Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA DA LUZ SEABRA | ||
Descritores: | EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE INDEFERIMENTO LIMINAR DEVER DE INFORMAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP202412112468/23.8T8STS.P1 | ||
Data do Acordão: | 12/11/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante está dependente da indiciação nos autos de factos objectivos que nos permitam concluir que a devedora pautou o seu comportamento, anterior ou actual, pela licitude, honestidade, transparência e boa-fé, designadamente no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência, de entre os quais está o dever de colaboração e de fornecer informações relevantes para o processo (art. 83º do CIRE). II - Se numa fase incipiente do processo, prévia ao despacho liminar de concessão da exoneração do passivo restante, a devedora/insolvente omite já ter sido anteriormente declarada insolvente, omite a indicação do seu principal credor já reconhecido no processo de insolvência anterior, presta informações erradas quanto aos demais credores, e omite que no referido processo havia sido cessada a concessão da exoneração por violação de deveres de informação, é de concluir que resultam dos autos dados objectivos de que a insolvente omitiu informações relevantes, agindo com culpa grave, contrariando tal comportamento a lisura e transparência que se lhe impunha, circunstâncias que conduzem ao indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante com base no art. 238º nº 1 al. g) do CIRE. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 2468/23.8T8STS.P1- APELAÇÃO Origem: Juizo de Comércio de Santo Tirso-Juiz 7 ** Sumário (elaborado pela Relatora):……………………………… ……………………………… ……………………………… ** I. RELATÓRIO1. AA apresentou-se à Insolvência em 28.08.2023, declarando pretender a exoneração do passivo restante. 2. Por sentença proferida em 30.08.2023, já transitada em julgado, foi decretada a Insolvência da requerente. 3. Apresentado em 26.10.2023 o Relatório a que alude o art. 155º do CIRE pelo Administrador de Insolvência, este pugnou pelo indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante ao abrigo do art. 238º nº 1 al. g), e) e d) do CIRE, tendo assumido igual posição o credor BB, que para além de aderir aos fundamentos invocados pelo Administrador de insolvência pugnou também pela verificação do fundamento de indeferimento liminar previsto na al. c) do art. 238º nº 1 do CIRE. 4. Por decisão proferida em 7.06.2024, Ref Citius 460495138, foi admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pela devedora, e fixado o rendimento disponível em uma vez o salário mínimo nacional (1SMN) considerando os 12 meses do ano. 5. Inconformado com a decisão que admitiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, o credor BB interpôs recurso de apelação da decisão, formulando as seguintes CONCLUSÕES 1º. No presente processo de insolvência, o ora Recorrente aderiu à posição do Exmo. Sr. Administrador de Insolvência, pugnando pelo indeferimento liminar da exoneração do passivo restante. 2º. Na Sentença foi fixada a matéria de facto considerada como provada e não provada, contrariando, contudo, parte da prova documental na medida em que se deu como facto não provado que a devedora violou, com dolo ou culpa grave, os seus deveres de informação e colaboração, omitindo ao Tribunal o seu anterior processo de insolvência ou que ali tenha requerido a exoneração, e que vira cessado antecipadamente e tendo omitido deliberadamente credores. 3º. O Tribunal a quo considerou como provado os seguintes factos: 4º. A requerente apresentou-se à insolvência no dia 28.08.2023 e, por sentença proferida no dia 30.08.2023, declarou-se tal insolvência; 5º. Os autos de insolvência foram encerrados por insuficiência da Massa Insolvente. 6º. A devedora já havia sido declarada insolvente em 01.06.2015 no âmbito do Processo n.º 1481/15.3T8STS que correu termos na Instância Central - 1ª Sec. de Comércio - J2 (ora distribuído a este Juiz 7 - Juízo de Comércio de Santo Tirso. 7º. Naquele processo de insolvência fora requerida a Exoneração Passivo Restante, e, em 21.09.2015, foi proferido despacho inicial no incidente de exoneração do passivo restante. 8º. Sobre o referido incidente de Exoneração Passivo Restante naqueles autos recaiu decisão de cessação antecipada proferida em 14.06.2018. 9º. A devedora juntou o seu assento de nascimento atualizado na petição inicial, constando do assento de nascimento o registo da anterior insolvência, encerramento daquele processo, bem como o início do procedimento da exoneração e o seu termo, por decisão de cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante. 10º. A devedora não beneficiou de exoneração no anterior processo, nem nos últimos 10 anos. 11º. A Insolvente relacionou como credores nos presentes autos apenas os seguintes créditos: 12º. - Autoridade Tributária, no montante de €121,45; 13º. - A..., SA. no montante €5.507,29. 14º. Neste processo de insolvência foram reconhecidos créditos sobre a insolvente no montante global de € 45.420,04, tendo sido reconhecidos os seguintes créditos: 15º. - crédito da Autoridade Tributária no montante de €5.769,60, sendo € 3.958,60 referente a Irs e Coimas Fiscais, € 387,01 referente a Custas de Processos e Executivos Fiscais e € 1.423,99 de Juros de mora; 16º. - créditos de B..., SA anteriormente titulado pelo Banco 1..., SA, no montante de € 5.078,51 e € 7.422,04; 17º. - crédito de BB, no montante de € 21.642,60; 18º. O vencimento dos créditos reconhecidos neste processo de insolvência ocorreu mais de seis meses antes da apresentação da devedora à presente insolvência, tendo os créditos de B... e de BB se vencido em data anterior ao Processo de insolvência n.º 1481/15.3T8STS; Os tributos e coimas reclamados pela Autoridade Tributária venceram-se entre 31.08.2012 e 12.01.2017 19º. A A..., SA não reclamou qualquer crédito. 20º. Solicitados esclarecimentos à devedora, designadamente, para esclarecer porque omitiu na petição inicial o crédito de BB e indicou um valor reduzido quanto ao crédito da Autoridade Tributária, a insolvente informou o seguinte: “prestou todas as informações e forneceu todos os documentos à sua anterior patrona pelo que não sabe o motivo porque não foi indicado o facto de já ter tido um processo de insolvência anterior, ser omitida a dívida ao Sr. BB, o valor reduzido às Finanças e a existência de uma dívida à A.... 21º. Aquando da instrução do pedido de insolvência, entregou à patrona o seu assento de nascimento onde consta a existência do anterior processo e o motivo pelo qual foi cessado antecipadamente. (doc. nº 1 junto com P.I.) Forneceu ainda a notificação após penhora apresentada no anterior processo de insolvência (P. 1481/15.3T8STS-D – Juiz 7 – Juízo de Comércio de Santo Tirso) pelo credor BB, onde consta o valor da divida exequenda. (cfr. doc. nº 1 que se junta). Transmitiu o valor total da dívida às finanças, até porque tem o seu vencimento penhorado e também não sabe a razão da indicação da dívida à A... já que não é devedora àquela instituição, mas sim ao Banco 1.... (…) Face ao exposto e verificando-se desconformidade do vertido na petição inicial com a realidade dos factos, augura a possibilidade de apresentar nova exposição onde conste os créditos, os valores e os processos anteriores e pendentes.” 22º. A requerente é divorciada, o seu agregado familiar é apenas composto pela própria. 23º. A requerente trabalha para “C..., Lda”, 24º. A devedora na petição inicial refere que tem as seguintes despesas: com água, no montante de € 35,00; com a luz, no montante de €47,50; com as telecomunicações, no montante de €65,00. 25º. A devedora nunca fora condenada pela prática de crime previstos e punidos nos artigos 227.º a 229.º do Código Penal. 26º. Por outro lado, 27º. De acordo com a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo não resultaram provados os seguintes factos: 28º. - Os créditos reconhecidos nesses autos anteriores de insolvência e os reconhecidos no presente processo de insolvência são exatamente os mesmos. 29º. - A devedora violou, com dolo ou culpa grave, os seus deveres de informação e colaboração, omitindo ao Tribunal o seu anterior processo de insolvência ou que ali tenha requerido a exoneração, e que vira cessado antecipadamente e tendo omitido deliberadamente credores. 30º. DA IMPUGNAÇÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO: 31º. Existem documentos juntos aos autos, nos quais constam factos ou circunstâncias que não foram atendidos, nem relevados, pelo Tribunal a quo na decisão da matéria de facto, salvo o devido respeito por opinião diversa, existe manifesto erro de julgamento; impugnando-se, assim, a decisão proferida sobre matéria de facto – art. 638º, 640º, 662º todos do C.P.C.; 32º. O Recorrente considera incorretamente julgado o facto dado como provado na douta sentença 15, o qual, outrossim, havia de ter sido dado como não provados. 33º. E, tais factos são relevantes e determinantes para fundamentar a pretensão do Credor, ora Recorrente, no sentido do indeferimento liminar da exoneração do passivo restante. 34º. DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS PELO TRIBUNAL A QUO 35º. No que concerne ao ponto 15. dos factos dados como provados na Sentença, no consta o seguinte: 36º. «15. A devedora na petição inicial refere que tem as seguintes despesas: com água, no montante de € 35,00; com a luz, no montante de €47,50; com as telecomunicações, no montante de €65,00.» 37º. Ora, não se concebe de que forma o douto Tribunal a quo tenha como provado tal facto, na medida em que a devedora não junta qualquer comprovativo das despesas que alega. 38º. Mais do que isso, a devedora não junta qualquer comprovativo de contrato de arrendamento, desconhecendo-se, até, a que título reside na morada onde indica. 39º. Como tal, e salvo o devido respeito, parece-nos claro que foi incorretamente julgado o ponto 15. dos factos provados, pelo que este facto não deveria ter sido dado como provado, outrossim, deveria ter sido dado como não provado. 40º. DOS FACTOS DADOS COMO NÃO PROVADOS PELO TRIBUNAL A QUO 41º. Quanto ao primeiro facto considerado como não provado na Sentença, consta o seguinte: «- Os créditos reconhecidos nesses autos anteriores de insolvência e os reconhecidos no presente processo de insolvência são exatamente os mesmos.» 42º. A este propósito, cumpre referir, tal como se encontra plasmado no Relatório do 155.º do CIRE do Exmo. Sr. Administrador de Insolvência, que todos os créditos reconhecidos no presente processo de insolvência são exatamente os mesmos que haviam sido reconhecidos no anterior processo de insolvência da devedora. 43º. Sucede que, neste período decorrido, foram operadas cessões de créditos, conforme resulta das reclamações de créditos e nas próprias informações prestadas pelo Administrador de Insolvência no seu Relatório do 155.º do CIRE. Embora os Credores Reclamante sejam distintos, por força das referidas cessões de créditos, dúvidas não restam que os créditos são exatamente os mesmos. 44º. Pelo que, não se concebe a motivação do Tribunal a quo, face à prova documental, em dar como não provado tal facto. Resulta claro que os créditos reconhecidos no presente processo de insolvência são exatamente os mesmos que haviam sido reconhecidos no anterior processo de insolvência da devedora. 45º. Destarte, em face do referido, e sem demais considerações a tecer, salvo o devido respeito, parece-nos claro que foi incorretamente julgado o primeiro dos factos não provados, pelo que, outrossim, este deveria ter sido dado como provado. 46º. Quanto ao segundo facto considerados como não provado na Sentença, consta o seguinte: «A devedora violou, com dolo ou culpa grave, os seus deveres de informação e colaboração, omitindo ao Tribunal o seu anterior processo de insolvência ou que ali tenha requerido a exoneração, e que vira cessado antecipadamente e tendo omitido deliberadamente credores.» 47º. A este propósito, foi esclarecido pelo Exmo. Sr. Administrador de Insolvência, no seu Relatório 155º CIRE, que a devedora já havia sido declarada insolvente em 01.06.2015 no âmbito do Processo n.º 1481/15.3T8STS que correu termos na Instância Central - 1ª Sec. de Comércio - J2 (ora distribuído ao Juiz 7, do Juiz de Comércio de Santo Tirso) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto. 48º. Acresce ainda que, naqueles autos foi igualmente requerida a Exoneração Passivo Restante, e, em 21.09.2015, foi “proferido despacho inicial no incidente de exoneração do passivo restante” (sic) - cfr Anúncio Despacho Inicial Exoneração do Passivo Restante, in https://www.citius.mj.pt/Portal/consultas/ConsultasCire.aspx 49º.Sobre o referido incidente de Exoneração Passivo Restante naqueles autos recaiu decisão de cessão antecipada proferida em 14.06.2018, nos termos do “art.º 243º, n.º 1, al. a) e n.º 3 do CIRE- O devedor violou a obrigação que lhe era imposta pelo art.º 239º,n.º 4, al. d) do CIRE.” (sic) - cfr Anúncio de Exoneração do Passivo Restante - Cessação Antecipada, in https://www.citius.mj.pt/Portal/consultas/ConsultasCire.aspx 50º. Com os documentos juntos com a Petição Inicial, a devedora assinou, pelo seu próprio punho, um documento onde afirma expressamente não ter conhecimento de nenhuma injunção/execução contra si, o que é falso, bem como não fez qualquer referência ao anterior processo de insolvência no anexo três também junto com a Petição Inicial. 51º. Não pode, por isso, vir escudar-se no argumento dizendo que “prestou todas as informações e forneceu todos os documentos à sua anterior patrona pelo que não sabe o motivo porque não foi indicado o facto de já ter tido um processo de insolvência anterior, ser omitida a dívida ao Sr. BB, o valor reduzido às Finanças e a existência de uma dívida à A....”. 52º. Aceitar tal argumento como válido é desvirtuar por completo os factos e permitir que a devedora, que assinou pelo seu próprio punho um documento venha agora, permita-se a expressão, “atirar as culpas” para a sua anterior Patrona nomeada de forma totalmente infundada. 53º. Pelo que, uma vez mais, não se concebe a motivação do Tribunal a quo, face à prova documental, em dar como não provado tal facto. 54º. Destarte, em face do referido, e sem demais considerações a tecer, salvo o devido respeito, parece-nos claro que foi incorretamente julgado o segundo dos factos não provados, pelo que, outrossim, este deveria ter sido dado como provado 55º. DA IMPUGNAÇÃO DO DIREITO APLICADO PELO TRIBUNAL A QUO 56º. Entende, o Recorrente, que a douta Sentença recorrida fez uma incorreta aplicação do facto e por consequência de Direito ao caso concreto, na medida em que decide proferir despacho inicial de exoneração do passivo restante nos presente autos. 57º. A devedora já havia sido declarada insolvente em 01.06.2015 no âmbito do Processo n.º 1481/15.3T8STS que correu termos na Instância Central - 1ª Sec. de Comércio - J2 (ora distribuído ao Juiz 7, do Juiz de Comércio de Santo Tirso) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto. Naqueles autos, foi igualmente requerida a Exoneração Passivo Restante, e, em 21.09.2015, foi “proferido despacho inicial no incidente de exoneração do passivo restante”. No ano de 2015, já a Insolvente reconhecia o seu estado de insolvência. 58º. Não foi deferida a Exoneração Passivo Restante por violação das regras impostas pelo artigo 239º, n.º 4 CIRE. 59º. A relação de créditos apresentada pela devedora é totalmente desprovida de rigor fáctico. 60º. É por demais evidente que a devedora não podia ignorar o valor dos créditos, as datas de vencimento e os seus titulares. Como refere, e bem, o Exmo. Sr. Administrador de Insolvência, não só as discrepâncias são significativas (tanto quantitativa, como temporalmente), como já decorriam da situação de insolvência em apreço em 2015. 61º. Não restam quaisquer dúvidas que, por um lado a devedora incumpriu o “dever de apresentação à insolvência” previsto no artigo 239º, n.º 1, al d) CIRE, bem como ocultou e adulterou deliberadamente informações ao Tribunal. 62º. Sob pena de absoluto vazio jurídico e teleológico de uma decisão de cessação antecipada, seguida de ulteriores e sucessivos pedidos de Exoneração Passivo Restante, sempre se terá de considerar que os créditos vencidos em momento anterior ao início do Processo n.º 1481/15.3T8STS que correu termos na Instância Central - 1ª Sec. de Comércio - J2 (ora distribuído ao Juiz 7, do Juiz de Comércio de Santo Tirso) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, não se encontram abrangidos por eventual incidente de Exoneração Passivo Restante como o ora requerido. 63º. Se o requerente de (anterior) Exoneração Passivo Restante incumpre as obrigações a que está sujeito ao ponto de não beneficiar da exoneração, nenhum sentido fará que, com referência àqueles créditos, possa, ulteriormente e com novo pedido em processo diverso, ver-se exonerado dos mesmíssimos créditos. 64º. A contrário, a qualquer requerente que lhe veja recusada a exoneração, bastará que se apresente novamente à insolvência, visando lograr benefício que, fundada e judicialmente, por sentença transitada em julgado, lhe viu ser anteriormente recusado. 65º. Neste sentido, pronunciou-se o Tribunal da Relação de Coimbra, no processo 354/22.8T8CBR.C1, de 05-04-2022, a saber: “Verifica-se a exceção do caso julgado, motivando o indeferimento liminar da petição de insolvência, se o requerente/devedor, pretendendo a exoneração do passivo restante, e tendo já anteriormente sido declarado insolvente por sentença transitada em julgado – âmbito em que lhe havia sido concedida exoneração do passivo restante, cujos deveres ali incumpriu –, não invoca um passivo novo, mas a existência e quantificação do passivo já considerado na anterior insolvência, o qual se mantém, com a impossibilidade de o pagar.”Disponível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/13ff7ae062a7dd2e802 5883300524a2b?OpenDocument, 66º. Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 3519/22.9T8VNF.G1, de 10-07-2023: “Por força do efeito positivo do caso julgado, a decisão que num processo de insolvência indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, por considerar que o devedor prejudicou os credores ao não se ter apresentado tempestivamente à insolvência, é vinculativa num segundo processo em que é declarada a insolvência do mesmo devedor, impondo o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante em relação aos créditos que haviam sido reconhecidos no primeiro processo e foram de novo reclamados e reconhecidos no segundo.”Disponível em https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/12fdf03ce4f6bdb5802 589fe0051d0d6?OpenDocument Ou, 67º. Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 5208/23.8T8GMR.G1, de 23-11-2023: “Verifica-se a excepção do caso julgado, motivando o indeferimento liminar da petição de insolvência, se o requerente/devedor, pretendendo a exoneração do passivo restante, e tendo já anteriormente sido declarado insolvente por sentença transitada em julgado (proferida em autos onde se admitira liminarmente a dita exoneração, depois recusada por incumprimento de deveres próprios), invoca a existência e quantificação de parte do passivo já considerado na anterior insolvência (ainda que aumentados com novos créditos), o qual se mantém, com a impossibilidade de ser pago..” Disponível em http://www.gde.mj.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/904824a28910064c 80258a7c00565ba8?OpenDocument Ainda, 68º. Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 3245/22.9T8LRA-A.C1, de 24-01-2023: “A pretensão é idêntica à já obtida na ação anterior se o passivo em questão for o mesmo que já existia à data da anterior declaração de insolvência e se nenhum outro ativo tiver acrescido, situação em que ocorre caso julgado, mesmo que se verifique um agravamento da impossibilidade de satisfação das obrigações vencidas (por via da existência de créditos vencidos posteriormente), determinando o indeferimento da petição da nova ação de insolvência, incluindo o pedido de exoneração do passivo restante.” Disponível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/7a68114bc55dd64280 25894e003dbb48?OpenDocument 69º. Parece-nos evidente que a devedora com dolo ou culpa grave, violou os deveres de informação, apresentação e colaboração no decurso do presente processo de insolvência ao adulterar e ocultar deliberadamente dívidas das quais era perfeitamente conhecedora, processos dos quais era perfeitamente conhecedora, datas de incumprimento das quais era perfeitamente conhecedora. 70º. Permitir e deferir o pedido de exoneração do passivo restante nos presentes autos é ludibriar de forma clara o instituto da exoneração do passivo restante e prejudicar, de forma clara e causadora de graves perturbações na segurança jurídica, os credores, que se veem impedidos de cobrar os seus créditos. 71º. Em face do exposto, sempre deverão as presentes alegações serem julgadas procedentes, por errada apreciação da matéria de direito, e por conseguinte, e errónea aplicação do direito ao caso concreto, devendo, por isso, em consequência ser revogada a decisão e substituída por outra que julgue pelo indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante formulado pela devedora, ou, se assim não se entender, que esta exoneração não abranja os créditos já devidamente reconhecidos no anterior processo de insolvência da devedora, assim se fazendo a tão acostumada Justiça! Concluiu, pedindo que seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida em conformidade com o exposto, e consequentemente, indeferindo liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante ou, se assim não se entender, que esta exoneração não abranja os créditos já devidamente reconhecidos no anterior processo de insolvência da devedora. 6. A Apelada não ofereceu contra-alegações. 7. Foram observados os vistos legais. * II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC. * As questões a decidir são as seguintes:1ª Questão-se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada; 2ª Questão- Se o pedido de exoneração do passivo restante deve ser liminarmente indeferido. ** III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos: 1. A requerente apresentou-se à insolvência no dia 28.08.2023 e, por sentença proferida no dia 30.08.2023, declarou-se tal insolvência; 2. Os autos de insolvência foram encerrados por insuficiência da Massa Insolvente. 3. A devedora já havia sido declarada insolvente em 01.06.2015 no âmbito do Processo n.º 1481/15.3T8STS que correu termos na Instância Central - 1ª Sec. de Comércio - J2 (ora distribuído a este Juiz 7 - Juízo de Comércio de Santo Tirso. 4. Naquele processo de insolvência fora requerida a Exoneração Passivo Restante, e, em 21.09.2015, foi proferido despacho inicial no incidente de exoneração do passivo restante. 5. Sobre o referido incidente de Exoneração Passivo Restante naqueles autos recaiu decisão de cessação antecipada proferida em 14.06.2018. 6. A devedora juntou o seu assento de nascimento atualizado na petição inicial, constando do assento de nascimento o registo da anterior insolvência, encerramento daquele processo, bem como o início do procedimento da exoneração e o seu termo, por decisão de cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante. 7. A devedora não beneficiou de exoneração no anterior processo, nem nos últimos 10 anos. 8. A Insolvente relacionou como credores nos presentes autos apenas os seguintes créditos: - Autoridade Tributária, no montante de €121,45; - A..., SA. no montante €5.507,29. 9. Neste processo de insolvência foram reconhecidos créditos sobre a insolvente no montante global de € 45.420,04, tendo sido reconhecidos os seguintes créditos: - crédito da Autoridade Tributária no montante de €5.769,60, sendo € 3.958,60 referente a Irs e Coimas Fiscais, € 387,01 referente a Custas de Processos e Executivos Fiscais e € 1.423,99 de Juros de mora; - créditos de B..., SA anteriormente titulado pelo Banco 1..., SA, no montante de € 5.078,51 e € 7.422,04; - crédito de BB, no montante de € 21.642,60; 10. O vencimento dos créditos reconhecidos neste processo de insolvência ocorreu mais de seis meses antes da apresentação da devedora à presente insolvência, tendo os créditos de B... e de BB se vencido em data anterior ao Processo de insolvência n.º 1481/15.3T8STS; Os tributos e coimas reclamados pela Autoridade Tributária venceram-se entre 31.08.2012 e 12.01.2017 11. A A..., SA não reclamou qualquer crédito. 12. Solicitados esclarecimentos à devedora, designadamente, para esclarecer porque omitiu na petição inicial o crédito de BB e indicou um valor reduzido quanto ao crédito da Autoridade Tributária, a insolvente informou o seguinte: “prestou todas as informações e forneceu todos os documentos à sua anterior patrona pelo que não sabe o motivo porque não foi indicado o facto de já ter tido um processo de insolvência anterior, ser omitida a dívida ao Sr. BB, o valor reduzido às Finanças e a existência de uma dívida à A.... Aquando da instrução do pedido de insolvência, entregou à patrona o seu assento de nascimento onde consta a existência do anterior processo e o motivo pelo qual foi cessado antecipadamente. (doc. nº 1 junto com P.I.) Forneceu ainda a notificação após penhora apresentada no anterior processo de insolvência (P. 1481/15.3T8STS-D – Juiz 7 – Juízo de Comércio de Santo Tirso) pelo credor BB, onde consta o valor da divida exequenda. (cfr. doc. nº 1 que se junta). Transmitiu o valor total da dívida às finanças, até porque tem o seu vencimento penhorado e também não sabe a razão da indicação da dívida à A... já que não é devedora àquela instituição, mas sim ao Banco 1.... (…) Face ao exposto e verificando-se desconformidade do vertido na petição inicial com a realidade dos factos, augura a possibilidade de apresentar nova exposição onde conste os créditos, os valores e os processos anteriores e pendentes.” 13. A requerente é divorciada, o seu agregado familiar é apenas composto pela própria. 14. A requerente trabalha para “C..., Lda”, 15. A devedora na petição inicial refere que tem as seguintes despesas: com água, no montante de € 35,00; com a luz, no montante de €47,50; com as telecomunicações, no montante de €65,00. 16. A devedora nunca fora condenada pela prática de crime previstos e punidos nos artigos 227.º a 229.º do Código Penal. 2. O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos: - Os créditos reconhecidos nesses autos anteriores de insolvência e os reconhecidos no presente processo de insolvência são exatamente os mesmos. - A devedora violou, com dolo ou culpa grave, os seus deveres de informação e colaboração, omitindo ao Tribunal o seu anterior processo de insolvência ou que ali tenha requerido a exoneração, e que vira cessado antecipadamente e tendo omitido deliberadamente credores. ** IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.Impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Perante as exigências estabelecidas no art. 640º do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a seguinte especificação: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. “Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus: Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”[1] São as conclusões das alegações de recurso que estabelecem os limites do objecto da apelação e, consequentemente, do poder de cognição do Tribunal de 2ª instância, de modo que, na impugnação da matéria de facto devem constar das conclusões de recurso necessariamente os concretos pontos de facto impugnados, enquanto que a decisão alternativa que o recorrente propõe para cada um dos factos impugnados (AUJ nº 12/2023 de 14.11), bem como a análise pormenorizada dos concretos meios probatórios pode constar apenas do corpo das alegações ou motivação propriamente dita, tal como as concretas passagens das gravações ou transcrições dos depoimentos de que o recorrente se socorra. Analisadas as conclusões deste recurso concluímos que tais ónus de impugnação da decisão da matéria de facto foram minimamente cumpridos pelo Apelante, uma vez que constam das respectivas conclusões de recurso os concretos pontos de facto impugnados, e a decisão alternativa pretendida, tendo sido feita menção aos meios de prova que no entender do Apelante impunham decisão diversa da proferida no corpo das alegações. Sob as Conclusões 32, 45 e 54 o Apelante requereu que se procedesse à seguinte alteração da matéria de facto: i. que se considere não provado o ponto 15 dos factos provados; ii. que se considerem provados os dois pontos de facto dados como não provados. Analisemos cada um dos referidos pontos de facto impugnados: i. Ponto 15 dos factos provados: “15. A devedora na petição inicial refere que tem as seguintes despesas: com água, no montante de € 35,00; com a luz, no montante de €47,50; com as telecomunicações, no montante de €65,00.” A questão que se coloca de imediato é a de que a pretensão do Apelante no sentido de se considerar tal facto como não provado é totalmente inútil e inconsequente para a revogação da sentença recorrida quanto à admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante, resultado que o Apelante pretende obter com este recurso. No final deste recurso o Apelante peticionou que fosse revogada a sentença recorrida e consequentemente indeferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, ou caso assim não se entenda, que a exoneração não abranja os créditos já devidamente reconhecidos no anterior processo de insolvência da devedora. A decisão sob recurso tem vários segmentos decisórios, um dos quais é o deferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante e outro (embora com ele correlacionado) a fixação do rendimento indisponível atribuído à insolvente durante o período da cessão. O aqui Apelante podia ter apresentado recurso que abrangesse os dois segmentos decisórios, mas não o fez, não tendo apresentado qualquer pedido de alteração do rendimento disponível fixado à insolvente, nem esgrimido argumentos recursivos a esse propósito, restringindo o seu recurso à decisão que admitiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante. Sendo assim, o ponto 15 dos factos provados nada releva para o deferimento liminar daquele pedido, tendo relevância apenas para fixação do montante do rendimento disponível, e como tal apenas foi atendido pelo tribunal a quo para esse efeito como resulta da decisão recorrida. Estar ou não estar provado aquele facto em nada altera a decisão recorrida no segmento objecto deste recurso, nem a apreciação do pedido recursivo fica condicionada pela pretendida alteração factual. A impugnação da decisão de facto não constitui um fim em si mesmo, antes se mostra admitida enquanto meio ou instrumento que visa permitir à parte que impugna a decisão de facto a revogação/alteração da decisão final, ou seja, como meio que visa a demonstração de um determinado direito que a sentença não concedeu. Ora, a impugnação da decisão de facto é de rejeitar quando, em razão das circunstâncias específicas do caso submetido a julgamento, em razão das regras do ónus da prova ou do regime jurídico aplicável, a eventual alteração da decisão de facto não assume relevo para a decisão a proferir, pois que, em tal circunstancialismo, a respectiva actividade jurisdicional revelar-se-ia como inconsequente ou inútil. [2] Como acima afloramos, a alteração pretendida quanto à transição da matéria de facto vertida no ponto 15 dos factos provados para os factos não provados é desnecessária, porque irrelevante e inconsequente para a alteração da decisão que admitiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, porquanto, ainda que se alterasse a matéria de facto tal qual pretendido pelo Apelante isso em nada alteraria a decisão no segmento sob recurso. ** V. DECISÃO:Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo Apelante/Credor, revogando-se a decisão recorrida e, consequentemente indeferindo-se o pedido de exoneração do passivo restante à insolvente. Custas a cargo da massa insolvente. Notifique. Porto, 11.12.2024 Maria da Luz Seabra Lina Baptista João Proença (O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico) _________________ [1] Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência [2] A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição, 2008, pág. 297-298, Ac RP de 13.06.2023, Proc. Nº 1169/21.6T8PVZ.P1; AC STJ de 29.09.2020, AC STJ de 17.05.2017, www.dgsi.pt [3] O Novo Regime Português da Insolvência, Uma Introdução, Almedina, 3ª edição, pág. 102 e 103. [4] Entre outros, Ac RP de 10.07.2024, Proc. Nº 5341/23.6T8VNG.P1, www.dgsi.pt [5] A Recuperação Económica dos Devedores, 2ª edição, pág. 140 [6] CIRE Anotado, 2013, pág. 661 [7] CIRE Anotado, 2013, pág. 657/658 [8] Um Curso de Direito da Insolvência, 2015, pág. 535 [9] O regime português da insolvência, pág. 155 [10] Neste sentido Decisão sumária proferida pela aqui Relatora no Proc nº 866/23.6T8VNG.P1 não publicada; Ac STJ de 11.07.2023, Proc. Nº 11733/19.8T8LSB.L1.S1 e Ac RP de 12.09.2023, Proc nº 2046/21.6T8STS.P1; Ac RP de 23.03.2021, Proc.nº 7804/19.9T8VNG-B.P1, www.dgsi.pt [11] Neste sentido, entre outros, Ac RP de 21.05.2024, Proc. Nº 3185/22.1T8AVR.P1, www.dgsi.pt [12] CIRE Anotado, 2013, pág. 658 [13] Assunção Cristas, Novo Direito da Insolvência, Revista da Faculdade de Direito da UNL, 2005, Edição Especial, Almedina, pág. 170. [14] Ac RP de 28.09.2010, Proc. Nº 995/09.9TJPRT-F.P1, www.dgsi.pt [15] Ob. cit, pág. 169-170 [16] Ac RP de 28.09.2010, Proc. Nº995/09.9TJPRT-F.P1, www.dgsi.pt |