Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2507/20.4T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DEOLINDA VARÃO
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
TRIBUNAIS PORTUGUESES
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DIREITO À IMAGEM
JOGO ON LINE
Nº do Documento: RP202309142507/20.4T8AVR.P1
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecer de uma ação fundada em responsabilidade civil decorrente da violação de direitos de personalidade do autor, em virtude da utilização indevida do seu nome e imagem em videojogos e jogos de computador, uma vez que durante o período em que ocorreram os danos alegados este teve o seu centro de interesses em Portugal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2507/20.4T8AVR.P1 – 3ª Secção (Apelação) - 1510
Acção de Processo Comum – Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Aveiro – Juiz 2

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
AA, residente na Rua ..., ..., Aveiro, instaurou acção declarativa, de condenação, sob a forma de processo comum, contra A..., com sede em 209, ..., ..., ..., Estados Unidos da América.
Pediu a condenação da ré a pagar-lhe:
- A título de indemnização por danos patrimoniais de personalidade, pela utilização indevida da sua imagem e do seu nome, a quantia de € 300.000,00 de capital, acrescida dos juros vencidos, no montante de € 125.775,78, no total de € 425.775,78, e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal;
- Montante nunca inferior a € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido dos juros vencidos, no montante de € 3.128,77, tudo no total de € 8.128,77, e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal.
Como fundamento, alegou, em síntese:
- A ré, através do desenvolvimento e fornecimento de jogos, conteúdos e serviços online para consolas com ligação à Internet, dispositivos móveis e computadores pessoais, é uma empresa líder global em entretenimento digital interactivo, contando com várias subsidiárias, entre as quais se destaca, na Europa, a B... Sarl, com sede na Suíça, a qual e assume a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão;
- O autor é um jogador de futebol português, que, actualmente, representa o Clube ...;
- O autor conta com uma longa carreira como jogador de futebol profissional, sobejamente conhecido no meio do futebol, tendo exercido a sua profissão, maioritariamente, em clubes portugueses, tendo actuado pela Selecção Nacional de Futebol na categoria sub-21 e na Selecção B, tendo representado Portugal por 15 (quinze) vezes, em vários torneios por todo o mundo, alcançando, também dessa forma, bastante notoriedade internacional;
- O autor teve conhecimento que a sua imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais foram e continuam a ser utilizados nos jogos denominados FIFA (também com as designações FIFA Football ou FIFA Soccer), nas edições 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2014 e 2015; FIFA MANAGER FIFA (inicialmente designado Total Club, nas edições 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014; e ainda FIFA ULTIMATE TEAM - FUT nas edições 2010, 2011, 2012, 2014 e 2015; todos propriedade da ré.
- O autor jamais concedeu autorização a quem quer que fosse, para ser incluído nos supra identificados jogos electrónicos, jogos de vídeo e aplicativos, nem conferiu poderes aos Clubes para que estes negociassem a licença para o uso da sua imagem e do seu nome para tal;
- A imagem do autor é utilizada pela ré a nível global;
- A ré está a utilizar a imagem e o nome do autor, pelo menos, desde Outubro de 2004 (data de lançamento do jogo de vídeo FIFA Football 2005);
- Nos jogos em que aparece, a imagem do autor é individualizada.
A ré invocou a excepção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses.
O autor respondeu à excepção, pugnando pela sua improcedência.
Foi dispensada a audiência prévia e foi proferida decisão, que julgou os tribunais portugueses internacionalmente incompetentes para a tramitação da acção e, consequentemente, absolveu a ré da instância.

O autor recorreu, formulando, em síntese, as seguintes

CONCLUSÕES
1ª – A ré produziu e comercializou, fisicamente e online, milhões de jogos de vídeo contendo a imagem, nome e demais características pessoais do autor, sem o seu consentimento ou autorização e sem lhe pagar qualquer contrapartida económica.
2ª – Tal conduta constituiu uma apropriação da imagem do autor, que tem um valor patrimonial, emergente do valor comercial que aquela imagem, tem no mercado.
3ª – O autor substanciou em factos a ocorrência de um dano, e os danos causados ao autor (patrimoniais e não patrimoniais), por acção da ré, apenas a esta podem ser imputáveis, por ela a única autora do facto danoso (cfr. artigos 562.º, 563.º, 564.º, n.º 1, 565.º, 566.º n.ºs 1, 2 e 3, todos do CC e ainda artigo 609.º n.º 2 do CPC).
4ª – Esses danos verificam-se no nosso país, porquanto os jogos são comercializados, distribuídos, jogados e a imagem, nome e demais características do autor são utilizadas, mundialmente, pelo que, logicamente, também em Portugal.
5ª – Isso mostra-se devidamente alegado nos artigos 16.º, 19.º, 103.º e 189.º da petição inicial.
6ª – A obrigação de reparação resulta de um uso indevido de um direito pessoalíssimo, não sendo de exigir - ao menos na componente de dano não patrimonial - a prova da alegação da existência de dano, porquanto o dano é a própria utilização não autorizada e indevida da imagem.
7ª - Não podia, pois, o Tribunal a quo deixar de concluir pela verificação do factor de conexão previsto na alínea b) do artigo do artigo 62.º do CPC.
8ª – Neste sentido, e no que respeita a situações análogas já analisadas pelo TJUE, salientam-se os acórdãos Shevill e Date Advertising GmbH e doutrina já fixada no douto acórdão do STJ de 25.10.05.
9ª – Sendo que tem aplicação o regime previsto no Regulamento (EU) n.º 1215/2012, por se verificarem os elementos de conexão especiais previstos nas suas Secções 2 a 7, designadamente, no artigo 7.º, n.º 2, uma vez que o dano sofrido pelo autor é um dano inicial e não consecutivo: resulta directamente do evento causal (a utilização da sua imagem pela ré nos seus jogos).
10ª – Para além disso, o autor tem em Portugal o seu domicílio e os seus familiares mais próximos, foi aqui que exerceu predominantemente a sua actividade profissional, pelo que o seu centro de interesses é em Portugal.
11ª – Sendo irrelevante o facto de a distribuição dos jogos ser feita na prática por uma subsidiária da ré, pois é esta a proprietária dos jogos e é só ela que aufere os avultados lucros resultantes da sua comercialização.
12ª – O que está em causa é a utilização e divulgação da imagem, nome e demais características do autor, sem o consentimento deste, pela ré nos seus jogos, bem como os avultados lucros daí decorrentes e que esta aufere exclusivamente.
13ª - Pelo que, atento o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do CPC, em articulação com a alínea a) do artigo 62.º do mesmo Código, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para julgar a presente causa.
14ª – Tanto mais que, eventuais, dificuldades de aplicação do critério da materialização do dano não podem por em causa a gravidade da lesão que possa vir a sofrer o titular de um direito de personalidade que constata que um conteúdo ilícito está disponível em qualquer ponto do globo, como sucede in casu.
15ª – E, estando em causa a violação, pela ré, de direitos de personalidade do autor, com tratamento e protecção constitucional e infraconstitucional, cfr. artigo 26.º, n,º 1 da CRP e artigos 70.º e 72.º do C, não se concebe como o poderia o julgamento da causa nestes autos ser atribuído a uma jurisdição estrangeira de um outro país.
16ª – Tanto mais que, nos autos é arguida pelo autor a inconstitucionalidade do artigo 38.º n.º 4 do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, por se considerar que o mesmo é ofensivo do conteúdo de um direito fundamental (o já invocado artigo 26.º n.º 1 da CRP).
17ª – Ora, a necessidade de efectiva tutela jurídica, ao abrigo do princípio da necessidade contido no artigo 62.º, alínea c), do CPC, também se cumpre se as circunstâncias do caso, além de revelarem forte conexão real ou pessoal com a ordem jurídica portuguesa, evidenciarem que o direito exercendo, a não se admitir que seja actuado perante os Tribunais portugueses, está ameaçado na sua praticabilidade e exercício.
18ª – Ora, in casu, essa praticabilidade e exercício está irremediavelmente comprometida, com a decisão agora proferida e de que se recorre.
19ª – O princípio da necessidade vale, assim, como salvaguarda para tais situações funcionando como alargamento ou extensão excepcional da competência internacional dos Tribunais portugueses.
20ª – Por outro lado, é evidente que o tribunal do lugar onde a “vítima” (in casu, o autor) tem o centro dos seus interesses, pode apreciar melhor o impacto de um conteúdo ilícito colocado em jogos de vídeo físicos e online sobre os direitos de personalidade, pelo que lhe deverá ser atribuída competência segundo o princípio da boa administração da justiça.
21ª – Ora, o autor tem toda a sua vida organizada e estabilizada em Portugal, pelo que não tem qualquer nexo estreito com outro país, muito menos com os Estados Unidos da América.
22ª – Para além disso, não pode ser descurado o princípio da previsibilidade das regras de competência, a ré, enquanto autora da difusão do conteúdo danoso, encontra-se manifestamente, aquando da colocação da imagem, nome e demais características das “vítimas” da sua acção, nos jogos de que é proprietária com vista à sua distribuição mundial, em condições de conhecer os centros de interesses das pessoas afectadas por este.
23ª – Sem necessidade de mais considerações, estão os Tribunais portugueses melhor posicionados para conhecer do mérito da acção.
24ª – Teria, assim, de improceder a deduzida excepção de incompetência internacional do Tribunal a quo, aduzida pela ré, por verificação dos elementos de conexão constantes das alíneas a), b) e c) do artigo 62.º do CPC.
25ª – Face ao que antecede, a sentença em crise violou o disposto nas disposições firmadas no artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento 1215/2012, nos artigos 62.º, alíneas a), b) e c), 71.º, n.º 2 e 80.º n.º 3, todos do CPC, o
artigo 26.º n.º 1 da CRP e ainda os artigos 70.º e 72.º do CC.

Com as alegações e posteriormente, o autor juntou cópias de acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, proferidos em acções instauradas por diversos autores contra a ré, com pedido e causa de pedir idênticos aos da presente acção.

A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e invocando a inconstitucionalidade da aplicação dos artigos 9.º e 351.º, do CC, 5.º, n.º 1, 62.º, 608.º, n.º 2 do CPC e 38.º, n.º 1 da LOSJ, nos termos e para os efeitos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 2 e 75.º-A, n.º 2, todas da Lei 28/82.
Com as contra-alegações, a ré juntou cópia de um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido numa acção instaurada contra a ré por diferente autor, com pedido e causa de pedir idênticos à presente acção.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.
Nos termos do artigo 651.º, n.º 2 do CPC, admite-se a junção aos autos das cópias das decisões judiciais apresentadas por ambas as partes.
*
III
Os elementos com interesse para a decisão do recurso são os que constam do ponto I.
*
IV.
A questão a decidir – delimitada pelas conclusões da alegação da apelante (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do CPC) – é a seguinte:
- Competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer da presente acção.

Diz o artigo 59.º do CPC que, sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.
Para a determinação da competência internacional, só se aplica o critério expresso no artigo 59.º se não existirem tratados, convenções, regulamentos comunitários ou leis especiais ratificadas ou aprovadas, que vinculem internacionalmente os tribunais portugueses, porque estes prevalecem sobre os restantes critérios.
O Regulamento Europeu que rege a competência judiciária em matéria cível e comercial é o denominado Regulamento Bruxelas I bis (Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12.12.12). Com excepção das acções previstas nos artigos 18.º, n.º 1, 21.º, n.º 2, 24.º e 25.º deste Regulamento, onde não se inclui a presente acção, é condição de aplicabilidade das regras nele contidas que o demandado tenha domicílio num Estado Membro. Se este requisito não se verificar, como sucede na presente acção, dado que a ré tem a sua sede nos Estados Unidos da América, o referido Regulamento determina que a competência dos tribunais dos Estados Membros seja a definida pelas leis internas destes (artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento Bruxelas I bis).
Não existe, assim, qualquer instrumento internacional que vincule o Estado Português em matéria de competência judiciária aplicável à presente acção.
O caso dos autos também não se integra em nenhuma das regras de competência exclusiva dos tribunais portugueses previstas nas diversas alíneas do artigo 63.º do CPC, nem foi invocada a existência de qualquer pacto privativo e atributivo de jurisdição, nos termos que estão previstos no artigo 94.º do mesmo Diploma.
A atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses para dirimir a presente acção terá, pois, de ser aferida pelo disposto no artigo 62.º do CPC.
Segundo aquele preceito, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:
a) Quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;
c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da acção no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.
Os critérios aferidores da competência internacional dos tribunais portugueses previsto no citado preceito são, pois: o da coincidência (al. a); o da causalidade (al. b) e o da necessidade (al. c).
Esses critérios são autónomos. Cada um deles funciona com completa independência relativamente aos outros, sendo de per si bastante para suscitar a competência dos tribunais portugueses[1].

Em acções instauradas contra a ré por diferentes autores, com pedidos e causa de pedir idênticos ao da presente acção, o Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado, de forma unânime, no sentido da competência internacional dos tribunais portugueses, por aplicação do critério da causalidade previsto na al. b) do artigo 62.º.
Damos como exemplo os Acórdãos daquele Supremo Tribunal de 24.05.22, 07.06.22 (proc. n.º 24749/19.9T8LSB.L1.S1), 07.06.22 (proc. n.º 4157/20.6T8STB.E1.S1), 23.06.22, 27.09.22, 13.10.22, 24.10.22, 19.11.22, 15.12.22, 10.01.23, 14.02.23, 15.02.23, 25.05.23, 30.05.23[2].
No citado acórdão de 24.05.22 escreveu-se o seguinte:
(…).
Segundo o critério da coincidência, que recorre a uma técnica legislativa de remissão intrasistemática, os tribunais portugueses são competentes sempre que a ação possa ser proposta em Portugal, segundo as regras específicas da competência territorial, estabelecidas na lei portuguesa (artigo 70.º e seguintes do Código de Processo Civil), atribuindo-se, assim, a estas regras a funcionalidade suplementar de determinarem a competência internacional dos tribunais portugueses, para além de definirem a competência territorial interna. A ideia que inspira a adoção deste critério é a de que os elementos de conexão utilizados para estabelecer a competência territorial interna traduzem um elo suficientemente forte entre a causa e o Estado português para fundamentar a competência internacional dos seus tribunais.
No presente caso, estamos perante uma ação em que se pretende efetivar a responsabilidade civil extracontratual, pela violação, por ato ilícito, de direitos de personalidade, dispondo o artigo 71.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que se a ação se destinar a efetivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundada no risco, o tribunal competente é o correspondente ao lugar onde o facto ocorreu.
ALBERTO DOS REIS justificou a opção por este critério instrumental, no Código de Processo Civil de 1939, por ser no lugar onde o facto foi praticado que devem encontrar-se as melhores provas da ocorrência e dos danos por ele produzidos. É a proximidade do tribunal com as provas dos factos que integram os diferentes elementos da causa de pedir de uma ação de responsabilidade extracontratual que é determinante da escolha do forum delicti comissi.
No entanto, a aplicação deste critério para aferir a competência territorial interna revela algumas dificuldades e divergências quando a ação ofensiva decorre em local diferente onde se produzem os danos, uma vez que, nesse caso, as provas dos factos que integram a causa de pedir se encontrarão espacialmente dispersas, registando-se opiniões no sentido de que, em caso de dissociação entre o lugar do facto causal e o lugar onde o dano se produziu, o lesado pode propor a ação respetiva em qualquer um destes lugares, à semelhança do que ocorre quando a ação se desenvolve plurilocalizadamente, em contraponto com posições menos flexíveis que sustentam que, nessas situações, releva apenas o local onde ocorreu o comportamento do agente violador de direitos do lesado.
Cremos, no entanto, que essas dificuldades não se colocam quando o artigo 71.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, funciona como norma ad quam, das regras definidoras da competência internacional, uma vez que, segundo o critério da causalidade (artigo 62.º, b), do Código de Processo Civil), os tribunais portugueses têm competência para decidir os litígios em que algum dos factos que integram a sua causa de pedir ocorra em território português. Sendo o dano um dos elementos essenciais da causa de pedir nas ações de responsabilidade extracontratual, não se pode deixar de admitir que o local onde este se verificou possa conferir competência aos tribunais portugueses para decidirem as ações em que o dano aconteceu em Portugal, uma vez que as provas desse importante elemento da causa de pedir se localizarão em território português, sem prejuízo dessa competência também poder ser determinada pela localização de outros elementos relevantes da causa de pedir.
No entanto, nestas situações, deve exigir-se, de modo a evitar que a competência determinada por este critério possa ser considerada exorbitante, que esses elementos da causa de pedir traduzam uma conexão suficientemente forte entre o caso e o Estado Português, justificativa da intervenção dos seus tribunais, designadamente que um significativo acervo das provas a produzir presumivelmente se situe em Portugal, numa aplicação da teoria do forum non conveniens.
É essa, aliás, a leitura que também tem sido feita pelo Tribunal de Justiça da União Europeia das normas gémeas do artigo 7.º, 2), do Regulamento Bruxelas I bis, e dos artigos 5.º, n.º 3, dos anteriores instrumentos legais europeus que tiveram por objeto o estabelecimento de regras comuns de competência judiciária em matéria cível e comercial, a Convenção de Bruxelas, de 27.09.1968, a Convenção de Lugano de 16.09.1988, a Convenção de Lugano II, de 30.10.2007, e o Regulamento n.º 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000, tendo, nesses casos, o Tribunal aplicado, com temperança, a regra da ubiquidade.
(…).
Mas, o Tribunal de Justiça da União Europeia tem também uma importante jurisprudência precisamente em matéria de competência internacional, relativa a ações de responsabilidade civil extracontratual por violações de direitos de personalidade, como os direitos ao nome, à imagem e à honra, através de meios de exposição globais, aplicando o artigo 7.º do Regulamento Bruxelas I bis e as normas que lhe antecederem contidas nos artigos 5.º, n.º 3, da Convenção de Bruxelas, de 27.09.1968, da Convenção de Lugano de 16.09.1988, da Convenção de Lugano II, de 30.10.2007, e do Regulamento n.º 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000.
O artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento Bruxelas I bis, nas situações em que o demandado não tenha domicílio num Estado-Membro, como ocorre no presente caso, ao determinar uma remissão para as regras do direito processual civil do Estado Membro cujo tribunal é chamado a pronunciar-se, em matéria de competência internacional, sendo estas as normas aplicáveis nessas situações, denuncia que essas regras internas também fazem parte de um mesmo sistema de regras de conflito de competências instituído pelo Regulamento, que se pretende global e coerente [12]. Não deixamos, pois, de estar também aqui perante uma remissão intrasistemática, apesar da sua aparência extrasistemática. Este convívio, por efeito desta remissão, no nosso ordenamento jurídico das regras de direito europeu sobre a competência internacional dos tribunais dos Estados Membros da União Europeia, incluindo os tribunais portugueses (neste caso, o Regulamento Bruxelas I bis), e as regras do direito processual civil português sobre a mesma matéria, embora com um âmbito de aplicação distinto, exige a preservação da coerência sistémica do nosso ordenamento jurídico. Não só o conteúdo das normas internas sobre competência internacional não devem conduzir a soluções díspares com os princípios que regem o direito europeu nessa matéria, o que tem sido objeto de preocupação do legislador nacional, como a sua interpretação deve ter em consideração a leitura que o Tribunal de Justiça da União Europeia tem efetuado das normas europeias que estabeleçam critérios idênticos às normas de direito interno. A harmonia do ordenamento jurídico pede que critérios idênticos na definição da competência internacional dos tribunais, apesar de provirem de fontes distintas, tenham uma aplicação coincidente, sendo certo que a jurisprudência do TJUE tem um papel fundamental na interpretação do direito europeu.
O TJUE, no Acórdão de 7.03.1995, BB, I... Inc, C... SARL e C... Ltd contra P..., S.A. [14], relativamente à propositura de uma ação em que se pedia o pagamento de uma indemnização por difamação cometida através de um artigo publicado no jornal France Soir, à venda em vários países europeus, incluindo Inglaterra, onde a vítima residia, começou por sustentar que a expressão “lugar onde ocorreu o facto danoso”, utilizada no artigo 5.º, n.º 3, da Convenção de Bruxelas de 27.09.1968, deveria ser interpretada no sentido de que a vítima pode intentar uma ação de indemnização contra o editor da publicação difamatória quer nos órgãos jurisdicionais do Estado onde se situa o estabelecimento da editora, quer nos órgãos jurisdicionais de cada Estado em que a publicação foi divulgada e onde a vítima alega ter sofrido um atentado à sua reputação, os quais seriam competentes para conhecer apenas dos danos causados no Estado do tribunal onde a ação foi proposta.
(…).
No entanto, uns anos volvidos, no importante Acórdão de 25.10.2011, e-Date A... GmbH contra X e CC contra M... Limited [15], relativamente à propositura de ações de responsabilidade civil pela publicação em portais noticiosos na Internet de referências à condenação de X pelo homicídio de um conhecido ator e aos encontros amorosos de DD e EE, já se entendeu que o artigo 5.º, ponto 3, do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, deveria ser interpretado no sentido de que, em caso de alegada violação dos direitos de personalidade através de conteúdos colocados em linha num sítio na Internet, a pessoa que se considerar lesada tem a faculdade de intentar uma ação fundada em responsabilidade extracontratual pela totalidade dos danos causados, quer nos órgãos jurisdicionais do Estado-Membro do lugar onde se situa o estabelecimento da pessoa que emitiu esses conteúdos, quer nos órgãos jurisdicionais do Estado-Membro onde se encontra o centro dos interesses do lesado.
(…).
Mais tarde, no Acórdão de 17.10.2017, ... OU e GG contra ... AB [16], relativamente à propositura de uma ação de responsabilidade civil pela publicação numa página da Internet de dados incorretos e comentários difamatórios sobre uma sociedade comercial estónia, entendeu-se que o artigo 7.º ponto 2, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, deveria ser interpretado no sentido de que uma pessoa coletiva que alega que os seus direitos de personalidade foram violados pela publicação de dados incorretos a seu respeito na Internet e pela não supressão de comentários a ela relativos pode intentar uma ação destinada a obter a retificação desses dados, a supressão desses comentários e a reparação da totalidade do dano sofrido nos tribunais do Estado-Membro no qual se situa o seu centro de interesses.
(...)
Finalmente, no recente Acórdão de 21-12-2021, Gtflix Tv contra DR [17], relativamente à propositura de uma ação de responsabilidade civil pela publicação em sítios e fóruns Internet de afirmações depreciativas da sociedade Gtflix Tv que se dedica à produção e difusão de conteúdos audiovisuais para adultos, voltou a ser reafirmada a jurisprudência dos acórdãos anteriormente mencionados, com transcrição das suas passagens mais relevantes, pronunciando-se no sentido que a ação indemnizatória poderá sempre ser proposta nos órgãos jurisdicionais de cada Estado-membro onde aquelas afirmações depreciativas tenham estado acessíveis ao público, mesmo que esses órgãos não sejam competentes para conhecer dos pedidos de retificação e supressão desses conteúdos.
(…).
4. A aplicação ao caso concreto
Na resolução da questão que é colocada neste recurso, designadamente na aplicação do critério da causalidade constante do artigo 62.º, b), do Código de Processo Civil, iremos seguir de perto a linha definida por esta jurisprudência, não só porque a isso aconselha a preservação da coerência e harmonia do nosso ordenamento jurídico, mas também porque reconhecemos nessa linha um equilíbrio ponderado da valorização dos critérios a adotar na determinação do(s) tribunal(ais) que se encontra(m) em melhores condições para administrar a justiça, numa situação de violação de direitos de personalidade através de meios de divulgação global. Note-se que a valorização do local onde se situa o centro de interesses do lesado, como um dos elementos de conexão que poderá determinar a competência internacional dos tribunais desse país, não significa que se despreze o denominado centro de gravidade do conflito, uma vez que a aplicação daquele critério poderá ser afastada sempre que se verifique que a dimensão dos danos localizados no país do foro é diminuta, não sendo aí que previsivelmente se encontra um número significativo das provas dos factos que fundamentam a pretendida responsabilização.
O facto daquela jurisprudência se debruçar, na maioria das situações, sobre violações de direitos de personalidade, através da Internet, não desaconselha a sua transposição para o presente caso, em que o instrumento da ofensa a esses direitos são videojogos mundialmente comercializados, em larga escala, uma vez que também a exposição dos seus conteúdos se carateriza pela ubiquidade, não tendo uma divulgação circunscrita a um território. Eles são visionados e operados por um número indefinido de jogadores, espalhados por todo o mundo, fora de qualquer controle do seu produtor, pelo que as ponderações efetuadas pelo TJUE, tendo em consideração a divulgação mundial de conteúdos ofensivos dos direitos de personalidade pela Internet, são aplicáveis a este caso.

Relembre-se que, na presente ação, o Autor fundamenta o pedido indemnizatório, por responsabilidade extracontratual, na violação dos seus direitos de personalidade ao nome e à imagem, no facto de um “seu avatar” ser um dos muitos protagonistas dos videojogos mundialmente comercializados F... e F..., 2011, 2012, 2013 e 2014, produzidos pela Ré, sem que tenha dado autorização para que o seu nome e imagem fossem utilizados, invocando como danos a ressarcir a exposição pública não autorizada do seu nome e imagem sem qualquer contrapartida, a influência negativa que a invenção dos seus atributos físicos e técnicos naqueles jogos poderá ter na sua vida profissional e pessoal e os estados psicológicos de perturbação, desgosto, tristeza e revolta que aquela utilização não autorizada lhe provocou. Na versão apresentada na petição inicial, esses videojogos foram produzidos nos Estados Unidos da América (no Estado da Califórnia) e foram e são comercializados e difundidos por todo o mundo por empresas “subsidiárias” da Ré, (destacando-se na Europa a EZ S... Sarl que assume a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão), tendo o Autor domicílio em Portugal e jogado profissionalmente desde 2003-2004 até aos dias de hoje em clubes portugueses, com exceção das épocas de 2013/2014 e 2014/2015, em que jogou no ..., na ....
Antes de iniciarmos a verificação da relevância dos diversos elementos de conexão, convém frisar que, consoante já afirmava Manuel de Andrade [18], citando o processualista italiano Enrico Redenti, a competência internacional afere-se pelo quid disputatum, isto é, pelos termos como o autor configura a relação jurídica controvertida, e não, pelo que, mais tarde, será o quid decisum.
Conforme já acima tínhamos concluído, dado estarmos perante uma ação com uma causa de pedir complexa, do ponto de vista da competência jurisdicional, nos termos do artigo 62.º, b), do Código de Processo Civil, podem constituir critérios de vinculação quer o lugar do evento causal, quer o lugar onde o dano se materializou, podendo cada um deles, segundo as circunstâncias, revelar-se especialmente útil, do ponto de vista da prova e da organização do processo, para se determinar qual é o tribunal ou tribunais que se encontram em melhores condições para proferir uma decisão de mérito informada.
Relativamente ao lugar onde ocorreu a ação causal do dano, há que ter em consideração, que a ação violadora do direito ao nome e à imagem, através de um conteúdo divulgado de forma difusa por todo o mundo, compreende não só a produção dos videojogos em causa, processo em que se inclui o nome e se representa a imagem num determinado suporte físico ou digital, mas também a sua exposição pública através da comercialização mundial generalizada desses suportes [19]. Apesar de na petição inicial se dizer que essa comercialização era efetuada por empresas “subsidiárias” da Ré, designadamente por EZ S... Sarl, que assumia a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão, não deixa o Autor de imputar a divulgação pública apenas à Ré, responsabilizando-a por todos os danos resultantes desses atos. Não devendo, neste momento, efetuar-se qualquer juízo sobre a imputabilidade da ação ilícita alegada pelo Autor para dele retirar a competência do tribunal, há que apenas relevar a perspetiva do Autor, apresentada na petição inicial, de que a Ré é a responsável pela produção, lançamento no mercado e divulgação por todo o mundo dos videojogos F... e F....
Assim, a ação causal imputada à Ré, pelo Autor, nesta ação, ocorre inicialmente nos Estados Unidos da América (a produção dos videojogos) e desenvolve-se, posteriormente, em todo o mundo (a comercialização dos videojogos), uma vez que a lesão deste tipo de bens de personalidade ocorre com a divulgação pública não autorizada do nome e da imagem do lesado [20].
Coisa diferente da lesão destes direitos de personalidade, são os danos que dela terão resultado na versão apresentada pelo Autor. Se a ação lesiva dos direitos do Autor se inicia, mas não se completa com a produção dos videojogos contendo o nome e a imagem do Autor sem o seu consentimento, já, os danos, ou seja as consequência negativas para o lesado que resultaram dessa ação causal poderão ou não ocorrer no mesmo lugar em que essa ação teve lugar [21]. É sobretudo neste ponto que nos afastamos da tese do acórdão recorrido e dos demais acórdãos da Relação acima referenciados na nota 1. Os danos na ofensa aos direitos de personalidade ao nome à imagem são realidades distintas do ato lesivo e claramente diferenciadas quando este é apenas resumido à atividade criadora do suporte que contém o conteúdo lesivo, não se considerando a atividade de divulgação púbica generalizada.
Quanto ao lugar onde os danos invocados pelo Autor se verificaram, revelando-se uma tarefa impossível avaliar com certeza e fiabilidade os danos causados em cada um dos países onde o conteúdo que utilizava o seu nome e imagem foi exposto, deve seguir-se o critério apontado pela jurisprudência do TJUE, segundo o qual, em princípio, o impacto da violação dos direitos de personalidade que ocorrem nestas circunstâncias verifica-se predominantemente no Estado onde a vítima tem o seu centro de interesses, aí se encontrando a maioria das provas dos prejuízos sofridos, pelo que a atribuição de competência aos tribunais desse país para apreciar a integralidade dos prejuízos sofridos satisfaz o objetivo da boa administração da justiça.
Nos casos em que os danos se prolongam no tempo e o centro de interesses do lesado vai variando ao longo desse tempo, localizando-se em diferentes Estados, a ação em que se reclame o pagamento de uma indemnização desses danos poderá ser intentada em qualquer uma das jurisdições desses Estados, desde que se verifique um elo suficientemente forte entre a causa e o foro escolhido para fundamentar a competência internacional dos seus tribunais, evitando-se, com esta restrição, os inconvenientes do denominado forum shopping.
Na presente ação, durante os anos em que o Autor situa a violação do direito ao seu nome e imagem (desde finais de 2009, pelo F... e finais de 2018, pelo F...), com exceção das épocas desportivas de 2013/2014 e 2014/2015, que o Autor jogou numa equipa romena, o seu centro de interesses localizava-se em Portugal, uma vez que foi aí que o Autor praticou, profissionalmente, a sua atividade desportiva.
Esta localização presumida dos danos pelos quais o Autor responsabiliza a Ré é confirmada pelo tipo de danos diretos, e não meramente reflexos, alegados na petição inicial. Foi em Portugal que a utilização do seu nome e imagem poderá ter influído na comercialização dos referidos videojogos, uma vez que foi, predominantemente, nas competições desportivas portuguesas que o Autor interveio como jogador profissional; foi em Portugal que se poderá ter refletido a influência negativa provocada pela invenção dos seus atributos físicos e técnicos naqueles videojogos, prejudicando a sua vida profissional e pessoal, uma vez que foi aí que o Autor, predominantemente, desenvolveu a sua atividade profissional e viveu; e foi em Portugal que o Autor poderá ter experienciado a alegada perturbação, desgosto, tristeza e revolta que a utilização do seu nome e imagem não autorizada lhe terão provocado, pois foi aí que o Autor, com exceção das épocas de 2013/2014 e 2014/2015, se encontrava.
Estando o centro de interesses do Autor predominantemente localizado em Portugal desde o momento em que este situa o início da violação dos seus direitos de personalidade ao nome e à imagem (finais de 2009, relativamente ao F... e finais de 2018, relativamente ao F...), tendo sido aí que terão ocorrido os danos invocados pelo Autor, não há razões para que, a coberto do critério da causalidade admitido pelo artigo 62.º, b), do Código de Processo Civil, não se considerem os tribunais portugueses competentes para julgar esta ação, uma vez que, estando nós, perante uma causa de pedir complexa, os danos alegados terão ocorrido predominantemente em Portugal, pelo que será no nosso país que se encontrará um significativo acervo das provas a produzir com vista à realização da justiça.
Esta conclusão não constitui de forma alguma o reconhecimento de uma competência exorbitante, uma vez que releva uma conexão suficientemente forte entre o caso e o Estado Português, justificativa da intervenção dos seus tribunais, assim como não fere qualquer interesse legítimo da empresa demandada, uma vez que, atenta a comercialização global dos videojogos por si produzidos, é expetável que possam ocorrer litígios com eles relacionados em qualquer parte do globo, em que sejam chamados a intervir os órgãos jurisdicionais locais, além de que a sua estrutura organizacional, atenta a sua dimensão, sempre lhe permitirá, sem excessivas dificuldades, produzir as provas que entenda necessárias em Portugal.
Por estas razões, deve o recurso interposto ser acolhido, reconhecendo-se competência aos tribunais portugueses para julgarem a presente ação, nos termos do artigo 62.º, b), do Código de Processo Civil.”.

Ponderada a fundamentação acima transcrita (a qual, no essencial, é idêntica à dos demais arestos acima citados), concordamos com a mesma, pelo que revemos a posição anteriormente assumida nos acórdãos de 10.02.22, proferidos nos processos n.ºs 637/20.1T8PRT.P1 e 2166/20.5T8PNF.P1.
Aplicando aquela fundamentação ao caso dos autos, é de relevar que o autor alegou que é um jogador de futebol português, que, actualmente, representa o Clube ..., que exerceu a sua profissão, maioritariamente, em clubes portugueses, tendo actuado pela Selecção Nacional de Futebol na categoria sub-21 e na Selecção B, tendo representado Portugal por quinze vezes.
E ainda que a sua imagem e o seu nome andam a ser utilizados nos jogos denominados FIFA, propriedade da ré, a nível global, pelo menos, desde 2004.
Pode, assim, concluir-se, que – tal como no caso apreciado no aresto cuja fundamentação acima transcrevemos, em parte – durante todo o período em que alega ter sofrido danos decorrentes da utilização pela ré do seu nome e imagem, o autor teve o seu centro de interesses em Portugal, pelo que foi em Portugal que tais danos ocorreram.
E, sendo assim, por aplicação do critério da causalidade previsto na al. b) do artigo 62.º do CPC, os Tribunais portugueses têm de ser considerados internacionalmente competentes para conhecer da presente acção.

Nas contra-alegações, a ré suscitou a questão da inconstitucionalidade da aplicação dos artigos 9.º e 351.º, do CC, 5.º, n.º 1, 62.º, 608.º, n.º 2 do CPC e 38.º, n.º 1 da LOSJ, nos termos e para os efeitos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 2 e 75.º-A, n.º 2, todos da Lei 28/82.
Esta questão foi apreciada em alguns dos acórdãos do STJ, acima citados, de que damos como exemplo os acórdãos de 14.02.23, 15.02.23, 30.05.23 e 25.05.23.
No essencial, ali se disse que a utilização do “critério normativo de centro de interesses” para decidir sobre a matéria de competência internacional é lícita porque, apesar de não consagração na lei portuguesa, está, ainda, no âmbito de interpretação da norma do artigo 62.º, al. b) do CPC.
Tendo-se concluído pela existência de um elo de conexão suficientemente forte entre o objecto da causa e a ordem jurídica portuguesa que justifica a atribuição de competência em razão da nacionalidade aos tribunais nacionais para conhecer do presente litígio nos termos da alínea b) do artigo 62.°, numa acção de responsabilidade civil extracontratual de violação de direitos de personalidade apontada como verificada em Portugal, mas também com dimensão mundial, por outro, sem que haja recurso a critérios que não os legais, não se vislumbra que se configure o indicado vício de interpretação em sentido desconforme com a Constituição, nem quaisquer outras interpretações inconstitucionais que importe conhecer.
Nomeadamente, tal interpretação não é contrária ao princípio do estado de direito democrático, ao princípio do processo equitativo, ao princípio da separação de poderes e ao princípio do dever de obediência à lei.
Por outro lado, ao contrário do que a ré refere, para concluir pela existência do referido “centro de interesses”, usaram-se apenas os factos alegados na petição inicial – como se depreende da leitura do excerto da fundamentação ao acórdão do STJ em que nos apoiámos.
Pelo que também por esta razão, não se verificam as apontadas inconstitucionalidades.

Procedem, assim, as conclusões do autor, pelo que a excepção dilatória de incompetência internacional do Tribunal recorrido terá de ser julgada improcedente.
*
V.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão e, em consequência:
- Julga-se improcedente a excepção dilatória de incompetência internacional do Tribunal, devendo os autos prosseguir os termos adequados.
Custas pela apelada.
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Porto, 14 de Setembro de 2023
Deolinda Varão
Isoleta Almeida Costa
Ernesto Nascimento
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[1] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, págs. 92 e 93.
[2] Todos publicados em www.dgsi.pt.