Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2054/18.4T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP202009082054/18.4T8PVZ.P1
Data do Acordão: 09/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Na reapreciação da matéria de facto o tribunal da Relação, fazendo uso dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, deve alterar o decidido pelo tribunal a quo quando verifique erro de julgamento.
II - A intermediação financeira está sujeita aos deveres previstos nos artigos 304º e seguintes do CVM.
III - Estabelecida uma relação contratual obrigacional entre A. e R. no âmbito da atividade de intermediação financeira a que o banco R. se dedica, faz parte da prestação contratual deste último um especial dever de informação que e quando não observado ou observado de forma defeituosa implica o correspondente incumprimento ou cumprimento defeituoso dessa mesma prestação.
IV - Apurada uma efetiva violação culposa (culpa que aliás se presumiria) dos deveres contratuais de informação do R. na sua relação de intermediário financeiro estabelecida com o A., constitui-se este intermediário nos termos do artigo 314º do CVM na obrigação de indemnizar aquele pelos prejuízos sofridos com a violação daqueles deveres.
V - Do disposto no artigo 324º nº 2 do CVM resulta que o prazo de prescrição da obrigação de indemnizar do intermediário financeiro de dois anos ali previsto só é aplicável no caso de culpa leve ou levíssima.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 2054/18.4T8PVZ.P1
3ª Secção Cível
Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunta - Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
Adjunta - Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Jz. Central Cível da Póvoa de Varzim
Apelante/”Banco C…, S.A.”
Apelado/B…
Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto
I- Relatório
B… instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “Banco C…, S.A.”, peticionando que pela procedência da ação seja:
“A) (…) o Réu condenado a pagar ao A. o capital e juros vencidos que, nesta data, perfazem a quantia de €58.164,38, sendo €50.000,00 de capital e €8.164,38 de juros civis, calculados à taxa de 4%, desde 28/10/2014 (dia seguinte àquele em que o capital deveria ter sido restituído) até à presente, bem como os juros vincendos, à mesma taxa, até efetivo e integral pagamento;
Sem prescindir, e caso assim não se entenda,
B) (…) declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o R. invoque para ter aplicado os €50.000,00 que o A. entregou ao R. em obrigações subordinadas D1…;
C) (…) declarada ineficaz em relação ao A. a aplicação que o Réu tenha feito desses montantes;
D) Condenar-se o R. a restituir ao A. €50.000,00 que ainda não recebeu dos montantes que entregou ao R., acrescidos dos juros legais vencidos, bem como dos vincendos, desde a data da citação até efetivo e integral cumprimento;
E, sempre,
E) (…) o R. condenado a pagar ao A. a quantia de €1.800,00 a título de dano não patrimonial;”

Para tanto alegou o A. em suma:
- ser à data de 2004 cliente do banco R. – o qual resultou da fusão por incorporação das sociedades comerciais anónimas E…, S.A. (sociedade incorporante, doravante E…) e Banco C…, S.A. (sociedade incorporada, doravante C…), em resultado do que aquele passou a adotar a sua atual denominação social "Banco C…, S.A.” – agência de …, Maia;
- Em outubro de 2004 o gestor desta agência disse ao A. marido, que tinha uma aplicação em tudo idêntica a um depósito a prazo, com capital garantido pelo E… e rentabilidade assegurada – obrigações D1…;
- o A. que tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, autorizou a colocação de €50.000,00 em tais obrigações por lhe ter sido dito e assegurado pelo referido funcionário do banco R. que o capital era garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias;
- o A. atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, ou seja num produto com risco exclusivamente Banco;
- Convicção que se manteve até ao momento em que o A. tentou resgatar o seu dinheiro, acrescido dos respetivos juros o que não logrou;
- E nunca o gestor de conta ou outros funcionários do R. (ou qualquer outra pessoa) leu ou explicou ao A. em que se traduzia adquirir obrigações e quais as suas implicações;
- Nunca qualquer contrato foi lido ou explicado ao A., nem entregue a este cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas D… ou prazos de resolução unilateral pelo A.
De igual forma, nunca o A. conheceu qualquer título demonstrativo de que possuía obrigações D…, não lhe tendo sido entregue documento correspondente;
- Foi completamente omitido e distorcido o processo informativo quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso, os quais o A. não aceitaria se, acaso, o R. lhe tivesse explicado que o dinheiro era para investir em obrigações D1…, e sem que o capital fosse garantido pelo Banco R.;
- A liquidez, prazos de reembolso e prazos de vencimento dos juros ou retribuição, são cláusulas essenciais de qualquer aplicação financeira;
- Sendo nulas as cláusulas principais e essenciais, é nulo todo o negócio, nos termos dos artigos 5º e seguintes do DL. 446/85 de 15/10, o que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.
- O R. não restituiu ao A. o montante investido nem tem pago os juros acordados.
- Violou o Banco Réu, de forma manifesta, o dever de informação e de assistência previsto no art.º 77.º do DL 298/92 de 31/12, que institui o regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras,
- Pelo que é responsável perante o A., não só do ponto de vista contratual, mas também extracontratualmente;
- A atuação do banco R. causou ainda ao A. danos não patrimoniais que quantificou.
Termos em que terminou concluindo pela condenação do R. nos termos acima assinalados.
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Contestou o R. em suma tendo:
- arguido, à cautela, a prescrição do direito do A. por decorrido o prazo de dois anos aludido no artigo 324º do CVM;
- impugnando parcialmente o alegado pelos AA., contrapôs que o investimento efetuado era seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.
Não estando o Banco Réu obrigado a advertir o investidor sobre a hipótese de insolvência do emitente, tal como não estava obrigado a advertir o depositante sobre o risco da sua insolvência quando recebe um DP;
- Não foi violado qualquer dever legal de informação, sendo a subscrição em análise perfeitamente válida e eficaz relativamente ao Autor que terá direito a exercer todos os direitos à sua condição de detentor dos títulos em causa;
- tendo o banco R. atuado de acordo com a vontade do subscritor e com as instruções pelo mesmo recebidas;
- o Réu, tal qual estava obrigado, prestou ao subscritor informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, nos termos e para os efeitos do arte. 7º do CM, quanto às obrigações por este subscritas;
Termos em que concluiu pela procedência das exceções e, a assim não se entender, pela improcedência da ação.

Respondeu o A. às exceções invocadas na contestação, pugnando pela sua improcedência e concluindo como na p.i..

Dispensada audiência prévia, foi elaborado despacho saneador, relegando para final o conhecimento da exceção de prescrição.
Foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, julgando a ação parcialmente procedente e, em consequência, decidido:
“condeno o réu a restituir ao autor a quantia de 50.000,00€, acrescida de juros de mora contabilizados à taxa legal de juro civil desde 28.10.2014 até integral e efetiva restituição”
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Do assim decidido apelou o R. oferecendo alegações e formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
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Termos em que se conclui pela procedência do presente recurso, e por via dele, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Banco-R. do pedido, assim se fazendo... ... JUSTIÇA!”
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Apresentou o A. contra-alegações, tendo em suma concluído pelo bem decidido pelo tribunal a quo tanto em sede de decisão de facto como de direito e como tal pela improcedência do recurso.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
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II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelos apelantes serem as seguintes as questões a apreciar:
1) erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
2) erro na aplicação do direito.
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III- Fundamentação
Foram julgados provados os seguintes factos:
1. Factos Provados A negrito se realçando os factos objeto de impugnação.:
1.1. O Banco réu resultou da fusão por incorporação das sociedades comerciais anónimas “E…, S.A.” (sociedade incorporante) e “Banco C…, S.A.” (sociedade incorporada), em resultado do que aquele passou a adotar a sua atual denominação social “Banco C…, S.A.”.
1.2. O autor era cliente do réu (E…), na sua agência de …, Maia, com a conta à ordem n.º …….., onde movimentava parte dos seus dinheiros, realizava pagamentos e efetuava poupanças.
1.3. Em outubro de 2004, o funcionário do Banco réu da agência … F… (gestor da sua conta), contactou o autor, dizendo-lhe que tinha uma aplicação idêntica a um depósito a prazo, com capital garantido pelo “E…” e rentabilidade assegurada.
1.4. Os funcionários do Banco réu que, na sequência do contacto a que se alude em 1.3., lhe apresentaram o produto, sabiam que o autor não possuía qualificações ou formação técnica que lhe permitissem, à data, conhecer os concretos riscos inerentes aos diversos produtos financeiros, a não ser que lhos explicassem.
1.5. O autor tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, sendo que, até essa data, aplicara-o, designadamente, em depósitos a prazo.
1.6. O dinheiro do autor - €50.000,00 - viria a ser colocado numa obrigação “D1…”, sem que o autor soubesse, em concreto, em que consistia tal produto, desconhecendo inclusivamente quem era a “D…”.
1.7. O que motivou a sua autorização para tal foi o facto de lhe ter sido dito e assegurado pelos funcionários do Banco réu que o capital era garantido pelo Banco réu, com juros semestrais.
1.8. O autor atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, ou seja, num produto com risco exclusivamente do Banco.
1.9. Se o autor tivesse percebido que, com a assinatura do “Boletim de Subscrição” a que se alude em 1.20., o qual lhe foi apresentado pelos funcionários do Banco réu, estava a subscrever um produto em que o capital não era garantido pelo “E…”, não o teria assinado.
1.10. Nunca foi intenção do autor investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gestor de conta e funcionários do Banco réu.
1.11. O autor sempre esteve convicto de que o réu lhe restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse.
1.12. O Banco réu, através dos seus funcionários, sempre assegurou que as aplicações em causa eram garantidas pelo Banco.
1.13. O autor ficou convicto da segurança da aplicação em causa, cujos juros foram sendo semestralmente pagos, o que deu tranquilidade ao autor e nunca o alertou para qualquer irregularidade.
1.14. Tal segurança manteve-se até ao momento em que o autor tentou resgatar o seu dinheiro, acrescido dos respetivos juros.
1.15. Aí, o Banco réu atribui a responsabilidade por tal pagamento à “D…, SGPS, S.A.” (agora “G…, SGPS, S.A.”)
1.16. O autor não sabia quem era a “D…, SGPS, S.A.”.
1.17. A qualquer conta a prazo é habitual os bancos atribuírem uma denominação técnica.
1.18. Nunca os funcionários do Banco réu leram ou explicaram ao autor em que consistia adquirir obrigações “D1…” e quais as suas implicações.
1.19. Nem a “D…” nem o Banco réu restituíram ao autor os 50.000,00€ a que se alude em 1.3.
1.20. O autor assinou o documento denominado “D1… Boletim de Subscrição”, com data de 25.10.2004, junto por cópia a fls. 85, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, sob a menção de “Emissão de Obrigações Subordinadas”:
“NATUREZA DA EMISSÃO
Emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador e sob a forma escritural, com o valor nominal de €50.000,00 cada uma, oferecidas diretamente ao público, ao preço unitário igual ao valor nominal. A emissão será efetuada por uma ou mais séries de acordo com as necessidades do emitente e a procura dos investidores. Não sendo totalmente subscrita, a presente emissão de obrigações ficará limitada às subscrições recolhidas.
MÍNIMO DE SUBSCRIÇÃO
€50.000,00 (1obrigação).
PERÍODO DE SUBSCRIÇÃO
De 11 a 22 de Outubro de 2004.
DATA DE LIQUIDAÇÃO FINANCEIRA
25 de Outubro de 2004.
PRAZO E REEMBOLSO
O prazo de emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efetuado em 27 de Outubro de 2014. O reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da D…, SGPS, S.A., a partir do 5.º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.
REMUNERAÇÃO
Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas:
CUPÕES TAXA ANUAL NOMINAL BRUTA
1.ºs dez semestres 4,5% *
Restantes 10 Semestres Euribor 6 Meses + 1,75%.
* Taxa Anual Efetiva Líquida: 3,632%.”
1.21. Apesar de o réu ter colhido a assinatura do autor no documento identificado em 1.20., o qual foi preenchido pelo funcionário do Banco réu, o seu teor não foi lido e explicado ao autor.
1.22. Foi entregue ao autor cópia do documento identificado em 1.20.
1.23. Nunca qualquer contrato foi lido e explicado ao autor, nem lhe foi entregue cópia de qualquer outro documento, para além daquele a que se alude em 1.20., que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas D… ou prazos de resolução unilateral pelo autor.
1.24. O autor já pretendeu levantar o seu dinheiro, sendo que o réu não lhe disponibilizou tal quantia.
1.25. O réu também não tem procedido ao pagamento dos juros acordados, o que sucede desde data não concretamente apurada.
1.26. Na própria documentação interna criada, veiculada e distribuída pelo Banco réu aos seus funcionários, este era apresentado como garante da aplicação financeira em causa.
1.27. Um dos argumentos repetido pelos funcionários da rede de balcões do Banco réu junto dos seus clientes, como sucedeu com o autor, era o de que se tratava de um investimento seguro e que o réu assegurava o reembolso do capital investido, bem como dos juros.
1.28. As orientações e comunicações internas existentes no Banco réu, que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões, consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e, bem assim, que o Banco garantia o capital investido.
1.29. O Banco réu pretendia que os seus funcionários se empenhassem na colocação deste produto e transmitissem a ideia de que ao mesmo não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros, garantindo ele próprio a satisfação de tais encargos.
1.30. O autor, atento o que se refere em 1.24., ficou impedido de usar o seu dinheiro como bem entendesse.
1.31. O receio de não reaver ou de não saber quando irá reaver o seu dinheiro deixa o autor preocupado, angustiado, ansioso e em estado de “stress”.
1.32. No mês seguinte ao da subscrição do produto “D1…”, o autor recebeu por correio o aviso de débito correspondente à subscrição efetuada, bem como recebeu, depois, os avisos de crédito, a cada seis meses, relativos aos juros.
1.33. Recebeu também e desde então, os vários extratos periódicos onde lhe apareciam essas obrigações.
1.34. Uma obrigação era, à data a que se alude em 1.20., um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente.
1.35. A entidade emitente das obrigações “D1…” era “mãe” do Banco réu, sendo este um componente da solvabilidade daquela, por ser um dos principais ativos do seu património.
1.36. O risco de um depósito a prazo no Banco réu, seria, então, semelhante a uma tal subscrição, por o risco da “D…” ser indexado ao risco do próprio Banco réu.
1.37. Enquanto na hipótese de incumprimento pelo Banco réu este responde com todo o seu património, na hipótese de incumprimento da “D…” esta respondia com todo o seu património, onde se inseria a totalidade do capital social do Banco réu e ainda todo o seu demais património.
1.38. Na data a que se alude em 1.20., a probabilidade da entidade emitente não cumprir era muito semelhante à do Banco “D…” não cumprir, tendo em conta a estrutura acionista existente à data.
1.39. Nesse momento não havia indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente.
1.40. Ao longo dos anos e até à data da nacionalização parcelar do grupo, foram emitidos e pagos produtos de dívida de empresas do grupo “D…”.
1.41. Não era previsível, e como tal nunca poderia ter sido comunicado ao cliente, era que em 2008 aconteceria uma nacionalização parcelar do grupo que veio a dividir o mesmo entre parte financeira e não financeira.
1.42. O autor sempre foi pessoa cuidadosa e preocupada com o investimento do seu património.
1.43. O autor já antes havia investido em produtos diferentes dos depósitos a prazo, como é o caso das unidades de participação em fundos de investimentos (em 06.05.2003, 12.12.2003, 16.12.2003, 20.02.2004, 04.08.2004, 20.06.2003, 16.12.2003, em 04.11.2003, 15.12.2003, 16.03.2004, 13.05.2004) e das obrigações “E…” (em 21.06.2004).
1.44. No momento da subscrição da obrigação “D1…”, o autor foi informado de que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso.
1.45. O que se refere em 1.44. na altura era possível, comum e rápido, uma vez que o produto tinha procura, atenta a sua rentabilidade.”
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O tribunal a quo julgou ainda como não provada a seguinte factualidade
2. Factos Não Provados:
Não resultou provado qualquer facto de entre os articulados com interesse para a decisão da causa, designadamente, não se provou que:
2.1. O que motivou a autorização do autor foi, para além do que se refere em 1.7., o facto de ter sido dito e assegurado pelos funcionários do Banco réu que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias.
2.2. O autor julgava que a “D…” era uma mera denominação de conta a prazo que o Banco réu utilizava para identificação interna.
2.3. O autor desconhecia (e nem podia conhecer) que tinha adquirido uma aplicação diferente de um depósito a prazo.
2.4. O dinheiro do autor deveria ter sido aplicado em depósitos a prazo, com capital e juros disponíveis de 6 em 6 meses.
2.5. As obrigações “D1…” tiveram o único propósito de aumento do capital do Banco Réu.
2.6. A garantia proveniente do Fundo de Garantia de Depósitos era, à data a que se alude em 1.20., de apenas €25.000,00.
2.7. O produto “D1…” foi sempre apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente e não da entidade colocadora Banco.
2.8. No momento da subscrição da obrigação “D1…”, o autor foi informado de que as obrigações em causa eram emitidas pela sociedade que detinha o Banco réu, a “D…, SGPS, S.A.”, e de que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da D…, S.A.” a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.
2.9. O réu informou o autor sobre todos os elementos que constavam da “Nota Informativa” do produto “D1…”, junta aos autos por cópia a fls. 49 a 65 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a qual se encontrava disponível para consulta pelo mesmo.”
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Conhecendo.
1) Em função do supra decidido, cumpre em primeiro lugar apreciar o imputado erro à decisão da matéria de facto.
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Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):
“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No caso de prova gravada, incumbindo ainda ao recorrente [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Sendo ainda ónus do recorrente apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC.
Analisadas as conclusões extrai-se das mesmas quais os concretos pontos de facto impugnados e sentido decisório pretendido, em concreto:
- pontos 1.3, 1.7, 1.9 e 1.28 dos factos provados cuja redação o recorrente pugna seja corrigida por forma a da mesma ser eliminada a menção a que “foi dito que o Banco garantia o reembolso do capital”, e ainda ponto 1.12 dos factos provados que deverá transitar para os factos não provados [vide conclusões 5.7 e 5.8];
- pontos 1.26, 1.28 e 1.29 dos factos provados que o recorrente pugna sejam julgados não provados, “ao menos na parte em que se referem a documentação ou instruções internas asseverando que o banco seria garante do reembolso do capital” [vide conclusão 6.6].
Ainda, no corpo alegatório e também conclusões, estão identificados os concretos meios probatórios que no entender do recorrente impõem decisão diversa no que aos pontos impugnados respeita: nomeadamente o depoimento da testemunha H… de cujas declarações extrai conclusões diferentes das retiradas pelo tribunal a quo, nomeadamente questionando a isenção da testemunha e assim a credibilidade do seu depoimento – tendo transcrito excertos das sua declarações, bem como indicado com exatidão as passagens da gravação por si consideradas relevantes.
A que acrescenta uma manifestação de indignação por o tribunal ter considerado ainda na formação da sua convicção “um email de 2008 escrito num contexto histórico muito preciso e relativo a um produto diferente de entidade emitente distinta também, para motivar a sua decisão quanto a factos ocorridos em 2004 (…)”.
Fazendo por último uma menção à valoração das declarações da própria mulher do autor, ela própria proprietária dos fundos monetários investidos em Obrigações D1… e portanto beneficiária da sorte desta ação.

Do assim exposto se conclui que quanto aos pontos factuais supra elencados foram observados os ónus de impugnação e especificação pressuposto da pretendida reapreciação.
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Na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do artigo 662ºdo CPC - a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão.
Cabendo ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis.
Sem prejuízo de e quanto aos factos não objeto de impugnação, dever o tribunal de recurso sanar mesmo oficiosamente e quando para tal tenha todos os elementos, vícios de deficiência, obscuridade ou contradição da factualidade enunciada, tal como decorre do disposto no artigo 662º n.º 2 al. c) do CPC.
Assim e para além das situações de conhecimento oficioso que impõem ao tribunal da Relação, perante a violação de normas imperativas, proceder a modificações na matéria de facto, está esta dependente da iniciativa da parte interessada tal como resulta deste citado artigo 640º do CPC.
Motivo por que e tal como refere António S. Geraldes in “Recursos no Novo Código do Processo Civil, já supra citado, em anotação ao artigo 662º do CPC, p. 238 “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para circunscrever o objeto do recuso. Assim o determina o princípio do dispositivo (…)”.
Tendo presente que o princípio da livre apreciação das provas continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.os 341º. a 396º. do Código Civil (C.C.) e 607.º, n.os 4 e 5 e ainda 466.º, n.º 3 (quanto às declarações de parte) do C.P.C.], cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis. Fazendo ainda [vide António S. Geraldes in “Recursos no Novo Código do Processo Civil, 2ª ed. 2014, anotação ao artigo 662º do CPC, págs. 229 e segs. que aqui seguimos como referência]:
- uso de presunções judiciais – “ilações que a lei ou julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido” (vide artigo 349º do CC), sem prejuízo do disposto no artigo 351º do CC, enquanto mecanismo valorativo de outros meios de prova;
- ou extraindo de factos apurados presunções legais impostas pelas regras da experiência em conformidade com o disposto no artigo 607º n.º 4 última parte (aqui sem que possa contrariar outros factos não objeto de impugnação e considerados como provados pela 1ª instância);
- levando em consideração, sem dependência da iniciativa da parte, os factos admitidos por acordo, os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito por força do disposto no artigo 607º n.º 4 do CPC (norma que define as regras de elaboração da sentença) ex vi artigo 663º do CPC (norma que define as regras de elaboração do Acórdão e que para o disposto nos artigos 607º a 612º do CPC remete, na parte aplicável).
Por fim realçando que embora não exigida na formação da convicção do julgador uma certeza absoluta, por via de regra não alcançável, quanto à ocorrência dos factos que aprecia, é necessário que da análise conjugada da prova produzida e da compatibilização da matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (vide artigo 607º nº 4 do CPC) se forme no espírito do julgador a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade os factos em análise ocorreram.
Neste contexto e na dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, resolvendo o tribunal a mesma contra a parte à qual o facto aproveita, tal como decorre do disposto nos artigos 414º do CPC e 346º do C.C..
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Consigna-se que para a reapreciação da decisão, se procedeu à audição integral dos depoimentos prestados em audiência, bem como foi analisada a prova documental oferecida aos autos.
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Uma vez que o recorrente reduziu os fundamentos da sua impugnação à valoração a seu ver errónea, efetuada pelo tribunal a quo sobre o depoimento da testemunha H…, associado à valoração do email de 26/07/2008 e ainda ao depoimento da esposa do autor (nos termos já supra referidos), afigura-se-nos adequado realçar que a fundamentação da decisão de facto não se resume apenas a estes meios probatórios, antes evidenciando uma global análise de todos os elementos probatórios aportados aos autos e valorados nos termos que em parte aqui reproduzimos, por facilidade de exposição.
Assim a convicção do tribunal a quo foi fundamentada invocando em primeiro lugar a valoração da prova documental oferecida aos autos, nos seguintes termos:
“(…)
Quanto à demais factualidade considerada como provada, a convicção do tribunal alicerçou-se, desde logo, na análise dos documentos juntos aos autos, de entre os quais se destacam os seguintes:
- O e-mail de 26.07.2008, junto a fls. 9 verso a 10, da autoria da testemunha I…, o qual permite concluir pelo paralelismo efetuado internamente, junto dos próprios funcionários do “E…”, entre as obrigações D… e um depósito a prazo, contribuindo, dessa forma, para que o tribunal considerasse como provada a factualidade contida em 1.3. (na parte em que aí se refere que nesse primeiro contacto o produto lhe foi apresentado como uma aplicação idêntica a um depósito a prazo);
- O extrato de conta junto a fls. 21 e ss., onde estão refletidos movimentos efetuados na conta do autor, designadamente, a compra da obrigação “D…” em 25.10.2004 e, conforme esclareceu a testemunha H…, a subscrição de títulos, por exemplo, em 04.11.2003 e 13.05.2004. Com base nesse extrato, conjugado com o depoimento da testemunha H…, o tribunal considerou como provada a factualidade contida em 1.6. (no que à colocação do valor de 50.000,00€ se refere) e 1.43.; e,
- O “Boletim de Subscrição” junto a fls. 85, assinado pelo autor e pela testemunha H…, com base no qual o tribunal considerou como provada a factualidade contida em 1.20 e em 1.21. (no que à aposição da assinatura do autor se refere).
Quanto à “Nota Informativa” relativa ao produto “D1…”, junta a fls. 49 e ss. - da qual constam as características do produto, como o prazo, a remuneração e a possibilidade de reembolso antecipado ao fim de 5 anos, mas sem que tal estivesse na disposição do depositante/investidor -, a testemunha H… declarou não ter sido dado conhecimento da mesma ao autor.”
Para além dos mencionados documentos e observações a seu propósito aduzidas, considerou ainda o tribunal a quo os depoimentos das testemunhas inquiridas, valorados em conjugação com esses documentos, bem como as “próprias declarações de parte prestadas pelo autor, pese embora apenas na medida em que as mesmas encontraram correspondência nos demais meios de prova.”
Depoimentos e declarações que afirmou, permitiram considerar “como provada a factualidade contida em 1.3., 1.4., 1.5., 1.6., 1.7., 1.8., 1.9., 1.10., 1.11., 1.12., 1.13., 1.14., 1.15., 1.16., 1.18., 1.19., 1.21., 1.22., 1.23., 1.24., 1.25., 1.26., 1.27., 1.28., 1.29., 1.30., 1.31., 1.32., 1.33., 1.34., 1.35., 1.36., 1.37., 1.38., 1.39., 1.40., 1.41., 1.42., 1.43., 1.44. e 1.45.”
E no que à prova testemunhal concerne, foram considerados/valorados os depoimentos das seguintes testemunhas, para além de H…, nos termos que constam da decisão recorrida e que aqui em parte se reproduzem (na parte em que relevam para a matéria questionada):
i- I… que e quanto ao email de 2008 mencionado pelo recorrente referiu, conforme consta na decisão recorrida, “o mesmo foi por si remetido apenas a 11 redes de agências e não a todas as redes de agências e que, sendo datado de 2008, não pode ser considerado para obrigações relativas a 2004”
A propósito desta afirmação tendo o tribunal a quo expresso o entendimento de que está “em causa um produto idêntico, apenas podendo divergir quanto ao ano a que se reporta”
No mais tendo ainda explicado:
a “D…” era “indiretamente” dona do Banco, pois detinha ações do mesmo. Também tinha muitas outras empresas para além do “E…”, participando em 4 empresas que emitiam dívida e tendo já colocado outras obrigações nos Balcões do “E…”. Declarou que até à nacionalização parcelar do grupo “D…”, a qual veio a dividir o mesmo entre parte financeira e não financeira, tudo correu bem com as ditas obrigações. Quanto ao produto em causa nos autos, considera que o mesmo era um produto seguro, similar a um depósito a prazo mas com uma remuneração claramente superior.
Frisou que também com esse produto tudo correu bem até à nacionalização, sendo que os problemas só surgem após a mesma. Teoricamente, a diferença entre esse produto e um depósito a prazo residiria na circunstância de um depósito a prazo ser garantido pelo Banco, beneficiando do Fundo de Garantia de Depósitos, o qual apenas garantia depósitos e não papel comercial. No entanto, em 2004 ninguém sabia o que era o “FGD”, desconhecendo se, na altura, o mesmo estava devidamente provisionado para dar resposta a situações de incumprimento.”
ii- J… que esteve envolvido em situação similar e que relatou ter sido contactado “por um gestor de conta do “E…” que o “cativou”, dizendo-lhe que era “dinheiro garantido”, que era como se fosse uma “aplicação a prazo” e que era “garantido pelo Banco”. Não lhe explicou nada e não lhe deu “literatura nenhuma”. Recebeu juros semestrais até determinada altura.”
iii- K… e L…, ambas funcionárias do banco réu e antes do “E…” as quais, embora tendo declarado não ter vendido o produto em causa mas apenas colocado o mesmo por endosso, referiram que o produto em questão era apresentado como “uma aplicação financeira com capital garantido pelo Banco, precisando que era isso que lhe era transmitido a si para ser dito às pessoas.” (a primeira testemunha) ou do que se recorda, vendido como “garantido pelo E…” (a segunda testemunha).
iv- M…, mulher do A. que declarou não ter estado presente no momento da subscrição do produto, afirmou saber que o marido e nos autos autor “tinha a preocupação de apenas efetuar aplicações sem risco. Tomaram conhecimento de que a aplicação não era do próprio Banco pela televisão (…)”

Para além destas testemunhas, considerou ainda o tribunal a quo o depoimento da pelo recorrente questionada testemunha H…, do qual realçou e mencionou o que a seguir se transcreve:
“De realçar que o seu depoimento primou pela objetividade, sinceridade e clareza. Declarou que entrou para o “E…” em 1999, para a agência de …, como gerente. Conheceu o autor como cliente nessa altura. Recorda-se de o mesmo efetuar depósitos a prazo e de ter subscrito obrigações “E…”, um produto idêntico às obrigações em causa nos autos. Confrontado com o extrato de conta junto a fls. 21 e ss., identificou no mesmo a subscrição de títulos e movimentos relativos aos mesmos, frisando, no entanto, que tais títulos são “conservadores”. Quanto à obrigação “D…” em causa nos autos, declarou que a vendeu ao autor juntamente com um colega, N…. Para o efeito contactaram o autor pelo telefone, contacto esse que, segundo se recorda, terá sido efetuado pelo referido seu colega. Afirmou, convicto, que lhe vendeu essa obrigação como garantida pelo Banco, o que fez em conformidade com uma nota interna emitida pelo próprio Banco, acrescentando que os comerciais vendiam esse produto como sendo um produto seguro e garantido pelo Banco. Inclusive, foi isso que lhes foi transmitido em reuniões. Quanto à “D…”, esclareceu que a mesma era dona do Banco. Feito o paralelismo com as obrigações “E…”, disse que não aconteceu com elas o que aconteceu com as obrigações “D…” e que, se soubesse o que sabe hoje, nunca teria vendido ao autor estas últimas. É também verdade que à data da subscrição a insolvência de um Banco não era previsível e que ninguém fazia um depósito a pensar que o mesmo era garantido pelo Fundo de Garantia de Depósitos, do qual nem se falava. Mais declarou que até 2008 este produto teve procura, não sendo um produto difícil de colocar. Não teve conhecimento do e-mail de 2008, junto a fls. 9 verso a 10, mas ouviu falar nele. Mais declarou que o autor era um cliente conservador e que não lhe explicou quem era a “D…”, tal como não lhe explicou o que eram estas obrigações, sendo que nada o leva a crer que o autor tivesse um conhecimento profundo sobre as questões relativas a este tipo de produto. Referiu-lhe apenas o capital envolvido, a remuneração e o respetivo prazo, ressalvando, no que concerne à liquidez, que não podiam garantir a mesma mas que poderiam colocar o produto na rede no sentido de alguém querer ficar com a sua posição.
Confrontado com o documento junto a fls. 49 e ss., declarou que o mesmo não foi lido, explicado ou entregue ao autor.
Confrontado com o documento junto a fls. 85, confirmou que uma das rubricas apostas no mesmo é sua e que foi o seu colega que o preencheu, tendo sido entregue uma cópia ao autor.”
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Do que acima deixámos transcrito o que em primeiro lugar fica evidenciado é que a convicção do tribunal a quo não foi fundamentada em 2 ou 3 elementos probatórios. Antes numa análise ponderada e conjugada de toda a prova produzida, como o evidencia a transcrição (parcial) que aqui efetuámos.

A audição das gravações confirma a correspondência do teor das declarações com o que o tribunal a quo fez constar na sua fundamentação.
Em causa está portanto a sua valoração/interpretação das declarações nomeadamente da testemunha H….
O recorrente afirma que a afirmação da testemunha de que a obrigação em questão foi vendida “como garantida pelo banco” tem de ser entendida no sentido de que “o produto era seguro e tinha a garantia do Banco simplesmente por este ser da própria sociedade emitente”.
A interpretação/raciocínio expendido pelo recorrente foi questão debatida durante o depoimento da testemunha, a qual foi repetidamente questionada sobre o sentido da sua afirmação.
E sobre tal confirmou a testemunha saber quem era a D… e que era a emitente dos títulos/ “sabíamos nós os comerciais” / e vendemos como sendo produto de capital garantido.
E quando questionada sobre o modo como “dão o salto para dizer que é capital garantido pelo banco” respondeu a testemunha que receberam nota interna a dizer que é garantido e de igual forma em reuniões internas com superiores era essa mesma a informação que era passada – para venderem como obrigação garantida pelo banco / como produto com segurança do E….
Mais tendo afirmado que nos moldes em que assim foi vendido o produto, o mesmo se vendia bem.
Independentemente da (in)correção da informação prestada pela testemunha ao A., facto é que a testemunha afirmou por diversas vezes que o produto foi vendido ao A. como produto com capital garantido pelo E….
Não sendo o teor da nota informativa do produto junta aos autos a fls. 49 e segs. e igualmente referida na fundamentação da decisão que altera ou coloca em causa a credibilidade do afirmado pela testemunha, pois para além de não ter sido lida, explicada ou entregue cópia da mesma ao autor, o que releva é os termos em que a testemunha afirmou ter vendido o produto ao autor.
Igualmente afirmou que era assim que os comerciais recebiam instruções superiores para vender o produto, havendo pressão para a sua colocação e objetivos a atingir. Afirmação que foi corroborada, quanto ao modo como era vendido o produto pelas testemunhas K… e L… que não obstante apenas terem colocado o produto por endosso, confirmaram ser assim que o produto era vendido, como garantido pelo banco – isto é – como produto com capital garantido pelo banco.
Falou ainda a testemunha numa nota interna que não foi especificada/concretizada nem aportada aos autos – o que releva a nosso ver para o questionado pela recorrente nos pontos 1.26 quanto à menção a documentação interna, conforme melhor infra será referido.
Quanto ao email de 2008 foi analisado pelo tribunal e referido pela testemunha H…, apenas como forma de realçar que também nessa data, posteriormente à colocação das obrigações em causa nos autos, era realçado pela hierarquia – aqui através da pessoa da também testemunha I… – que a venda de papel comercial da D… valor era equivalente à “venda” de um DP, não vendo diferença entre o risco da colocação do papel comercial D… e o risco do DP – correspondente a risco E….
No seguimento deste raciocínio reiterando a testemunha que o produto foi vendido ao autor como sendo produto com capital garantido pelo banco.
Por último e no que à testemunha M… concerne, resulta da fundamentação da decisão de facto que o tribunal a quo considerou o seu depoimento na parte em que a mesma afirmou que o autor marido tinha a preocupação de apenas efetuar aplicações sem risco. E esta é matéria não questionada nos autos sequer. Por outro lado mencionou a afirmação desta testemunha quanto ao facto de apenas terem sabido pela televisão que a aplicação não era do banco. Mas tal releva no essencial para o nível de informação prestado ao autor no momento da subscrição do produto. O que tão pouco é matéria questionada.
Em suma, para a matéria questionada pelo recorrente, entendemos não ter relevo o depoimento desta testemunha.
Assim analisados os depoimentos prestados e respetiva valoração, em conjugação com os documentos também analisados, não se vê que o decidido pelo tribunal a quo evidencie erro de julgamento que imponha decisão diversa no que respeita à venda do produto ao autor como sendo produto com garantia do capital pelo banco [em causa a referência a este realidade nos pontos 1.3, 1,7, 1.9, 1.12 e 1.28 assinalados pela recorrente].
Note-se que em causa não está se tal garantia existia, mas tão só se assim foi vendido o produto ao A..
Tão pouco merece censura a menção às orientações e comunicações internas - entenda-se verbais, nomeadamente em reuniões - a que os pontos 1.28 e 1.29 se referem, porquanto foram reiteradas pela testemunha H… e corroboradas pelas testemunhas K… e L…, nos termos já acima assinalados, sendo consentâneas ao procedimento declaradamente adotado.
Tanto mais quando nem sequer foi produzida prova em sentido contrário a estes depoimentos ou mesmo ao depoimento da testemunha J…, unicamente pertinente para corroborar um modus operandi que as anteriores testemunhas relataram.
Já a testemunha I… para além de ter logo de início declarado que em 2004 não estava no banco, centrou o seu depoimento no mail de 2008 e no que com o mesmo pretendia alcançar. Pelo que em nada colidiu com os anteriores depoimentos.
O tribunal recorrido, beneficiou da oralidade e da imediação e justificou os termos em que formou a sua convicção de forma coerente e lógica de acordo com a prova produzida, não se apresentando inverosímil a versão dos factos apresentada pelas testemunhas.
A análise da prova produzida nos termos acima assinalados não evidencia que o juízo formulado padeça de erro que imponha decisão diversa.
Apenas num ponto entendemos assistir razão à recorrente. Em causa a documentação interna em 2004 distribuída pelo banco réu aos seus funcionários onde o produto em causa fosse apresentado como garantido pelo mesmo.
Aqui afigura-se-nos que na ausência de prova documental que sustente a efetiva distribuição de documentação – a testemunha H… falou em nota interna mas não especificou sequer em que momento foi distribuída e como a rececionou - deverá na verdade ser considerado como não provado que ocorreu a distribuição de tal documentação.
A impor que o ponto factual 1.26 deverá ser eliminado dos factos provados e transposto para os factos não provados.
No mais se mantendo o decidido pelo tribunal a quo em sede de decisão de facto.
Termos em que se conclui pela parcial procedência da pugnada alteração da decisão de facto.
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Do direito.
IV- Do erro na aplicação do direito.
Atento o factualismo apurado (considerando já a eliminação do ponto 1.26 dos factos provados) e supra referido, cumpre agora apreciar de direito.
Através da presente ação pretendia o A. a condenação do banco R. a indemnizá-lo pelos danos patrimoniais e não patrimoniais O pedido quanto a danos não patrimoniais foi julgado improcedente pelo tribunal a quo e por nesta parte não ter sido interposto recurso, transitou o assim decidido, excluído portanto do objeto deste recurso. que descreveu e que alegou terem sido causados pela atuação do mesmo enquanto intermediário financeiro, em violação dos deveres de informação que sobre si impendiam e causa da celebração de um contrato que não teria celebrado se lhes tivesse sido prestada e de forma correta toda a informação inerente ao mesmo.
A descrita conduta do banco R. uma vez provada, consubstancia como se exporá, a violação por parte deste dos deveres contratuais e pré-contratuais que sobre si recaiam enquanto intermediário financeiro.
Perante os fundamentos da ação já antes enunciados e também os da defesa apresentados oportunamente pelo R., importa em primeiro lugar fazer o enquadramento legal da relação jurídica estabelecida entre A. e R..
Para tal tendo presente a redação dada ao Código de Valores Mobiliários (CVM) pelo DL 66/2004 de 24/03 e a redação dada ao RGICSF aprovado pelo DL 298/92 de 31/12 em vigor à data da prática dos factos; bem como o Regulamento CMVM n.º 12/2000 (com a redação dada pelos Regulamentos 32/2000, 2/2003, 10/2003 e 17/2002).
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O produto adquirido pelo autor, obrigações D…, é na verdade um valor mobiliário [vide artigo 1º al. b) do CVM] - em causa a emissão de títulos obrigacionistas com vista ao financiamento da entidade emitente, pessoa jurídica diferente do banco que intermediou nos seus balcões a sua venda.
E faz parte da atividade bancária operações por conta da clientela sobre valores mobiliários, bem como a consultoria, guarda, administração e gestão de carteiras de valores mobiliários [vide artigo 4º nº 1 als. e) e h) do RGICSF – DL 298/92 de 31/12 e artigo 293º do CVM].
Os serviços e atividades de investimento em valores mobiliários são atividades de intermediação financeira, entre os quais se incluem a receção, transmissão e execução de ordens por conta de outrem – vide artigos 289º nº 1 al. a) e b) e 290º nº 1 als. a) e b) do CVM.
A intermediação financeira está sujeita aos deveres previstos nos artigos 304º e seguintes do CVM.
Tal qual alegado e provado pelo autor, a aquisição do valor mobiliário em causa fez-se na agência do banco R. portanto no âmbito da atividade de intermediação financeira deste e através de um seu funcionário, o qual assim atuou enquanto colaborador do banco R. (vide pontos 1.3 a 1.7 e 1.12 dos factos provados). Nessa medida respondendo o intermediário financeiro pelos atos daqueles que utiliza para a prática da sua atividade (vide artigo 800º do CC e 304º e 305º do CdVM).
Do artigo 304º do CVM extraem-se os deveres gerais de conduta a que os intermediários financeiros em instrumentos financeiros (definidos estes intermediários no artigo 293º do CVM) estão sujeitos:
1- Proteção dos legítimos interesses dos seus clientes (304º nº 1 e 321º) relativamente aos investidores não qualificados, mesmo em detrimento dos seus próprios interesses quando se verifique um conflito de interesses, conforme resulta do disposto nos artigos 309º, 310º e 347º do CVM;
2- Proteção da eficiência do mercado – vide artigos 304º nº 1, 305º e 310 e 311º;
3- Observância dos ditames da boa-fé na relação com todos os intervenientes no mercado (de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência) (304º nº 2), em causa estando em especial a observância dos deveres de informação aos clientes a que se reportam os artigos 312º e 7º do mesmo CVM.
Note-se a consagração do dever de prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, exigindo portanto uma atuação ativa da parte do intermediário financeiro, não dependente das questões que a este sejam colocadas pelo cliente, sem prejuízo do dever de esclarecimento adicional que este possa solicitar.
Como mencionado no Ac. TRL de 07/02/2019, nº de processo 906/17.8T8LSB.L1-2 e citando A. Barreto Menezes Cordeiro in Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2016, Almedina os intermediários financeiros estão “naturalmente, sujeitos a deveres de informação passivos, devendo, consequentemente, esclarecer todas as questões que lhes sejam suscitadas, mas é no campo dos deveres ativos que o dever de informação assume maior relevância real: os intermediários financeiros devem prestar, em relação a todos os serviços que ofereçam e independentemente de lhes ser solicitado, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada (…)”.
Informação completa, verdadeira, atual, clara objetiva e lícita, aferida em função do meio utilizado para a sua transmissão (vide 7º nºs 1 e 3).
4- Prévia informação sobre os conhecimentos e experiência do cliente relativamente ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado e se aplicável (304º nº 3).
Este dever de prévia informação sobre os conhecimentos e experiência do cliente reforçado posteriormente com as alterações introduzidas em 2007 [vide artigos 314º e 314ºA (se a prestação de serviços se enquadrar no âmbito da gestão de carteiras ou de consultoria para investimento), 314ºB e 314ºC] deriva igualmente da exigência de adequação da informação a prestar ao grau de conhecimento e de experiência do cliente (vide artigo 312º nº 2 do CVM).
*
O objetivo do legislador foi o de garantir/exigir do intermediário financeiro uma atuação protetora dos seus clientes, sustentada nas prévias informações obtidas juntas dos mesmos por forma a e no cumprimento do seu dever de informação – que será tanto mais exigente quanto menor for o conhecimento e experiência do cliente conforme decorre do n.º 2 do artigo 312º - poder evitar lesões àqueles que pretendem investir num mercado onde lhes faltam conhecimentos específicos.
Presumindo-se a culpa do intermediário financeiro quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e em qualquer circunstância quando seja originado pela violação dos deveres de informação – artigo 314 nº 1 do CVM.
Deveres de informação que visam permitir ao cliente uma decisão consciente perante os riscos próprios do mercado de valores mobiliários sem eliminar, é certo, esse mesmo risco, tal como afirmado por Sofia Nascimento Rodrigues in “A Proteção dos Investidores em Valores Mobiliários”, Almedina, Coimbra, 2001, p. 34 [citada no estudo de Felipe Canabarro Teixeira intitulado “Os deveres de informação dos Intermediários Financeiros em relação a seus clientes e sua responsabilidade civil” in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários n.º 31 de dezembro de 2008 in http://www.cmvm.pt que aqui foi em parte seguido para elencar os deveres gerais e específicos de conduta do intermediário financeiro].
Temos portanto estabelecida uma relação contratual obrigacional entre A. e R. no âmbito da atividade de intermediação financeira a que o banco R. se dedica, fazendo parte da prestação contratual deste último um especial dever de informação que e quando não observado ou observado de forma defeituosa implica o correspondente incumprimento ou cumprimento defeituoso dessa mesma prestação. Vide neste sentido Ac. TRP de 15/11/2018, nº de processo 5780/17.1T8PRT.P1 in www.dgsi.pt/jtrp onde se afirmou: “Em regra, os deveres de informação são deveres laterais.
Porém, atentos os contornos particulares dos regimes legais relativos aos bancos e sua intervenção no mercado dos valores mobiliários, a informação surge como um ponto crucial do cumprimento da prestação principal, de tal forma que, não obstante formalmente cumprida pelo banco a prestação principal, a omissão da informação ou a informação deficiente constitui um incumprimento ou um cumprimento defeituoso daquela prestação.”.

No mesmo sentido vide ainda Ac. do STJ de 10/04/2018, nº de processo 753/16.4TBLSB.L1.S1 no qual se entendeu e tal como consta do respetivo sumário:
I. A proteção dos interesses legítimos dos clientes de produtos financeiros implica, em relação a eles, que o intermediário financeiro indague sobre a sua situação financeira e experiência – o princípio know your costumer, ou, know your cliente no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objetivos de investimento do cliente – nº3 do art. 304º do CVM – devendo observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
II. O dever de conhecimento do perfil do cliente, sobretudo nos casos de investidores não qualificados, a avaliação não só da sua capacidade de investimento como a de suportar o risco inerente ao produto que pretende adquirir, para se ajuizar se certa transação é adequada ao cliente – suitablity test –, impõe ao intermediário financeiro um rigoroso dever pré-contratual de informação, que não se queda pelo padrão do bom pai de família, mas antes, dada a professionalidade do banco/intermediário financeiro, lhe impõe um grau de diligência mais acentuado, devendo atuar como “diligentissimus pater familias”, não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve.
III. O dever contratual de agir de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro, no interesse legítimo dos seus clientes, não é mais, afinal, que o dever de agir de boa-fé, constituindo um dever principal – a prestação propriamente dita no complexo obrigacional a cargo do intermediário financeiro.
IV. A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.
V. O não cumprimento dos deveres de informação é sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual – art. 483º, nº1, do Código Civil –, impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa nos termos do art. 799º, nº1, do Código Civil, sendo claro o nº2 do art. 304-A do CVM quando estatui – “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por violação de deveres de informação.”

Assim enquadrado o regime aplicável à relação contratual estabelecida entre as partes, cumpre perante a factualidade apurada analisar se o tribunal a quo incorreu em erro na subsunção jurídica.
Tal como resulta dos factos provados o A. era cliente do E… à data de 2004 e no decurso e ao abrigo de tal relação foi o mesmo abordado por um funcionário do banco réu dizendo-lhe que tinha um aplicação idêntica a um depósito a prazo, com capital garantido pelo “E…” e rentabilidade assegurada (fp 1.3).
Nunca os funcionários do banco R. leram ou explicaram ao autor em que consistia adquirir obrigações “D1…” e quais as suas implicações (fp 1.18); tendo o A. vindo a assinar o documento denominado “D1… Boletim de Subscrição” com data de 25/10/2004 e junto a fls. 85, sem que o teor de tal documento pelo A. assinado e preenchido pelo funcionário do banco R. lhe tivesse sido lido e explicado (vide fp. 1.20 e 1.21).
O dinheiro do autor no montante de €50.000,00 viria assim a ser colocado numa obrigação “D… (…)” sem que o autor soubesse em concreto em que consistia tal produto, desconhecendo inclusive quem era a “D…” (f.p. 1.6). Estando convicto de estar a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, num produto com risco exclusivamente do banco (f.p. 1.8).
Ainda e caso o autor tivesse percebido que com a assinatura do “Boletim de Subscrição” que lhe foi apresentado pelos funcionários do banco réu estava a subscrever um produto em que o capital não era garantido pelo E… não o teria assinado (f.p. 1.9).
Através da assinatura do “Boletim de Subscrição” o A. deu uma ordem de
subscrição do produto referido em 1.6 dos FP, o que o banco executou no âmbito da relação estabelecida com o A. enquanto intermediário financeiro. Nessa qualidade respondendo pela violação dos deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, tal como resulta do disposto nos artigos 314º e 324º do CVM (à contrario).
A incorreta informação prestada quanto à garantia do capital pelo E… e a omissão de informação quanto ao produto subscrito – natureza e garantias - nos termos acima referidos pelo Banco intermediário financeiro ao seu cliente aqui A. foram causa da subscrição efetuada que de outro modo não teria tido lugar conforme apurado. E desta subscrição resultou no património do A. o prejuízo correspondente ao não reembolso do capital investido – vide 1. 19 dos factos provados.
A ilicitude da conduta do banco R. resulta precisamente da violação das obrigações que sobre si impendiam a nível dos deveres pré-contratuais e contratuais de informação, com o consequente incumprimento desta mesma obrigação.
Dispõe o supra citado artigo 314: “1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”.
O banco R. (através dos seus funcionários) violou grosseiramente os seus deveres de informação porquanto não só omitiu informações que estava obrigado a prestar, como prestou outras informações incorretas sobre o produto subscrito.
Esta atuação apurada não é conforme aos deveres de proteção dos interesses do investidor a que o banco enquanto intermediário financeiro estava obrigado, violando-a diretamente a propósito não só das indicadas caraterísticas do produto subscrito, como da informada garantia de reembolso do capital através do banco e foi causal do prejuízo sofrido já que foi base da decisão de subscrição do produto.
De referir ainda ter ficado provado que os funcionários do banco réu sabiam que o autor não possuía qualificações ou formação técnica que lhe permitissem à data conhecer os concretos riscos inerentes aos diversos produtos financeiros a não ser que lhos explicassem (f.p. 1.5).
Note-se que a censura exercida sobre a conduta do banco R. enquanto intermediário financeiro tem de acordo com a factualidade provada subjacente a sua (através dos seus funcionários) violação dos deveres de informação e o consequente desrespeito do dever de proteção do investidor.
No contexto acima analisado, apurada uma efetiva violação culposa (culpa que aliás se presumiria) dos deveres contratuais de informação do R. na sua relação de intermediário financeiro estabelecida com o A., justifica-se ao abrigo do disposto no artigo 314º do CVM a conclusão de que o mesmo está obrigado a indemnizar o A. pelos prejuízos sofridos com o incumprimento destes deveres Vide neste sentido Ac. STJ de 19/03/2019, nº de processo 3922/16.3T8VIS.C2.S1 in jurisprudência.csm.org ECLI:PT:STJ:2019:3922.16.3T8VIS.C2.S1.C9: Ac. STJ de 28/01/2020, nº de processo 2142.16.1T8STR.E1.S1 in jurisprudência.csm.org ECLI:PT:STJ:2020:2142.16.1T8STR.E1.S1;
A violação dos deveres em causa funda-se na errada informação (sobre o reembolso) e caraterísticas do produto subscrito e na omissão de informação sobre o produto em si.
De referir ainda que a atuação do banco R. nos termos apurados igualmente integra a violação dos deveres previstos no diploma que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL 298/92 de 31/12 na redação em vigor à data dos factos). Diploma este que regula o processo de estabelecimento e o exercício da atividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras, visando entre outros fins o de estabelecer um “conjunto de regras de conduta que devem guiar a atuação das instituições de crédito, seus administradores e empregados nas relações com os clientes”, definindo não só deveres gerais da conduta a observar pelas instituições de crédito e seus representantes, como também normas específicas de conduta, designadamente as relacionadas com o segredo profissional, defesa da concorrência e publicidade, fazendo assentar a “atuação das instituições de crédito e outras empresas financeiras em princípios de ética profissional e regras que protejam de forma eficaz a posição do «consumidor» de serviços financeiros” (cfr. preâmbulo do DL em análise).
Entre as regras específicas de conduta, enquadram-se as disposições legais invocadas pelo A. das quais se destacam:
- Artigo 73.º sob a epígrafe “Competência técnica” : “As instituições de crédito devem assegurar, em todas as atividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência.”
- Artigo 74.º sob a epígrafe “Relações com os clientes”: “Nas relações com os clientes os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.”
- Artigo 76º sob a epígrafe “Critério de diligência”: Os membros dos órgãos de administração das instituições de crédito, bem como as pessoas que nelas exerçam cargos de direção, gerência, chefia ou similares, devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações, tendo em conta o interesse dos depositantes, dos investidores e dos demais credores”.
A violação destes normativos e não obstante alguma controvérsia doutrinal sobre a sua natureza, constituem a nosso ver verdadeiras obrigações cuja violação é também geradora de responsabilidade contratual [vide sobre esta matéria Ac. STJ de 19.04.2012, relator SILVA GONÇALVES, e AC STJ de 19.05.2010, relator FONSECA RAMOS, ambos in http://www.dgsi.pt/jstj].
O A. peticionou danos patrimoniais – correspondentes ao valor do capital investido - €50.000,00 não reembolsados. Os quais estão demonstrados. Pelo que o R. está obrigado a pagar tal como decidido pelo tribunal a quo este valor, acrescido de juros de mora desde 28/10/2014 e até efetivo e integral pagamento (Portaria n.° 291/2003, de 8/4 e artigos 805°. n° 2 al. a), 806°, n.°s 1 e 2, e 559°, n° 1. do Código Civil).

Resta analisar a invocada prescrição do direito do A..Nos termos do disposto no artigo 324º n.º 2 do CVM “Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos.”.
A contrario, só no caso de culpa leve ou levíssima prescreve a obrigação de indemnizar do intermediário financeiro neste curto prazo de dois anos.
Existindo culpa grave ou dolo sendo então aplicável o prazo de 20 anos previsto no artigo 309º do CC.
Assim foi decidido nomeadamente no Ac. TRP de 07/01/2013, nº de processo 1015/10.6TVPRT-A.P1 in http://www.dgsi.pt/jtrp onde e analisando precisamente um caso de responsabilidade contratual emergente de atividade de intermediação financeira se afirmaA responsabilidade em causa assume natureza claramente contratual, emergindo do alegado incumprimento de um contrato (de intermediação financeira), sendo-lhe aplicável o regime especificamente previsto para a regulação desse contrato.
Revela-se assim vocacionado para regular a questão da responsabilidade civil do Banco (intermediário financeiro) suscitada nos autos, o regime específico previsto no já referido artigo 324.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, conjugado com o que preceitua o n.º 2 do artigo 304.º-A do mesmo diploma legal: “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.
Em suma, conclui-se do confronto das referidas normas: i) o prazo de prescrição é de dois anos, tratando-se de culpa leve ou levíssima (art. 324.º, n.º 2, do CVM); ii) sendo de 20 anos nos casos de dolo ou de culpa grave (art. 309.º do CC)[5]; iii) sobre o do intermediário financeiro recai a presunção de culpa.”.
Ora a conduta do banco R. apurada e já supra analisada assume um grau de culpa grave. Na verdade informar-se que a aplicação tinha o retorno garantido pelo E… ao contrário do verificado e apresentar-se a mesma sem informar em que consiste o produto ou identificar a entidade emitente, não pode deixar de se considerar como grave.
O a propósito alegado pelo R. para afastar a culpa, invocando a não assunção de qualquer garantia por parte do banco ou de que a alusão a capital garantido não afasta o risco e até corresponde à verdade enquanto caraterística técnica do produto; garantia que que resultava também da relação de domínio entre a entidade emitente e o banco [a esta realidade se reportando entre os mais os factos provados 1.34 a 1.41] releva para aferir do dolo que se entende afastado, mas não para diminuir o grau de culpa que se entende grave no contexto já analisado.
Implicando a improcedência da invocada prescrição.
Em conclusão, ainda que por fundamentos não coincidentes com os da decisão recorrida, mantém-se o decidido pelo tribunal a quo.
*
***
IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, assim confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo R./recorrente.

Porto, 2020-09-08
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
______________
[1] A negrito se realçando os factos objeto de impugnação.
[2] O pedido quanto a danos não patrimoniais foi julgado improcedente pelo tribunal a quo e por nesta parte não ter sido interposto recurso, transitou o assim decidido, excluído portanto do objeto deste recurso.
[3] Vide neste sentido Ac. TRP de 15/11/2018, nº de processo 5780/17.1T8PRT.P1 in www.dgsi.pt/jtrp onde se afirmou: “Em regra, os deveres de informação são deveres laterais.
Porém, atentos os contornos particulares dos regimes legais relativos aos bancos e sua intervenção no mercado dos valores mobiliários, a informação surge como um ponto crucial do cumprimento da prestação principal, de tal forma que, não obstante formalmente cumprida pelo banco a prestação principal, a omissão da informação ou a informação deficiente constitui um incumprimento ou um cumprimento defeituoso daquela prestação.”.

No mesmo sentido vide ainda Ac. do STJ de 10/04/2018, nº de processo 753/16.4TBLSB.L1.S1 no qual se entendeu e tal como consta do respetivo sumário:
I. A proteção dos interesses legítimos dos clientes de produtos financeiros implica, em relação a eles, que o intermediário financeiro indague sobre a sua situação financeira e experiência – o princípio know your costumer, ou, know your cliente no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objetivos de investimento do cliente – nº3 do art. 304º do CVM – devendo observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
II. O dever de conhecimento do perfil do cliente, sobretudo nos casos de investidores não qualificados, a avaliação não só da sua capacidade de investimento como a de suportar o risco inerente ao produto que pretende adquirir, para se ajuizar se certa transação é adequada ao cliente – suitablity test –, impõe ao intermediário financeiro um rigoroso dever pré-contratual de informação, que não se queda pelo padrão do bom pai de família, mas antes, dada a professionalidade do banco/intermediário financeiro, lhe impõe um grau de diligência mais acentuado, devendo atuar como “diligentissimus pater familias”, não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve.
III. O dever contratual de agir de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro, no interesse legítimo dos seus clientes, não é mais, afinal, que o dever de agir de boa-fé, constituindo um dever principal – a prestação propriamente dita no complexo obrigacional a cargo do intermediário financeiro.
IV. A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.
V. O não cumprimento dos deveres de informação é sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual – art. 483º, nº1, do Código Civil –, impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa nos termos do art. 799º, nº1, do Código Civil, sendo claro o nº2 do art. 304-A do CVM quando estatui – “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por violação de deveres de informação.”
[4] Vide neste sentido Ac. STJ de 19/03/2019, nº de processo 3922/16.3T8VIS.C2.S1 in jurisprudência.csm.org ECLI:PT:STJ:2019:3922.16.3T8VIS.C2.S1.C9: Ac. STJ de 28/01/2020, nº de processo 2142.16.1T8STR.E1.S1 in jurisprudência.csm.org ECLI:PT:STJ:2020:2142.16.1T8STR.E1.S1;