Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1950/16.8T8MAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: DESISTÊNCIA DO PEDIDO
DESISTÊNCIA DA INSTÂNCIA
ERRO DE ESCRITA
RETIFICAÇÃO DO ERRO
MODIFICAÇÃO DO REQUERIMENTO
Nº do Documento: RP201812181950/16.8T8MAI-A.P1
Data do Acordão: 12/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 863, FLS 52-68)
Área Temática: .
Sumário: I - Não constitui “erro de escrita” rectificável ao abrigo do disposto no art. 146º do C.P.C., a declaração unilateral dos autores em que estes expressamente declaram desistir dos pedidos, vindo posteriormente a dizer que pretendiam desistir da instância, quando no requerimento de desistência identificam expressamente os pedidos de que pretendem desistir e identificam o pedido que mantêm formulado, nada dizendo quanto aos motivos da desistência, que permitissem outra interpretação do declarado.
II - Os princípios da aquisição processual e da estabilidade da instância não obstariam, no caso em que a desistência (do pedido ou da instância) se encontram na livre disponibilidade do autor, que o autor pudesse vir a substituir a primitiva declaração de “desistência do pedido”, por uma declaração posterior de “desistência da instância”, desde que a primeira declaração feita no processo não tivesse chegado ao conhecimento da parte contrária, ou, tendo chegado, esta não a tivesse “aceite especificadamente”, por aplicação analógica do art. 465º nº 2 do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1950/16.8T8MAI-A.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto- Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim- J3

Relatora: Alexandra Pelayo
1º Adjunto: Vieira e Cunha
2ª Adjunta: Maria Eiró

Sumário:
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Acordam os Juízes no Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
B... e C..., intentaram contra D... e E..., acção declarativa cm processo comum, na qual formulam os seguintes pedidos (com numeração nossa para facilidade de exposição):
1-Deve reconhecer-se a resolução efectuada pelos AA do contrato promessa de compra e venda celebrado entre AA e R no dia 23 de Maio de 2013, por incumprimento definitivo da R e em consequência desse incumprimento definitivo, reconhecer-se o direito dos AA fazerem suas todas as quantias entregues pela Ré a título de sinal até esta data;
2-Deve a R ser condenada a proceder á entrega do imóvel aos AA no prazo de 30 dias,
3-Deve ainda a Ré ser condenada a pagar aos AA o valor de 3.000.00 mensais, correspondendo ao valor de mercado que os AA poderiam obter em caso de arrendamento do imóvel, contados desde a data em que operou a resolução do contrato promessa de compra e venda, ou seja, a 15 de Janeiro de 2016, até à data da efectiva entrega do mesmo aos AA, uma vez que a R permanecesse na posse do imóvel, sem autorização daqueles, valor que actualmente se cifra em 10.500,00 + IVA, correspondendo á utilização nos meses de Janeiro (1/2 mês, Fevereiro, Março e Abril de 2016),
4-Sem prejuízo dos meses que entretanto se vencerem á razão de 3.000,oo euros, acrescidos de Iva/mês até que a Ré proceda á efectiva entrega, calculando-se proporcionalmente caso se verifique a entrega em fracção de mês,
5-Mais requer a declaração da resolução do contrato de cessão de exploração celebrado entre AA e R no dia 23 de maio de 2013, por incumprimento contratual da Ré,
6-Fixando-se prazo não superior a 30 dias para a entrega do estabelecimento de Lar com todos os equipamentos, materiais e tudo mais que o compõe em bom estado de conservação e com o mesmo número de utentes existente á data de celebração do contrato de cessão de exploração, sob pena de, não o fazendo, ser obrigada a indemnizar as AA pelo números de utentes em falta,
7-Deverá ainda fixar-se uma sanção compulsória no valor de 100,00 euros a pagar pela Ré aos AA, por cada dia de incumprimento do prazo de entrega que vier a ser fixado até efectiva entrega do estabelecimento aos AA,
8-E caso se verifique o decréscimo do numero de utentes existentes á data de celebração do contrato de cessão de exploração, deve ainda a Ré ser obrigada a indemnizar os AA, indemnização essa que, por cada utente em falta, não deverá ser inferior ao valor médio mensal por referencia ao período de 12 meses das avenças mensais de prestação de serviços aos utentes, devendo a indemnização ser calculada com base naquele valor médio mensal pelo período de um ano, por cada utente em falta (valor médio das avenças x 12/meses/utente),
9-Tudo acrescido de juros, á taxa legal, desde a citação até á efectiva entrega do imóvel e do estabelecimento e até integral pagamento das quantias aqui peticionadas.
Contestou a Ré, tendo deduzido pedido reconvencional contra os AA.
Terminados os articulados, foi realizada audiência prévia, vindo a ser proferido despacho saneador em 11.7.2017, que identificou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova, prosseguindo a acção para julgamento.
Os AA juntaram ao processo, em 7.11.2017, um requerimento, declarando que “desistem do pedido formulado nos presentes autos quanto ao contrato de cessão de exploração, nomeadamente do pedido de declaração de resolução do contrato, da fixação de prazo para entrega do estabelecimento e da sanção pecuniária compulsória peticionada quanto à mora na entrega do estabelecimento. (matéria de facto dos arts. 29 a 539 da p.i) e Mantêm o pedido formulado quanto à apreciação do contrato promessa de compra e venda (…)”.
Mais tarde, em 30.11.2017, vieram “aclarar que a desistência que apresentaram respeitou à instância”.
Com data de 15.3.2017 o tribunal veio a proferir despacho que apreciou a questão da “desistência”, nos seguintes termos: “Assim sendo, e ao abrigo do disposto nos arts. 236º e 249º do mesmo C.C., defiro á pretensão dos AA, de que a desistência que apresentaram nos presentes autos se refere não ao pedido, mas á instância”.
Inconformados com este despacho, interpuseram recurso os RR, D... e E..., formulando as seguintes conclusões:
1. Os autores formularam nesta ação dois pedidos principais, um relativo ao incumprimento do contrato promessa por parte dos autores e outro respeitante à resolução do contrato de cessão de exploração de um Lar de Terceira Idade, que os recorrentes exploram.
2. Tudo após a data da audiência prévia e o trânsito em julgado do despacho saneador, vieram os autores desistir do pedido da resolução da cessão de exploração por requerimento de 7-11-2017, especificando que a desistência abrangia os diferentes pedidos deduzidos contra os recorrentes, como mensalidades vencidas, compensação indemnizatória, sanção pecuniária, mantendo, contudo, o pedido formulado quanto à apreciação da resolução do contrato promessa de compra e venda e inerentes pedidos.
3. Os recorrentes não se opuseram, aceitando a desistência do pedido, frisando que a mesma constituiria caso julgado relativamente à outra ação, processo nº 2929/17.8T8MAI, J2, da Instância Local Cível da Maia.
4. Os autores declararam ainda que mantinham o primeiro pedido referente ao incumprimento do contrasto promessa de compra e venda.
5. Em 1-2-2017, os autores apresentaram novo requerimento esclarecendo que a desistência que apresentaram fosse considerada desistência da instância, que por lapso haviam mencionado como sendo pedido, sustentando que a mesma tinha sido suscitada na sequência da tentativa de conciliação na Pequena Instância Cível da Maia, na qual se discutia a insubsistência do contrato de cessão de exploração, por forma a obstar à exceção de litispendência.
6. A realidade é outra, pois o suscitado foi a exceção da litispendência no articulado da contestação, frisando que havia uma questão prejudicial preexistente a conhecer no âmbito da ação instaurada no Tribunal da Póvoa do Varzim, o que se infere do teor da própria ata da tentativa de conciliação do Tribunal da Maia.
7. Entendeu a Senhora Juíza que embora os autores tivessem mencionada a desistência do pedido, a sua intenção seria outra, ou seja, a desistência da instância e que o erro constituía um mero lapso.
8. Por força desse entendimento, decretou a absolvição da instância dos réus, sem qualquer fundamento de facto e legal, sem apreciar e examinar o teor do requerimento que expressa clara e inequivocamente a vontade e o querer dos autores, que era o da desistência do pedido.
9. Assim, foi violado também o nº 1 e 2 do artigo 286º do CPC, que condiciona a admissibilidade da desistência da instância depois do oferecimento da contestação à notificação e aceitação prévia dos réus.
10. De igual modo, fica irremediavelmente prejudicado o pedido reconvencional a própria reconvenção dos réus que invocaram em sede da causa de pedir e no pedido reconvencional, o direito de retenção do estabelecimento, em caso da procedência do pedido, face a uma antecipada restituição do estabelecimento, a decretar eventualmente pelo Tribunal da Maia, pelo que se violou o nº 2 do artigo 286º do CPC.
11. A formulação da desistência da instância expressa-se, sem mais, através daqueles dois vocábulos e não de forma pensada, explícita, precisa e extensa como o revela a desistência do pedido, o que reiterou no requerimento enviado ao Tribunal da Maia, anexando àquele, igualmente, cópia do requerimento da desistência do pedido já entregue no Tribunal da Póvoa do Varzim.
12. Ora, tal intenção e vontade de desistir da instância, contida no requerimento da desistência de pedido foi regular e devidamente entregue no Tribunal da Póvoa do Varzim enquanto o da desistência da instância teria de ser entregue ao processo pendente no Tribunal da Maia, por ser o mais recente, e nunca por nunca, aos autos da ação declarativa da Póvoa do Varzim, tanto mais que esta ação foi proposta pelos autores em 2016 e a segunda em 2017, no Tribunal da Maia.
13. A Senhora Doutora Juiz ordenou que fossem solicitados e juntos a estes autos, os articulados da segunda ação, tendo concluído no seu despacho que, de facto, os réus tinham razão em invocar a exceção de litispendência no âmbito daqueles autos da Maia.
14º- Logo, a desistência da instância, a verificar-se e a decretar-se, seria da competência do Tribunal da Maia e não da competência do Tribunal da Póvoa do Varzim, tendo em conta que a desistência unipessoal da instância só é possível antes da contestação, e, depois desta, só com a aceitação dos réus.
15º- Os autores redigiram o documento firmado pela sua mandatária numa forma concisa, lógica e objetiva, precisando os factos da matéria fáctica que consideravam por não escritos, pormenorizando os pedidos incluídos na desistência, isto é, houve uma declaração séria, credível e convincente.
16º- O despacho da validação da retificação do requerimento da desistência do pedido, em desistência da instância, proferido pela Senhora Doutora Juiz, enferma de uma dupla nulidade: por um lado, era necessária a prévia notificação e aceitação por parte dos réus, quanto à desistência da instância e só após estes ouvidos seria, então, decretada a extinção; por outro, face à litispendência invocada, não era da sua competência, mas do Tribunal da Maia, decretar, ou não, a suspensão da instância, ou, então, declarar a procedência da exceção da litispendência.
17º- Igualmente, o Tribunal não apreciou nem tomou em consideração a convicção segura da seriedade da declaração emitida pelos autores, de tal forma que os réus, destinatários daquela, a tomaram como credível e definitiva, como qualquer cidadão normal agiria e aceitaria face a igual declaração pelo que não houve erro na declaração, nos termos do artigo nº 247º do CC.
18º- Há erro de julgamento por parte do julgador pois que, ao contrário do afirmado no douto despacho, não há similitude alguma em declarar a desistência da instância e a desistência do pedido, divergindo estas palavras quanto ao seu significado e também quanto ao conceito jurídico que contêm, o que está conforme com o cuidadoso teor explicativo explanado pelos autores no seu requerimento, alertando, até, para os efeitos jurídicos que pretendiam ver extintos relativamente aos artigos alegados na matéria de facto na sua PI e aos pedidos indemnizatórios.
19º- Deduzida a exceção da litispendência, no âmbito do processo nº 2929/17.8T8MAI, Juízo Local Cível da Maia, Juiz 2, e dela tomando conhecimento, a Senhora Doutora Juiz do processo nº 1950/16.8T8MAI, da Instância Central da Póvoa do varzim, Juiz 3, através dos articulados da segunda ação aos da primeira, analisada que foi, conforme consta no despacho, nunca a da instância poderia ser decretada, mas sim a desistência do pedido.
20º- Há excesso de pronúncia do julgador ao pronunciar-se sobre a existência da litispendência, exceção essa do conhecimento exclusivo do Juiz do Tribunal da Maia, o que determinaria, então, caso se entenda o contrário, que declarasse a existência de litispendência e a sua incompetência para homologar a desistência da instância.
21º- Assim, ao convalidar a desistência do pedido, em desistência da instância, sem fundamento algum, frustrou o Tribunal da Póvoa do Varzim que o Tribunal da Maia apreciasse e decretasse a procedência da exceção da litispendência e, como tal, a absolvição da instância naquele processo.
22º- O despacho em causa, que reconheceu e determinou a extinção da instância violou os artigos 284º e 286º do CPC, bem como, o artigo 247º e 248º do CC.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser admitido, julgado procedente por provado; por via disso a condenar-se os autores e, consequentemente:
A) Declarar-se nulo o despacho que reconheceu que houve lapso na declaração de emitida pelos autores, quanto à desistência do pedido da resolução do contrato de cessão de exploração do estabelecimento;
E, como tal, sem prescindir e por mera cautela, subsidiariamente,
B) Declarar-se válida e eficaz a declaração da desistência do pedido formulado pelos autores, absolvendo-se os réus do pedido;
Sem prescindir e por mera cautela, subsidiariamente,
C) Declarar-se nulo e sem efeito algum e, como tal, inválido, o despacho proferido que entendeu que a intenção dos autores era a de desistir da instância, e isto após a apresentação da contestação por parte dos réus, sem a sua aceitação ou acordo, violando-se frontalmente o disposto no nº 1, do artigo 286º, do CPC;
Se assim não se entender,
D) Considerar-se, igualmente, séria, pensada, precisa e objetiva a declaração expressa, correspondente à vontade e ao querer dos autores,
e, como tal, revestida de credibilidade e aceitação normal quando notificada e recebida pelos réus destinatários, declarando-se válida e eficaz a desistência do pedido formulado pelos autores;
Se assim não se entender,
E) Declarar-se indesculpável o erro ou lapso dos autores, procedente de culpa grave, de tal forma que não teria incorrido uma pessoa dotada de normal inteligência e, como tal, revogar-se o despacho que retificou e convalidou a desistência do pedido em desistência da instância.
F) Declarar-se sempre que houve erro de julgamento por parte do julgador ao não subsumir o teor vertido voluntariamente pelos autores à previsibilidade da Lei.
As contra-alegações dos AA não foram admitidas por despacho proferido em 4.10.2018.

II - OBJETO DO RECURSO
A questão decidenda delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em saber:
-se o despacho que reconheceu a existência de erro da declaração dos AA enferma do vício da nulidade;
-se houve excesso de pronúncia;
-se é rectificável o invocado erro de escrita dos AA, ao dizerem que desistem “do pedido”, quando queriam “desistir da instância”;
-se a declaração de desistência do pedido feito pelos autores deve ser considerada válida e eficaz.

III – FUNDAMENTAÇÃO
Dão-se por reproduzidas as peças processuais acima descritas no relatório, precedendo-se á transcrição das seguintes para melhor se compreender o objecto do recurso:
-Com data de 7.11.2017, os AA apresentaram nos autos requerimento com o seguinte teor (fls. 135): “B... e esposa, Autores nos autos à margem epigrafados, vêm junto de V exa declarar que:
- Desistem do pedido formulado nos presentes autos quanto ao contrato de cessão de exploração, nomeadamente do pedido de declaração de resolução do contrato, da fixação de prazo para entrega do estabelecimento e da sanção pecuniária compulsória peticionada quanto à mora na entrega do estabelecimento. (matéria de facto dos arts. 29 a 539 da p.i).
Mantêm o pedido formulado quanto à apreciação do contrato promessa de compra e venda, mantendo-se assim como objecto do processo a apreciação da “resolução do contrato de promessa de compra e venda e correspondente pedido indemnizatório dos AAs, enquanto cedentes, por incumprimento definitivo da Ré, enquanto cessionária”. (a utilização do “bold” e sublinhado ora reproduzidos, são da autoria dos declarantes).
-Os AA juntaram aos autos procuração com poderes especiais para “confessar, transigir e desistir do pedido da instância”, em 14.11.2017 (fls. 164 e ss).
-Àquele requerimento, responderam os RR, em 20.11.2017 (fls. 166 e ss ), dizendo o seguinte: “(…) Ora analisando a desistência do pedido, os autores declaram perentoriamente que desistem do pedido da declaração de resolução do contrato de exploração, bem como, da fixação de prazo para a entrega do estabelecimento, além do valor da sanção pecuniária compulsória e, inclusivamente, de quaisquer penalidades indemnizatórias alegadas nos artigos 43º, 44º, 45º, 46º e 47º na PI, mencionando que a ré é devedora da quantia de €9.000,00 mensais.
Os autores dão por não alegados e sem qualquer efeito a matéria de facto vertida nos arts 29º a 53º da pi, em razão da desistência do pedido, extinguindo-se desta forma o direito que se pretendia fazer valer da instância- art. 277º e 285º nº 1, ambos do CPC.
Tendo desistido do pedido de resolução de exploração e do valor das indemnizações referidas, nesta ação, a sua homologação judicial determinará uma situação de caso julgado face a outra ação já proposta ou a propor pois que estamos perante a tríplice Identidade de sujeitos, de causa de pedir e de pedido, Independentemente dos valores de indemnização reclamados, uma vez que o real pedido é o reembolso Integral a que alegadamente os autores teriam direito na causa de pedir e no pedido. (Ac. STJ, de 14.7.2009: Processo 115/06.1TBVLG.Sdgsi.Net).”
-Na sequência desta resposta, os AA apresenta requerimento, em 30.11.2017, (fls. 169) com o seguinte teor:
“B... e esposa, Autores nos autos à margem epigrafados vem junto de Vossa Excelência aclarar que a desistência que apresentaram respeitou à instância quanto ao pedido formulado quanto ao contrato de cessão de exploração uma vez que o mesmo se encontra a ser objecto de discussão no âmbito do processo nº 1950/16.ST8MAI, não pretendendo assim desistir do pedido porquanto o mesmo se está a ser apreciado naqueles autos, mas de facto do seu anterior requerimento entendimento pode a resultar.”
-E nesse mesmo dia, apresentam novo requerimento fls. 171 e 172, com o seguinte teor:
B... e esposa, Autores nos autos à margem epigrafados vêm junto de Vossa Excelência requerer a rectificação do seu anterior requerimento enviado hoje, que padece de lapsos de escrita e de erro no número do processo indicado, juntando assim o mesmo requerimento devidamente rectificado. Junta: 1 requerimento
Seguido do seguinte requerimento:
“Processo n2 1950/16.8TSMAI
Juiz 3
B... e esposa, Autores nos autos à margem epigrafados vem junto de Vossa Excelência aclarar que a desistência que apresentaram respeitou à Instância quanto ao pedido formulado quanto ao contrato de cessão de exploração uma vez que o mesmo se encontra a ser objecto de discussão no âmbito do processo n2 2929/17.BT8MAI, em curso no Juiz 2 — Instância Local da Maia, não pretendendo assim desistir do pedido porquanto o mesmo se está a ser apreciado naqueles autos, mas de facto do seu anterior requerimento outro entendimento podia resultar.”
-E com data de 1 de Dezembro (fls. 173 e ss) os AA juntam ainda outro requerimento com o seguinte teor:
“B... e esposa, Autores nos autos à margem epigrafados, vêm, requerer a V. exa se digne admitir a junção aos autos da Acta de Tentativa de Conciliação referente ao processo n.° 2929/17.8 T81\L\I, em curso Juiz 2 da Instância Local da Maia, que decorre entre as mesmas partes do presente processo e no qual se discute a validade e subsistência do contrato de cessão de exploração sobre o qual os ÀAs. Aqui vieram apresentar desistência.
Contudo, por lapso de que se penitencia, quando apresentou desistência do pedido, tal solicitação referia-se aos “pedidos” de forma genérica formulados quanto ao contrato de cessão de exploração, ou seja à desistência da instância quanto a este contrato e não propriamente desistência do pedido em sentido formal, pois este encontra-se a ser apreciado na acção que decorre na Instância Local da Maia. Tal desistência do pedido obsta à sua apreciação naquela outra acção.
Com vista a obstar a litispendência comprometeram-se os AAs a vir desistir da apreciação do contrato de cessão de exploração no processo que decorre termos neste Tribunal a fim de o mesmo poder ser apreciado naquela acção 2929/17.8 T8L’L\1, para o que foi concedido o prazo de 10 dias, cfr resulta da Acta ora junta sob o doc. n.° 1.
Pelo que respeitosamente requer que a desistência respeite à INSTÂNCIA e não ao PEDIDO, como por lapso formalmente indicou, pese embora, cfr. resulta já dos autos, a intencionalidade da desistência respeitasse à Instância.”
-Pronunciaram-se os RR, mediante requerimento de 14.12.2017, (fls. 176 e ss) no sentido de dever ser o requerimento dos autores indeferido e, como tal, julgar-se e determinar-se pela validade e homologação da desistência do pedido inicial com as legais consequências.
-Veio a ser proferido o despacho ora sob recurso, em 15.3.2018, que após mencionar os requerimentos e respostas aos mesmos acabados de referir, decidiu nos seguintes termos: “(…) Cumpre decidir, para o que importa ter presente o teor do requerimento dos AA que deu origem á questão ora em apreço e que, com interesse, consiste em, por uma lado “desistem do pedido formulado nos presentes autos quanto ao contrato de cessão de exploração” e, por outro “Mantêm o pedido formulado quanto á apreciação do contrato promessa de compra e venda, mantendo-se assim como objecto do processo a apreciação da resolução do contrato promessa de compra e venda”.
Se bem se percebe, o que os AA dizem com a segunda parte do seu requerimento é que, em consequência da desistência, se mantem como objecto da acção a matéria relativa ao contrato promessa de compra e venda, dele ficando excluída, portanto a matéria relativa ao contrato de cessão de exploração.
Como ensina Lebre de Freitas, “A desistência da instancia consiste na declaração expressa do autor de que quer renunciar á acção proposta, sem simultaneamente renunciar ao direito que através dela pretendeu fazer valer” (In Código de Processo Civil Anotado, Vol I, Coimbra Editora, pg 524).
Ora, ao considerar objecto do processo o contrato promessa de compra e venda e respectivos pedidos, afigura-se-nos que os AA definiram o âmbito da acção, renunciando á mesma, na parte não incluída nos limites dessa definição, o que justamente só podiam fazer por via da desistência da instância e não por via da desistência do pedido cujos efeitos não seriam os de eliminar da acção parte do seu objecto.
Ao que vem de se dizer, se juntarmos a existência duma outra acção com partes e objecto idênticos aos da presente, em que aquando da desistência em causa, já havia sido realizada tentativa de conciliação, sem que os AA a ela tenham posto fim, afigura-se-nos que a dita desistência, embora tenha sido mencionada como sendo do pedido, não pode deixar de ter o sentido, inclusive para os RR, de uma desistência da instância, que só por lapso, atenta a similitude das expressões, não foi a expressa.
Assim sendo, e ao abrigo do disposto nos arts. 236º e 249º do mesmo C.C., defiro á pretensão dos AA, de que a desistência que apresentaram nos presentes autos se refere não ao pedido, mas á instância.
Notifique”.

IV – APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS:
Antes de mais, convém precisar que o que está em causa neste recurso é o despacho proferid0 em 15.3.2017, que acabamos de (parcialmente) transcrever, o qual apreciou a pretensão dos AA, aqui Recorridos, de verem “aclarado” e mais tarde “rectificado” o seu anterior requerimento de 7.11.2017.
O presente recurso tem assim por objecto o despacho que apreciou o (os) requerimento (s) dos AA, em que aqueles pedem a rectificação do primitivo requerimento de desistência do “pedido formulado nos presentes autos quanto ao contrato de cessão de exploração”, dizendo que a desistência respeitou á instância, sendo que, tal como decorre do despacho proferido, o tribunal a quo limitou-se a acolher a pretensão “rectificativa” dos AA, decidindo que a desistência que apresentaram nos presentes autos se refere não ao pedido, mas á instância”.
No despacho são citados os arts. 236º e 249º do Código Civil, os quais se referem á interpretação do sentido da declaração (art. 236º) e ao erro de cálculo ou de escrita (art. 249º). Ou seja, o tribunal procede unicamente á rectificação da declaração dos AA, no sentido preconizado por estes. Não se pronuncia nem sobre a validade, legitimidade, e efeitos do requerimento apresentado pelos AA, não proferindo sentença homologatória daquela desistência, que teria como efeito, a extinção parcial da instância (cfr. art. 285º nº 2 e 277º al d) do C.P.C.).
Também decorre daquele despacho que o tribunal a quo não procede á apreciação de qualquer exceção dilatória, como seja a da litispendência, que a ser acolhida implicaria também uma decisão que pusesse termo á causa (cfr. art.s 577º al i) e 576º nº 2 do CPC), o que também não ocorre.
Isto para dizer que incorrem em erro manifesto os aqui recorrentes, quando partem do pressuposto que o tribunal homologou a desistência da instância, assim como conheceu da exceção da litispendência no despacho recorrido.
Na verdade o tribunal limitou-se a rectificar o “lapso de escrita”, não tendo, porém, tomado (ainda) posição quanto ao pedido de desistência “rectificado” apresentado pelos AA., o que implicaria desde logo a prolação de sentença homologatória da desistência, pondo termo á causa e condenando em custas, o que não ocorre manifestamente no despacho sub judice.
Significa isto que fica desde logo prejudicada a apreciação das questões suscitadas pelos Recorrentes nas conclusões supra 8, 9, 14, 16 e 19 e 20, relativas á “dupla nulidade” do despacho recorrido por inexistir “prévia notificação e aceitação por parte dos réus, quanto à desistência da instância” e por não “ser da sua competência, mas do Tribunal da Maia, decretar, ou não, a suspensão da instância, ou, então, declarar a procedência da exceção da litispendência.” Concomitantemente também a nulidade do despacho invocada por excesso de pronúncia, tinha por pressuposto aquelas duas premissas, de que o tribunal deferira o pedido de desistência da instância e conhecera da litispendência.
No despacho sob recurso, o tribunal claramente não apreciou tais questões, tendo-se limitado, como dissemos, a rectificar um lapso de escrita, a requerimento dos AA.
Posto isto, teremos de nos concentrar no objecto deste recurso que passa pela discordância dos Recorrentes do entendimento que foi sufragado pelo tribunal a quo, ao acolher a pretensão dos AA/Recorridos, rectificando o lapso na declaração daqueles, constante do primitivo requerimento de desistência de 7.11.2017, o que se resume à apreciação de uma questão de direito.
O que há então que apurar é se efectivamente os AA cometeram um lapso, um erro, no requerimento de 7.11.2017 e se tal lapso é ou não rectificável.
Haverá para tanto que considerar que, para além das normas citadas no despacho recorrido, (os artigos arts. 236º e 249º do Código Civil), o CPC, na sua versão de 2013, acolheu um “novo” preceito, (na esteira aliás do já existente para a correcção das sentenças e despachos- art- 613º nº 2 e 3 do CPC), que é o art. 146º do CPC, que acolheu precisamente o critério estabelecido no art. 249º do C.Civil, para os atos praticados pelas partes no processo, sendo o seu campo de aplicação o suprimento de deficiências formais de atos das partes.
Estabelece esta norma, sob o título “suprimento de deficiências formais de atos das partes”, o seguinte:
“1-É admissível a rectificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada.
2-Deve ainda o Juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento ou a correcção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou correcção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa.”.
Este preceito insere-se no desiderato do CPC na versão de 2013 de evitar que aspectos meramente técnicos ou formais possam impedir ou condicionar a apreciação do mérito da causa e a obtenção da justa composição do litígio, prosseguindo assim uma das concretizações do proclamado primado da substância sobre a forma e do justo equilíbrio que deve ser alcançado com a aplicação dos princípios que regem o processo civil.
Com efeito do art. 6º do CPC resulta a afirmação de dois “pilares fundamentais processo civil: o da instrumentalidade dos mecanismos processuais em face do direito substantivo e o da prevalência das decisões de mérito sobre as decisões formais. O direito adjectivo só existe porque existe direito substantivo integrado por normas que, de modo abstrato e generalizado, concedem direitos, fixam obrigações ou impõe ónus ou limitações. Em caso de conflito de interesses, impõe-se a intervenção reguladora do juiz com funções de tutela de direitos subjectivos ou de interesses juridicamente relevantes. De tudo isto deriva a sobreposição do direito substantivo ao direito processual, relação que só deve inverter-se quando a boa administração da justiça imponha outra solução”, nas palavras de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Sousa, in CPC anotado, pg 32.
Não pode porém ser adotado um critério que abra a porta a todos os desleixos e que desculpe todas as imprevidências pois que isso seria a negação e subversão de toda a disciplina processual relativa a prazos e preclusões, mas por outro lado, não se deve cair no extremo oposto, fechando-se a porta a todos os obstáculos que possam surgir à prática atempada dos actos. Isto é, há que encontrar o justo equilíbrio entre as duas tendências opostas. (Neste sentido o Ac TRL de 28.04.2009, disponível em www.dgsi.pt).
No caso em apreço importará antes de mais, apurar se estamos perante uma “deficiência formal” em ordem a saber se admite rectificação.
Os AA, após ter sido proferido despacho saneador, juntaram aos autos um requerimento com os seguintes dizeres:
Os AA (…) vêm junto de V exa declarar que:
- desistem do pedido formulado nos presentes autos quanto ao contrato de cessão de exploração, nomeadamente do pedido de declaração de resolução do contrato, da fixação de prazo para entrega do estabelecimento e da sanção pecuniária compulsória peticionada quanto à mora na entrega do estabelecimento. (matéria de facto dos arts. 29 a 539 da p.i).
Mantêm o pedido formulado quanto à apreciação do contrato promessa de compra e venda, mantendo-se assim como objecto do processo a apreciação da “resolução do contrato de promessa de compra e venda e correspondente pedido indemnizatório dos AAs, enquanto cedentes, por incumprimento definitivo da Ré, enquanto cessionária”.
A instância é a relação jurídica processual e inicia-se com a propositura da acção (cfr. art. 259º nº 1 do C.P.C.).
“Com a proposição da acção constitui-se a instância (art. 259º-1), como relação jurídica entre o autor (solicitante da providência jurisdicional) e o tribunal (a quem a solicitação é dirigida). O ato de proposição produz efeitos em face do réu, com a citação (art. 259-2), ato mediante o qual a relação jurídica se converte de bilateral em triangular e se torna em principio estável (art. 260). O termo instância traduz, a partir daqui, a ideia de relação, por natureza dinâmica, existente entre cada uma das partes e o tribunal, bem como entre as próprias partes na pendência da causa, isto é até que ocorra alguma das causas de extinção previstas no art. 277º)”, nas expressivas palavas de Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, pg 160.
O pedido, segundo Antunes Varela (Manual do Processo Civil, pág. 320) é “o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor”. Manuel de Andrade (in Noções Elementares de Processo Civil) define-o como sendo “a enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar”.
Constitui o pedido um elemento objectivo da instância, com repercussão interna (como elemento integrador da instância e com reflexos a nível da decisão final) e com eficácia externa (relacionada com o caso julgado), pelo que não podem subsistir dúvidas ou incertezas quanto àquilo que é pretendido pelo autor e quanto ao objecto da actividade jurisdicional.
Instância e Pedido são assim conceitos jurídicos que não se confundem, apesar de interligados. O processo (ou a instância) só se inicia por impulso do Autor, com o pedido por este dirigido ao Tribunal.
Cabendo-lhe iniciar a instância, o autor mantém disponibilidade sobre a mesma. Cabe-lhe assim o poder de desistir da instância, assim como lhe cabe desistir do pedido se assim o entender.
A desistência da instância consiste na declaração expressa da parte de querer renunciar á acção proposta, mas sem renunciar ao direito que através dela pretendeu fazer valer. A desistência da instância faz por isso cessar o processo, sem contudo extinguir o direito do existente.
É um ato unilateral, que apenas depende da aceitação do réu, se este já tiver tido intervenção no processo com oferecimento da contestação (cfr. art. 286º nº 1 do CPC).
A desistência do pedido, segundo Miguel Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Novo Processo Civil, págs. 205 e 206), é o negócio unilateral através do qual o autor reconhece a falta de fundamento do pedido formulado.
Com efeito, a desistência do pedido representa o reconhecimento pelo autor de que a situação jurídica alegada não existe ou se extinguiu, arrastando consigo a extinção da situação jurídica que pretendia tutelar (artigo 295º, nº 1), ou constitui a situação que o autor negava. A mesma pode ser total ou parcial (artigo 293º, nº 1).
Trata-se de manifestações do princípio do dispositivo, mas a desistência da instância e a desistência do pedido, que se encontram na disponibilidade do autor (ou do réu reconvinte), dependendo da sua vontade, (cfr. arts. 279º e 283º do C.P.C.), e obedecendo a idêntico formalismo (cfr. art. 290º do C.P.C.), implicando ambas um efeito comum que é a extinção da instância (cfr. art. 277º al d) do CPC), são, porém, também eles conceitos que não se confundem, sendo diversos os seus pressupostos (cfr. arts. 283º e 286º do C.P.C. – a desistência do pedido é livre, apena não prejudicando a reconvenção, a não ser que o pedido reconvencional dependa do pedido formulado pelo A, e a desistência da instância depende da aceitação do Réu, se requerida depois do oferecimento da contestação), nem quanto aos seus efeitos (cfr. art. 285º do C.P.C- a desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer (nº 1) e a desistência da instância apenas faz cessar o processo que se instaurara, sem obstar que o A possa propor nova acção com o mesmo objecto (cfr. art. 279º nº 1 do CPC).
Ambas as situações impedem que o tribunal venha a proferir uma decisão mérito que ponha cobro á questão submetida á apreciação o tribunal, porque ambas as situações conduzem á extinção da instância.
A desistência do pedido faz extinguir o direito que o autor pretendia fazer valer através da acção, tornando inútil o prosseguimento da causa; e a desistência da instância faz extinguir a causa, pura e simplesmente sem que haja decisão de mérito.
Tendo presente que os conceitos de “pedido” e de “instância” se não confundem, assim como não são confundíveis no âmbito da conformação da instância, a desistência da instância e a desistência do pedido, vejamos agora se é admissível a rectificação do invocado erro de escrita dos AA quando escreveram que “desistem do pedido formulado nos presentes autos quanto ao contrato de cessão de exploração (…)” e afinal queriam dizer que “desistiam da instância quanto ao pedido formulado quanto ao contrato de cessão de exploração”.
Estamos perante um erro de escrita rectificável?
O Tribunal a quo entendeu que sim, afigurando-se-nos porém “algo forçados” os argumentos utilizados, no sentido de tentar descortinar nas expressões utilizadas pelos AA, através da sua mandatária, uma vontade daqueles e um contexto (relacionado com outra acção judicial pendente noutro tribunal) apenas revelados no processo em momento posterior, que não no requerimento apresentado, onde a declaração de desistência é feita.
Como vimos, a rectificação de tal “erro de escrita” apenas é admissível no contexto do art. 146º do C.P.C. citado, ou seja se for revelado no contexto da peça processual apresentada.
Não podemos também esquecer, que em sede de interpretação da vontade rege ainda o art. 236º do C.C que nos fornece critérios de interpretação da vontade negocial.
No art. 236º e ss. do C.C. são estabelecidos critérios de interpretação da vontade negocial, em ordem a fixar o alcance ou sentido juridicamente decisivo da declaração negocial.
Esta valerá assim e de acordo com o citado art. 236º, com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”, não podendo nos negócios formais a declaração, valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art. 238º do mesmo código).
Foi estabelecido o chamado critério da Impressão do Destinatário, entendendo-se por declaratário uma pessoal normal, razoavelmente instruída, diligente e sagaz em face dos termos da declaração (a este respeito ver Pires de lima e Antunes Varela in CC Anotado, I, pg. 207 e Mota Pinto, Teoria Geral, pg. 624 e ss.).
De acordo com os ensinamentos de Manuel de Andrade in Teoria Geral da Relação Jurídica, vol II pg. 30, “interpretar um negócio jurídico, isto é a declaração ou as declarações de vontade que o integram -equivale a determinar o sentido com que ele há-de valer, se valer puder. Trata-se de saber quais os efeitos a que ele tende conforme tal declaração e que realmente produzirá se e na medida em que for válido; qual o conteúdo decisivo dessa declaração de vontade”.
A regra geral manda apurar o sentido normal da declaração (art. 236.º do C.Civil), através da procura do sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ela. Quanto aos negócios formais há também que ter em conta que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art. 238.ºnº 1 do C.C.), ressalvando a lei os casos em que esse sentido corresponda à vontade das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não oponham a essa validade (art. 238.ºnº 2 do C.C.).
A doutrina da impressão do destinatário, reconduzível ao âmbito do princípio da protecção da confiança, impõe ao declarante um ónus de clareza na manifestação do seu pensamento, desta forma se concedendo primazia ao ponto de vista do destinatário da declaração, a partir de quem tal declaração deve ser focada (ver P. Mota Pinto, in Declaração Tácita, pg.206).
Todavia, a lei não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário, significando o entendimento subjectivo deste, mas apenas concede relevância ao sentido que apreenderia o declaratário normal, colocado na posição do real declaratário – a pessoa com capacidade, razoabilidade, conhecimento e diligência medianos (mesmo autor, ob. cit., pg.208).
Uma pessoa “razoavelmente instruída, diligente e sagaz” poderá entender em face dos termos das declarações negociais contida na aludida clausula contratual que, verificado o acontecimento incerto e futuro do encerramento doe estabelecimento o contrato cessa imediatamente a produção dos seus efeitos, independentemente de qualquer declaração de vontade duma parte á outra.
O art. 238º do C.C dispõe ainda que nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
Voltando a nossa atenção para o caso em apreço, relembramos a expressão dos AA, com respeito ao sublinhado utilizado por aqueles no requerimento que apresentaram no tribunal:
- desistem do pedido formulado nos presentes autos quanto ao contrato de cessão de exploração, nomeadamente do pedido de declaração de resolução do contrato, da fixação de prazo para entrega do estabelecimento e da sanção pecuniária compulsória peticionada quanto à mora na entrega do estabelecimento. (matéria de facto dos arts. 29 a 539 da p.i).
Mantêm o pedido formulado quanto à apreciação do contrato promessa de compra e venda, mantendo-se assim como objecto do processo a apreciação da “resolução do contrato de promessa de compra e venda e correspondente pedido indemnizatório dos AAs, enquanto cedentes, por incumprimento definitivo da Ré, enquanto cessionária”.
A forma como a declaração se mostra expressa não deixa dúvidas de interpretação que os AA pretendem desistir dos pedidos que identificam devidamente, através da expressão “nomeadamente”:
-“pedido de declaração de resolução do contrato”;
-pedido“ da fixação de prazo para entrega do estabelecimento”;
-pedido “da sanção pecuniária compulsória peticionada quanto à mora na entrega do estabelecimento”, que correspondem aos pedidos supra nºs 5, 6 e 7 da p.i.
E reforçam este entendimento dizendo que mantêm o pedido formulado quanto à apreciação do contrato promessa de compra e venda, (eu corresponde aos pedidos 1 a 4 da p.i), mantendo-se assim como objecto do processo a apreciação da “resolução do contrato de promessa de compra e venda e correspondente pedido indemnizatório dos AAs, enquanto cedentes, por incumprimento definitivo da Ré, enquanto cessionária.
Os AA não contextualizam a desistência, isto é nada dizem quanto às razões da desistência, sendo que apenas em momento posterior, no requerimento de 30.11.2017, ou seja 23 dias após a emissão da declaração de desistência e após a parte contrária se ter já pronunciado é que os declarantes revelam que pretendiam afinal a desistência da “Instância quanto ao pedido formulado quanto ao contrato de cessão de exploração uma vez que o mesmo se encontra a ser objecto de discussão no âmbito do processo n2 2929/17.BT8MAI, em curso no Juiz 2 — Instância Local da Maia”.
No contexto da peça processual apresentada, tal como se encontra redigida não é possível descortinar as razões da desistência, encontrando-se expressa uma vontade clara dos AA de desistirem dos pedidos que individualizaram, reforçando inclusivamente a sua vontade de desistir do pedido, ao recorrerem ao sublinhado. A forma como os AA expressaram a sua vontade não permite, a nosso ver outra leitura que não a de que pretendem desistir daqueles concretos pedidos que devidamente identificaram.
Nada existe também, no contexto em que a declaração é feita que permita ao declaratário interpretar que afinal o que os AA queriam era desistir da instância relativamente àqueles pedidos.
Os RR por sua vez, como resulta da resposta que apresentaram a este requerimento, em lado algum mostram ter dúvidas sobre o que recaiu a desistência, demonstrando ter compreendido, sem margem para dúvidas que os AA queriam desistir dos pedidos que indicaram, dizendo o seguinte: “(…) Ora analisando a desistência do pedido, os autores declaram perentoriamente que desistem do pedido da declaração de resolução do contrato de exploração, bem como, da fixação de prazo para a entrega do estabelecimento, além do valor da sanção pecuniária compulsória e, inclusivamente, de quaisquer penalidades indemnizatórias (…)”
Assim sendo, ao contrário do entendimento acolhido no despacho sob recurso, não se verifica o condicionalismo do art. 146º nº 1 do C.P.C., pois que o erro invocado não é detectável no contexto em que a declaração de desistência é feita, pelo que não é “corrigível”.
Impõe-se, por conseguinte a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que indefira o pedido de correcção do lapso de escrita, por não se verificarem os requisitos estabelecidos no art. 146º do CPC.
Como é sabido porém, o tribunal na decisão a proferir não está sujeito às alegações das partes relativas à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. art. 5º nº 3 do CPC).
Isto para dizer que se nos afigura poder a questão objecto deste recurso ser analisada ainda numa outra perspectiva.
É que não se provando a existência de erro rectificável, a questão reconduz-se a saber se após a apresentação de um requerimento poderá a parte apresentar outro em sua substituição, retratando-se face às declarações inicialmente proferidas no processo.
Ou seja, o requerimento dos AA de 30.11.2017 onde é pedida a correção do erro, pode ser entendido como declaração da parte a dar sem efeito a primitiva declaração de desistência do pedido e a substituir tal declaração por uma declaração de desistência de instância relativamente àqueles pedidos.
O processo realiza-se por meio de uma sequência ordenada de actos e desenvolvimento harmónico e célere da relação processual e este entendimento poderá pôr em causa o princípio da aquisição processual, segundo o qual “os materiais (afirmações e provas) aduzidos por uma das partes ficam adquiridos para o processo. São atendíveis mesmo que sejam favoráveis á parte contrária (enunciado de Domingues de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, pg. 385). São expressões deste princípio, desde logo o art. 413º do CPC., âmbito dos meios de produção da prova, onde este princípio tem caracter absoluto.
E também poderia afectar a estabilidade processual, podendo protelar e comprometer a eficiência e celeridade processuais, bem como o princípio da segurança das relações jurídicas.
Porém, no caso em apreço, não estamos perante a prática de actos processuais preclusivos ou de actos processuais sujeitos a prazos, mas sim perante a prática de um acto resultante do funcionamento da autonomia privada da parte e da “disponibilidade da instância” que é reconhecida ao autor, na qualidade de seu impulsionador, que se traduz na possibilidade que aquele tem de poder pôr termo á causa que impulsionou ou de pôr termo ao direito que pretendia ver reconhecido.
Assim sendo, desde que salvaguardadas as legítimas expectativas da contraparte, destinatária da declaração de desistência, afigura-se-nos que nada impedirá que o autor se retrate.
Tal acontecerá se a declaração de desistência não chegou sequer ao conhecimento da parte contrária e tal poderá ainda acontecer, a nosso ver, no circunstancialismo do art. 465º do CPC, que apesar de estabelecer no seu número um o princípio da irretratabilidade da confissão, permite que as confissões expressas de factos feitas nos articulados possam ser retiradas, se a parte contrária não as tiver aceitado especificadamente.
Afigura-se-nos ser possível a aplicação do regime processual previsto nos arts. 46º e 465º do CPC, permitindo uma aplicação analógica.
Destes normativos decorre que as afirmações e confissões expressas de factos, feitas pelo mandatário nos articulados, vinculam a parte, salvo se forem rectificadas ou retiradas enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificadamente.
A lei permite a retirada de afirmações expressas nos articulados, (que não a retirada do próprio articulado, note-se), de molde a substituí-lo por outro ou a considerar-se como não tendo sido apresentado.
Resulta da factualidade provada que o pedido de correcção do “erro” por parte dos autores surge após os RR terem sido notificados e tido oportunidade de se pronunciarem sobre a desistência do pedido apresentado pelos aqui Recorrentes.
Haverá pois que averiguar se os RR/recorrentes, de alguma forma “aceitaram especificadamente” a desistência do pedido dos AA.
De notar que, tratando-se de uma declaração de desistência do pedido não era exigido aos réus que a aceitassem (cfr. art. 286º nº 2 do C.P.C.), sendo que poderiam até remeter-se ao silêncio, em nada contendo com a eficácia da declaração.
Porém os RR vieram responder, da seguinte forma, no que ao caso interessa: “(…) Ora analisando a desistência do pedido, os autores declaram perentoriamente que desistem do pedido da declaração de resolução do contrato de exploração, bem como, da fixação de prazo para a entrega do estabelecimento, além do valor da sanção pecuniária compulsória e, inclusivamente, de quaisquer penalidades indemnizatórias alegadas nos artigos 43º, 44º, 45º, 46º e 47º na PI, mencionando que a ré é devedora da quantia de €9.000,00 mensais.
Os autores dão por não alegados e sem qualquer efeito a matéria de facto vertida nos arts 29º a 53º da pi, em razão da desistência do pedido, extinguindo-se desta forma o direito que se pretendia fazer valer da instância- art. 277º e 285º nº 1, ambos do CPC.
Tendo desistido do pedido de resolução de exploração e do valor das indemnizações referidas, nesta ação, a sua homologação judicial determinará uma situação de caso julgado face a outra ação já proposta ou a propor pois que estamos perante a tríplice Identidade de sujeitos, de causa de pedir e de pedido, Independentemente dos valores de indemnização reclamados, uma vez que o real pedido é o reembolso Integral a que alegadamente os autores teriam direito na causa de pedir e no pedido. (Ac. STJ, de 14.7.2009: Processo 115/06.1TBVLG.Sdgsi.Net”
Os RR afirmam que os AA fizeram uma afirmação de desistência do pedido, perentoriamente, ou seja de forma “indiscutível”, “decisiva”, “categórica”, “irrefutável”. E retiram a consequência de tal afirmação, ao afirmar que “(…) em razão da desistência do pedido, extinguindo-se desta forma o direito que se pretendia fazer valer da instância- art. 277º e 285º nº 1, ambos do CPC.”
Daqui decorre, a nosso ver que os aqui Recorrentes aceitaram “especificadamente” a declaração unilateral dos AA de desistência do pedido, ao considerar aquela desistência “perentoria” e dela se apressando a retirar as legais consequências, pelo que, também por aplicação analógica do art. 465º nº 2 do CPC, não pode a declaração de desistência do pedido, aqui em análise ser substituída pela declaração de desistência da instância.
Impõe-se pois a revogação da decisão recorrida, também com este fundamento.

V-DECISÃO
Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso em consequência revogar a decisão recorrida, indeferindo-se o pedido de rectificação do erro de escrita dos AA.
Custas pelos recorridos (arts. 527º nº 1 do CPC).

Porto, 18 de Dezembro de 2018
Alexandra Pelayo
Vieira e Cunha
Maria Eiró