Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
206/21.9T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: PRESUNÇÃO DE CULPA
DEVER DE VIGILÂNCIA
PRIVAÇÃO DE USO
EQUIDADE
Nº do Documento: RP20230126206/21.9T8PRT.P1
Data do Acordão: 01/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A norma do art.º 493.º, n.º 1, do CC estabelece uma presunção de culpa que, em bom rigor, é, simultaneamente, uma presunção de ilicitude, de tal modo que, face à ocorrência de danos, se presume ter existido, por parte da pessoa que detém a coisa, incumprimento do dever de vigiar.
II - A pessoa responsável nos termos do artigo 493º, nº1, do CC pode isentar-se da obrigação de indemnizar contra si presumivelmente instituída por dois modos: - provando que cumpriu o dever de vigilância que ao caso cabia (ilidindo, assim, a presunção de culpa); - demonstrando que os danos se teriam produzido igualmente anda que ele tivesse sido observado (relevância negativa da causa virtual).
III - O proprietário privado por terceiro do uso de uma coisa tem, por esse simples facto e independentemente da prova cabal da perda de rendimentos que com ela obteria, direito a ser indemnizado por essa privação, indemnização essa a suportar por quem leva a cabo a privação em causa.
IV - Concluindo-se pelo dano e não sendo possível quantificá-lo em valores certos face aos factos provados, o tribunal deverá recorrer à equidade para fixar a indemnização, nos termos previstos no artigo 566º, nº 3 do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº206/21.9T8PRT.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível do Porto
Relator: Carlos Portela
Adjuntos: António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
AA instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra “Condomínio do Edifício ...”.
Para tanto e em síntese alegou ser proprietário de fracção autónoma habitacional situada no edifício do condomínio réu, fracção que integra, igualmente, um lugar de garagem.
Mais alegou ter dado conta que a tampa de uma chaminé situada no telhado do edifício caiu sobre veículo automóvel sua propriedade, que se encontrava estacionado naquele lugar de garagem.
Pede assim a condenação do réu no pagamento da quantia total de 6.967,00 €, acrescido de juros contados desde a citação
Isto porque tal montante se reporta ao custo da reparação do veículo, às quantias despendidas em aluguer de veículo de substituição, em transportes durante o período de imobilização e, bem assim, a indemnização a título de privação do uso da referida viatura.
Pede, igualmente, a condenação do réu a pagar-lhe compensação relativa aos transtornos causados pela indisponibilidade do veículo, bem como aos gerados durante a resolução da situação.
O réu contestou alegando que efectua regularmente acções de fiscalização sobre o edifício, sendo que a tampa em causa se encontrava, antes da queda sobre o veículo, em perfeitas condições de conservação e devidamente encaixada.
Mais referiu que o evento em causa ocorreu por força de tempestade e dos ventos fortes que nesse dia se fizeram sentir.
Impugnou, ainda, os danos que advieram ao A. a título de “privação do veículo”, bem como o dano decorrente do alegado transtorno causado pela situação em análise nos autos.
Pugnou, assim, pela improcedência da acção.
Mais peticionou a intervenção de “X..., SA”, para a qual havia transferido a responsabilidade pelos danos em apreço.
Foi admitida a intervenção desta entidade, a título acessório.
Contestou a “X...”, impugnando a totalidade dos danos alegados; mais referiu que o evento em análise foi provocado por fenómeno da natureza, sendo de excluir qualquer responsabilidade do “condomínio” na sua ocorrência.
Os autos prosseguiram os seus termos, com a prolação de despacho onde se saneou o processo, se definiu o objecto do litígio e se procedeu à selecção dos temas da prova.
Realizou-se a audiência de julgamento no culminar da qual foi proferida sentença na qual se julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, se condenou o réu Condomínio do Edifício ... a pagar ao autor AA:
- a quantia de 4.192 € (quatro mil, cento e noventa e dois euros), acrescida de juros, à taxa legal civil, a contar da data da citação e até integral pagamento; e
- a quantia de 1.525 € (mil, quinhentos e vinte e cinco euros), acrescida de juros, à taxa legal civil, a contar da presente data e até integral pagamento.
Mais se absolveu o Réu dos restantes pedidos formulados pelo A..
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O réu Condomínio veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
O autor respondeu.
A ré X... veio interpor recurso subordinado.
Foi proferido despacho onde se considerou tempestivo e legal o recurso interposto pelo réu Condomínio.
No mesmo despacho entendeu-se que o recurso subordinado interposto pela ré X... não podia ser admitido por não ser legalmente admissível e interposto fora do prazo legalmente previsto.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso do réu Condomínio como próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelo réu/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões:
I – Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls. ( ) proferida pelo Juízo Local Cível do Porto – Juiz 1, que julgou parcialmente procedente a acção de condenação proposta pelo Autor, condenando o Réu a pagar ao Autor:
- a quantia de 4 192 € (quatro mil, cento e noventa e dois euros), acrescida de juros, à taxa legal civil, a contar da data da citação e até integral pagamento; e
- a quantia de 1 525 € (mil, quinhentos e vinte e cinco euros), acrescida de juros, à taxa legal civil, a contar da presente data e até integral pagamento.
II – A douta sentença entendeu aplicar-se à matéria em discussão o disposto nos arts. 492.º e 493.º do Código Civil, ambos disposições que consagram presunções de culpa do lesante em benefício do lesado.
III – Caberia ao Réu, aqui Recorrente, como tal, demonstrar nos autos que os danos não ocorreram por culpa sua ou que os danos continuariam a verificar-se, ainda que não houvesse culpa.
IV – A douta sentença julgou como provado:
“24 – No dia 19-12-2019, na cidade do Porto, ocorreram rajadas de vento com a velocidade máxima de 90 kms/hora.
25 – A queda da tampa de uma das chaminés existente no telhado do edifício soltou-se por força do vento que então se fazia sentir.
26 – A R. efectua regularmente diligências de verificação do estado das chaminés em causa.”.
V – Ora, não pode exigir-se ao Réu, para prova do cumprimento do dever de vigilância, mais do que aquilo que fez: a verificação regular do estado das chaminés, com vista à sua reparação caso tal se mostrasse necessário.
VI – Não pode em caso algum exigir-se a um homem médio, responsável por manter o bom estado de conservação de um edifício, não só a verificação do seu estado e a realização das obras de manutenção necessárias; mas também a realização de obras que manifestamente não são necessárias.
VII – Não é verosímil pensar que o Réu – que envia propositadamente um funcionário à cobertura do prédio regularmente com o intuito de verificar o estado de conservação das chaminés –, caso verificasse ser necessária alguma reparação, simplesmente não faria a reparação devida,
VIII – A este respeito, veja-se o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01.07.2019, Proc.19413/18.5T8PRT.P1:“para efeitos de ilisão da presunção de culpa prevista no artigo 93º, nº1, do CC, (...)incumbe ao lesante demonstrar que nenhuma culpa lhe pode ser assacada ao nível da vigilância (...), ou seja, que a sua conduta é aquela que teria sido adoptada por um «bonus pater familias», ou seja, de um cidadão medianamente previdente, cuidadoso e diligente, sem se exigir, pois, uma actuação humana excepcional ou anormal, em face das circunstâncias concretas do caso.
Neste sentido, e como é pacífico, a culpa, seja ela sob a forma de dolo ou de negligência, exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias concretas do caso, podia e devia agir de outro modo, evitando, assim, através dessa conduta que lhe era exigível, a produção do dano em causa.”
IX – A douta sentença julgou provado que o Réu efectua regularmente diligências de verificação do estado das chaminés.
X – É essa a sua única obrigação, pelo que é manifesto que cumpriu o seu dever de vigilância e, como tal, ilidiu a supra referida presunção.
XI – O Réu demonstrou – cfr. resulta dos factos provados – que verificava regularmente o estado das chaminés, não tendo verificado qualquer necessidade de reparação.
XII – Resulta dos factos provados que no dia 19-12-2019 ocorreram ventos com rajadas de até 90 kms/hora.
XIII – Assim como resulta dos factos provados que foi o vento que causou a queda da tampa que veio a causar danos no veículo do Autor.
XIV – É aliás a própria sentença que nos diz que os ventos verificados no dia 19-12-2019, de 90 kms/hora, são susceptíveis de causar danos estruturais em construções, pois tal intensidade de vento se situa no grau 10 da escala de “Beaufort”.
XV – O Réu, ora aqui Recorrente, actuou com a diligência devida, garantindo o bom estado de conservação da tampa.
XVI – Mas o Réu nada mais poderia fazer perante um vento anormalmente forte, uma tempestade – cfr. a já supra referida Escala de Beaufort – com capacidade para causar danos estruturais em construções!
XVII – Em suma: perante estes factos provados, nunca deveria a douta sentença ter considerado que o Réu não ilidiu as presunções previstas nos arts. 492.º e 493.º do Código Civil, pelo que não se mostram verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
XVIII – Conforme bem nos diz o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14.05.2020, Proc. 966/18.4T8VFR.P1, disponível em www.dgsi.pt, “Mesmo havendo presunção de culpa, é o lesado que tem que demonstrar a verificação dos demais pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: o facto, a sua ilicitude, o dano, o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.”.
XIX – Não ficaram demonstrados nem quantificados os prejuízos alegadamente sofridos a título de privação do uso do veículo – cfr. factos provados – pelo que inexiste fundamento para condenar o Réu, aqui Recorrente, no pagamento de uma indemnização para compensação desses prejuízos.
XX – O montante da condenação é manifestamente excessivo, pelo que, caso o Réu, aqui Recorrente, deva efectivamente ser condenado no ressarcimento de tal dano – no que não se concede, atento o supra exposto –, deverá a indemnização atribuída a este título ser calculada de acordo com a equidade, nos termos da jurisprudência maioritária, e reduzida para montante não superior a € 5,50 diários, e deverão ainda ser deduzidos os custos suportados pelo Autor em viagens de táxi e transportes públicos.
XXI – Em face de tudo quanto foi exposto, que expressamente se requer a Vs. Exas., Venerandos Desembargadores, se dignem apreciar, deverá ser revogada a douta sentença proferida pelo tribunal a quo, sendo substituída por outra que julgue totalmente improcedente o pedido do Autor, absolvendo o Réu de tudo quanto foi peticionado.
XXII – Quando assim não se entenda, sempre deverá ser revogada a douta sentença na parte relativa à condenação do Réu no pagamento de uma indemnização ao Autor pela privação do uso do veículo.
XXIII – Ou, ainda que assim não se entenda, deverá a mesma ser substituída por outra que condene o Réu, a título de indemnização pela privação do uso do veículo, no pagamento do valor máximo de € 243,89.
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Na sua resposta o autor/apelado conclui pela improcedência do recurso interposto e pela confirmação da decisão recorrida.
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Perante o exposto, resulta claro que são as seguintes as questões suscitadas no recurso do réu Condomínio:
1ª) A verificação (ou não) dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual;
2ª) A eliminação ou redução da indemnização atribuída ao autor pela privação do uso do seu veículo.
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É o seguinte o conteúdo da decisão de facto antes proferida, conteúdo que não foi objecto de impugnação pelo réu Condomínio neste seu recurso:
Factos provados:
1 – O A. reside na fracção autónoma “DM”, correspondente a uma habitação sita no 5º andar do edifício “...”, sito na Avenida ..., Porto.
2 – Integra a fracção autónoma um lugar de garagem na cave do edifício.
3 – O A. é proprietário do veículo de marca “Kia”, modelo “...”, com a matrícula “..-JX- ..”.
4 – Na madrugada do dia 19-12-2019, em hora não concretamente apurada, a tampa de uma das chaminés existente no telhado do edifício soltou-se.
5 – Partiu uma clarabóia de vidro.
6 – Caiu para o interior da garagem do edifício.
7 – E acabou por embater no veículo “JX”, que se encontrava estacionado no lugar de garagem acima referido.
8 – A queda da tampa da chaminé causou ao veículo “JX” os seguintes danos:
- vidro da frente partido;
- limpa pára-brisas esquerdo partido;
- tablier partido;
- capot, tejadilho e pára-choques amolgados e riscados
- quebra da peça que suporta o pára-brisas e faz o escoamento das águas, denominada “torpedo”.
9 – No referido dia 19-12-2019, através do “e-mail” junto como doc. nº18 à petição, o A. comunicou à administração do condomínio o ocorrido, juntando fotografias que documentavam o estado em que ficou a viatura.
10 – No mesmo “e-mail”, o A. solicitou que fosse accionado o seguro multirriscos do condomínio.
11 – A administração do condomínio comunicou o sucedido à “Y..., SA” em 20-12-2019.
12 – A “Seguradoras Unidas” declinou a responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes do sucedido através do doc. nº20 junto à petição.
13 – O R. enviou, em 4-2-2020, ao A. o “e-mail” junto como doc. nº 21, comunicando-lhe a recusa em assumir o custo da reparação do veículo e o aluguer de viatura de substituição.
14 – Face à posição assumida pelo R. e pela “Y..., SA”, o A., em 6-2-2020, ordenou à oficina “J..., SA” a reparação veículo.
15 – A reparação ficou concluída em 28-2-2020.
16 – Pela referida reparação, o A. pagou à “J..., SA” a quantia de 3 756,33 €.
17 – Em 19-12-2019, o sogro do A. encontrava-se doente, carecendo de acompanhamento do A. e da filha, cônjuge do A., que, para esse efeito, se deslocavam diariamente à casa daquele, as vezes que fossem necessárias.
18 – Após o dia 19-12-2019, o sogro do A. foi internado no Hospital ..., em Matosinhos, deslocando-se o A. e seu cônjuge diariamente a este hospital.
19 – O sogro do A. faleceu em 12-1-2020.
20 – A necessidade de acompanhamento permanente do seu sogro levou o A. a proceder ao aluguer de um veículo automóvel entre os dias 20 e 27 de Dezembro de 2019.
21 – Pelo aluguer desse veículo, o A. pagou a quantia global de 325,32 €.
22 – Após o dia 27-12-2019, e dada a indisponibilidade do veículo “JX”, o A., para efectuar as suas deslocações, passou a utilizar transportes públicos e táxis, no que despendeu a quantia global de 110,35 €.
23 – A impossibilidade de utilizar o veículo “JX” causou ao A. transtornos, designadamente, pelas dificuldades de acompanhamento e assistência a seu sogro.
24 – No dia 19-12-2019, na cidade do Porto, ocorreram rajadas de vento com a velocidade máxima de 90 kms/hora.
25 – A queda da tampa de uma das chaminés existente no telhado do edifício soltou-se por força do vento que então se fazia sentir.
26 – A R. efectua regularmente diligências de verificação do estado das chaminés em causa.
Factos não provados:
1 – O A. despendeu 10 horas na resolução do assunto em análise nos autos.
2 – No dia 19-12-2019, na zona onde se situa o referido imóvel, caíram árvores e ocorreram outros danos em edifícios.
3 – A tampa da chaminé que se soltou estava em perfeitas condições de conservação e devidamente encaixada.
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Como antes já vimos, neste seu recurso o réu Condomínio questiona o entendimento subscrito pelo Tribunal “a quo”, segundo o qual o caso concreto configura uma situação de responsabilidade extracontratual concluindo estrem verificados os pressupostos previstos no art.º 483º do Código Civil, dai retirando a obrigação de indemnizar o autor pelos danos sofridos em consequência do sinistro em apreço nos autos.
Não tem no entanto razão nesta sua pretensão como já de seguida veremos.
Segundo o disposto no artigo 1430º, nº1 do Código Civil a administração das partes comuns de um edifício constituído em propriedade horizontal cabe à assembleia de condóminos e a um administrador eleito por aquela.
A assembleia de condóminos dispõe de poderes para controlar, aprovar e decidir todos os actos de administração, competindo ao administrador – que pode ser por aquela exonerado e a quem presta contas (artigo 1435.º n.º 1, do Código Civil) – dar execução às deliberações da assembleia e, bem assim, tomar todas as providências necessárias e adequadas à conservação do edifício, tudo em defesa do interesse comum de todos os condóminos.
De acordo com o artigo 1436.º do citado código comete ao administrador, além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia, um vasto leque de funções próprias das quais se impõe destacar as de realização dos actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns (al. f)).
Por actos conservatórios devem entender-se os actos adequados a evitar a degradação ou destruição do conjunto de elementos que integram as suas partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal, segundo a previsão do art.º 1421º do Código Civil.
O administrador do condomínio tem assim o dever de vigiar o estado de conservação das partes comuns do condomínio de sorte a impedir que nele se ocasionem focos danosos, sendo certo que as chaminés existentes no telhado do edifício dos autos são claramente partes comuns do edifício (art.º 1421º, nº 1, al. d), do Código Civil).
Como já vimos, no caso concreto está em causa a responsabilidade civil do administrador do condomínio pelos danos causados ao recorrente, por não ter verificado se as tampas das chaminés existentes no telhado do edifício estavam em bom estado de conservação e devidamente encaixadas.
Perante o conjunto de factos apurados coloca-se a questão de saber se deve aplicar-se ao caso a norma do art.º 493º, nº1, do CC, cuja redacção é, recorde-se, a seguinte:
“Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido, ainda que não houvesse culpa sua”.
Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 2ª edição, pág.430, “Estabelece-se neste artigo … a inversão do ónus da prova, ou seja uma presunção de culpa por parte de que tem a seu cargo a vigilância de coisas ou animais ou exerce uma actividade perigosa. Abre-se mais uma excepção à regra do nº1 do artigo 487º, mas não se altera o princípio do artigo 483º de que a responsabilidade depende da culpa. Trata-se, portanto, de responsabilidade delitual e não de responsabilidade pelo risco ou objectiva.”
De acordo com o Acórdão do STJ de 10.12.2013, no processo 68/10.1TBFAG.C1.S1, em www.dgsi.pt, “Estabelecendo esta norma uma presunção de culpa que em bom rigor é simultaneamente uma presunção de ilicitude, de tal modo que, face à ocorrência de danos, se presume ter existido incumprimento do dever de vigiar”.
Deste modo, de acordo com a regra geral do artigo 342º, nº 1, do CC, cabe ao lesado demonstrar apenas o dano e o respectivo nexo causal entre o facto (acção ou omissão do lesante) e o dano, presumindo-se, salvo prova em contrário, a cargo do lesante, a ilicitude (omissão do dever de vigilância) e a culpa (diligência na vigilância), enquanto actuação negligente ou imprevidente do obrigado à guarda da coisa, à luz do critério de um “bonus pater famílias” (artigo 487º, nº 2, do CC).
De acordo com o Acórdão do STJ de 7.2.2017, no processo 4444/03.8TBVIS.C1.S1, em www.dgsi.pt., “para afastar a presunção legal de culpa, de acordo com o disposto pelo artigo 493º, nº 1, parte final, do CC, importa que o demandado demonstre a presença e atenção continuadas que o conceito de vigilância pressupõe, não bastando a prática de quaisquer actos genéricos realizados antecipadamente”, “mas não exige ao lesante, para se exonerar da responsabilidade, como acontece com os danos causados no exercício de actividades perigosas, a que se reporta o respectivo nº 2, que demonstre que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para o evitar”.
Ou seja, a pessoa responsável nos termos do artigo 493º, nº1, do CC pode isentar-se da obrigação de indemnizar contra si presumivelmente instituída por dois modos:
- provando que cumpriu o dever de vigilância que ao caso cabia (ilidindo, assim, a presunção de culpa);
- demonstrando que os danos se teriam produzido igualmente anda que ele tivesse sido observado (relevância negativa da causa virtual).
Como acima já se referiu, para efeitos de ilisão de presunção de culpa prevista no artigo 493º, nº1, do CC, para além da hipótese de causa de força maior, incumbe ao lesante demonstrar que nenhuma culpa lhe pode ser assacada ao nível da vigilância das aberturas em causa, ou seja, que a sua conduta é aquela que teria sido adoptada por “um bónus pater famílias”, ou seja, de um cidadão medianamente previdente, cuidadoso e diligente, sem se exigir, pois, uma actuação humana excepcional ou anormal, em face das circunstâncias concretas do caso.
Neste sentido, e como vem sendo entendido, a culpa, seja ela sob a forma de dolo ou de negligência, exprime um juízo de reprovação pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias concretas do caso, podia e devia agir de outro modo, evitando, assim, através dessa conduta que lhe era exigível, a produção do dano em causa
Nos autos o réu Condomínio apenas provou que efectua regularmente diligências de verificação do estado das chaminés situadas no telhado do edifício (cf. facto provado 20).
No entanto e como bem se refere na sentença recorrida, tal demonstração não permite afastar a presunção de culpa que sobre si impendia.
Isto porque para tal, lhe cabia demonstrar que a tampa da chaminé se encontrava em bom estado de conservação e devidamente encaixada, o que não se verificou (cf. facto provado 3).
A este propósito, impõe-se não esquecer, como faz notar o Sr. Juiz “a quo” que “a mera ocorrência dum “sinistro/evento” cuja origem radica numa parte do edifício não demonstrará, desde logo, a inadequada conservação por parte do respectivo proprietário/possuidor”.
Assim para que funcione a presunção de culpa do artigo 492.º do CC é necessário provar-se que a “ruína”, total ou parcial, decorre de vício de construção ou de defeito de conservação.
Como bem se afirma na decisão recorrida, a presunção prevista naquele preceito apenas dispensa a prova do facto presumido (a culpa), mas já não a do facto-base que, no caso daquele normativo, é o vício de construção ou defeito de conservação.
Ou seja, o lesado apenas está dispensado de provar a culpa, mas já não de provar o vício de construção ou de conservação os quais podem provar-se por todos os meios, designadamente através do recurso a presunções judiciais (cf. art.º 351.º do CC).
No caso, verificada que está a quebra da tampa e a sua separação da chaminé, pode presumir-se, na ausência de qualquer outro circunstancialismo verdadeiramente excepcional, que tal ocorreu por incumprimento do dever de conservação dessa parte do edifício.
Nestes termos e como antes já ficou visto, não cabia ao autor/lesado demonstrar a concerta forma pela qual ocorreu esse incumprimento, cabendo sim ao réu/lesante demonstrar que cumpriu esse dever de conservação, tendo a ruína ocorrido por caso fortuito, de força maior ou por acção de terceiro, o que não se verificou.
Em suma, bem se discorreu quando se concluiu que as presunções previstas nos artigos 492º e 493º do Código Civil não foram contrariadas pelo réu Condomínio.
A ser deste modo, também nós subscrevemos a ideia de que no caso estão verificados os primeiros dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstos no nº1 do art.º 483º do Código Civil.
E o mesmo ocorre no que toca ao nexo de causalidade entre a conduta omissiva do réu Condomínio e os danos que sofreu o veículo do autor.
Tudo porque a queda da tampa da chaminé sobre o veículo é idónea, em abstracto, a provocar os danos sofridos por este e antes melhor identificados (cf. facto provado 8).
A ser assim bem andou o Tribunal “a quo”, quando obrigou o réu Condomínio a ressarcir tais danos.
Pelo exposto, impõe-se pois negar provimento ao recurso aqui interposto, confirmando nesta parte o que ficou decidido.
Quanto à indemnização arbitrada pela provação do veículo também não existe qualquer fundamento para alterar o que ficou consignado na decisão recorrida.
Se não vejamos.
Nos autos o autor AA peticionou a quantia de 1.775,00 € a título de indemnização pela privação de uso do seu veículo.
Na sentença recorrida fixou-se em 1.525,00 € a indemnização pela privação do uso “genérica” do veículo.
Conforme refere Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, Volume I - Indemnização do Dano da Privação do Uso, pág.57, nos casos em que a utilização de um veículo constitui um simples meio de transporte para a efectivação de quaisquer deslocações, mesmo de lazer, não está afastada, à partida, a ressarcibilidade do dano emergente da privação do uso do veículo, havendo, quanto aos lucros cessantes, que apurar se a paralisação determinou algum ou nenhum prejuízo, pela existência de alternativas menos onerosas ou com semelhante comodidade ou caso se demonstre que o veículo danificado- não era habitualmente utilizado.
Neste sentido o entendimento que sustenta o Acórdão do STJ de 12.01.2010, no processo 314/06.6TBCSC.S1, em www.dgsi.pt.no qual se referiu o seguinte: “O proprietário privado por terceiro do uso de uma coisa tem, por esse simples facto e independentemente da prova cabal da perda de rendimentos que com ela obteria, direito a ser indemnizado por essa privação, indemnização essa a suportar por quem leva a cabo a privação em causa. A privação do uso do veículo constitui um dano indemnizável, por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade e caber ao proprietário optar livremente entre utilizá-lo ou não, porquanto a livre disponibilidade do bem é inerente àquele direito constitucionalmente consagrado (art.º 62º da CRP).”
Nos autos ficou provado que o autor é proprietário do veículo de marca “Kia”, modelo “...” com a matrícula ..-JX-.., 17 (cf. ponto 3 dos factos provados).
Mais se provou que a reparação do veículo ficou concluída em 28.02.2020.
Perante tais dados entendemos que pese embora o autor não tenha logrado provar que esta privação tenha importado algum dispêndio, o facto de ter privado do uso do seu veículo, desde 19.12.2019, data do sinistro, até 28.02.2020 dada do fim da reparação do veículo se traduziu numa diminuição patrimonial que cumpre reparar.
Impõe-se assim concluir pela verificação do dano, dano esse que não sendo possível quantificar em valores certos, deverá ser ressarcido com recurso à equidade, nos termos previstos no artigo 566º, nº3, do Código Civil.
Na sentença recorrida fixou-se em € 15,00 o valor diário, durante o tempo em que esteve provado do seu veículo, o que perfez o montante total de €1.575,00 (25 € x 63 dias).
No que respeita aos automóveis de uso particular e com vista à fixação da indemnização pela privação do uso, a jurisprudência tem considerado actualmente valores à volta dos €10,00 por cada dia de paralisação (neste sentido e entre outros, cf. os acórdãos desta Relação do Porto de 28.05.2020, processo 289/19.1T8MCN.P1 e da Relação de Guimarães de 11.07.2017, no processo 833/14.0T8VNF.G1, ambos em www.dgsi.pt).
Assim sendo, e com recurso à equidade, afigura-se ser razoável atribuir ao autor o quantitativo diário de €10,00 de 19.12.2019 até 28.02.2020, tudo no total de 630,00 €.
Face ao exposto, procede pois nestes termos o recurso aqui interposto pelo réu Condomínio.
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Sumário (art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso de apelação e, em conformidade altera-se nos seguintes termos a decisão recorrida:
Pela procedência parcial da acção condena-se o réu Condomínio do Edifício ... a pagar ao autor AA a quantia de 630,00 € a título de indemnização pela privação do uso “genérica” do veículo.
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No mais mantém-se o que ficou decidido.
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Custas a cargo de Autor e Réu na proporção dos respectivos decaimentos (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

Porto, 26 de Janeiro de 2023
Carlos Portela
António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço