Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2186/06.1TBVCD-A.P1
Nº Convencional: JTRP00043226
Relator: MARIA EIRÓ
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE ARROLAMENTO
CÔNJUGES DIVORCIADOS
Nº do Documento: RP200911172186/06.1TBVCD-A.P1
Data do Acordão: 11/17/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 334 - FLS. 123.
Área Temática: .
Sumário: I- Mesmo após ter sido decretado o divorcio (e antes da partilha) os ex-cônjuges podem assumir comportamentos que prejudiquem o outro, neste caso o seu património, os seus bens, sendo de presumir o seu extravio e dissipação.
II- Por isso, seria aplicável o regime do art. 427° do CPC, que seria neste caso, preliminar do inventario, por se encontrarem subjacentes as mesmos causas - presumido fundado receio de descaminho de bens dada a conflituosidade dos cônjuges — e os mesmos intuitos — prevenir o desaparecimento do património provindo do casamento com efectivação de uma partilha justa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Arrolamento nº 2186.06.1TBVCD-A.P1
Relatora: Maria Eiró
Adjuntos: João Proença e Graça Mira
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
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B………….., casada, residente em …………. intentou providência cautelar de arrolamento nos termos do art. 427º do CPC, contra C…………., casado, residente em ………… a qual veio a ser julgada procedente e decretado o arrolamento dos bens comuns do casal nos termos requeridos.
O requerido veio dizer que o referido casamento já foi dissolvido, por divórcio decretado pelo Tribunal de Barnet County, Reino Unido, sendo que esse facto já foi averbado ao seu registo de nascimento. Está, assim, verificada a excepção do caso julgado.
Juntou os seguintes documentos:
• Certidão da decisão provisória de divórcio proferida a 7.09.2005;
• Certidão da decisão definitiva de divórcio proferida a 26.10.1005;
• Formulário assinado pelo juiz inglês nos termos constantes do anexo I ao Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27.11.2003;
• Certificado de tradução dos referidos documentos do inglês para o português.
A Autora respondeu dizendo, em síntese, que:
• Desconhecia, como desconhece os termos em que correu o processo que culminou com o decretamento do divórcio pelo referido tribunal inglês;
• O Regulamento (CE) n.º 2201/2003 apenas é aplicável à dissolução do vínculo matrimonial e não deve abranger as causas do divórcio, os efeitos patrimoniais do casamento ou outras eventuais medidas acessórias;
• Nos termos desse Regulamento, qualquer parte pode pedir o reconhecimento ou o não reconhecimento da decisão, tendo a Autora fundamento para tal, posto que não constituiu mandatário nem interveio por qualquer forma no processo;
• Em lado algum se diz que a requerente foi devidamente citada para o processo de divórcio;
• Acresce que a decisão ofende a ordem pública portuguesa, pois que é «chocante permitir que alguém esteja divorciado sem conhecer as causas e sem que lhe tenham sido devidamente informado os meios de defesa;
• A referida decisão também não pode ser reconhecida em Portugal por ter procedido à partilha dos bens do casal existentes em território nacional, colidindo assim com o disposto no art. 65.º-A do CPC.
Termina concluindo que não se verificam os requisitos deste processo especial de arrolamento que exige a pendência de acção de divórcio.
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Nos autos de acção de divorcio foi julgada procedente a excepção de caso julgado (por existência de sentença que decretou o divorcio proferida no tribunal inglês produzindo efeitos na ordem jurídica) e absolvido o requerido da instancia.
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Oportunamente foi proferida decisão em que se considerou que não obstante este arrolamento ser instrumental da acção de divórcio e não do processo de inventario com vista à partilha dos bens do casal, manteve a providencia decretada tendo em conta o espírito que subjaz aos respectivos preceitos legais – garantir a justa partilha do património dos bens do casal.
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Em consequência julgou improcedente a oposição.
Desta decisão interpôs recurso de agravo C………….. concluindo nas suas alegações:
1 – Não se conforma o recorrente com a decisão que julgou improcedente a oposição ao arrolamento.
2 – Tal providência cautelar foi requerida “ab initio” e, como tal, foi efectivamente decretada, como preparatório de uma acção de divórcio que a recorrida iria instaurar (como instaurou) contra o recorrente.
3 – Foi oportunamente alegada pelo recorrente e considerada válida pelo Mº Juiz “a quo”, tanto em sede deste mesmo procedimento cautelar, como em sede da acção principal de divórcio, verificar-se a excepção de caso julgado, quanto à questão do próprio divórcio, em virtude de o mesmo já haver sido decretado por um Tribunal Inglês e já se mostrar devidamente averbado na Conservatória do Registo Civil, em Portugal.
4 – A disposição legal que regula o arrolamento em causa é o artº 427º do C. P. C. ou seja, o que determina (ou determinou) o pedido e o decretamento do arrolamento é o pedido de divórcio, já que se fosse qualquer outro motivo ou fundamento, valeria o disposto no artº 421º do mesmo diploma legal, sendo certo que são diferentes os requisitos exigíveis para um caso e outro.
5 – Como não havia fundamento para pedir o divórcio, conforme já se decidiu (e com trânsito em julgado nos autos principais de divórcio), jamais se poderia manter o arrolamento em tempos decretado. Mais se dizendo que, para tal conclusão, em nada releva a circunstância de o processo se manter para efeitos de apreciação de pedidos indemnizatórios (que até se afigura nem poderem já ser conhecidos, embora se trate de matéria a tratar noutra sede).
6 – Discorda-se, pois, da decisão do Mº Juiz “ a quo” quando refere que, apesar de se ter verificado que não podia decretar-se o divórcio, se deveria manter o arrolamento porque ainda poderia haver um inventário para separação de meações. É que nunca o arrolamento foi pedido como preparatório disso, mas sim do divórcio.
7 – Defende, pois, o recorrente, de forma inequívoca, que tendo sido o arrolamento especificamente pedido e deferido no pressuposto e como preparatório de uma acção de divórcio, havendo já divórcio (e até decretado pelo Tribunal Inglês com data bem anterior à petição de arrolamento – 26/10/2005) não subsiste qualquer razão para a manutenção de tal arrolamento.
8 – Além disso, afigura-se ao recorrente que ao recurso de agravo interposto deveria ter sido atribuído efeito suspensivo e não meramente devolutivo.
9 -Em face do exposto, resulta evidente que a decisão recorrida violou o disposto nos arts. 427º, 421º e 740º, nº 1, todos do C. P. C.
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Sobre esta decisão foi proferida decisão singular em que se confirmou a decisão recorrida.
Inconformado o recorrente veio submeter o caso à conferência para ser reapreciado.
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Delimitado o objecto de recurso pelas conclusões das alegações a questão a decidir consiste em saber se deve ser julgada procedente a oposição ao arrolamento decretado como incidente de acção de divorcio, por ter sido julgada procedente a excepção de caso julgado – o divorcio tinha sido decretado com transito em julgado em processo que correu seus termos em tribunal inglês.
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O recurso.
Entendemos que deve ser mantida a decisão singular que confirmou a sentença recorrida pelas mesmas razões que na íntegra se vão reproduzir.
Como preliminar ou incidente de acção de divórcio, qualquer dos cônjuges pode requerer o arrolamento dos bens comuns, ou dos seus bens próprios, que estejam sob a administração do outro, de acordo com o art. 427º nº do CPC.
Esta providência cautelar situa-se (ainda) no domínio do direito matrimonial numa fase de presumível conflituosidade entre cônjuges estando o requerente do arrolamento dispensado da alegação e subsequente prova dos fundamentos exigíveis, nos casos gerais, para o seu conhecimento - o “justo receio de extravio ou de dissipação de bens” (art. 421º do CPC) que neste caso se presume “jure et de jure”.
O direito acautelado é o direito à justa partilha do património comum. Por isso este arrolamento tem por finalidade inventariar o património do casal susceptível de alteração pelo o tempo ou outras circunstâncias, para mais tarde se proceder à atribuição a qualquer um dos cônjuges na partilha a efectuar entre os mesmos - este arrolamento tem por objecto os bens comuns do casal e os bens próprios sob administração do outro prevenindo o seu extravio ou dissipação.
Em suma o arrolamento tem por objecto garantir a justa partilha do pecúlio comum que o legislador presume estar comprometida quando ocorre fractura no relacionamento conjugal com o fim da vida em comum.
Por isso mesmo, o arrolamento mantém-se, uma vez já decretado, até definitiva e completa relação de bens no subsequente inventário para partilha dos bens do casal.
O arrolamento requerido como preliminar da acção de divórcio considera-se preparatório, não, directamente, daquela acção, mas do inventário subsequente destinado à partilha dos bens do casal – o arrolamento subsiste e mantém a sua eficácia para além da decisão que julgar a acção de divórcio até ser efectuada a partilha dos bens dado que o perigo da sua dissipação e extravio se mantém mesmo depois de decretado o divorcio (cf Lopes Cardoso, Partilhas judiciais, III, 4ª edição, p. 355), como se infere do art.426º do CPC ao preceituar “auto de arrolamento serve de descrição no inventario a que haja de proceder-se”.
O direito de pedir o arrolamento, como preliminar ou incidente das acções de divorcio, não depende de o requerente ter ou não ter direito ao divorcio, bastando por isso que, ao requerer aquele, como preliminar, expressamente se declare a intenção de propor a acção de divorcio.
A acção de divórcio de que estes autos são apensos terminou por ter sido decretado o divórcio em acção anterior e não pode ser apensada a esta dado que esta correu seus termos em tribunal inglês.
Sendo assim na altura em que foi decretada a providência estavam verificados os requisitos da providência cautelar, isto é, pendência de acção de divórcio, devendo manter-se até à partilha desses bens e caduca, automaticamente, com a sua adjudicação dos mesmos.
Mesmo que assim não fosse, isto é, mesmo que não estivesse pendente acção de divórcio por ter sido já decretado com trânsito em julgado, (sabemos que esta questão não é pacifica na jurisprudência) entendemos que seria aplicável o regime do art. 427º do CPC, que seria neste caso, preliminar do inventario, por se encontrarem subjacentes as mesmos causas - presumido fundado receio de descaminho de bens dada a conflituosidade dos cônjuges – e os mesmos intuitos – prevenir o desaparecimento do património provindo do casamento com efectivação de uma partilha justa.
Mesmo após ter sido decretado o divorcio (e antes da partilha) as relações dos EXs podem continuar conturbadas e exaltadas. Encolerizados e desavindos com diferenças que se reflectem na partilha e na própria classificação dos bens (próprios ou comuns?), os Ex Cônjuges podem assumir comportamentos que prejudiquem o outro, neste caso o seu património, os seus bens, sendo de presumir o seu extravio e dissipação.
Na improcedência das alegações de recurso confirma-se a decisão singular que por seu turno confirmou a decisão recorrida.
Custas pelo reclamante.

Porto, 2009.11.17
Maria das Dores Eiró de Araújo
João Carlos Proença de Oliveira Costa
Maria da Graça Pereira Marques Mira