Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
291/19.3GAPRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO COSTA
Descritores: PENA DE PRISÃO
HOMICÍDIO NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
PREVENÇÃO
NÃO SUSPENSÃO
Nº do Documento: RP20240221291/19.3GAPRD.P1
Data do Acordão: 02/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL / CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A suspensão da execução da pena é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que deve ser decretada se (e somente se), o julgador concluir que a simples censura do facto e ameaça da pena realizam de forma adequada as finalidades da punição, isto é a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, tal como aponta o art. 40 nº 1 do Cód. Penal, e vão de encontro às expectativas da comunidade, sempre que as necessidades de prevenção geral são elevadas.
II - A efetiva execução da pena de prisão, estando em causa negligência grosseira, causadora de dois crimes de homicídio e um crime de condução perigosa de veículo rodoviário agravado pelo resultado por ofensa à integridade física grave, mostra-se indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização das expectativas comunitárias.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 291/19.3GAPRD.P1

Acordam em Conferência na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
Nos autos nº 291/19.3GAPRD que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este- Juízo Central Criminal de Penafiel-Juiz6, foi proferida decisão que dispôs:
“Julgar o arguido AA autor material, na forma consumada e em concurso real, de:
a-) dois crimes de homicídio negligente, p. e p. pelo artigo 137º, n.º 2 do Código Penal e consequentemente condenar o mesmo nas penas de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão por cada um deles;
b-) um crime de condução perigosa de veículo rodoviário agravado pelo resultado ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 291º, n.º 1, 294º, n.º 3 e 285º do C.Penal e, consequentemente, condenar o mesmo na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão.
c) Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas em A) e B), condenar o arguido na pena única de 4 (quatro) anos e 7 (sete) meses de prisão.
d) Suspender a execução da pena de prisão aplicada em d) pelo período de 4 anos e 7 meses, suspensão essa subordinada à obrigação do arguido frequentar o curso de prevenção de sinistralidade rodoviária e de proceder ao pagamento da quantia de € 5000.00 (cinco mil euros) à A... – artigos 50º, n.º 2 e 51º, n.º 1, c) do Código Penal -, contribuição que deverá comprovar os autos.
d) Julgar o arguido incurso em três penas acessórias previstas no artigo 69º, n.º 1, al. a) do C.Penal e, consequentemente, condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 8 (oito) meses por cada uma delas.
e) Em cúmulo jurídico das penas acessórias parcelares aplicadas em d), condenar o arguido na pena única acessória de proibição de conduzir pelo período de 16 (dezasseis) meses.
f) Absolver o arguido das contra-odenações de que vinha acusado. “
*
Inconformado veio o M.P. interpor recurso, tendo concluído nos seguintes termos:
“1. O arguido AA foi condenado:
- Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas em A) e B), condenar o arguido na pena única de 4 (quatro) anos e 7 (sete) meses de prisão; a qual foi suspensa na sua execução pelo período de 4 anos e 7 meses, suspensão essa subordinada à obrigação do arguido frequentar o curso de prevenção de sinistralidade rodoviária e de proceder ao pagamento da quantia de € 5000.00 (cinco mil euros) à A... – artigos 50º, n.º 2 e 51º, n.º 1, c) do Código Penal -, contribuição que deverá comprovar os autos.
2. De notar que o arguido foi condenado pela prática de - dois crimes de homicídio negligente, p. e p. pelo artigo 137º, n.º 2 do Código Penal; e
- um crime de condução perigosa de veículo rodoviário agravado pelo resultado ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 291º, n.º 1, 294º, n.º 3 e 285º do Código Penal.
3. De notar que o grau de ilicitude é alto, pois o excesso de velocidade objectivamente considerado é elevado, em mais do dobro do máximo legalmente permitido e a taxa de álcool no sangue apurada excede em triplo a punição pelo comportamento contra-ordenacional, preenchendo, quanto ao crime de condução perigosa, as duas alíneas de condutas tipicamente previstas.
4. De sublinhar ainda que as exigências de prevenção geral, reputam-se de elevadas (necessidade comunitária da punição do caso concreto e consequentemente da realização das finalidades da pena).
5. Com efeito, a condução perigosa de veículo rodoviário agravado pelo resultado, e os homicídios negligentes (com negligência grosseira) consequência dessa condição, relevam as exigências de prevenção geral que são muito acentuadas.
6. De facto, a segurança rodoviária e consequentemente a vida e a integridade física de um número indeterminado de pessoas causam alarme social e a mobilização da opinião pública.
7. A crescente frequência e a gravidade dos acidentes de viação arrasta consigo a necessidade de restabelecimento da confiança e expectativas comunitárias na validade da norma infringida.
8. Pelo que, impõe-se a aplicação de uma pena de prisão efectiva e a cumprir no Estabelecimento Prisional, o que se requer.
9. Pelas razões expostas, entendemos que deve ser aplicada a pena de 4 (quatro) anos e 7 (sete) meses de prisão efectiva”
*
A assistente BB também interpôs recurso concluindo:

“A. Por douto acórdão proferido nos presentes autos o Arguido foi condenado como autor material, na forma consumada e em concurso real pela prática de dois crimes de homicídio por negligência grosseira e um crime de condução perigoso de veículo agravado pelo resultado ofensa à integridade física grave,
B. Nas penas parcelares de 2,5 anos por cada homicídio e 1 ano e 1 ano e 10 meses pelo crime de condução perigosa de veículo agravada, em cúmulo jurídico na pena única de 4 anos e 7 meses de prisão;
C. Ainda no âmbito do referido acórdão foi determinado pelo Tribunal a quo a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão (Art.º 50º do C.Penal), suspendendo a execução de tal pena de prisão (4 anos e 7 meses) por igual período ainda que sujeita ao cumprimento de obrigações;
D. Entende a Recorrente que na referida decisão se verifica uma errada aplicação do instituto da suspensão provisória do processo (Art.º 50º C. Penal);
E. Dos factos provados resulta que o Arguido conduzindo veículo automóvel com uma taxa de álcool no sangue de 1.68 g/l e a pelo menos 102km/h, em localidade, invadiu a faixa de rodagem contrária, “atropelando” 3 motociclistas que seguiam viagem cumprindo todas as normas estradais;
F. Em consequência de tal “atropelo”, dois dos motociclistas vieram a falecer no local e o único motociclista sobrevivente ficou graves e sequelas permanentes;
G. O Acidente ocorreu por culpa exclusiva do Arguido que conhecia bem a via onde o mesmo ocorreu, sendo que tal via não possuía qualquer anomalia e verificavam-se boas condições de visibilidade (21 de abril de 2019 pelas 17h.30m – Domingo de Páscoa);
H. A aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão não se coaduna com a gravidade dos ilícitos em questão e com as consequências que resultaram do cometimento dos mesmos pelo Arguido;
I. A elevada sinistralidade rodoviária existente no nosso país impõe que a instituições jurídico-penais transmitam para a sociedade a certeza que este tipo de comportamento (condução com 1.68 g/ls e a 102 km/h em zona de 50 km/h), com as consequências verificadas (2 mortos e 1 ferido grave) são inadmissíveis e, por conseguinte, severamente punidas;
J. A conduta do Arguido apresenta-se no limite superior da negligência (Grosseira), pois o grau de culpa é elevadíssimo;
K. Foi intenção do Arguido iniciar a condução de veículo automóvel bem sabendo não se encontrar em condições de o fazer,
L. Assumindo como possível, em face de tal estado alcoolizado, a possibilidade de poder provocar um acidente com vítimas mortais e feridos (Dolo eventual);
M. Risco que ainda potenciou através da impressão ao veículo de uma velocidade de 102 km/h em zona limitada 50km/h, limite que conhecia bem pois passava diariamente no local;
N. O resultado da conduta foi catastrófico, várias famílias destruídas, a ora Recorrente, à data com 10 anos, perdeu o seu pai,
O. Mas pais também perderam filhos, algo completamente contranatura;
P. Todas as circunstâncias e consequências do evento, aliadas à consciência geral da necessidade imperiosa de fazer frente à sinistralidade rodoviária no nosso País, impõem a eficácia da utilização da prevenção geral - de contrário em causa se colocariam, quer a crença na comunidade da validade da norma, quer a confiança dos cidadãos nas Instituições jurídico-penais,
Q. E porque assim não sucedeu no douto Acórdão de que ora se recorre, onde foi decidido libertar alguém que grosseiramente matou duas pessoas e apenas não matou uma terceira por mero acaso, abalou-se a crença nas instituições jurídico-penais como garantes da ordem jurídica e do cumprimento das normas mais basilares da vida em sociedade, bem como do bem mais precioso, - a Vida humana,
R. O que foi potenciado, no presente processo pelo acompanhamento do mesmo pelos órgãos de comunicação social,
S. Abalo, na confiança e credibilidade que a sociedade deposita nas Instituições Jurídico-Penais que defendem a ordem social e protegem a vida, que urge reparar;
T. Tal reparação apenas será possível demonstrando-se que condutas como a do Arguido não são admissíveis ou toleradas,
U. O que se pretende pelo presente recurso através da condenação do Arguido na pena de 4 anos e 7 meses de prisão efetiva;
V. Pretensão suportada por entendimento doutrinaria e jurisprudencialmente aceite e promovido,
W. Segundo o qual, contrariamente ao decido pelo Tribunal a quo, a finalidade de prevenção geral positiva da pena sobrepõe-se a qualquer juízo de prognose positivo a respeito da das finalidades de prevenção especial ou ressocialização;
X. O que determina a inaplicabilidade do instituto da suspensão da execução da pena de prisão nos presentes autos.”

Igualmente o fez a assistente CC, concluindo:
“A. O acórdão proferido nos presentes autos o Arguido foi condenado como autor material, na forma consumada e em concurso real pela prá2ca de dois crimes de homicídio por negligência grosseira e um crime de condução perigoso de veículo agravado pelo resultado ofenso à integridade física grave,
B. Nas penas de 2,5 anos por cada homicídio e 1 ano e 10 meses pelo crime de condução perigosa de veículo agravada, em cúmulo jurídico na pena única de 4 anos e 7 meses de prisão;
C. Ainda no âmbito do referido acórdão foi determinado pelo Tribunal a quo a aplicação do ins2tuto da suspensão da execução da pena de prisão (Art.º 50º do C.Penal), suspendendo a execução de tal pena de prisão (4 anos e 7 meses) por igual período ainda que sujeita ao cumprimento de obrigações;
D. Entende a Recorrente que na referida decisão se verifica uma errada aplicação do ins2tuto da suspensão provisória do processo (Art.º 50º C. Penal);
E. Dos factos provados resultou que o Arguido conduziu veículo automóvel com uma taxa de álcool no sangue de 1.68 g/l e a pelo menos 102km/h, em localidade, invadiu a faixa de rodagem contrária, “atropelando” 3 motociclistas que seguiam viagem cumprindo todas as normas estradais;
F. Em consequência de tal “atropelo”, dois dos motociclistas vieram a falecer no local e o único motociclista sobrevivente ficou graves e sequelas permanentes;
G. O Acidente ocorreu por culpa exclusiva do Arguido que conhecia bem a via onde o mesmo ocorreu, sendo que tal via não possuía qualquer anomalia e verificavam-se boas condições de visibilidade (21 de abril de 2019 pelas 17h.30m – Domingo de Páscoa);
H. A aplicação do ins2tuto da suspensão da execução da pena de prisão não se coaduna com a gravidade dos ilícitos em questão e com as consequências que resultaram do cometimento dos mesmos pelo Arguido;
I. A conduta do Arguido apresenta-se no limite superior da negligência (Grosseira), pois o grau de culpa é elevadíssimo;
J. Foi intenção do Arguido iniciar a condução de veículo automóvel bem sabendo não se encontrar em condições de o fazer,
K. Assumindo como possível, em face de tal estado alcoolizado, a possibilidade de poder provocar um acidente com vítimas mortais e feridos (Dolo eventual);
L. Risco que ainda foi agravado através da velocidade a que circulava o veículo (102 km/h) em zona limitada 50km/h, limite que conhecia bem pois passava diariamente no local;
M. Da conduta do arguido resultaram não só duas mortes e um ferido grave, mas também a destruição da vida das famílias das vítimas, sendo que retirou, à aqui Assistente a oportunidade de esta constituir uma família com o seu falecido marido.
O. Com a suspensão da pena, está a enviar-se uma mensagem muito perigosa para a sociedade que é a de que, ceifar vidas enquanto se conduz com excesso de velocidade e com álcool apenas tem como punição uma mera ida ao tribunal e uma quantas noites sem dormir, e depois tudo con2nua igual, uma vez que o aqui arguido voltou à sua vida normal, convivendo com os seus, trabalhando todos os dias, indo ao café, celebrando outras Pascoas, contudo as vítimas e as suas famílias NUNCA mais poderão fazê-lo.
P. A realidade e a gravidade dos factos, bem como as circunstâncias em que ocorreram os mesmos, impõem no entender da Assistente, a que seja aplicada a pena de prisão efetiva e a cumprir em Estabelecimento Prisional.”
O arguido respondeu aos recursos, tendo pugnado pelas suas improcedências, concluindo:

“I. O presente recurso está centrado na impugnação da decisão sobre a suspensão da execução da pena em questão (4 anos e 7 meses).

II. Ora, salvo o devido respeito, a decisão do tribunal a quo não merece qualquer reparo, uma vez que todos os pressupostos se encontram preenchidos para que tal instituto seja aplicado. O tribunal suspende a execução da pena aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às circunstâncias da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

III. O Ministério Público e as assistentes CC e BB (ora recorrentes) sustentam os seus recursos com a premissa de que o facto de ter sido condenado pelos crimes descritos nos autos com a suspensão da execução de pena, ou seja, ao não ser condenado a cumprir prisão efetiva, seria transmitir uma perigosa mensagem de benevolência, com claros prejuízos para a prevenção geral.

IV. Ó arguido, como comprova o relatório social, está bem inserido na sociedade, era muito jovem à data do sinistro (22 anos), nunca deixou de trabalhar, apesar do ocorrido, uma vez que é o sustento do seu agregado familiar, teve acompanhamento psicológico, é primário, sem qualquer antecedente criminal. O acontecimento foi um momento muito infeliz e muito duro e, apesar de não ter memória alguma do ocorrido, colaborou com a Justiça desde o início, tendo inclusive entregue o seu título de condução, deixando de conduzir logo após o acidente, aceitando os termos descritos na acusação, pois, aceitou que errou, mostrando arrependimento sério, tendo, também, pedido várias vezes perdão aos familiares das vítimas.

V. Como é referido no Acórdão do Tribunal a quo, é um sentimento que o vai acompanhar para sempre e isso já é um grande castigo que o acompanha para o resto da sua vida.”

Neste Tribunal o Digno Procurador-geral Adjunto teve vista nos autos, emitindo parecer no sentido da procedência dos recursos.
Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º nº 2 do CPP, mantendo o arguido a sua argumentação.
Foram os autos aos vistos e procedeu-se à Conferência.
Nada obsta à apreciação do mérito da causa.
Cumpre assim apreciar e decidir.
2. Fundamentação.
Resultam assentes os seguintes factos e sua motivação:
I.1 – Factos provados
1º- No dia 21 de abril de 2019, pelas 17H30, o arguido AA, conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de marca Audi, modelo ... de cor preto, matricula ..-LI-.., circulando na Estrada Nacional ... Km 3,900 — Rua ..., sentido .../..., a uma velocidade de pelo menos 102 km/h, sendo que no referido local, o limite máximo de velocidade era de 50 Km/h, quando ao efectuar a curva à direita, invadiu a via de circulação contrária.
2º- Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, a vítima DD, detinha a condução efectiva do motociclo ..-IV-.., a vítima EE, detinha a condução efectiva do motociclo ..-SZ-.., e a vítima FF, detinha a condução efectiva do motociclo ..-MR-.., circulando todos, na E.N. ... — Km 3,900 — Rua ..., no sentido .../... — sentido de circulação contrário aquele em que deveria circular o arguido AA.
3º- Desta feita, e ao invadir a faixa de circulação contrária, o veículo ligeiro de passageiros ..-LI-.., conduzido pelo arguido AA, embateu com a parte frontal, na frente do motociclo ..-IV-.., conduzido por DD, de seguida na frente do motociclo ..-MR-.., conduzido por FF e de seguida no motociclo ..-SZ-.., conduzido por EE.
4º- Nessa sequência, o motociclo ..-IV-.. conduzido por DD, foi projetado, embateu no muro e gradeamento da residência com o n.° ..., tendo ficado imobilizado na berma do lado esquerdo, a cerca de cinco metros do ponto de embate, a roda frontal do referido motociclo desintegrou-se do mesmo e ficou imobilizada a cerca de dez metros e meio do ponto de embate, tendo o seu condutor DD, sido transportado no capot do veículo ligeiro.de passageiros ..-LI-.., conduzido pelo arguido AA, ficando prostrado a cerca de vinte e sete metros do ponto de embate.
5º- Após a colisão descrita no parágrafo anterior, a roda frontal esquerda do veículo ligeiro de passageiros ..-LI-.., conduzido pelo arguido AA, desintegrou-se do mesmo, o pneumático desagregou-se da jante, tendo o pneumático ficado a vinte metros do ponto de embate e a jante a cerca de vinte e quatro metros, do mesmo ponto.
6º- Em consequência do descrito no ponto 3, e na continuidade do descrito em 4 e 5 o motociclo ..-MR-.., conduzido por FF, foi projetado, tendo ficado imobilizado do lado esquerdo da via a cerca de cinquenta e dois metros do ponto de embate, a mala Topcase do referido motociclo desencaixou-se do mesmo e ficou imobilizada a cerca de treze metros do ponto de conflito inicial, tendo o seu condutor, o FF, sido projetado por cima do veículo ligeiro de passageiros ..- LI-.., conduzido pelo arguido, ficando prostrado junto da tampa metálica em frente da residência com o n.° ....
7º- Em consequência do descrito no ponto 3, e na continuidade do descrito em 4, 5 e 6, o motociclo ..-SZ-.., conduzido por EE, ficou imobilizado do lado esquerdo da berma, em frente ao portão de acesso à garagem da residência com o n.° ..., tendo o seu condutor sido projetado, ficando prostrado no jardim da residência com o n.° ....
8º- Por sua vez, o veículo ligeiro de passageiros ..-LI-.., conduzido pelo arguido, AA após colisão, derivou para a esquerda embateu no muro da residência com o n.° ... e imobilizou-se junto do portão de acesso à residência com o n.° ....
9º- Após o acidente o arguido AA apresentou um comportamento, alterado demonstrado nervosismo e com uma postura agressiva perante as pessoas que com ele falavam, mostrando-se necessário fazer uso da força para o transportar ao hospital para receber tratamento médico e efetuar a recolha de sangue para o exame toxicológico.
10º- Após a leitura da Unidade de Controlo de Veículo do veículo ligeiro de passageiros ..-LI-.., conduzido pelo arguido AA, ficou registado em 21/04/2019 pelas 17:15:29”, aquando do embate a velocidade de pelo menos 102 km/h.
11º- O arguido AA, foi submetido a exame pericial toxicológico, tendo sido registado resultado positivo para etanol com uma taxa de álcool no sangue de 1,68 +/- 0,22 g/1.
12º- O arguido AA conhecia bem a via em que ocorreu o acidente.
13º- Na inspeção ao local não se verificaram quaisquer anomalias na via que pudessem contribuir para a produção do acidente.
14º- Na perícia realizada, ao veículo ligeiro de passageiros ..-LI-.., não se verificou qualquer anomalia que pudesse contribuir para a produção do acidente
15º- A vítima, DD, faleceu devido a politraumatismo, lesões descritas a folhas 170 a 173, resultantes de violento traumatismo de natureza contundente, na sequência do acidente de viação de que foi vítima, nomeadamente
Área Ano-Genital: solução de continuidade de bordos irregulares na região escrotal esquerda
Membro superior direito: fractura cominutiva exposta dos ossos do punho direito com laceração muscular e perda de tecido
Membro superior esquerdo: escoriação na base do quinto dedo da mão esquerda
Membro inferior direito: escoriações e equimoses de caraterísticas abrasivas
na face anterior da coxa direita.
Membro inferior esquerdo: fractura cominutiva exposta com sinais de infiltração sanguínea ao nível ósseo, laceração muscular, de vasos e tecidos adjacentes da perna esquerda escoriações e equimoses de caraterísticas abrasivas na face interna da coxa esquerda.
Meninges: hemorragia subaracnoídea em toalha mais acentuada a nível cerebeloso.
Clavícula, Cartilagenss e Costelas direitas: fractura cominutiva do 1º ao 7º
arcos costais posteriores COI sinais infiltração sanguínea nos topos ósseos e tecidos adjacentes. Vértebras e estruturas articulares: fractura cominutiva completa de D2, D3 e D4 com lesão medular e sinais de infiltração sanguínea a nível ósseo e tecidos adjacente.
16º- A vítima DD, após o acidente ainda foi assistida pela VMER sendo declarado o seu óbito no local do acidente.
17º- Assim, a vítima DD, faleceu em consequência direta e necessária do acidente supra descrito, no dia 21.04.2019, pelas 18h 35 minutos.
18º- A vítima, EE, faleceu devido a politraumatismo, lesões descritas a folhas 144 a 147 (que aqui se dão por integralmente reproduzidas), resultantes de violento traumatismo de natureza contundente, na sequência do acidente de viação de que foi vítima, nomeadamente:
Vértebras e estruturas articulares: fratura cominutiva completa com sinais de infiltração sanguínea de D3, D4 e D5, com lesão medular
Membro superior esquerdo:
Fractura cominutiva exposta do terço superior do antebraço esquerdo com sinais de infiltração sanguínea nos topos ósseos e tecidos adjacentes.
Fractura cominutiva do punho esquerdo com sinais de infiltração sanguínea nos topos ósseos e tecidos adjacentes. Membro inferior esquerdo: amputação traumática do terço inferior da perna esquerda, com sinais de infiltração sanguínea. Fratura cominutiva exposta do fémur esquerdo, com sinais de infiltração sanguínea nos topos ósseos e tecidos adjacentes
A vítima EE, após o acidente, ainda foi assistida
Pela VMER sendo declarado o seu óbito no local do acidente.
19º- Assim, a vítima EE, faleceu em consequência directa e necessária do acidente supra descrito, no dia 21.04.2019, pelas 18h 30 minutos.
20º- Na sequência do violento embate de que foi vítima, FF, sofreu as seguintes lesões:
Fraturas expostas dos membros superior e inferior esquerdos (fratura cominutiva do prato tibial esquerdo, fratura do perónio esquerdo, fractura da rótula esquerda, fractura da diáfise do fémur esquerdo, fractura da diáfise do úmero esquerdo e esfacelo do joelho esquerdo.
A vítima FF, ficou com as seguintes lesões e/ou sequelas permanentes relacionáveis com o evento:
Membro superior esquerdo:
Cicatriz linear na face ântero-superior do ombro esquerdo com 4,5cm de comprimento; Duas cicatrizes lineares na face anterior do terço proximal do braço com 1cm de comprimento cada;
Cicatriz nacarada na face anterior do terço distal do braço com 3cm de comprimento;
Cicatriz avermelhada na face posterior do braço com l7cm de comprimento;
Amplitudes articulares do ombro e cotovelo, completas, mas dolorosas nos últimos graus a nível do ombro;
Membro inferior direito: três cicatrizes na face interna do tornozelo, com 1cm de diâmetro cada;
Membro inferior esquerdo: cicatriz castanha na face medial da metade distal da coxa esquerda com 11x6,5cm de maior eixo vertical complexo cicatricial na face anterior do joelho e perna esquerdos com 27xl6cm de maior eixo vertical;
Na face lateral da anca, cicatriz vertical com 5 cm de comprimento, inferiormente outra com 2 cm. Dispersas pela face lateral da coxa, 6 cicatriz lineares, verticais, com 1 cm cada. Atrofia da coxa de 2 cm (42cm vs 44cm);
Extensão do joelho completa, flexão limitada a 120º. Marcada deformidade óssea. de joelho e terço proximal da perna. Laxidão ligamentar lateral e anterior do joelho;
Tais lesões determinaram para a vítima 894 dias para a consolidação médico-legal: com afetação da capacidade de trabalho geral (894 dias) e com afetação da capacidade de trabalho profissional (894 dias), sendo a data da consolidação médico-legal das lesões fixável em 01/10/2021.
As lesões atrás referidas resultaram de traumatismo de natureza contundente.
As consequências permanentes descritas, sob o ponto de vista médico-legal, traduzem-se em deformidade e cicatrizes no membro inferior esquerdo que condicionam desfiguração grave, assim como limitação funcional importante a nível do joelho esquerdo, com atrofia da coxa de 2 cm e laxidão ligamentar.
A vítima FF recebeu tratamento no Hospital ... no Porto.
21º- O acidente ficou a dever-se à falha por parte do arguido, AA por efectuar o exercício da condução, bem sabendo ter ingerido bebidas alcoólicas que lhe podiam determinar uma TAS igual ou superior a 1,20 g/1.
22º- O arguido AA ao iniciar o exercício da condução bem sabendo não ser capaz de o fazer em segurança, nomeadamente por ter ingerido bebidas alcoólicas que lhe podiam determinar uma TAS igual ou superior a 1,20 g/1, circular a uma velocidade de pelo menos 102 km/h num local onde a velocidade máxima permitida é de 50 km/h, e circular na faixa contrária àquela em que deveria circular. o arguido revelou uma irrefletida inobservância das normas de circulação rodoviária com manifesta falta de cuidado e prudência que no momento se lhe impunha, e tornou inevitável o acidente, o qual ocorreu devido à sua falta de cuidado na condução.
23º- Ao conduzir o veículo deveria fazê-lo assim evitar um resultado que podia e devia prever, evitando as lesões corporais de FF e á morte de DD e de EE
24º- Agiu o arguido AA de modo descuidado e com total falta de atenção na condução automóvel, contrariamente ao que lhe era imposto que fizesse.
25º- Ao actuar da forma descrita, o arguido AA desrespeitou as mais elementares regras que devem ser observadas no exercício de uma condução prudente, designadamente que lhe que a velocidade deve ser adequada à via em que circula e às condições do trânsito, da obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita e no sentido do trânsito.
26º- Ao agir como descrito, fê-lo com o propósito concretizado de seguir à velocidade a que conduzia e de desrespeitar aquelas normas de circulação, rodoviária.
27º- Estava ciente que ao proceder assim colocava em perigo a vida e a integridade física dos demais utentes da via, o que veio a suceder.
28º- Actuou de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que as descritas condutas são proibidas e puníveis por lei.
29º- Das Condições Pessoais e Económicas do arguido:
- AA cresceu no contexto de uma matriz familiar constituída por uma irmã mais nova e os progenitores, com características de convencionalidade quanto à sua organização e princípios preconizados, referindo ter sempre vivenciado uma dinâmica estável ao nível intra-familiar, na qual a figura dos avós paternos protagonizaram um papel relevante no processo educativo na ausência dos progenitores por motivos laborais.
- O seu percurso escolar foi interrompido aos 15 anos de díade, após conclusão do 7º ano sem ter concluído a escolaridade obrigatória e optando pela aprendizagem profissional ajudando um tio na oficina de mecânica. Com 18 anos de idade optou por trabalhar como ajudante de motorista numa empresa em Valongo, com contratos formais de trabalho, desistindo dessa atividade para se dedicar à área da construção civil, na aplicação de isolamento térmico, durante dois anos. Com aproximadamente 24 anos de idade ingressou na empresa B... S.A, situada na Tv. ..., ... ..., Paredes, onde se mantém com as funções de serralheiro civil, com contrato por tempo indeterminado, sendo referida pelo próprio e confirmado pelo conteúdo do recibo de vencimento apresentado, a regularidade profissional do mesmo.
- Tendo iniciado uma relação de namoro há aproximadamente dez anos, a mesma persiste num registo de vinculação afetiva, com projeto de uma vivência em comum.
- À data dos factos, o arguido inseria o seu atual grupo doméstico de origem, no qual se mantém, composto pelos progenitores, o pai de 58 anos, operário e a mãe de 60 de idade, doméstica, assim como uma irmã de 24 anos, a laborar na área comercial.
- Vivenciando na atualidade a sua interação pós-laboral o espaço familiar da namorada, assistente técnica num dos Departamentos da Universidade ... e, a sua célula de origem, a dinâmica familiar é descrita como pautado pela reciprocidade afectiva e cooperação, sustentada numa comunicação positiva e constituindo-se uma dimensão protectora na vida do arguido.
- O grupo doméstico vive em habitação própria, uma moradia tipologia 3, adquirida pelos progenitores e à qual atribui condições de conforto.
Profissionalmente, aquando da factualidade descrita, o arguido trabalhava na empresa onde se encontra há quatro anos sendo que, como se referiu, apresenta regularidade e empenho laboral. Com o objetivo de obter a escolaridade obrigatória, AA frequenta o terceiro ciclo do ensino básico para conclusão do 9º ano, habilitando-se com a escolaridade obrigatória.
- As condições materiais de existência são asseguradas pelo vencimento auferido por AA, no valor base de 827.74€ (oitocentos e vinte e sete euros e setenta e quatro cêntimos), acrescido de horas extras que efetua para garantir os gastos com a subsistência e outras necessidades. Integrando o agregado dos pais, o arguido comparticipa com 300.00€ mensais para a economia doméstica, apresentando como despesas pessoais a quantia aproximada de 350.00€, distribuídas por custos com aquisição de viatura, gasóleo, internet e telefone.
- No que concerne a eventuais hábitos aditivos, nomeadamente abuso de bebidas etílicas, o comportamento comum face ao álcool é tido de moderação e restrito apenas a algumas refeições.
- No meio social de residência do arguido, este é conhecido pelos vizinhos reportando-lhe um comportamento adequado.
- Manifesta preocupação quanto ao desfecho do processo judicial em apreço e verbaliza o impacto significativamente perturbador do mesmo nas esferas pessoal e familiar, pelo desgaste emocional observado, minimizado pelo suporte familiar prestado pela família.
30º- Dos Antecedentes Criminais do arguido:
O arguido não tem antecedentes criminais registados.”
*
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

Atentas as conclusões dos recursos, podemos delimitar o seu objeto à apreciação da seguinte questão:
Suspensão da pena.

Vejamos
O Tribunal de recurso deverá sindicar o quantum da pena, e a sua natureza, tendo em atenção os critérios de determinação utilizados pelo Tribunal recorrido, e a fundamentação de todo o processo cognitivo que foi seguido, intervindo, no sentido da alteração se se revelarem falhas que possam influenciar essa mesma determinação ou se a mesma se revelar manifestamente desproporcionada.
Significa isto, que a regra a seguir deverá ser sempre pautada pelo princípio da mínima intervenção, sendo todo o processo lógico de determinação da pena exata aplicada aferido em sede de recurso, e, caso seja insuficiente ou desajustado, alterado de acordo com o circunstancialismo factual assente, caso contrário, deverá ser mantido e consequentemente a pena concreta assim fixada.
No mesmo sentido acórdão deste Tribunal proferido em 11 de Julho de 2007 “a intervenção do tribunal de recurso pode incidir na questão do limite ou da moldura da culpa assim como na atuação dos fins das penas no quadro da prevenção; mas já não na determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, exceto se tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (cfr. in www.dgsi.pt).

A fixação da medida concreta da pena envolve para o juiz, escreve Iesheck, in Derecho Penal, pág. 1192, Vol. II, uma certa margem de liberdade individual, não podendo, no entanto, esquecer-se que ela é, e nem podia deixar de o ser, estruturalmente aplicação do direito, devendo ter-se em apreço a culpabilidade do agente e os efeitos da pena sobre a sociedade e na vida do delinquente, por força do que dispõe o art.º 40.º n.º 1, do CP.
Não se mostra questionada a medida da pena única, estando apenas em causa a execução da pena de prisão, questionando-se a sua suspensão.
A propósito da fixação das penas concretas explanou o tribunal a quo:
“Em primeiro lugar, referir-se-á que o grau de ilicitude é elevado, considerando, ademais, que o excesso de velocidade objectivamente considerado é elevado, em mais do dobro do máximo legalmente permitido e a taxa de álcool no sangue apurada excede em triplo a punição pelo comportamento contra-ordenacional, preenchendo, quanto ao crime de condução perigosa, as duas alíneas de condutas tipicamente previstas.
A culpa, essa, situa-se na modalidade mais grave da negligência- negligência consciente e grosseira.
Gravíssimas foram as consequências que resultaram da conduta do arguido, com o ceifar de duas vidas e o lastro de uma ofensa à integridade física grave, com consequências permanentes.
Não há qualquer contribuição, por mais pequena que seja, das vítimas para o agravamento do risco ou consequências: circulavam a uma velocidade moderada, na sua faixa de rodagem, em passeio, usando meios de protecção adequados (capacetes).
A favor do arguido, nesta sede, o facto de, não confessando os factos, por dos mesmos não se recordar (não podendo confessar aquilo que não recorda), não os questionar de forma evidente, antes aceitando os resultados dos exames periciais, convocando uma postura humilde e manifestamente marcada pelo peso das consequências, espelhando o pesar que se considera ser expectável numa situação como aquela com que estava confrontado.
Deverá, ainda, ser referido, militando a favor do arguido, as diminutas exigências de prevenção especial.
Não tem quaisquer antecedentes criminais.
É pessoa social, familiar e profissionalmente integrado, sendo reputado e reconhecido como homem com hábitos de trabalho, sendo o suporte do seu agregado familiar.”
A propósito da pena única “Considerando a moldura penal do concurso- que conhece o limite mínimo de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses e o máximo de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses, coligido o facto de o arguido não ter quaisquer antecedentes criminais, estar plenamente inserido em termos familiares, núcleo de que recebe apoio, ser um homem de reconhecidos hábitos de trabalho, estar socialmente inserido, mostrando-se refreadas as exigências de prevenção especial, sendo que são, de facto, as exigências de prevenção geral que elevam o patamar de necessidade de punição, entendemos ser justo e adequado fixar a pena única de 4 (quatro) anos e 7 (sete) meses de prisão.”
A propósito da suspensão da pena “Importa, agora, ponderar das virtualidades da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, pois que, nos termos do art. 50.º do Código Penal, o tribunal suspende a execução da pena aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às circunstâncias da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, podendo, se o julgar conveniente e adequado à realização de tais finalidades, subordinar a suspensão da execução da pena de prisão nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, sendo que semelhantes deveres e regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
Na decisão sobre que ora nos debruçamos, deveremos ter presente razões ligadas às finalidades preventivas desta punição, quer as que se reportam à prevenção geral positiva, quer as que se referem à prevenção especial de socialização, estas marcadamente relevantes para o funcionamento deste instituto.
O instituto de suspensão de execução da pena tem, como pressupostos materiais, a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao facto punível e as circunstâncias que o rodearam, se e quando for possível concluir que a simples censura do facto e ameaça da pena bastarão para o impedir de praticar outras condutas ilícitas e satisfarão as necessidades de reprovação e prevenção do crime (art.º 50, n.º 1, do Código Penal).
É preciso ter presente que, como refere Maia Gonçalves, in Código Penal Português Anotado, 13º Edição, pág. 206, este instituto “é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico (...)”, acrescentando que se “trata de um poder dever, ou seja, de um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verificarem os apontados pressupostos.”
Convocando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/06/03, disponível em www.dgsi.pt), diremos que “constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as necessidades de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do Direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas”.
Não obstante, a suspensão da execução da pena de prisão não pode colidir com as finalidades da punição. Se numa perspectiva de prevenção especial, terá que promover favorecer a reinserção social do condenado, na perspectiva da prevenção geral não pode transmitir a ideia de impunidade, subtraindo a confiança no sistema penal.
O instituto de suspensão de execução da pena como ensina o Prof. Figueiredo Dias poderá traduzir-se da seguinte forma: “A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes (…). Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».” (Direito Penal Português As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 343).
Assentando o juízo de prognose a realizar pelo tribunal nas circunstâncias do caso concreto – das condições de vida e conduta anterior e posterior do agente, conjugadas e relacionadas com a sua revelada personalidade – para se concluir pela suspensão ter-se-á que concluir que a condenação criminal fará o arguido integrá-la como uma solene advertência, prevenindo a reincidência.
No caso em apreço, as necessidades de prevenção geral recomendam o cumprimento da pena efectiva de prisão.
De facto, os elevados índices de sinistralidade rodoviária registados em Portugal, associados as mais das vezes a excesso de velocidade e condução em estado de embriaguez, apontam no sentido do cumprimento efectivo da pena de prisão, tanto mais que da conduta do arguido resultou a violação do bem jurídico supremamente protegido- a vida.
Todavia, não podem perder-se do horizonte as finalidades das penas que, no caso concreto, não se alcançam com a possível prisão efectiva do arguido.
De facto, o estigma de ter causado a morte a duas pessoas e ter deixado numa terceira pessoa sequelas permanentes, numa pessoa integrada e sem antecedentes criminais como o arguido, acompanhá-lo-á para sempre.
Convocando o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-10-2010, disponível em www.dgsi.pt “Ao mal do crime não pode corresponder um «mal da pena» para quem é seu destinatário. E no caso, a aplicação de uma pena de prisão efectiva, que em abstracto poderia parecer que maximizava a utilidade publica da pena no sentido de ser um «sinal» a futuros prevaricadores, seria sempre um «mal» para a arguida, que como se viu, apresenta condições que permitem prognosticar que não voltará a delinquir. E nessa medida a pena deixava de cumprir as suas próprias finalidades e de ser, em primeira linha, uma pena justa.”
Tal ponderação é aplicável nestes autos.
Nesta conformidade, considera-se adequada e suficiente a suspensão da execução da pena de prisão aplicada por igual período de tempo, ou seja, 4 (quatro) anos e 7 (sete) mês de prisão.”

Pois bem.
O art. 50º do C. Penal, atribui ao Tribunal o poder dever de suspender a execução de pena não superior a cinco anos, sempre que a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao facto punível, e às circunstâncias deste, permitam concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.
O novo ordenamento jurídico-penal estatuído com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 400/82, de 3 de Setembro consagrou, de forma dogmaticamente iniludível, a suspensão da execução da pena de prisão como pena de substituição. Trata-se de penas aplicadas na sentença condenatória em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas.
A suspensão da execução da pena de prisão é a mais importante das penas de substituição (e estas são, genericamente, as que podem substituir qualquer das penas principais concretamente determinadas).
Com efeito, uma vez determinada a pena concreta, sendo aplicada pena de prisão, consoante o seu quantum, impõe-se ao tribunal determinar se é caso de a substituir por uma pena não detentiva ou por uma pena detentiva prevista na lei.
De facto, as penas de substituição “podendo substituir qualquer uma das penas principais concretamente determinadas (…) se não são, em sentido estrito, penas principais (porque o legislador não as previu expressamente nos tipos de crime) …[são] penas que são aplicadas e executadas em vez de uma pena principal (penas de substituição)”.

Nos termos do disposto no nº1 do art. 50º do Código Penal, “O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
A suspensão da execução da pena de prisão pode assumir três modalidades: suspensão simples; suspensão sujeita a condições (cumprimento de deveres ou de certas regras de conduta); suspensão acompanhada de regime de prova.)
Não se pode esquecer que a pena de prisão é encarada como a ultima ratio, sendo preocupação do legislador e, obrigação do Estado, contribuir para a própria socialização do arguido.
Na suspensão da execução da pena de prisão, esta, embora efetivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição.
Para esse efeito, no momento em que profere a decisão, o tribunal deverá efetuar um juízo de prognose favorável em relação ao arguido, tendo em atenção a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste (art. 50º, nº 1, do CP).
Sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos, o julgador tem o dever (trata-se de um poder-dever vinculado) de suspender a execução da pena de prisão, suspensão essa que, como pena autónoma é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, devendo ser ponderada no momento da decisão.
Este juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido terá de assentar numa expectativa razoável de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e, consequentemente, dessa forma será viável conseguir a sua ressocialização em liberdade, funcionando a condenação como uma advertência para evitar a prática de futuros crimes.
A este propósito, conforme se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25-09-2013, disponível em www.dgsi.pt: “No momento da decisão em que o julgador escolhe a pena, isto é, pondera se a pena de prisão aplicada deve ou não ser substituída por outra pena prevista na lei (possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão nos termos do art. 50º do CP, sujeita ou não a deveres, regras de conduta e/ou acompanhada de regime de prova, tal como previsto respetivamente nos arts. 51º, 52º e 53º do CP), apenas pode atender a critérios de prevenção.
Na operação de escolha da pena, a aplicação da pena de substituição impõe-se quando se verificam os seus pressupostos materiais, o que exige que se ponderem as razões de prevenção especial (carência de socialização do arguido) e que simultaneamente fique salvaguardado o “limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica”.
Ou seja, quando se está na fase da escolha da pena (momento posterior ao da determinação da medida concreta da pena), o tribunal pondera as exigências de prevenção especial que se fazem sentir no caso concreto e, caso estas sejam satisfeitas através da aplicação de uma pena de substituição, não pode deixar de aplicar a pena de substituição se esta igualmente realizar as exigências mínimas (que são irrenunciáveis) de prevenção geral positiva.
À face da lei, como diz Anabela Rodrigues, “a culpa só pode (e deve) ser considerada no momento que precede o da escolha da pena – o da determinação da medida concreta da pena de prisão – não podendo ser ponderada para justificar a não aplicação de uma pena de substituição: tal atitude é tomada tendo em conta unicamente critérios de prevenção (Anabela Rodrigues, Critério de Escolha das Penas de Substituição no Código Penal Português, 1988, pp. 24 e segs.). Ou seja: não oferece qualquer dúvida interpretar o estipulado pelo legislador (artigo 71º do Código Penal) a partir da ideia de que um orientamento de prevenção – e esse é o de prevenção especial – deve estar na base da escolha da pena pelo tribunal; sendo igualmente um orientamento de prevenção – agora de prevenção geral, no seu grau mínimo o único que pode (e deve) fazer afastar a conclusão a que se chegou em termos de prevenção especial.”
Reitera-se, pois, que na operação de escolha da pena, a aplicação da pena de substituição impõe-se quando se verificam os seus pressupostos materiais, o que exige que se ponderem as razões de prevenção especial (carência de socialização do arguido) e que simultaneamente fique salvaguardado o “limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica”.
Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que:
- Culpa, essa, situa-se na modalidade mais grave da negligência consciente e grosseira;
- Grau de ilicitude é elevado, portanto na sua modalidade mais grave, pois o excesso de velocidade objetivamente considerado é elevado, em mais do dobro, 102 km/h numa zona de 50 km/h, do máximo legalmente permitido e a taxa de álcool no sangue apurada de 1.68g/l que excede em triplo a punição pelo comportamento contraordenacional, preenchendo, quanto ao crime de condução perigosa, as duas alíneas de condutas tipicamente previstas;
- As consequências foram gravíssimas, com o ceifar de duas vidas e o lastro de uma ofensa à integridade física grave, com consequências permanentes.
-Destruiu 3 famílias e relações de amor e amizade;
-Pais perderam filhos, filhos perderam pais (caso da assistente que, com apenas 10 anos, perdeu o seu pai) e mulheres perderam maridos;
- Não houve qualquer contribuição, por mais pequena que seja, das vítimas para o agravamento do risco ou consequências: circulavam a uma velocidade moderada, na sua faixa de rodagem, em passeio, usando meios de proteção adequados (capacetes).
- A favor do arguido, o ato de, não confessando os factos, por dos mesmos não se recordar (não podendo confessar aquilo que não recorda), não os questionar de forma evidente, antes aceitando os resultados dos exames periciais, convocando uma postura humilde e manifestamente marcada pelo peso das consequências, espelhando o pesar que se considera ser expectável numa situação como aquela com que estava confrontado.
- De notar as exigências de prevenção geral, que se reputam de elevadas (necessidade comunitária da punição do caso concreto e consequentemente da realização das finalidades da pena).
Com efeito, a condução perigosa de veículo rodoviário agravado pelo resultado, e os homicídios negligentes (com negligência grosseira) consequência dessa condição, relevam as exigências de prevenção geral que são muito acentuadas.
Portugal tem taxas elevadíssimas de mortalidade estradal devido, sobretudo a comportamentos negligentes e temerários na condução.
Os acidentes rodoviários com consequências graves (mortes e feridos graves) constituem um grave problema de saúde pública e uma causa relevantíssima de morte.
Vejam-se as estatísticas divulgadas pela ANSR in www.ansr.pt, segundo as quais, no ano de 2019 (ano do acidente) registaram-se 35.704 acidentes com vítimas, dos quais resultaram 626 vitimas mortais, duas das quais resultantes da conduta do Arguido, e 2.168 feridos grave, uma das quais resultante da conduta do Arguido.
Ainda de acordo com tais estatísticas, no ano de 2019 foram registadas 661.799 infrações por excesso de velocidade e 28.595 por excesso de álcool no sangue.
No ano de 2022 de acordo com as estatísticas divulgadas pela ANSR in www.ansr.pt registaram-se 34.275 acidentes com vítimas, dos quais resultaram 473 vítimas mortais e 2.436 feridos grave.
Bem como, foram registadas 876.854 infrações por excesso de velocidade e 34.479 por excesso de álcool no sangue.
Atenta a manutenção do elevado índice de sinistralidade e de infrações por condução em excesso de velocidade ou condução sob o efeito do álcool no nosso país, apenas a aplicação de uma pena de prisão efetiva se mostra suficiente para dar resposta à acentuada necessidade de reafirmação da confiança geral na validade da norma violada e nas instituições jurídico-penais.
De facto, a segurança rodoviária e consequentemente a vida e a integridade física de um número indeterminado de pessoas causam alarme social e a mobilização da opinião pública. A crescente frequência e a gravidade dos acidentes de viação arrasta consigo a necessidade de restabelecimento da confiança e expectativas comunitárias na validade da norma infringida.
Tais circunstâncias demandam a aplicação de uma pena efetiva.
A prática destes factos e as exigências elevadíssimas de prevenção geral numa situação em se provoca a morte de duas pessoas e ferido grave noutra, em dia de Páscoa, todas transitando nos respetivos motociclos, mostra a inoperância da mera suspensão da pena de prisão, justificando a opção pela pena de prisão efetiva, como um sinal mais forte de que sucessivos comportamentos como os que o arguido adotou não podem ser tolerados, sob pena da comunidade ver-se atraiçoada nos valores reclamados e protegidos pelas normas violadas no contexto em que ocorreram.
A efetiva execução da pena de prisão, num caso, como o dos autos mostra-se indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização das expectativas comunitárias (a condução perigosa que determina homicídios e ofensas à integridade física grave são sempre motivo de grande alarme social e de justificado receio em relação à segurança que qualquer cidadão tem o direito de exigir quando circula na via pública e os tribunais não podem proferir decisões que redundem em frustração das expectativas da comunidade na validade das normas jurídicas). Na verdade, e não obstante estarem em causa crimes negligentes, note-se que a negligência é grosseira, e, no caso do crime de homicídio, este é sempre muito grave, pelo que, permitir que um condenado por dois crimes de homicídio e um crime de condução perigosa de veículo rodoviário agravado pelo resultado ofensa à integridade física grave, não cumpra prisão efetiva, seria transmitir uma perigosa mensagem de benevolência, com claros prejuízos para a prevenção geral.
Embora se tenha presente a posição do Professor FIGUEIREDO DIAS, segundo o qual a pena privativa de liberdade deva ser usada apenas como ultima ratio, a realidade é que, em face das especificidades que o caso em análise apresenta, é nosso entendimento, que não é possível formular um juízo de prognose favorável relativamente a este arguido de modo a se considerar que qualquer outra medida realize de forma adequada e suficiente as finalidades de punição que se pretendem para este caso, e além desta circunstância, sublinhar que aqui são essencialmente as necessidades de prevenção geral que são prementes.
A este respeito diz também o Professor Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 497 e 498 que “o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição, o que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação. Bem se compreende que assim seja: sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena. Por outras palavras: a função da culpa exerce-se no momento da determinação quer da medida da pena de prisão (necessária como pressuposto da substituição), quer da medida da pena alternativa ou de substituição; ela é eminentemente estranha, porém, às razões históricas e político-criminais que justificam as penas alternativas e de substituição, não tendo sido em nome de considerações de culpa, ou por força delas, que tais penas se constituíram e existem no ordenamento jurídico.”
Assim, continua o Prof. Figueiredo Dias, “o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas” (§ 500) e que leve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”.
A pena só cumpre a sua finalidade enquanto sentida como tal pelo seu destinatário – cfr. Ac. desta Relação de 7-11-1996, in Col. jurisp. tomo V, 47.
A suspensão da execução da pena é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que deve ser decretada se (e somente se), o julgador concluir que a simples censura do facto e ameaça da pena realizam de forma adequada as finalidades da punição, isto é a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, tal como aponta o art. 40 nº 1 do Cód. Penal, e vão de encontro às expectativas da comunidade, sempre que as necessidades de prevenção geral são elevadas.

No caso presente, tais pressupostos não se verificam, pelo que a suspensão não poderá ser decretada.
Efetivamente, a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, nomeadamente as necessidades de prevenção geral.
Não realizando tais finalidades, no caso em análise, a prisão efetiva afigura-se como a única pena capaz de alcançar as almejadas finalidades.

Assim, sopesadas as razões de prevenção geral e especial e tendo-se em conta as circunstâncias favoráveis e desfavoráveis, da prática do crime, entendemos que a pena de 4 (quatro) anos e 7 (sete) meses de prisão, aplicada ao arguido, não pode ser suspensa na sua execução, antes devendo o arguido ser condenado em pena de prisão efetiva, só assim se satisfazendo de forma adequada e justa as finalidades da punição, designadamente a proteção dos bens jurídicos em causa e a reintegração do arguido.

Pelo exposto, entendemos que a pena a aplicar ao arguido AA deverá ser a pena de 4 (quatro) anos e 7 (sete) meses de prisão efetiva.

Chegados aqui importa ter em consideração a Lei n º 38-A/2023 de 02 de agosto, Lei do perdão de penas e amnistia de infrações.
Os requisitos para aplicação do perdão estão todos preenchidos, na medida em que o arguido tinha 22 anos à data dos factos (nasceu a ../../1996) e estes ocorreram a 21.04.2019, os dois crimes de homicídio negligente beneficiam do perdão, não estando excluídos da Lei em questão, art. 7º n º 1, al.a), i) a contrario, o mesmo já não sucedendo, contudo, com o crime de condução perigosa de veículo rodoviário agravado pelo resultado por ofensa à integridade física grave, al.d), ii) da referida Lei, cuja pena de um ano e dez meses não beneficia de qualquer perdão.
No caso dos autos, pese embora tenhamos uma pena que não beneficia de perdão não há necessidade de fazer cúmulo intermédio.
Por um lado, as penas concretas que beneficiam do perdão de 1 ano são superiores a esse período de um ano (2 anos e 5 meses cada uma).
Por outro lado, com a aplicação do perdão não há redução da pena única abaixo da pena concreta que não beneficia de perdão (ou seja, a pena concreta aplicada excluída do perdão foi de 1 ano e 10 meses e com a aplicação do perdão a pena única fica em 3 anos e 7 meses e, como tal, mantém-se intacta).
Bastando assim aplicar o perdão de um ano à pena única dos três crimes fixada pelo tribunal a quo.

Em face do exposto, declara-se perdoado um ano de prisão à pena única de 04 anos e 07 meses de prisão, devendo o arguido cumprir a prisão efetiva de três anos e sete meses, sob condição resolutiva prevista no art. 8º, n º 1 da citada lei da amnistia e do perdão, ou seja, de não praticar infração dolosa no ano subsequente à sua entrada em vigor, sob pena de cumprimento da pena ou parte da pena perdoada.
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3. Decisão
Pelo exposto, julgam-se os recursos totalmente providos, decidindo-se revogar a decisão a quo no que diz respeito à suspensão da execução da pena de prisão a aplicar ao arguido AA.
Declarar perdoado um ano de prisão à pena única de 04 anos e 07 meses.
Determinar que o arguido cumpra efetivamente a pena de 3 (três) anos e 7 (sete) meses de prisão.
O perdão é concedido sob a condição resolutiva prevista no artigo 8º, n.º 1 da Lei do perdão.

Sem custas pelos recorrentes.

Notifique.
Sumário da responsabilidade do relator.
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Porto, 21 de fevereiro de 2024
Paulo Costa.
Maria do Rosário Martins
Luís Coimbra