, certo é que também não se pode descurar o facto de tais valores se encontrarem legalmente estipulados para os trabalhadores em funções públicas, pelo que se considera que tal elemento não assume particular relevância para este efeito. Sendo certo que, como resultou da prova produzida, existe uma efectiva diferença entre a retribuição de um técnico superior e a de um assistente administrativo, que aufere um valor inferior àquele.
Estamos, assim, perante um cargo para o qual foi exigida licenciatura, pelo que pressupõe uma especial qualificação, que assume complexidade técnica, face à necessidade de conhecimentos contabilísticos, fiscais e de orçamentação pública (complexidade essa que se evidencia pelo demonstrado quanto às dificuldades sentidas pela A. para o exercício das suas funções e que não se pode aferir apenas pelo lançamento de facturas, já que o cargo para o qual a A. foi contratada exigia o exercício de várias outras funções) e elevado grau de responsabilidade.
Não se pode, sequer, afirmar que na prática a A. não exercia as funções para as quais foi contratada e, como tal, não podem as mesmas ser consideradas para o presente efeito, sob pena de se verificar uma situação de abuso de direito. E isto porque, como ficou demonstrado, a A. deixou de exercer a maior parte das funções por incapacidade sua para o efeito, tendo-lhe sido atribuídas funções menos complexas como modo da mesma se adaptar e depois retomar as suas, o que nunca se verificou ser possível, como resulta do demonstrado sob os pontos CC) a HH) dos factos provados.
Considera, assim, o Tribunal que ao caso concreto deve ser aplicável o prazo de período experimental de 180 dias, previsto no artigo 112º nº 1 alínea b) do CT, uma vez que o grau de responsabilidade, complexidade e qualificação exigidos são acima da média, o que determina que, iniciando-se o prazo em 01/08/2019, o mesmo terminaria em 01/02/2020.
Alega no entanto a A. a existência de abuso de direito por parte da R., invocando para o efeito que se verificou a denúncia do contrato no período experimental por causas estranhas à relação de trabalho ou para disfarçar uma motivação ilícita, nomeadamente com intuito discriminatório, por motivos arbitrários, uma vez que a entidade empregadora decidiu logo no mês inicial do contrato, pela sua conversão, devido às informações profissionais positivas transmitidas, o que demonstra que aquela conhecia as características da A. e estava satisfeita com a sua performance, além de todos os feedbacks dados à A. sobre o seu trabalho serem positivos.
Por força do disposto no artigo 342º do CCivil, cabe à A. demonstrar os pressupostos de tal instituto.
Conforme estabelecido no artigo 334º do CCivil, há abuso de direito sempre que o seu titular o exerce com manifesto excesso dos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social deste direito.
Entendendo-se a boa-fé como norma de conduta, significa que as pessoas devem comportar-se, no exercício dos seus direitos e deveres, com honestidade, correcção e lealdade, de modo a não defraudar a legítima confiança ou expectativa dos outros.
O abuso de direito abrange o exercício de qualquer direito de uma forma anormal quanto à sua intensidade ou execução de modo a poder comprometer o gozo de direito de terceiros e a criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito, por parte do seu titular, e as consequências que outros têm de suportar. (cfr. Ac. do STJ de 13/03/9191, in AD nº 361, pág. 135).
[..]
No que se refere ao período experimental nos contratos de trabalho, decidiu o STJ, em Acórdão datado de 26/09/2012, proc. 889/03.1TTLSB.L1.S1, disp. in www.dgsi.pt, que se acompanha, que “Durante o período experimental qualquer das partes pode rescindir o contrato sem aviso prévio e sem necessidade de invocação de justa causa, nem direito a indemnização (art. 55.º, n.º 1 da LCCT), mas esta ampla liberdade do empregador denunciar o contrato não pode redundar em práticas discriminatórias: assim se o mesmo se “aproveita” do período experimental para se desvincular de um trabalhador, devido às suas convicções ideológicas ou religiosas, orientação sexual ou filiação sindical — aí teremos práticas abusivas e discriminatórias, sindicáveis judicialmente através da figura do abuso de direito (muito embora a prova da real motivação do empregador constitua, em muitos desses casos, uma dificuldade insuperável, uma vez que não existe obrigação de revelar a motivação que esteve subjacente a essa denúncia). Impõe-se, assim, na apreciação desta questão ter bem presentes os motivos que estão subjacentes ao período experimental e verificar se a rescisão dos contratos dos recorrentes, no decurso desse período, se ficou a dever ou não à falta de algum desses motivos. Apesar do período experimental se revelar de extrema importância para que as partes se conheçam mutuamente, é necessário atender ao facto de também interessar a mútua percepção, quanto ao modo como se vai executar o contrato no seio da empresa onde o trabalhador vai desempenhar as funções para que foi contratado. Daí que se afirme que o período experimental é um período de quarentena contratual destinado a possibilitar uma avaliação das condições de execução do contrato por forma a que cada um dos contraentes julgue da conveniência de continuarem ou não uma relação de trabalho estável. O empregador certifica-se, no decurso desse período, se o trabalhador possui as aptidões laborais requeridas para o cabal desempenho das funções ajustadas na sua empresa; o trabalhador certifica-se de que as condições (humanas, logísticas, ambientais, etc.) de realização da sua actividade profissional são as esperadas. Não obstante a fase de negociação do contrato poder já dar uma antevisão do desenvolvimento futuro do vínculo, só com a execução do trabalho podem, efectivamente, as partes aferir do seu interesse na manutenção de um negócio que, ainda por cima, se prevê continuado no tempo. Daí que só com a prestação efectiva da actividade laboral é que o empregador pode avaliar as qualidades e aptidões do trabalhador para a função, e da mesma forma, só com a sua integração na organização do empregador (ou seja, verificado o elemento de inserção organizacional do contrato) é que o trabalhador pode confrontar as suas expectativas em relação a essa organização, e, por consequência, confirmar o seu interesse na manutenção do vínculo”.
No caso concreto, fundamenta a A. a alegação do abuso de direito por parte da R. com base na carta identificada em F) e L) dos factos provados, ou seja, datada de 19/07/2019 e entregue à A. em 23/08/2019, através da qual a então entidade empregadora C… convola o contrato de trabalho a termo em contrato sem termo, fazendo constar da mesma que foram ponderadas as informações profissionais positivas transmitidas a respeito da A..
No entanto, não logrou a A. provar que tal conversão ocorreu porque a entidade empregadora conhecia perfeitamente as características da A. e estava satisfeita com a sua performance, sendo certo que, como foi já referido em sede de fundamentação de facto, tal carta apresenta uma data anterior ao início do contrato e foi entregue na mesma data a vários trabalhadores que haviam sido contratados a termo, o que evidencia que se tratou de uma decisão tomada em relação a vários trabalhadores e, mesmo em face da data constante da carta, revela pouco rigor na sua elaboração. A isto acresce o facto de, como resultou da prova testemunhal produzida, a estrutura do departamento financeiro ter sido criada na transição da C… para a R. e a A. contratada em Agosto para a 01 de Setembro de 2019 terem tal equipa para trabalhar, o que evidencia que as efectivas funções da A. se iniciariam em Setembro, tendo o mês anterior para formação e preparação de conhecimentos, incluindo um estágio de uma semana no Hospital de S. João. Ao que acresce o facto de o primeiro fecho de contas ter ocorrido na data identificada no email de fls. 22 dos autos, que, como aí se refere, corresponde ao reporte de Setembro de 2019, primeiro mês de exercício de funções da R. e, como tal, primeiro mês de efectivo trabalho prestado pela A. nas funções para as quais foi contratada, pelo que nem à data constante da carta aqui em causa nem à data da sua entrega à A., em 23/08, poderia a entidade empregadora ter certezas quanto às suas aptidões laborais, factos estes que a A. não poderia desconhecer.
Por outro lado, e como resulta do teor de tal documento, a carta é totalmente omissa quanto à questão do período experimental, pelo que objectivamente não se pode referir que esta convolação para contrato de trabalho sem termo teve por objectivo ou efeito a redução ou eliminação do período experimental legalmente estipulado, até porque, ainda que assim tivesse ocorrido, sempre seria o mesmo inválido por não constar de acordo escrito entre A. e R.. Sendo certo ainda que não era exigível à R. comunicar à A. a alteração do período experimental nem a falta de tal comunicação revela qualquer abuso por parte da daquela, não se tendo demonstrado que o recebimento desta carta tivesse criado na A. uma situação de confiança justificada de que deixava de existir um período experimental. Da mesma forma que a celebração de um contrato de trabalho por tempo indeterminado não determina a inexistência de um período experimental.
A A. pretendia ainda demonstrar que a denúncia do contrato no período experimental ocorreu por causas estranhas à relação de trabalho ou para disfarçar uma motivação ilícita, nomeadamente com intuito discriminatório, por motivos arbitrários, sem que o tenha logrado fazer.
No entanto, o que se demonstrou foi que (cfr. pontos BB a II dos factos provados):
- A A., ao longo do período em que vinha a prestar funções para a R., não estava a corresponder ao que lhe era exigível e expectável enquanto Técnica Superior na área da Despesa;
- As funções que deveriam ser exercidas, e não eram, pela A., nomeadamente a validação e análise crítica de informação a integrar no sistema contabilístico, tiveram que ser distribuídas a outros trabalhadores, sob pena de a R. se ver impossibilitada de reportar a informação económica/financeira à respectiva tutela no âmbito dos deveres de informação, fazendo-a incorrer em atrasos e faltas passíveis de ser sancionada em termos de financiamento;
- A A. foi também evidenciando sérias dificuldades em relacionar-se com os outros elementos da sua equipa de trabalho;
- A A. foi alertada para o seu fraco desempenho, tendo-lhe sido, até, atribuídas tarefas menos complexas com vista à adequação/ajustamento do exigido à sua experiência e foram-lhe apresentadas sugestões sobre a sua atitude perante os restantes elementos da equipa, no que concerne ao espírito de equipa, respeito e responsabilidade;
- Apesar de alertada para estes constrangimentos, a A. não alterou o seu comportamento perante os colegas (sendo que é sabido que numa relação laboral, para além das qualificações profissionais, é também necessário comprovar a capacidade de trabalho em equipa e com um conjunto de pessoas que interagem diariamente com cada trabalhador);
- Nem desempenhou as tarefas de modo satisfatório, ainda que menos complexas do que seria exigível e expectável a alguém detentor da categoria de Técnica Superior.
Ficou ainda demonstrado que, contrariamente ao alegado pela A. quanto a feedbacks positivos ou elogios do seu trabalho (que não logrou provar), as informações profissionais relativas à A. foram sendo sucessivamente negativas.
Também não provou a A. que acreditava que a R. tinha abdicado do período experimental em função da comunicação identificada em F) dos factos provados ou que esta a fez crer que o seu trabalho estava a ser bem desenvolvido e estava satisfeita com a sua prestação, tranquilizando-a quanto à estabilidade do contrato celebrado.
Por último, a comunicação da convolação do contrato em Agosto de 2019 e as comunicações de caducidade e depois de denúncia do mesmo, em Dezembro de 2019 e Janeiro de 2020, respectivamente, não evidenciam que a R. teve o intuito de prejudicar a A. ou que a sua intenção sempre tivesse sido de a desvincular. Com efeito, apenas decorridos 4 meses da convolação do contrato é que a R. tomou a decisão de cessar o contrato, o que demonstra ponderação e maturidade numa decisão difícil, evidenciada pelas oportunidades que foram dadas à A. para exercer as funções para as quais foi contratada, e evidencia que efectivamente foi tentada a manutenção do vínculo laboral.
Conclui-se, assim, pela inexistência de qualquer abuso de direito por parte da R..
[..]».
II.3.1 Começaremos por deixar as notas essenciais com relevância para o caso sobre o período experimental, para tanto socorrendo-nos do Acórdão desta Relação de 03/06/2019 [proc. 2558/18.9T8PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt], citado na sentença recorrida, devendo assinalar-se que o mesmo foi relatado pelo aqui relator e nele intervieram os mesmos excelentíssimos adjuntos.
A noção de período experimental consta do art.º 111.º do CT/09, dispondo o n.º1, que “(..) corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção”.
Dispõe logo de seguida o n.º2, mesmo artigo que “no decurso do período experimental, as partes devem agir de modo que possam apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho”, colocando a ênfase na realização dos objectivos que estão subjacentes àquela fase do contrato.
O período experimental corresponde à primeira fase das relações entre o trabalhador e a entidade empregadora, e “tem como razão de ser a necessidade de dar a conhecer vividamente às partes, através do funcionamento das relações contratuais, as aptidões do trabalhador e as condições de experiência – isto é, se as partes não se satisfizerem com a execução do contrato durante essa fase preliminar – permite-se uma desvinculação praticamente sem restrições” [Bernardo da Gama Lobo Xavier, Iniciação ao Direito do Trabalho, 2.ª edição, verbo, Lisboa, 1999, p. 249/250].
Em sentido convergente, mas com maior detalhe, observa António Monteiro Fernandes [Direito do Trabalho, 14ª Edição, Almedina, Coimbra, p. 339] o seguinte: “O carácter duradouro da relação de trabalho põe em movimento relevantes interesses das partes. Do ponto de vista do empregador, interessa que a situação resultante do contrato só se estabilize se, na verdade, o trabalhador contratado mostrar que possui as aptidões laborais procuradas; do ângulo do trabalhador, pode ser que as condições concretas do trabalho, na organização em que se incorporou, tornem tolerável a permanência indefinida do vínculo assumido. Quanto a ambas as partes, só o desenvolvimento factual da relação de trabalho pode esclarecer com alguma nitidez, a compatibilidade do contrato com os respectivos interesses, conveniências ou necessidades.”
Durante o período experimental, salvo acordo escrito em contrário, qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização (art.º 114.º/1, CT/09). Apenas se impõe que haja um aviso prévio de sete dias ou de 15 dias, consoante o contrato tenha durado, respectivamente, mais de 60 ou 120 dias (n.ºs 3 e 4, do mesmo artigo).
No que concerne ao tempo de duração do período experimental rege o art.º 112.º, estabelecendo períodos com duração diferente, atendendo à natureza do vínculo – por tempo indeterminado ou a termo certo -, à complexidade das funções – técnica, elevado grau de responsabilidade, que pressuponham especial qualificação - ou de confiança – cargos de direcção ou superior.
Em entendimento que subscrevemos, observa Monteiro Fernandes que a necessidade de período experimental existe sobretudo nos contratos de duração indeterminada, justificando essa posição nos termos seguintes:
Se há prazo estipulado, é de presumir que a fora de trabalho se destine a um objectivo concreto e delimitado, em relação ao qual é mais fácil estabelecer previamente a adequação entre o homem e a função; por outro lado, a própria circunstância ter vida limitada, quer dizer, durabilidade restrita, torna menos graves os eventuais desajustamentos que se venham a manifestar” [Op. cit., p. 339/340].
Como regra para generalidade dos trabalhadores, no contrato de trabalho por tempo indeterminado, o período experimental tem a duração de 90 dias [112.º/1/al a)].
No contrato a termo certo, a duração do período experimental é menor, variando ainda consoante a duração do vínculo, sendo 30 dias quando aquela seja igual ou superior a seis meses e de 15 dias quando inferior a seis meses ou em caso de contrato a termo incerto cuja duração previsível não ultrapasse aquele limite [art.º 112.º/ 2/ alíneas a) e b)].
No que aqui releva, importa ainda assinalar que a duração do período experimental pode ser reduzida por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por acordo escrito entre partes [art.º 112.º/5].
Deste regime retira-se, no essencial, que na falta de acordo escrito das partes em sentido contrário, isto é, excluindo o período experimental, qualquer delas pode denunciar o contrato, durante este período, «sem aviso prévio e invocação de justa causa», nem direito a indemnização.
Como elucida o Acórdão do STJ de 09 de Setembro de 2015, “Justa causa para este efeito é qualquer facto que motive e legitime a denúncia do contrato. O denunciante não carece, deste modo, de invocar quaisquer razões que na sua óptica possam justificar a denúncia” [processo nº 499/12.2TTVCT.G1.S1, Conselheiro António Leones Dantas], prosseguindo depois com a elucidativa fundamentação que segue:
-«(..)
2.1 - O direito a pôr termo à relação de trabalho decorre da própria existência do contrato e da fase inicial em que a execução do mesmo se encontra e não de quaisquer factos imputáveis à parte contrária que possam constituir fundamento do direito de denúncia.
Neste contexto, a denúncia do contrato resulta da avaliação que a parte denunciante faça do preenchimento dos objetivos subjacentes à contratação, à luz da experiência de execução do contrato.
No caso do empregador, para além das tarefas que funcionalmente foram atribuídas ao trabalhador, serão ponderados o enquadramento daquele na estrutura produtiva, na multiplicidade de aspetos que a caracteriza.
Tais objetivos não esgotam as funções do período experimental, sendo que outros, com relevo na caracterização do programa subjacente à contratação do trabalhador, poderão estar presentes nesta avaliação e na decisão de estabilizar ou não a relação de trabalho.
A denúncia, tal como acima se referiu, não carece de ser motivada na invocação de qualquer justa causa, pelo que o denunciante tem o “direito ao silêncio” sobre os motivos subjacentes à sua decisão de denunciar.
Esta situação obsta a que se introduzam pressupostos específicos ao direito de denunciar, limitando o seu âmbito, nomeadamente através da afirmação de que a licitude do respetivo exercício está condicionada aos resultados da avaliação que as partes façam do desempenho profissional do trabalhador.
Contudo, tratando-se de um direito cujo exercício não carece da demonstração de um fundamento específico, a denúncia do contrato de trabalho neste período tem motivado uma particular reflexão da Doutrina no sentido de encontrar resposta para os abusos no exercício daquele direito, no fundo para a denúncia fora «dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
3 – PEDRO ROMANO MARTINEZ refere que «a liberdade de desvinculação está relacionada com a razão de ser do período experimental, daí que poderá não ser lícita a denúncia motivada por causas estranhas ao contrato de trabalho. Assim, estar-se-á perante uma hipótese de abuso do direito, se, por exemplo, o empregador denunciar o contrato durante o período experimental pelo facto de a trabalhadora ter, entretanto, engravidado»[7].
No mesmo plano de preocupações se encontra MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, quando afirma que «evidentemente, caberá assegurar que o direito de pôr fim ao contrato ao abrigo do período experimental não é exercido em moldes abusivos, nos termos acima indicados, ou seja para disfarçar uma motivação ilícita para a cessação do contrato ou com um intuito sancionatório sobre o trabalhador. Em suma, impõe-se o exercício do direito dentro dos limites da boa fé».[8]
No mesmo sentido se pronuncia MONTEIRO FERNANDES afirmando que «ora estas limitações à liberdade de desvinculação não valem no período experimental: nos termos do art. 114.º do CT, durante aquele período é livre a rutura do contrato – a lei adota a presunção de que a cessação do contrato é determinada por inaptição do trabalhador ou por inconveniência das condições de trabalho oferecidas pela empresa. No entanto não pode excluir-se a hipótese de abuso de direito», e prossegue este autor afirmando que «um despedimento realizado nesse período pode ser discriminatório, fundado em motivos ideológicos, ou em razões estranhas às relações de trabalho, ou simplesmente arbitrário - e, sendo assim, não poderá considerar-se coberto pela “franquia” do artigo 114.º (…)»[9].
Ainda na busca de resposta às mesmas preocupações, TATIANA GUERRA DE ALMEIDA, refere que «salientando uma vez mais a circunstância de tal modelo se achar fundamentado numa lógica específica, que procura atender ao que poderíamos chamar margem de risco contratual inerente ao reconhecimento e tutela de interesse experimental na contratação laboral – será porventura mais evidente a natureza de instrumento jurídico adequado à reação contra atuações que, sobrelevando os limites de tal permissão para o exercício de faculdades extintivas, consubstanciam manifestações disfuncionais do instituto. Assim, a consideração de tais hipóteses deverá situar-se, justamente, no âmbito do abuso de direito, considerando-as, consequentemente, como hipóteses de denúncia abusiva e sujeitando-as desse modo ao regime que decorrerá dessa qualificação»[10]».
II.3.2 O Tribunal a quo atendendo aos fundamentos invocados pela autora identificou como primeira questão a decidir, a de saber “se a convolação do contrato de trabalho da A. determinou a alteração do prazo de período experimental para os termos previstos para os contratos de trabalho sem termo”, vindo a afirmar o entendimento de que “face aos motivos subjacentes à existência de um período experimental, a convolação do contrato de trabalho implica a automática alteração do prazo de período experimental para o legalmente previsto para o contrato de trabalho sem termo, devendo, no entanto, o início de tal prazo ser contado desde o início do contrato convolado”.
Em abono dessa posição invoca o já referido acórdão desta Relação, de 03/06/2019, proc. 2558/18.9T8PRT.P1 [relatado pelo aqui relator e com intervenção do mesmo colectivo], citando da sua fundamentação o extracto seguinte:
As razões que estão subjacentes à fixação de um período experimental e, para além disso, ao estabelecimento de períodos experimentais com duração distinta atendendo à natureza do vínculo – por tempo indeterminado ou a termo certo -, justificam que em caso de conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado concomitantemente passe a ser também aplicável o período experimental estabelecido na lei para essa situação concreta. Com efeito, como observa Monteiro Fernandes, «A necessidade dessa experiência (ou “período de prova”) existe sobretudo nos contratos de duração indeterminada. Se há prazo estipulado, é de presumir que a força de trabalho se destine a um objecto concreto e delimitado, em relação ao qual é mais fácil estabelecer previamente a adequação entre o homem e a função” [Op. cit. p. 339].
Importa começar por assinalar que a situação em apreço naquele aresto não é similar à que aqui se discute. Os factos essenciais são bem distintos num caso e noutro, sendo que ali estava em causa um contrato celebrado a termo, mas sem indicação válida do motivo justificativo, logo, devendo considerar-se sem termo [art.ºs 141.º n. 1 al. e) e n.º3, e 147.º n.º 1 al. c), do CT], situação que, como referido no acórdão, após ser sinalizada pelo ACT em acção inspectiva, foi reconhecida pela entidade empregadora, “[..] assumindo [o gerente] o erro e, consequentemente, optando por considerar o contrato por tempo indeterminado. Decisão que comunicou ao autor, dizendo-lhe «que havia um equívoco no seu contrato e como tal passava a considerar-se “efectivo” [facto 13-A], isto é, usando a expressão da gíria comum para designar um contrato de trabalho por tempo indeterminado».
Vale isto por dizer, como adiante se verá, que a invocação daquele aresto para sustentar a decisão quanto a este ponto fulcral surge descontextualizada.
No caso, os factos relevantes para a apreciação da questão de saber se era possível ao R. assumir estar a autora sujeita a período experimental, ademais de 180 dias, que é a questão fulcral, elencados em sequência cronológica, são os seguintes:
A) A A. celebrou com a C…, S.A., um contrato de trabalho a termo certo a 01/08/2019, no qual ficou acordado que a mesma exercia as funções de Técnica Superior (…).
B) Na cláusula 5.2 do contrato referido no facto A), consta “O período experimental é de 30 dias e começa a contar-se do início da execução da prestação da segunda outorgante, ou seja a partir do referido dia 01 de agosto de 2019”.
C) A A. iniciou as suas funções nas instalações da Ré no dia 01/08/2019;
F) A C… procedeu à entrega à A. de uma carta datada de 19/07/2019, junta a fls. 18 dos autos, da qual consta o que “Em face das informações profissionais positivas transmitidas a respeito de Vª. Exª., foi a situação ponderada tendo a Administração da C… decidido integrá-lo(a) no quadro de pessoal efetivo a partir de 19 de Julho de 2019.
Aproveitamos para informar que, nos termos do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro, a antiguidade como colaborador(a) desta empresa será contada, para todos os efeitos, desde o início do primeiro contrato a termo celebrado com V. Ex.a.
Manter-se-ão o mesmo vencimento e as mesmas funções”.
L) A carta identificada em F) foi entregue à A. em 23/08/2019;
J) A A. aceitou a convolação do contrato de trabalho;
D) A 01/09/2019, a C… transmitiu o estabelecimento para a ora R., nos termos e para efeitos do disposto no artigo 3º nº 1 do Decreto-Lei nº 75/2019, de 30/05, sucedendo a R. na universalidade de bens, direitos e obrigações, nomeadamente no que diz respeito aos trabalhadores;
E) Desde o dia 01/09/2019 que a A. passou a ter como entidade empregadora a aqui R.;
G) No dia 30/12/2019 a A. recebeu uma comunicação escrita por parte da R., em que a mesma lhe comunicava a caducidade do contrato de trabalho a termo resolutivo certo, com referência ao período do aviso prévio, (…).
H) A A. questionou a R. relativamente à modalidade do seu vínculo contratual, atendendo à missiva que havia recebido sobre a sua integração nos “quadros” da empresa e da conversão do seu contrato de trabalho;
X) Após o referido em H), a R. analisou mais detalhadamente todos os elementos constantes do processo individual da A., constatando então a existência de informações contraditórias quanto à modalidade do contrato de trabalho desta;
Y) Do processo individual da A. constava a comunicação da “C…, S.A.” identificada em F);
I) A R. enviou nova comunicação escrita à A., datada de 06/01/2020, mencionando como assunto “Denúncia do contrato de trabalho”, com o conteúdo que segue:
«Na sequência da n/ comunicação com a referência CA-…/…, datada de 30.12.2019 e de reunião havida, procedeu-se à avaliação de toda a documentação existente relativamente ao / processo individual, tendo-se constatado a existência de informações contraditórias.
Nesta conformidade, o Conselho de Administração do Hospital …, EPE, entende considerar o contrato celebrado em 01.08.2019 convolado em contrato de trabalho por tempo indeterminado, pelo que deve ser dada sem efeito a anterior comunicação.
Porém, mantendo-se a intenção de cessar a relação contratual estabelecida, fica V. Ex.ª expressamente notificada, de que, por deliberação do Conselho de Administração datada de 06.01.2020, se procede à denúncia do referido contrato de trabalho por tempo indeterminado, no período experimental referido na alínea b), do n.º1 do art.º 122.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, com efeitos a 11.01.2020, data a partir da qual deixará de prestar a sua actividade neste estabelecimento”.
M) Nada foi comunicado à A. quanto à alteração do período experimental para 180 dias nem esta deu o seu aval sobre tais alterações;
N) A R. nunca justificou nem demonstrou à A. que as suas funções eram revestidas de complexidade técnica que justificassem um período experimental de 180 dias;
Como se retira destes factos, mormente do sob a alínea F), não esteve de todo subjacente à decisão da entidade empregadora o propósito de reconhecer e sanar qualquer invalidade do contrato de trabalho a termo.
Acontece é que a Administração da C…, a então entidade empregadora entendeu, conforme comunicou à A, “integrá-la no quadro de pessoal efectivo a partir de 19 de Julho de 2019”, justificando essa decisão “Em face das informações profissionais positivas transmitidas a respeito de Vª. Exª.”. Poderá causar perplexidade que essa decisão surja numa fase ainda inicial da relação laboral e, também, por a A. ter sido contratada a termo certo na perspectiva de ser transmitida à agora Ré [cfr. factos R a W] – mas para a apreciação que cabe fazer é indiferente se foi acertada ou, mesmo, oportuna, desde logo, pelo facto do Réu não a ter posto em causa em qualquer momento da relação laboral e, inclusive, na acção, designadamente perante aquela.
Essa decisão foi comunicada à autora através de documento escrito, tendo-lhe sido entregue a carta com esse conteúdo em 23/08/2019 [factos F e L].
A comunicação em causa consubstancia uma declaração negocial, como tal na indagação do seu sentido devendo ser observada a disciplina contida no artigo 236.º/1 do Código Civil, que consagra, de forma mitigada, o princípio da impressão do destinatário, ao estabelecer que “o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante”.
Atento o texto da comunicação, dele resulta a expressão inequívoca de uma declaração de vontade da Administração da C… com o propósito de introduzir uma alteração substancial ao contrato de trabalho a termo que fora celebrado, integrando a autora “no quadro de pessoal efectivo a partir de 19 de Julho de 2019”, o que deve ser entendido com o sentido daquela passar a ter um vínculo laboral por tempo indeterminado, com a antiguidade reportada ao início “do primeiro contrato a termo celebrado”, mantendo-se “o mesmo vencimento e as funções” contratadas.
Mas para além disso, havendo que atender a toda a declaração, e não só a parte dela, resulta igualmente que a entidade empregadora está a abdicar da continuação da sujeição da autora ao período experimental, bastando-se com o tempo de execução do contrato já cumprido nessa condição, isto é, entendeu que a trabalhadora revelou possuir as aptidões profissionais necessárias para satisfazer as exigências da função para que foi contratada ao abrigo de um vínculo contratual por tempo indeterminado. Essa interpretação é forçosa dada a assertividade e clareza da comunicação, expressando a decisão de “integrá-la no quadro de pessoal efectivo a partir de 19 de Julho de 2019”, expressamente justificada “Em face das informações profissionais positivas transmitidas a respeito de Vª. Exª”.
Dito de outro modo, atento o sentido dessa declaração deve considerar-se que a Administração da C… entendeu como suficiente para apreciar o seu interesse na manutenção do contrato de trabalho da autora – sem ficar sujeito a termo resolutivo daí em diante – dando por findo o período experimental, o tempo que decorreu desde o início da prestação da actividade por aquela até ao momento da ponderação efectuada “face [às] informações profissionais positivas transmitidas”.
A declaração, sublinha-se, comunicada por escrito, chegou ao conhecimento da recorrente autora em 23/08/2019, nada tendo esta oposto à modificação do contrato nos termos que lhe foram propostos na comunicação escrita que lhe foi dirigida pela Administração da C…, acrescendo que manteve a prestação da sua actividade após ter sido transmitida para o Réu e até este ter feito cessar o contrato de trabalho.
Entende-se, pois, estar-se perante uma declaração de aceitação tácita da autora relativamente à modificação contratual, em toda a abrangência da proposta pela Administração da C… na aludida comunicação escrita (art.º 217.º do CC). De resto, consta provada a aceitação da autora (facto J).
Essa modificação ao contrato de trabalho circunscreve-se no âmbito do princípio da liberdade contratual (art.º 405.º do CC), não se perfilando qualquer impedimento legal à alteração de contrato a termo resolutivo para contrato sem termo, ou seja, por tempo indeterminado, inclusive no que respeita à forma de celebração. Quanto a este último aspecto, como se sabe, em regra “ [O] contrato de trabalho não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei determina o contrário” (art.º 110.º CT). A imposição de forma escrita está estabelecida para os casos de celebração de contrato a termo (art.º 141/1), de contrato a tempo parcial (art.º 153/1), de contrato de trabalho intermitente (art.º 158.º/1), de contrato para prestação subordinada de teletrabalho (166.º/5) e de contrato de utilização de trabalho temporário (art.º 177.º 1), não se enquadrando o caso presente em qualquer deles.
O mesmo raciocínio aplica-se à questão do período experimental, isto é, à declaração da Administração da C… na parte que se traduz em bastar-se com o tempo de execução do contrato já cumprido nessa condição.
Como se deixou dito no ponto antecedente, a duração do período experimental pode ser reduzida por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por acordo escrito entre partes [art.º 112.º/5]. Trata-se, pois, de uma norma imperativa mínima: a lei permite o seu afastamento, mas apenas no sentido mais favorável ao trabalhador, na medida em que apenas é permitido a redução ou exclusão, mas já não o alargamento do período experimental.
Exigindo-se o “acordo escrito entre partes”, cremos que neste caso tal deve considerar-se por verificado, tendo em conta que a empregadora procedeu à comunicação por escrito e houve uma declaração de aceitação tácita por parte da trabalhadora autora (art.º 217.º CC).
Conclui-se, assim, que com entrega daquela comunicação e a aceitação por parte da autora, esta passou a estar vinculada por contrato de trabalho sem termo e já sem sujeição a qualquer período experimental.
Não se acolhe, pois, o caminho seguido na sentença recorrida, entendendo-se que o Tribunal a quo errou o raciocínio lógico jurídico quanto a este ponto, em razão de não ter cuidado de fazer a interpretação correcta da declaração negocial considerada globalmente, isto é, atendendo a todo o seu conteúdo, transmitida à autora pela C…, S.A..
Assim sendo, quando em “(..) 01/09/2019, a C… transmitiu o estabelecimento para a ora R., nos termos e para efeitos do disposto no artigo 3º nº 1 do Decreto-Lei nº 75/2019, de 30/05, sucedendo a R. na universalidade de bens, direitos e obrigações, nomeadamente no que diz respeito aos trabalhadores” [Factos D e E], a A. foi transmitida com aquele estatuto jurídico, ou seja, vinculada por contrato de trabalho sem termo e livre de qualquer período experimental.
De resto, sublinha-se, como provado no facto K, no contrato celebrado no dia 30/08/2019, «(..) designado por “CONTRATO DE TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO HOSPITALAR”, no qual foram outorgantes “C…, S.A.”, “HOSPITAL …, E.P.E.” e “ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO NORTE, I.P.”, ficou expressamente previsto, na «sua cláusula 3, sob a epígrafe “Trabalhadores”, [..], entre o mais, que “3.1. Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 14.º do DL 75/2019, a posição de empregador nos contratos de trabalho celebrados pela C…, que estejam a produzir efeitos na Data Efetiva, identificados no Anexo I, transmite-se para o Hospital …, EPE, nos termos do disposto na lei, designadamente nos artigos 285º a 287º do Código do Trabalho”.
Como é consabido, com a transmissão do estabelecimento transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, mantendo os trabalhadores transmitidos ao adquirente a plenitude dos direitos contratuais e adquiridos [art.º 285.º 1 e 3, do CT].
Deve sublinhar-se que a comunicação dirigida à Autora pela Administração da C… constava do processo individual daquela [facto Y], mas a Ré jamais pôs em causa, por qualquer modo, a validade do conteúdo e os efeitos da mesma, quer quanto ao vínculo laboral sem termo, quer no que concerne ao facto de decorrer da mesma que a autora já não estava sujeita a período experimental. Se porventura a Réu não teve na devida conta o conteúdo daquela carta antes da autora ter reagido à comunicação de não renovação do contrato a termo [factos G e H), tal só a si é imputável.
Por conseguinte, para além de ter reconhecido que o contrato de trabalho da autora inicialmente celebrado a termo certo, com a comunicação da “C…, S.A.” – referida no facto F - passara a contrato sem termo, inclusive quanto à antiguidade, ou seja, desde o dia 01/08/2019 [Facto Z] - o que só ocorre após ter visto frustrada a possibilidade de fazer cessar a relação de trabalho, na errada consideração da autora estar vinculada por contrato de trabalho a termo resolutivo [factos G e H]-, o Réu deveria também ter ponderado devidamente todo o conteúdo da mesma, sopesando objectivamente os efeitos daí decorrentes, ao invés de vir comunicar-lhe a deliberação do Conselho de Administração datada de 06.01.2020, procedendo à denúncia do contrato de trabalho por tempo indeterminado, «(..) no período experimental referido na alínea b), do n.º1 do art.º 122.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, com efeitos a 11.01.2020 [..]» [facto I].
Levando as circunstâncias do caso a considerar que a Autora estava vinculada por contrato de trabalho por tempo indeterminado – o que o Réu reconheceu –, mas também que já não estava em período experimental quando foi transmitida a posição de empregador, aquela comunicação de denúncia da relação de trabalho subordinado “com efeitos a 11.01.2020, data a partir da qual deixará de prestar a sua actividade neste estabelecimento”, consubstancia um despedimento ilícito, sujeito à disciplina do art.º 389.º do CT, ou seja, importando a condenação do empregador a indemnizá-la por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais, bem assim na sua reintegração no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, dado que não optou, em alternativa a esta, pela indemnização em função da antiguidade [art.º 391.º do CT].
Para além disso, assiste igualmente à autora o direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, nos termos previstos no art.º 390.º do CT.
Por último, deve referir-se que a conclusão a que se chegou prejudica, por desnecessário, a apreciação das demais linhas de argumentação suscitadas pela recorrente.
II.3.3 A autora pediu a condenação do Réu no seguinte:
a) A reconhecer a existência do contrato de trabalho por tempo indeterminado entre A. e R.;
b) Proceder à reintegração da A. no estabelecimento hospitalar da R. e no seu posto de trabalho;
c) No pagamento à A. da retribuição mensal (€ 850,00) devida desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da decisão, acrescida do subsídio de refeição diário, no valor de € 4,77, acrescido dos juros moratórios legais desde a citação até efectivo e integral pagamento;
d) No pagamento não inferior a € 8.000,00 a título de danos morais causados pelos termos do despedimento ilícito.
O primeiro pedido foi julgado procedente pelo Tribunal a quo e não foi objecto de recurso por banda do Réu, nada cumprindo apreciar.
Tendo-se concluído nos termos afirmados no ponto antecedente, ou seja, pela existência de um despedimento ilícito, deve proceder o pedido de reintegração da A. no estabelecimento hospitalar do R. e no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade (art.º 389.º n.º1, al. b), do CT).
No que concerne ao pedido concretizado na alínea b), estabelece o art.º 390.º, do CT:
1 - Sem prejuízo da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.
2 - Às retribuições referidas no número anterior deduzem-se:
a) As importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento;
b) A retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento;
c) O subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.
Começaremos por dizer que o pedido não deve ser atendido na parte em que a A. pede a condenação do Réu a pagar o subsídio de refeição no valor diário de € 4,77. Como elucida o Ac. do STJ de 22-02-2017 [Proc.º n.º2236/15.0T8AVR.P1.S1, Conselheiro Gonçalves Rocha, disponível em www.dgsi.pt] “O subsídio de refeição não está incluído nas retribuições intercalares devidas ao trabalhador ilicitamente despedido, se ele não alegou nem provou o valor que excede os gastos normais que o trabalhador suporta com a sua alimentação quando vai trabalhar.”.
Ora, no caso concreto, não foi feita a alegação desses factos e, logo, não existe essa prova.
A autora foi despedida ilicitamente com efeitos a partir de 11 de Janeiro de 2020 e a presente acção entrou em juízo a 3 de Fevereiro de 2020, logo, dentro dos 30 dias subsequentes ao despedimento, pelo que não cumpre procede a qualquer dedução no âmbito da previsão da alínea b), do n.º2.
No que concerne à dedução referida na alínea a), do n.º2, só haveria lugar à mesma mediante pedido do Réu nesse sentido, o que não fez, sendo pacificamente entendido que é matéria excluída do conhecimento oficioso.
Diversamente ocorre quanto à dedução de montantes eventualmente recebidos a título de subsídio de desemprego. Como é entendimento pacifico e foi afirmado no Acórdão desta Relação de 19 de Abril de 2021 [Proc.º 4188/18.6T8VFR-D.P1, disponível em ww.dgsi.pt], relatado pelo aqui relator e com intervenção deste mesmo colectivo, «A dedução prevista na al. c), do n.º2, do art.º 390.º, do CT, do “subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social”, prossegue um interesse público e tem natureza imperativa, constituindo matéria de conhecimento oficioso”.
Por conseguinte, a autora tem direito às retribuições que deixou de auferir desde 11 de Janeiro de 2020 e até ao trânsito do presente acórdão, nelas se incluindo férias, subsídios de férias e subsídio de Natal que entretanto se venceram ou venham a vencer, em qualquer caso calculadas com base no valor da retribuição base de € 850,00 que auferia [facto A], mas sendo-lhe pago o valor liquido correspondente, ou seja, após efectuados os descontos legais que compete ao empregador fazer para posterior entrega às entidades competentes - retenção na fonte para efeitos de IRS e Taxa social na parte a cargo do trabalhador -, bem assim havendo lugar à dedução de eventuais quantias que tenha recebido por atribuição de subsídio de desemprego em razão do despedimento, caso em que cumprirá ao Réu proceder à subsequente entrega das mesmas à segurança social.
Por último, cabe apreciar o pedido de condenação da Ré em € 8.000, a título de danos não patrimoniais.
Para sustentar o pedido, alegou a autora, no essencial, que ficou muito surpreendida com a cessação do contrato, que esta situação lhe causou stress, desgosto e instabilidade na sua vida.
Consta provado:
P) A A. ficou muito surpreendida com a cessação do contrato de trabalho por parte da R.;
Q) Esta situação causou stress, desgosto e instabilidade na vida da A..
Vejamos enão.
Com o Código do Trabalho de 2003, o legislador veio pôr termo à dúvida que porventura ainda subsistisse de que o despedimento ilícito conferia ao trabalhador o direito a ser indemnizado pelos danos não patrimoniais decorrentes do despedimento ilícito (art.º 436.º 1 do CT/03).
Aquela norma consta actualmente no art.º 389.º 1 do CT/09, dispondo que [1] ”Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado: [a] A indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais”.
Contudo, a condenação nessa indemnização dependerá sempre da verificação dos respectivos pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente, para além do facto ilícito e culposo (o despedimento ilícito), a verificação de danos não patrimoniais com gravidade bastante para serem merecedores da tutela do direito (art.º 496º nº 1 do CC) e o respectivo nexo de causalidade.
Sobre o que se deve entender por danos não patrimoniais, elucida Antunes Varela que, ao lado dos danos pecuniariamente avaliáveis “há outros prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização” [Das Obrigações em geral, Vol. I., 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1980, p. 496].
O Código Civil admite a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, mas limitando-a àqueles “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” [art.º 496.º/1 CC].
Em anotação ao artigo 496.º do CC, Pires de Lima e Antunes Varela, observam que “[A] gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)”, deixando igualmente nota, em linha com o entendimento da jurisprudência do STJ que sinalizam, que “[O]s simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos morais” [Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 499].
Atendendo a este quadro legal, conforme é entendimento pacífico da jurisprudência, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, “em direito laboral para haver direito à indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá o trabalhador que provar que houve violação culposa dos seus direitos, causadora de danos que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objectivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável” [Ac. STJ de 15-12-2011, Recurso n.º 588/08.87TTVNG.P1.S1 - 4.ª Secção, Conselheiro Pereira Rodrigues, disponível em sumários de acórdãos de 2011, www.stj.pt.; e, Ac. STJ de 19 de Abril de 2012, proc.º 1210/06.2TTLSB.L1.S1 , Conselheiro Gonçalves Rocha, disponível em www.dgsi.pt].
Por último, importa referir que de acordo com as regras gerais sobre o ónus de prova, sobre o trabalhador recai o ónus de alegar provar a existência dos danos não patrimoniais, bem como a sua gravidade o nexo de causalidade com o facto ilícito (artigo 342º, nº 1 do CC), para se poder fixar o montante da indemnização segundo equidade (art.º 496.º/4 CC).
Pode afirmar-se com segurança que na generalidade dos casos, o despedimento ilícito é sempre gerador de incómodos e desconforto psicológico, designadamente stress, desgosto e gerador de instabilidade na vida pessoal do trabalhador. É a reacção normal de qualquer trabalhador que vê ocorrer a ruptura da relação laboral e aqueles sentimentos poderão ter níveis diversos, isto é, manifestarem-se mais ou menos intensamente, dependendo de múltiplas circunstância de cada caso concreto e, também, da personalidade individual.
Contudo, como é também entendimento pacífico, quer da doutrina quer da jurisprudência, isso só por si não basta para dar direito a reparação de danos não patrimoniais, sendo sempre necessário que esses danos assumam alguma gravidade, reflectindo-se de modo relevante na estabilidade psicológica do trabalhador e na sua vida pessoal, de modo a consubstanciarem um dano com gravidade suficiente para ser merecedor da tutela do direito.
No caso apenas se provou que o despedimento causou stress, desgosto e instabilidade na vida da Autora, isto é, sentiu o que qualquer pessoa nas mesmas circunstâncias sente perante essa situação adversa, mas que não é o bastante para se considerar estar-se perante um dano não patrimonial que, pela sua gravidade, mereça a tutela do direito.
Assim, nesta parte a acção improcede.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso parcialmente procedente, revogando a sentença recorrida na parte da decisão concretizada nas alíneas b) e c) do dispositivo, em substituição, julgando-se a acção parcialmente procedente, declarando a existência de um despedimento ilícito e, em consequência, condenando o Réu Hospital …, EPE, no seguinte:
i) A reintegrar a autora no estabelecimento hospitalar e no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
ii) No pagamento à autora das retribuições que deixou de auferir desde 11 de Janeiro de 2020 e até ao trânsito do presente acórdão, nelas se incluindo férias, subsídios de férias e subsídio de Natal que entretanto se venceram ou venham a vencer, em qualquer caso calculadas com base no valor da retribuição base de € 850,00 que auferia, mas sendo-lhe pago o valor liquido correspondente, ou seja, após efectuados os descontos legais - retenção na fonte para efeitos de IRS e Taxa social na parte a cargo do trabalhador -, bem assim havendo lugar à dedução de eventuais quantias que tenha recebido por atribuição de subsídio de desemprego em razão do despedimento, caso em que cumprirá ao Réu proceder à subsequente entrega das mesmas à segurança social.
iii) Julgar improcedente e absolver o Réu do pedido de condenação em danos não patrimoniais.

As custas do recurso são da responsabilidade da autora e do Réu, na proporção do decaimento (art.º 527.º CPC).

Porto, 18 de Outubro de 2021
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira