Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
68/20.3GBVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Descritores: INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
CONDIÇÕES PESSOAIS DO ARGUIDO
Nº do Documento: RP2020092468/20.3GBVNG.P1
Data do Acordão: 09/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Verifica-se insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, a), do Código de Processo Penal, se na sentença nada se refere quanto às condições pessoais do arguido.
II - Nos casos em que o arguido se remete ao silêncio ou é julgado na ausência, o julgador não deve proferir decisão sem previamente obter – ou, pelo menos, tentar obter - os eventuais elementos em falta que se enquadrem na previsão do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal (entre eles, as condições pessoais do arguido), exigência tanto maior quando esteja em causa a possível aplicação de pena privativa da liberdade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO PENAL n.º 68/20.3GBVNG.P1
Secção Criminal
Conderência

Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjunto: Jorge Langweg

Comarca: Porto
Tribunal: Vila Nova de Gaia/Juízo Local Criminal-J2
Processo: Especial Sumário n.º 68/20.3GBVNG

Arguido/Recorrente: B…
Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO
a) No âmbito dos autos supra referenciados, o arguido B…, filho de C… e de D…, natural da freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, nascido a 24 de Setembro de 1994, solteiro, trabalhador de triagem de vidro, residente na Rua …, n.º …., …, e titular do Cartão de Cidadão n.º ……… …, foi julgado na ausência e condenado, por sentença proferida e depositada a 04 de Fevereiro de 2020, pela prática de 1 (um) crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo art. 3º, n.ºs 1 e 2, do Dec. Lei n.º 2/98, de 03/01, na pena de 15 (quinze) meses de prisão.
b) Inconformado com tal decisão, da qual foi pessoalmente notificado a 10 de Fevereiro de 2020, o arguido B… interpôs recurso, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões: (transcrição)
I. Considera o arguido recorrente estarmos perante uma situação de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
II. E este vício da sentença é suscitado em face da ausência de apuramento das condições pessoais do arguido, em julgamento, e, logo, a uma ausência de factos pessoais provados, na sentença.
III. Pois que o apuramento das condições pessoais do arguido é essencial para a escolha e determinação da medida da pena.
IV. Uma coisa é a possibilidade de a audiência de julgamento, em determinadas condições que a lei prevê, poder decorrer na ausência do arguido (afastando-se a regra da presença obrigatória).
V. Coisa diferente foi o que sucedeu no caso concreto e que tem a ver com a (in)viabilidade de o Tribunal a quo proferir decisão sobre a pena na ausência de apuramento dos factos relativos à personalidade do condenado.
VI. O tribunal a quo não curou por tentar apurar qualquer facto relativo à situação pessoal do arguido.
VII. O tribunal a quo cometeu assim, a nulidade prevista no art. 120º, n.º 2, al. d) do CPP ao encerrar a fase de produção de prova sem antes ter procurado apurar qualquer facto relativo à situação pessoal do arguido (à exceção dos seus antecedentes criminais), sem antes ter efetuado qualquer diligência para dotar a sentença desses elementos.
VIII. E ao proferir decisão condenatória com omissão de factos relevantes para a determinação da sanção, como são os factos relativos à pessoa do condenado, fica a sentença ora em crise ferida do vício de insuficiência da matéria de facto provada, do art. 410º, n.º 2, al. a) do CPP, com as consequências previstas no art. 426º, nº1 do CPP.
IX. Pelo que entende o recorrente, que a sentença recorrida deverá ser revogada e em consequência deve o processo ser reenviado para novo julgamento nos termos do disposto nos artigos 426.º e 426.ª-A do CPP.
c) Admitido o recurso, por despacho proferido a 16/03/2020, respondeu o Ministério Público sufragando, sem alinhar conclusões, a sua improcedência e manutenção do decidido.
d) Neste Tribunal da Relação o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, louvando-se nos fundamentos da aludida resposta.
e) Cumprido o disposto no art. 417º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi aduzido.
f) Realizado exame preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência que decorreu com observância do formalismo legal, nada obstando à decisão.
***
II- FUNDAMENTAÇÃO
1. Consoante decorre do disposto no art. 412º n.º 1, do Código de Processo Penal, e é jurisprudência pacífica [cf., entre outros, Acórdãos do STJ de 20/12/2006, Processo n.º 06P3661, in dgsi.pt, e de 3/2/1999 e 25/6/1998, in B.M.J. 484 e 478, págs. 271 e 242, respectivamente], sem prejuízo das questões de conhecimento oficiosos, as conclusões do recurso delimitam o respectivo objecto e âmbito do seu conhecimento.
Assim, no presente caso, as questões suscitadas, na sua preordenação lógica, são as do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto, por falta de indagação das condições pessoais do arguido, e a nulidade por omissão de diligências essenciais à boa decisão da causa nessa mesma matéria.
*
2. A fundamentação de facto que consta da decisão recorrida é a seguinte: (transcrição)
A) Factos Provados
1. No dia 22 de Janeiro de 2020, pelas 16h30 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel de matrícula .. - .. - FP, na Rua …, …, em Vila Nova de Gaia, sem que para tal possuísse qualquer título de habilitação legal.
2. O arguido agiu deliberadamente, com intenção de conduzir, sem causa justificativa, aquela viatura, não obstante saber que era imprescindível e necessário ser titular de carta de condução ou outro documento com força legal equivalente que o habilitasse a conduzir veículos motorizados na via pública, emitido e passado pelas entidades oficiais competentes.
3. Agiu ainda livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
- Quanto aos antecedentes criminais do arguido provou-se que:
4. Do CRC do arguido consta:
- No proc. 126/11.5GHVNG, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto- V.N.Gaia-Juízo Local Criminal-Juiz 1, por sentença de 14.03.2012, transitada em julgado em 12.04.2012, pena de 60 dias de multa, pela prática em 09.05.2011 de um crime de condução sem habilitação legal.
- No proc. 214/13.3GHVNG, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto- V.N.Gaia-Juízo Local Criminal-Juiz 4, por sentença de 12.11.2013, transitada em julgado em 13.01.2014, pena de 140 dias de multa, pela prática em 29.07.2013 de um crime de furto qualificado.
Esta pena foi convertida em 93 dias de prisão subsidiária e declarada extinta em 02.07.2014.
- No proc. 2/13.7GGVNG, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto- V.N.Gaia-Juízo Local Criminal-Juiz 3, por sentença de 17.06.2014, transitada em julgado em 22.09.2014, pena de um ano e três meses de prisão, com regime de prova, pela prática em 07.02.2013 de um crime de tráfico de menor gravidade.
- No proc. 6503/17.0T9VNG, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto- V.N.Gaia-Juízo Local Criminal-Juiz 2, por sentença de 21.06.2018, transitada em julgado em 23.07.2018, pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na execução por igual período, com sujeição a deveres, pela prática em 2015 de um crime de violência doméstica. O período de suspensão foi prorrogado por mais um ano por despacho proferido em 28.11.2019.
- No proc. 621/19.8GBVNG, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto- V.N.Gaia-Juízo Local Criminal- Juiz 3, por sentença de 05.09.2019, transitada em julgado em 07.10.2019, pena de oito meses de prisão em regime de permanência na habitação, pela prática em 14.07.2019 de um crime de condução sem habilitação legal.
- No proc. 5497/18.0T9VNG, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto- V.N.Gaia-Juízo Local Criminal-Juiz 4, por sentença de 04.11.2019, transitada em julgado em 04.11.2019, pena de 50 dias de multa, pela prática em 29.09.2018 de um crime de tráfico de menor gravidade.
- No proc. 105/13.8GHVNG, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto- V.N.Gaia- Juízo Local Criminal-Juiz 1, por sentença de 10.12.2014, transitada em julgado em 22.01.2015, pena de dois anos de prisão, suspensa na execução por igual período, pela prática em 02.04.2013 de um crime de furto qualificado.
- No proc. 281/14.2GHVNG, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto- V.N.Gaia-Juízo Local Criminal- Juiz 3, por sentença de 12.05.2016, transitada em julgado em 13.06.2016, pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na execução por igual período, com regime de prova, pela prática em 25.10.2014, em concurso real, de um crime de furto qualificado e um crime de detenção de arma proibida.
- No processo nº 238/16.9GHVNG do Tribunal Judicial da Comarca do Porto-V.N.Gaia-Juízo Local Criminal-Juiz 3, por sentença de 03.05.2018, transitada em julgado em 25.05.2018, pena de 100 dias de multa, pela prática em 22.10.2016 de um crime de maus tratos a animais de companhia.
- No proc. 363/16.6PFVNG, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto- V.N.Gaia-Juízo Local Criminal- Juiz 4, por sentença de 06.09.2016, transitada em julgado em 06.10.2016, pena de um ano e dois meses de prisão, suspensa na execução por igual período, pela prática em 05.09.2016 de um crime de condução sem habilitação legal, suspensão essa revogada por despacho proferido em 13.11.2018, transitado em julgado em 04.01.2019, tendo a pena de prisão sido executada em regime de permanência na habitação, por despacho de 14.01.2019.
- No proc. 123/16.4GHVNG, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto- V.N.Gaia-Juízo Local Criminal-Juiz 1, por sentença de 17.12.2018, transitada em julgado em 04.02.2019, pena de dois anos e oito meses de prisão, suspensa na execução por igual período, com regime de prova, pela prática em 20.06.2016 de um crime de violência doméstica.
- No proc. 267/15.0GHVNG, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto- V.N.Gaia-Juízo Local Criminal- Juiz 4, por sentença de 06.04.2017, transitada em julgado em 15.05.2017, pena de um ano e quatro meses de prisão, suspensa na execução por igual período, assente em regime de prova, pela prática em 24.10.2015 de um crime de condução sem habilitação legal.
- No processo nº 111/16.0GHVNG do Tribunal Judicial da Comarca do Porto-V.N.Gaia-Juízo Local Criminal- Juiz 1, por sentença de 08.05.2017, transitada em julgado em 02.06.2017, pena de 70 dias de multa, pela prática em 06.06.2016 de um crime de ofensa à integridade física.
- No processo n.º 180/16.3GHVNG do Tribunal Judicial da Comarca do Porto-V.N.Gaia-Juízo Local Criminal- Juiz 2, por sentença de 16.05.2017, transitada em julgado em 05.06.2017, pena de 220 dias de multa, pela prática em 22.08.2016 de um crime de maus tratos a animais de companhia.
- No processo nº 273/17.0GEVNG do Tribunal Judicial da Comarca do Porto-V.N.Gaia-Juízo Local Criminal-Juiz 4, por sentença de 27.07.2017, transitada em julgado em 02.10.2017, pena de um ano de prisão substituída por 72 períodos de prisão por dias livres, pela prática em 24.07.2017 de um crime de condução sem habilitação legal.
*
B) Motivação
O Tribunal formou a sua convicção positiva com base na análise crítica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento globalmente considerada, apreciada segundo as regras da experiência, destacando-se, concretamente o depoimento de E…, 29, casado, GNR, … que esclareceu que, nas circunstâncias de tempo e lugar, fiscalizou o arguido, que conduzia um “opel …”, como consta do auto de notícia de fls. 5 e 6., sendo que o mesmo não tinha carta de condução, facto de que já tinha conhecimento por o ter fiscalizado em data anterior e que confirmou com a pesquisa do IMTT de fls. 7, tendo identificado o arguido com o cartão de cidadão que exibiu.
O depoimento desta testemunha mereceu total credibilidade pela forma isenta, congruente, espontânea e segura como depôs.
No que concerne aos antecedentes criminais, o teor do certificado do registo criminal junto a fls. 20 a 35 dos autos.
Aponte-se que o arguido foi julgado na ausência.
***
3. Por seu turno, da fundamentação jurídica importa ter presente o seguinte: (transcrição)
Da Escolha da Pena
Da conjugação do disposto no preceito incriminador consagrado do artigo 3°, n.ºs 1 e 2 do Decreto-lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, com os limites fixados nos artigos 41°, n.º 1 do Código Penal, resulta que o crime de condução sem habilitação legal é abstractamente punido com pena de 1 mês a 2 anos de prisão ou com multa de 10 a 240 dias.
À luz do artigo 40º do Código Penal a aplicação de penas "visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade", ou seja, visa cumprir a finalidade de prevenção geral positiva ou de integração, enquanto protecção de bens jurídicos “a medida da pena há-de ser dada pela medida e necessidade de tutela de bens jurídicos face ao caso concreto... Quando se afirma que é função do Direito Penal tutelar bens jurídicos não se tem em vista só o momento da ameaça da pena, mas também – e de maneira igualmente essencial – o momento da sua aplicação.
(…)
No caso vertente, em face das quinze anteriores condenações do arguido, sendo cinco pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, somos de entender que a insistência na aplicação de pena de multa por nova condenação e ilícito criminal da mesma natureza, não satisfaria as necessidades concretas de ressocialização do arguido, não se mostrando suficiente para promover a recuperação do mesmo e satisfazer as exigências de reprovação e prevenção do crime, nem suficiente se mostra, no presente caso, face à necessidade de assegurar a confiança da comunidade nas normas violadas.
Face ao exposto e de harmonia com o disposto no artigo 70º do Código Penal, afigura-se-nos que, no caso concreto, a pena de multa é insuficiente para satisfazer as necessidades de prevenção especial e prevenção geral que os ilícitos no caso concreto reclamam, optando o Tribunal pela pena de prisão como pena principal a aplicar ao arguido.
(…) Da Medida Concreta da Pena.
A) Estabelece o n.º 1 do artigo 71º do Código Penal que a “determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, nos termos do artigo 40º, n.º 2 do mesmo código.
Assim sendo, na determinação da exacta medida da pena, ter-se-á que atender à fórmula básica interpretativa destes normativos, segundo a qual temos de partir da sua moldura abstractamente prevista, funcionando a culpa do agente como o limite máximo e inultrapassável da pena aplicável, representando esta um juízo de censura à conduta desvaliosa do agente manifestada no facto praticado.
As necessidades de prevenção geral de integração, fornecem-nos, por sua vez, uma submoldura, a qual tem por limite máximo a medida óptima de tutela dos bens jurídico-penais violados e por limite mínimo a pena abaixo da qual as expectativas comunitárias na validade do direito sofrem abalo, limite mínimo esse “constituído pelo ponto comunitariamente suportável da medida da tutela dos bens jurídicos” (neste sentido Figueiredo Dias, in «Direito Penal II - Parte Geral», lições ao 5.º ano da FDUC, pág. 279 e ss.).
Por último, as exigências de prevenção especial de socialização dão-nos, dentro desta submoldura, a medida exacta da pena concreta aplicável ao agente.
Na ponderação da medida concreta da pena deverá o juiz atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente (artigo 71º, n.º 2 do Código Penal).
Tendo, pois, em conta o princípio geral que acaba de ser formulado, deverão ser neste momento consideradas todas aquelas circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal convocado nem tendo sido já atendidas para efeitos de qualificação, sejam expressivas da culpa do arguido e da medida das necessidades de prevenção.
Debruçando-nos sobre os concretos factores de medida da pena, estabelecidos no n.º 2 do artigo 71° do Código Penal.
Contra o arguido milita:
- a ilicitude média
- o dolo, enquanto elemento subjectivo do ilícito, expressou-se numa sua forma que mais intensa e que corresponde ao dolo directo - a realização do tipo legal foi posta pelo arguido como o fim atingir e por ele representada como uma consequência directa da sua conduta e aceite como tal.
- Ter-se-á que valorar, ainda, os quinze antecedentes criminais do arguido pela prática, além do mais, de crimes da mesma natureza (cinco).
Assim, tudo ponderado e tendo em conta a moldura abstracta da pena de prisão prevista para o crime de condução de veículo sem habilitação legal (pena de multa 1 mês a 2 anos – cfr. artigo 3º, n.ºs 1 do Decreto-lei n.º 2/98, de 03.01 e artigo 41º, n.º 1 do CódigoPenal), reputamos como proporcional, justa, adequada e pedagógica a aplicação de uma pena concreta de 15 (quinze) meses de prisão.
(…) Da Pena de Substituição
Face à dosimetria penal concretamente fixada, 15 (quinze) meses de prisão, é legal e abstractamente admissível apenas as penas de substituição de suspensão da pena de prisão, nos termos do artigo 50º do Código Penal, a prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos previstos no artigo 58º do Código penal e o regime de permanência na habitação.
Considerando esta panóplia de penas de substituição que o legislador consagra e cuja aplicação incentiva, importa verificar se, neste caso, alguma se mostra adequada e suficiente.
Como critério, e nos termos apontados por Figueiredo Dias in Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, pág. 331, “o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação”.
(…)
Neste conspecto, e atendendo às exigências de prevenção geral e especial, dadas as recidivas criminais manifestadas pelo arguido, temos que concluir que as anteriores penas de multa, prisão suspensa, trabalho comunitário, permanência na habitação não surtiram o efeito desejado, pelo que resulta claramente insuficiente a substituição da aludida pena prisão pela prestação de trabalho a favor da comunidade, permanência na habitação ou a suspensão da sua execução, ainda que sujeita a um qualquer regime de prova (relembremos a necessidade de prevenir futuros crimes), não sendo possível fazer qualquer juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que qualquer das penas de substituição sejam adequadas e suficientes para realizar as finalidades da punição e prevenir o cometimento de novos ilícitos, veja-se que o arguido já foi condenado quinze vezes, sendo cinco pela prática do mesmo crime, já tendo beneficiado de todas as penas de substituição previstas no código penal.
Afigura-se-nos que o arguido não se revelou permeável às solenes advertências ínsitas nas sentenças condenatórias, no sentido de o afastar do cometimento de crimes.
Aponte-se, por último, que no caso sub judice não se verifica nenhuma circunstância pessoal que desaconselhe a privação de liberdade do arguido no estabelecimento prisional, muito pelo contrário afigura-se-nos que apenas a pena de prisão efectiva será a única suficiente para suster este processo de recidivas criminais do arguido e inverter este percurso do arguido que exigem, antes de mais, interiorização do desvalor da sua conduta.
Tudo visto e ponderado temos que, face a todo o circunstancialismo provado, às exigências de prevenção geral e, principalmente, especial, supra referidas, não se mostram in casu verificadas as condições que permitam ao Tribunal substituir a pena de prisão aplicada ao arguido, uma vez que nenhuma das penas de substituição ou forma de execução fora do estabelecimento prisional se mostram adequadas e suficientes às prementes finalidades da punição que no caso vertente se fazem sentir.
***
4. Apreciando do mérito
4.1 Intróito
Apura-se do exposto que o arguido B…, aqui recorrente, pretende ver revogada a sentença recorrida por se mostrar inquinada não só pela nulidade prevista no art. 120º, n.º 2, al. d), do Cód. Proc. Penal, decorrente do encerramento da produção de prova sem que o Tribunal a quo se munisse de todos os elementos necessários à boa decisão da causa, mas também pelo vício previsto no art. 410º, n.º 2, al. a), do Cód. Proc. Penal, uma vez que foi proferida decisão condenatória com omissão de factos relevantes para a determinação da sanção.
Sendo incontestável que os Tribunais da Relação podem conhecer não só de direito mas também de facto, por força da previsão do art. 428º, do Cód. Proc. Penal, uma das vias admissíveis é a dos erros da decisão, cognoscíveis a requerimento do interessado ou oficiosamente, e atinente aos vícios documentados no texto da própria decisão, de harmonia com o preceituado no art. 410º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
Permitindo que o tribunal superior possa conhecer os vícios documentados no texto da decisão proferida pelo tribunal a quo que contendam com a apreciação do facto, ainda que não tenham sido directamente invocados pelo recorrente, ou o tenham sido de forma parcial e deficitária, inscreve-se no denominado recurso de «revista ampliada».
Trata-se, porém, de uma intervenção restrita, já que apenas admissível no tocante às hipóteses catalogadas nas alíneas do n.º 2, do citado art. 410º, e evidenciadas no texto decisório, por si ou em conjugação com as regras de experiência, sem recurso a quaisquer outros elementos que o extravasem.
Tais patologias, tendo ainda a sua fonte na decisão recorrida, podem extravasá-la e inquinar, total ou parcialmente, o próprio julgamento, se não puderem ser colmatados no tribunal de recurso, como decorre do estatuído nos arts. 410º, n.º 2, e 426º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, sendo certo que o elenco legal prevê na alínea a) daquele normativo a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada essencialmente reportada a hiatos factuais que podiam e deviam ter sido averiguados e se mostram necessários à formulação de juízo seguro de condenação ou absolvição.
Por seu turno, a inobservância de normas processuais apenas determina a nulidade quando esta for expressamente cominada na lei, reconduzindo-se tal patologia a duas categorias distintas:
i) A nulidade insanável, cognoscível oficiosamente em qualquer fase do procedimento; e
ii) A nulidade sanável, apenas conhecida por requerimento do interessado formulado nos prazos legais e perante a entidade que nela tiver incorrido.
Julgando-se verificada a ocorrência de nulidade a consequência é a da invalidade do acto em que se verificou e dos que dele dependerem ou por aquela puderem ser afectados, aproveitando-se todos os actos que ainda puderem ser salvos e repetindo-se, se necessário e possível, os actos inquinados, tudo como decorre da previsão dos arts. 119º a 122º, do Cód. Proc. Penal.
Delimitado o quadro em que nos movemos cumpre, então, descer ao caso concreto.
***
4.2 Da nulidade prevista no art. 120º, do Cód. Proc. Penal
Da conjugação da disciplina dos arts. 119º e 120º, do Cód. Proc. Penal, facilmente se conclui que as nulidades elencadas neste último preceito ficam sanadas se não forem invocadas pelo interessado como, aliás, resulta da epígrafe respectiva (Nulidades dependentes de arguição).
Ora, o recorrente B…, sustentando que o tribunal a quo omitiu diligências essenciais à boa decisão da causa por ter encerrado a produção de prova sem cuidar de apurar as suas condições pessoais, não invocou tal deficiência no próprio acto, por intermédio do defensor respectivo, nem tão pouco o fez no prazo geral de 10 dias, após a notificação da sentença, limitando-se a fazê-lo em sede de recurso e perante este Tribunal ad quem.
Neste conspecto, forçosa é a conclusão que, a ter ocorrido alguma inobservância de disposição da lei processual determinante de nulidade, a mesma se mostra sanada por força da inércia do interessado, sendo já inatacável, por tal via, o teor do acto decisório controvertido, improcedendo a pretensão do recorrente nesta sede.
***
4.3 Da insuficiência da matéria de facto para a decisão
O arguido B…, julgado na ausência, no âmbito de processo especial sumário, insurge-se pelo facto do tribunal a quo o ter condenado sem ter realizado qualquer diligência no sentido de apurar as suas condições pessoais, limitando-se aos antecedentes criminais resultantes do CRC junto aos autos, sufragando a verificação do vício previsto no art. 410º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal.
O Ministério Público pronunciou-se em sentido contrário argumentando com a inércia processual do arguido que, devidamente representado por defensor na audiência, nada alegou ou requereu na matéria, e ignorou a previsão do art. 340º, do Cód. Proc. Penal.
Vejamos.
Salvo o devido respeito, este normativo e a conduta processual do arguido são perfeitamente alheios ao cerne da questão da escolha e determinação da medida da pena, cuja previsão se inscreve no âmbito dos arts. 70º e 71º, do Cód. Penal, e 369º, do Cód. Proc. Penal.
Assim, e no que ao caso importa, é inegável que, nos termos do n.º 2, al. d), do citado art. 71º, na determinação da medida da pena, o tribunal deve atender, entre o mais, às “condições pessoais do agente e sua situação económica”.
Por seu turno, o cotejo dos arts. 368º e 369º, do Cód. Proc. Penal, patenteia a opção do sistema processual penal português pela relativa autonomia entre a questão da determinação da sanção aplicável e da questão da determinação da culpabilidade do agente.
Com efeito, de acordo com o disposto no n.º 1, do mencionado art. 369º, uma vez estabelecida a culpabilidade do agente e a necessidade de aplicação de uma pena ou medida de segurança, “o presidente do tribunal lê ou manda ler toda a documentação existente nos autos relativa aos antecedentes criminais do arguido, à perícia sobre a sua personalidade e ao relatório social”.
E, sendo necessário, pode mesmo determinar a produção de prova suplementar “para determinação da espécie e da medida da sanção a aplicar”, nos termos do n.º 2, do mesmo normativo, sendo certo que, ainda no decurso do julgamento, logo que em função da prova produzida o tribunal o considere necessário à correcta determinação da sanção que possa eventualmente vir a ser aplicada, pode solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respetiva atualização quando aqueles já constarem do processo, por força da previsão do art. 370º, do Cód. Proc. Penal.
Quer dizer, a obtenção dos elementos essenciais à adequada e justa determinação da sanção impõe-se ao tribunal como poder-dever alheio às circunstâncias da conduta processual assumida pelo arguido ou sequer da natureza do processo.
Aliás, o entendimento jurisprudencial dominante dita que, nos casos em que o arguido se remete ao silêncio ou é julgado na ausência, o julgador não profira decisão condenatória sem previamente obter - ou pelo menos tentar - os eventuais elementos em falta que se enquadrem na previsão do art. 71º, n.º 2, do Cód. Penal, exigência tanto maior quando esteja em causa a possível aplicação de pena privativa da liberdade, atentas as consequências danosas que lhe estão associadas.
Neste sentido, se pronunciam, entre outros, os Acórdãos:
Do Supremo Tribunal de Justiça[1]
07P1404, de 13/12/2007, que sumaria o entendimento de todos os demais infra citados, nos seguintes termos: “III - Por outro lado, o mesmo não esteve presente na sessão da audiência de julgamento, apenas na da leitura da sentença e não elucidou o Tribunal acerca das suas condições pessoais.
IV - Este conjunto de circunstâncias que deriva duma conduta omissiva do arguido, não dispensava o Tribunal de, oficiosamente, determinar a elaboração de relatório social, pelos serviços competentes do IRS, ficando, assim, numa situação de conhecimento das condições pessoais, sociais e económicas daquele, que lhe permitiria, de modo mais seguro, dosear a pena.
V - Não o tendo feito, existe insuficiência da matéria de facto para a decisão (art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP), que o Supremo Tribunal conhece oficiosamente, de acordo com o art. 434.º, e que determina o reenvio do processo para novo julgamento, restrito à questão da determinação da sanção (art. 426.º, n.º 1) ”.
03P3370, de 6/11/2003.
Do Tribunal da Relação do Porto
262/08.5GAPRD.P1, de 2/12/2010
886/09.3PAPVZ.P1, de 19/12/2012
Do Tribunal da Relação de Évora
13/15.8GIBJA.E1, de 21/12/2017
Do Tribunal da Relação de Coimbra
362/17.0GAMIR.C1, de 6/6/2018
Do Tribunal da Relação de Lisboa
49/17.4PELSB.L1-5, de 29/1/2019
Do Tribunal da Relação de Guimarães
210/15.6GAMCD.G1, de 13/1/2020
Todos disponíveis in dgsi.pt.
No caso em apreço, patenteia o texto decisório que o arguido foi julgado na ausência e que o tribunal a quo proferiu sentença, de imediato, ignorando a situação económica do mesmo e bastando-se quanto, à sua condição pessoal, com os elementos resultantes do CRC.
Porém, é manifesto que o doseamento da pena de prisão e mesmo o juízo de prognose quanto à necessidade desta ser cumprida em meio prisional, não se bastando com a execução em regime de permanência na habitação, não pode prescindir de um conhecimento circunstanciado das condições pessoais do arguido.
Tanto mais que o julgador sustentou o afastamento de outro meio de execução da pena com a afirmação de que “no caso sub judice não se verifica nenhuma circunstância pessoal que desaconselhe a privação de liberdade do arguido no estabelecimento prisional”, conclusão que extrapola largamente a matéria de facto dada como provada e destaca ainda mais a insuficiência para a decisão de que padece.
Consequentemente, a pretensão do recorrente tem cabimento nesta sede, já que do texto decisório resulta o vício previsto no art. 410º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, insusceptível de reparação por este Tribunal ad quem, e a impor, por isso, o reenvio parcial dos autos, restrito ao apuramento dos elementos necessários ao correcto doseamento da pena e da sua eventual substituição ou moldes de execução, a obter pelos meios que o Tribunal a quo entenda por convenientes, designadamente a elaboração de relatório social ou outra informação adequada ao caso.
***
4.4 Resumindo e concluindo:
Considerando o supra exposto é inegável que a decisão recorrida enferma de insuficiência para a decisão da matéria de facto, circunstância que nos remete para o vício previsto no art. 410º, n.º 2 al. a), do Cód. Proc. Penal, e que, pela sua natureza, é insusceptível de suprimento neste Tribunal ad quem.
Nesta conformidade e tendo presentes os segmentos anteriormente assinalados, forçosa é a conclusão que haverá que recolher e esclarecer devidamente os factos relativos à condição pessoal e situação económica do arguido e proceder à consequente escolha e determinação da medida da pena, outro caminho não restando senão o de decretar o reenvio parcial do processo para novo julgamento relativamente à questão da determinação da sanção, de harmonia com o disposto nos arts. 426º, n.º 1 e 426º-A[2], do mesmo diploma legal, devendo ser reaberta a audiência e, oportunamente, proferida nova decisão.
***
III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes da 2ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto, julgar parcialmente procedente o recurso do arguido B… e decretar, nos termos dos arts. 426º, n.º 1, e 426º-A, do Cód. Proc. Penal, o reenvio parcial do processo para novo julgamento quanto às questões supra assinaladas.
*
Sem tributação – arts. 522º, n.º 1, e 513º, n.º 1, a contrario, do Cód. Proc. Penal.
*
[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º, n.º 2, do CPP[3]]
Porto, 24 de Setembro de 2020
Maria Deolinda Dionísio
Jorge Langweg
_______________________________________
[1] Para além do citado pelo Ministério Público na sua resposta, por razões que se desconhecem visto que contrário à tese propugnada, como, aliás, resulta da parte final do excerto transcrito, onde se pode ler: “…entendemos, na esteira da Jurisprudência mais comum do STJ, que a falta desse relatório ou a falta de produção de qualquer prova suplementar para determinação da espécie e medida da pena a aplicar poderá justificar o reenvio do processo para novo julgamento quando o resultado for a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art.º 410.º n.º 2 al. a) e 426.º, ambos do CPP”.
[2] Sendo competente o mesmo tribunal mas estando impedido o magistrado que presidiu à audiência anterior.
[3] O texto do presente acórdão não observa as regras do acordo ortográfico – excepto nas transcrições que mantêm a grafia do original – por opção pessoal da relatora.