Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2859/17.3T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
ESPERANÇA MÉDIA DE VIDA
IDADE DO LESADO
Nº do Documento: RP202305082859/17.3T8VNG.P1
Data do Acordão: 05/08/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O dano biológico reporta-se a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional, com repercussão na sua vida pessoal e profissional do lesado, independentemente de haver ou não perda ou diminuição de rendimentos laborais.
II – A esperança de vida a ter em conta há ser a resultante dos valores (idade) objetivos considerados para a generalidade dos cidadãos, independentemente da idade do lesado na ocasião do acidente.
(da responsabilidade do relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2859/17.3T8VNG.P1

Relator: José Eusébio Almeida;
Adjuntos: Carlos Gil e Mendes Coelho.

Recorrente – A..., SA
Recorrida – AA


Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:


Relatório
AA veio instaurar a presente ação contra A..., SA e pediu a condenação da ré a pagar-lhe: I - A quantia global de 191.419,24€, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do sinistro em apreciação nos autos; II - A quantia a liquidar em ampliação do pedido ou execução de sentença, referente aos danos alegados nos artigos 82.º a 86.º, 118.º, 145.º e 151.º da petição, tudo acrescido de juros de mora calculados à taxa legal e contabilizados desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que foi interveniente em acidente de viação por cuja eclosão foi responsável o condutor do veículo segurado da ré, tendo desse acidente advindo diretamente para a autora danos patrimoniais e não patrimoniais, que identifica e cujo ressarcimento reclama.

Regularmente citada, a ré contestou. Aceitando a responsabilidade do seu segurado pela ocorrência do acidente e impugnando parte dos danos alegados, bem como invocando a sua sobrevalorização, pede a improcedência parcial da ação.

Realizou-se audiência prévia, na qual foi fixado o valor da causa [191.419,24€], definido o objeto do litígio [(...) o presente litígio tem como objeto a responsabilidade civil decorrente de acidente de viação] e enunciado o tema da prova [Danos (patrimoniais e não patrimoniais passados, presentes e futuros) sofridos pela Autora em consequência do acidente].

Foi ordenada a produção de prova pericial, com realização de uma segunda perícia e de perícias de especialidade. Realizou-se audiência de julgamento, e foi proferida a seguinte sentença: “I) condeno a ré, A..., S.A., a pagar à autora AA: a. a quantia de 10.928,94 EUR (dez mil novecentos e vinte e oito euros e noventa e quatro cêntimos) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal desde a data de citação até efetivo e integral pagamento; b. a quantia de 80.000,00 EUR (oitenta mil euros) a título de compensação pelo dano biológico, acrescida de juros à taxa legal desde a presente data até efetivo e integral pagamento; c. a quantia de 30.000,00 EUR (trinta mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal desde a presente data até efetivo e integral pagamento. II) Absolvo a ré do demais peticionado pela autora.”.

II – Do Recurso
Inconformada com a decisão, a ré veio apelar. Pretende que a decisão recorrida seja alterada nos termos das seguintes conclusões:[1]:
1 - A decisão recorrida faz uma errada aplicação da Lei e do Direito.
2 - O tribunal considerou fixar à autora uma indemnização de 80.000,00€ pelos danos patrimoniais futuros/dano biológico e a quantia de 30.000,00€ pelos danos morais.
3 - Bem como, a quantia de 10.300,00€ pela perda de rendimentos no período de ITA.
4 - Discorda a recorrente dessa indemnização arbitrada, por considerada exagerada, em ambas as vertentes peticionadas (dano biológico e danos morais), uma vez que, atenta a factualidade provada, situações semelhantes vêm merecendo por parte da nossa jurisprudência menor relevância e maior justeza, designadamente quanto ao seu quantum.
5 - E discorda, também, em relação ao valor da perda de rendimento no período de ITA, por não ter sida produzida qualquer prova que sustente esse valor ou qualquer outro, pelo que, o mesmo deveria ter improcedido na sua totalidade.
6 - A autora encontra-se aposentada há vários anos da sua atividade de médica no sector público.
7 - Como bem [referiu] o tribunal, a autora não demonstra, nem prova de forma inequívoca, qual o seu rendimento enquanto prestadora de serviços e profissional liberal, que trabalha para uma empresa da qual parece ser sócia, visto que não foi produzida qualquer prova que o permita aferir com o rigor que se impunha.
8 - Das declarações de IRS juntas aos autos pela autor não decorre de forma alguma essa efetiva prova de perda de rendimento mensal, em consequência do acidente.
9 - Se atentarmos nos documentos juntos pela recorrida e referentes aos anos anteriores ao acidente, podemos concluir que, sem dúvida, o rendimento da autora já vinha a decrescer, fosse ele porque motivo fosse.
10 - “A Autora não juntou as suas declarações de IRS únicas, que sustentariam a efetiva quebra de rendimento mensal, optando por documentar o seu pedido com base nas declarações de IRC da empresa de que é sócia e para a qual prestará serviços, o que não constituiu elemento probatório sólido, demonstrativo da perda de rendimento.”
11 - Assim, esse valor foi indevidamente arbitrado à autora, uma vez que, em face da inexistência de prova produzida, teria que necessariamente improceder na sua totalidade, ao contrário do que veio a acontecer.
12 - A autora recusou ser acompanhada e vigiada pelos serviços clínicos da ré, nunca tendo permitido que esta avaliasse os seus danos corporais, decorrentes do acidente.
13 - Não está demonstrado que as sequelas que apresenta sejam decorrentes deste acidente, acarretem perda de rendimentos na ordem de semelhantes valores, nem resultaram provados factos que tornem previsível essa perda no futuro.
14 - A autora é autónoma, e como resulta evidente dos vários relatórios periciais a que foi submetida, realiza as suas tarefas quotidianas sozinha e continua a exercer a mesma atividade profissional que tinha à data do acidente discutido nos presentes autos, apesar das limitações normais decorrentes da sua idade (82 anos) e não outras.
15 - Relevante, para apreciação do presente recurso, são as conclusões extraídas do exame pericial realizado em 16.03.2018 e em cujo relatório final, datado de 4.06.2018, pode ler-se nas suas conclusões que:
- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 25.07.2016; - O período de défice funcional temporário total é fixável num período de 8 dias; - O período de défice funcional temporário parcial é fixável num período de 214 dias; - O período de repercussão temporária na atividade profissional total é fixável num período de 103 dias; - O quantum doloris fixável no grau 4/7; - O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi fixado em 6 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da atividade habitual, ainda que com ligeiros esforços suplementares (que nestes autos nem conseguimos perceber em que é que se traduzem na realidade).
16 - Dos esclarecimentos escritos de fls. prestados pela Senhora Perita Médico-Legal que o subscreveu resulta na sua página 2, que “1.1. - A examinada tinha terminado o tratamento fisiátrico de reabilitação funcional, e apresentava quadro clínico estabilizado, com dor residual na coluna dorsal e restrição esquerda das mobilidades cervicais, não havendo qualquer referência ao agravamento definitivo da omalgia direita pré- existente...
17 - Refere ainda a mesma que “1.2. – A reação ansiosa e depressiva àquela situação vivencial diagnosticada tinha sido tratada apenas com medicação ansiolítica e assim melhorado da componente depressiva.
18 - 1.3. – Não há elementos clínicos que nos permitam inferir da existência nessa data, de crises vertiginosas em consequência das lesões traumáticas sofridas.”
19 - Já no que respeita às crises vertiginosas “2.2. - ...apenas foi referido pela examinada o potencial receio de que venham a ocorrer, daí que se tenha negado a descontinuar a terapêutica com Betaserc conforme proposto pela médica assistente.
20 - 2.3 – Quanto às queixas do foro psiquiátrico referidas pela examinada, e segundo informação das mesmas, apenas manteria medicação ansiolítica para dormir.
21 - 2.4. – Mais referiu a examinada, nunca mais ter tido necessidade de recorrer a consultas das especialidades referidas na sequência da ocorrência em apreço.”
22 - Dos diversos exames realizados à autora resulta evidente que a mesma apresenta entre outras: - alterações degenerativas ao nível da coluna, - omalgia direita pré-existente, - múltiplas alterações degenerativas ósseas e discais em C4, C5 e C6, - uncartroses e artroses interfacetárias no trajeto das raízes de C6, - escoliose de convexidade direita decorrente de espasticidade muscular, - dismorfia do corpo vertebral D7, - degenerescência marcada dos discos entre D7 e D10, - dismorfia do corpo vertebral l2.
23 - Em relação à fratura de D7, como se extrai dos autos, a mesma não resultou do acidente, mas trata-se antes de uma fratura antiga prévia àquele, como também o alude a segunda perícia médico-legal.
24 - No que diz respeito às cervicalgias alegadas pela autora, como sabemos, as mesmas podem estar associadas inúmeras causas, como sendo, má postura, movimentos repetidos, posição inadequada para dormir, bem como a própria idade da autora, que já tem 82 anos de idade.
25 - Para além disso, estamos, também, na presença de uma pessoa, com variadíssimos antecedentes patológicos, referidos nos diversos relatórios juntos aos autos: - síndrome do Túnel Cárpico bilateral (tendo sido já operada à direita), - cirurgia a hallux valgus com neuroma de Morton à direita e ao menisco bilateral, - bronquite crónica e broncorreia, - asma, - rutura do supra espinhoso direito após acidente em casa, previamente ao acidente discutido nos autos (razão pela qual já andava em tratamento ao ombro antes do acidente de viação), - fratura de D7 já anteriormente por nós referida.
26 - Patologias essas, entre outras, que fazem com que esteja permanentemente medicada, muitas das vezes até por sua própria iniciativa.
27 - A autora, nos diversos exames periciais e outros, a que foi sujeita, não foi coerente no que diz respeito a tais antecedentes patológicos nem à medicação a que tem estado sujeita, não as referindo, de igual modo, em cada momento em que foi avaliada, ao contrário do que estava obrigada, tanto mais que é médica, sabendo bem como devem decorrer tais procedimentos.
28 - É à lesada que cabe trazer aos autos factos que permitam valorizar e exprimir o grau da sua lesão.
29 - E na sua falta ou escassez, para atribuir uma justa compensação, o tribunal deveria ter considerado o padrão médio de um homem de 82 anos de idade, que sofre de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos percentuais, de acordo com a prudência e as regras da experiência comum, o que entende a recorrente não se ter verificado.
30 - Como se pronunciou entre outros o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no Processo 589/13.4TBFLG.P1.S1, de 14.12.2017 e disponível em dgsi, entendimento esse, que perfilhamos, “O dano biológico, perspetivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.”
31 - Aqui, nada de notório existe nessa repercussão na vida pessoa e profissional da autora, para além da idade da mesma (82 anos) que a poderá limitar nessa sua vida pessoal e profissional, como resulta, sem mais, das regras da experiência comum.
32 - Nessa medida, veio esse mesmo aresto determinar que para um autor, vítima de acidente de viação que “(i) sofreu diversas fraturas dos membros superiores e inferiores; (ii) apresenta diversas sequelas, designadamente, rigidez, limitações e cicatrizes nalguns membros; (iii) ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 20 pontos, sendo tais sequelas compatíveis com o exercício da sua atividade habitual mas implicam esforços suplementares; (iv) terá de ser submetido a novas intervenções cirúrgicas à mão direita e ao tornozelo esquerdo e a tratamentos de fisioterapia; (v) tinha 34 anos de idade na data do acidente; (vi) exercia as funções de centro hospitalar e num hospital privado e auferia, em média o total de 2010€ líquidos mensais; (vii) tem dificuldades em levantar, deitar, dar banho e fazer transferência de doentes; (viii) sente dificuldades na condução automóvel e não consegue fazer as caminhadas que antes fazia, e deixou de jogar futebol e de andar de bicicleta, tem-se como adequado e equitativo fixar a indemnização pelo dano biológico em 90.000€.
33 - Daí concluirmos que, na verdade, a indemnização fixada é profundamente desproporcional desajustada e desadequada.
34 - Considerando as circunstâncias concretas deste caso, afigura-se-nos, pois, que será justo e equilibrado, atribuir à recorrida, como compensação pela IPG, a indemnização de 20.000,00€.
35 - Condenou, ainda, o tribunal a ré a pagar à autora a quantia de 30.000,00€ a título de danos não patrimoniais.
36 - A título de exemplo, mais uma vez, aludimos àquele Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no Processo 589/13.4TBFLG.P1.S1, de 14/12/2017 e disponível dgsi, que à pouco invocamos nos termos do qual para esse autor em que o mesmo “(i) teve de ser sujeito a diversas intervenções cirúrgicas; (II) permaneceu diversos períodos internado; (iii) apresenta um dano estético de grau 3; quantum doloris é fixável no grau 5 e a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer é de grau 3 (em escalas crescentes até 7); (iv) antes do embate era uma pessoa autónoma, trabalhadora e bem-disposta e agora sente-se limitado, em termos pessoais e profissionais; (v) sabe que o seu estado não melhorará e isola-se em casa, sentindo desgosto por não mais conseguir fazer caminhadas , jogar futebol e andar de bicicleta; (vi) aquando do internamento e quando se encontrava manietado de pernas e mãos, nasceu o seu filho, sem que lhe pudesse pegar ao colo, tem-se por adequada e quantitativa a indemnização fixada pela Relação a título de danos não patrimoniais no valor de 30.000,00€.
37 - Embora a lei não defina quais são os danos não patrimoniais merecedores de tutela jurídica, tem sido entendido unanimemente pela doutrina e jurisprudência que integram tal ideia, as dores e padecimentos físicos e morais, angústia e ansiedade produzidas pela situação de alguém que sofreu um acidente, e as lesões decorrentes, os danos resultantes de desvalorização, deformidades, além do sofrimento atual e sentido durante o tempo de incapacidade, a angústia acerca da incerteza e futuro da situação e a existência e grau de incapacidade sofridos.
38 - Para a fixação da indemnização pelos danos morais será de valorar, entre outras, a circunstância da vítima ter sofrido períodos de doença significativos, com prolongados internamentos hospitalares, períodos de imobilização e intervenções cirúrgicas, dificuldades de locomoção e de condução, além das restrições pessoais e sociais daí decorrentes.
39 - Devendo a indemnização desses danos morais ser fixada com base na equidade.
40 - Para fixar a indemnização por danos não patrimoniais, o julgador deve aferir a gravidade do dano, atendendo a padrões objetivos e não, pelo contrário, a padrões subjetivos, que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (artigo 496/1 do C.Civil).
41 - Os danos não patrimoniais não são mais do que prejuízos decorrentes, por exemplo, das dores físicas, de ordem estética, vexames, transtornos e perda de prestígio ou de reputação.
42 - No âmbito da factualidade apurada, e sem questionar a gravidade das lesões e do sofrimento da autora, a verdade é que esta foi assistida em episódio de urgência no Serviço de Urgência do Hospital de S. João no Porto e teve alta passado algumas horas.
43 - Não foi sujeita a qualquer cirurgia e lembramos que apresenta um período de 8 dias de incapacidade temporária absoluta, decorrente de internamento (que a própria decidiu, sem qualquer necessidade, na Venerável Ordem ...), nem lhe foi fixado qualquer valor para dano estético.
44 - Neste caso em concreto, as consequências que advieram deste acidente para a autora, não revestem elevada gravidade, embora sejam, como é óbvio, suscetíveis de ressarcimento a título de danos não patrimoniais, tal como a recorrente reconhece.
45 - Pese embora o sofrimento que possa ter sido suportado pela recorrida, em consequência do acidente, afigura-se, em face da natureza e extensão dos danos dados como provados, manifestamente excessivo o montante fixado para compensação dos danos não patrimoniais.
46 - Assim, neste contexto, e com o sempre devido respeito, tem a recorrente razão para divergir do montante fixado pela sentença recorrida para compensar a autora pelos danos não patrimoniais sofridos, o qual se tem por desadequado e excessivo, impondo-se a sua redução de forma equitativa e de modo a responder ao comando do artigo 496, do Código Civil, de acordo com a verdade material trazida aos autos.
47 - Considerando, por isso, a recorrente, justa e adequada ao caso concreto a atribuição à autora de uma compensação global pelos danos não patrimoniais sofridos, no valor de 10.000,00€.
48 - Não se mostrando, assim, corretamente fixado, o quantum indemnizatório devido à autora, na parte questionada no presente recurso, tendo em conta a factualidade provada e os critérios legais previstos para a reparação dos danos sofridos, bem como a jurisprudência existente nesta matéria.
49 - Deste modo, e face a tudo quanto aqui vem explanado, entende que são de reduzir os montantes fixados pelo tribunal a título de indemnização por dano biológico e danos não patrimoniais, fixando-se, antes, o seu valor conjunto no montante de 30.000,00€.
50 - Com efeito, os valores que foram fixados na sentença são absolutamente injustos, desadequados e desproporcionais aos reais danos sofridos pela autora e que se pretendem indemnizar.
51 - E tais valores violam, aliás, o princípio da igualdade, se comparados com caso semelhantes decididos pelos nossos tribunais superiores.
52 - Entre muitos: - Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 7.12.2017, no Processo 863/16.8T8VIS.G1, da 2.ª Secção Cível, que a uma lesada de 40 anos, a quem no exame pericial tinha sido fixada uma incapacidade de 12 Pontos com incapacidade para a profissão habitual, o Tribunal da 1.ª Instância atribuiu uma indemnização por danos morais de 25.000,00€ e que aquele tribunal reduziu para 12.500,00€; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.12.2017, proferido n.º processo 589/13.4TBFLG.P1.S1, que confirmou a indemnização atribuída ao autor, de 34 anos, por danos não patrimoniais de 30.000,00€, para uma IPG de 20 Pontos, um Quantum Doloris de 5/7, um Dano Estético de 3/7, uma repercussão nas atividades desportivas e de lazer de 3/7!; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.05.2011 proferido no Proc. 7449/05.0TBVFR.P1.S.1 que “fixou a um lesado com 36 anos de idade, empregado comercial e com uma IPG de 15%, acrescida de 5% de danos futuros, a indemnização de 31.500,00€; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.06.2011 proferido no Proc. 160/2002.P1.S1, que fixou a um lesado de 26 anos de idade, sócio gerente da uma empresa, com uma IPG de 16%, a indemnização de 23.000,00€; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.04.2012 proferido no Proc. 3046/09.TBFIG.S1 que fixou a uma lesada com 19 anos de idade, estudante, com uma IPG de 13 Pontos, com agravamento futuro, a indemnização de 35.000,00€; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/03/2012 proferido no Proc. 4370/08.0TBVLG.L1 que fixou a um lesado de 57 anos de idade, com a profissão de tubista e com uma IPG de 25 Pontos a indemnização de 35.000,00€; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.11.2010 proferido no Proc. 456/06.8TBVGS.C1.S1 que “fixou a um lesado de 28 anos de idade, com uma IPG de 15%, sem rebate profissional, uma indemnização de 25.000,00€, a título de dano biológico, na vertente de dano moral”; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.10.2011 proferido no Proc. 2171/07.6TBCBR.C1.S1 que “fixou a uma lesado de 47 anos de idade, com uma IPG de 8 Pontos que podia evoluir para 13 Pontos, a indemnização de 30.000,00€”; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.10.2019 proferido no Proc. 560/09.0TFLSB que fixou a um lesado de 19 anos de idade, com uma IPG de 8 Pontos, a quantia de 10.000,00€, a título de dano biológico na vertente patrimonial; - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.12.2016 proferido no Proc. 405/13.7T2AVR.P1 que fixou a um lesado de 39 anos de idade, com uma IPG de 27 Pontos, a quantia de 40.000,00€, a título de danos não patrimoniais, com internamento hospitalar de quase cem dias, com várias intervenções cirúrgicas, deslocava-se com auxílio de canadianas durante mais de um ano. Acórdãos, todos publicados em dgsi.
53 - Devendo, assim, a título de dano patrimonial futuro, ser reduzida a indemnização a pagar à autora, para a quantia de 20.000,00€ e o valor dos danos morais ser reduzido para 10.000,00€.
54 - As indemnizações visam compensar danos, desde que sejam consequência do evento danoso, devendo os valores serem fixados com equilíbrio, razoabilidade e equidade, não permitindo, todavia, que daí possa resultar um enriquecimento ilegítimo ou injustificado para a recorrida.
55 - Tendo presente que só o uso da equidade permite alcançar o montante que, mais justa e equilibradamente, compense a perda da capacidade aquisitiva da autora, entendemos que se deve alterar a indemnização pelos danos patrimoniais futuros (dano biológico) e danos não patrimoniais conforme atrás melhor referido.
56 - A decisão violou os artigos 496, 562, 563, 564 e 566 do Código Civil, preceitos que assim, por errada interpretação e aplicação, se encontram violados pela douta sentença recorrida, e os mais que V. Exas, doutamente, vierem a considerar.
57 - Em consequência, não restará outra alternativa, senão alterar a decisão recorrida, no que concerne ao valor da indemnização arbitrada a título de dano patrimonial futuro/dano biológico e de danos morais, improcedendo na sua totalidade o valor fixado para a perda de rendimento no período de ITA, por inexistência de prova.

A recorrida respondeu ao recurso. Salientando que a apelante não cumpre o ónus de quem pretenda impugnar a decisão relativa à matéria de facto e, desde logo, não obstante o alegado no corpo das suas alegações não conclui pela alteração daquela decisão, acrescenta, no mais, que o recurso não merece procedência e é de manter integralmente a sentença recorrida.

O recurso foi admitido nos termos legais e nada se alterou ao pertinente despacho de admissão. Os autos correram Vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito da apelação o qual, tendo em conta as conclusões apresentadas pela apelante (mas sem embargo do que se dirá a propósito da decisão relativa à matéria de facto) se traduz em saber se a sentença deve ser alterada, absolvendo-se a recorrente da condenação relativa à indemnização pelos danos patrimoniais correspondentes ao período de incapacidade temporária absoluta e diminuindo-se a sua condenação no que se refere aos valores fixados a título de dano biológico (para apenas 20.000,00€) e a título de danos não patrimoniais (para apenas 10.000,00€).

III – Fundamentação
III.I – Fundamentação de facto
Da (eventual) impugnação da decisão relativa à matéria de facto
O recurso coloca a questão (prévia) de apurar se a ré impugna a decisão relativa à matéria de facto, uma vez que, percorrendo as conclusões do seu recurso – e tal como sustenta a apelada – há que reconhecer que, no mínimo, não é imediatamente percetível que esse objeto tenha sido definido pela apelante.

Como decorre do disposto no artigo 662, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

O preceito, na redação dada pelo novo CPC (em contraponto, desde logo, com o artigo 712 do CPC anterior) clarifica e reforça os poderes da Relação[2], ou alarga e melhora esses poderes[3], impondo um dever de alteração da decisão sobre a matéria de facto, reunidos que estejam os respetivos pressupostos legais, e de acordo com a sua própria convicção[4], desde que o impugnante tenha cumprido o ónus imposto pelo artigo 640 do CPC.

O normativo acabado de referir – e além deste, dos preceitos que delimitam o objeto do recurso, ou as consequências da sua omissão (cfr. 635, n.º 4 e 641, n.º 2, alínea b), ambos do CPC) - onera o impugnante da decisão relativa à matéria de facto, porquanto o recurso, no que concerne à impugnação da decisão relativa à matéria de facto será total ou parcialmente rejeitado nas situações seguintes: “a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto[5] (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2, al. b). b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a)). c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.). d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda. e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”[6]. Ainda assim, é entendimento largamente maioritário que relativamente ao recurso da decisão sobre a matéria de facto não existe um possível despacho de aperfeiçoamento e, como referem António Santos Abrantes Geraldes/ Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa[, tal situação, em lugar “de autorizar uma aplicação excessivamente rigorosa da lei, deve fazer pender para uma solução que se revele proporcionada relativamente à gravidade da falha verificada”. Dito de outro modo, as exigências impostas pelo artigo 640 ao recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto devem ser entendidas sem o rigor tão excessivo que de imediato e inúmeras vezes conduziria à imediata rejeição do recurso.

O que a lei processual deixa transparecer e a jurisprudência do Supremo vinca reiteradamente é a opção por um verdadeiro duplo grau de jurisdição e a consequente prevalência da substância sobre a forma. Sem embargo – e naturalmente, até por respeito aos princípios da igualdade e da legalidade -, as imposições decorrentes do artigo 640 do CPC não podem ser letra morta e ultrapassadas ou ignoradas, como se não existissem. Aqui, como sempre deve suceder, imperará uma interpretação sensata e afastada dos extremos, sejam estes a de rejeição imediata ao primeiro e minúsculo incumprimento, seja, ao invés, a aceitação de toda e qualquer impugnação, independentemente do eventual lato incumprimento do ónus que impende sobre o impugnante.

No corpo das suas alegações, a apelante veio dizer, com reflexo na decisão relativa à matéria de facto, e além do mais, o que ora se transcreve: “Conforme melhor resulta destes autos, a Autora juntou aos mesmos vários relatórios médicos que obteve a título particular (a seu pedido e vontade) que chegam mesmo a entrar em contradição entre si, bastando para o efeito atentar em cada um deles e em todos no seu conjunto.... (vide Docs. 4, 5, 6 da P.I. e Relatório médico Pericial, datado de 26/07/2018, da autoria da Senhora Prof. Doutora BB). Relatórios esses que, inclusivamente, aludem a queixas e sequelas que nada têm de real, considerando aquelas que efetivamente advieram para Autora, deste acidente, se confrontarmos até, desde logo, para o episódio de urgência daquela primeira unidade hospitalar onde foi assistida (Hospital de S. João no Porto) e teve alta passado algumas horas. Corroborado, este último, aliás, pelo exame pericial realizado pelo INML, datado de 04/06/2018 e respetivos esclarecimentos escritos, prestados ao mesmo em 23/10/2018, pela Senhora Perita médico-legal Dra. CC, que o subscreveu. Donde resulta de forma clara e evidente, sem qualquer margem para dúvidas, que o défice funcional permanente da integridade físico psíquica foi fixado em 6 pontos e o quantum doloris foi fixável em 4/7. Não apresentando esta Autora, felizmente, qualquer dano estético. Por isso, não conseguimos, de todo, alcançar o resultado da segunda perícia realizada à Autora em 01/04/2022, ao fixar-lhe um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 16 pontos, ao arrepio da realidade dos factos! E mais ainda, quando o Tribunal “a quo” a valorizou apenas e tão só, ignorando, por completo, outros mais elementos que a contrariam em toda a sua linha, inclusivamente, a primeira perícia médico-legal e o relatório médico pericial da autoria da Senhora Prof. Doutora BB, datado de 26/07/2018, que a Autora/Recorrida obteve a título particular e de onde se extrai expressamente deste último, na sua pág. 6 que: “f) ... no caso da coluna cervical, há que se ter em conta a existência de patologia prévia”, a qual é de carácter degenerativo, como aí se refere. Referindo, ainda, esse mesmo relatório, e nessa mesma página, que “Apesar de ter resultado uma reação ansiosa e depressiva relacionada com a vivência do acidente, como referido por psiquiatria, optou-se por não se considerar este dano como permanente, uma vez que a Examinada não seguiu acompanhamento médico, nem aceitou fazer medicação na sequência desta perturbação.” No que diz respeito à afetação vestibular, também não será de aceitar. Tal afetação, pode desencadear sintomas como tonturas, zumbidos, vertigens e mal-estar, cuja causa aqui, ao contrário do que se impunha, não foi determinada (e seria essencial para aferirmos se a mesma decorre em consequência do acidente dos autos, porque só essa tem relevância para o caso e não outras), mas que, apesar disso, a segunda perícia médico-legal, sem qualquer fundamento que o justifique, imputa-lhe de nexo de causalidade. Quando bem sabemos, que em relação às vertigens, elas podem ter associadas as mais variadíssimas causas, como por exemplo, doenças autoimunes do ouvido, doença de Menière, toma de determinados medicamentos ou toma de medicamentos em excesso, sendo muitas vezes associadas até, a causas indeterminadas, obscuras ou não esclarecidas. No entanto, é por demais evidente que aqui nada foi apurado em concreto, nem mesmo qualquer possível repercussão que as mesmas causassem na autonomia pessoal, social e profissional da Autora, para que pudessem ser atendidas. E tanto assim é, que nenhuma das outras avaliações periciais (com exceção da última, mas sem qualquer fundamento que a sustente) as tivesse valorizado! Ora, se essas vertigens e causa fossem, assim, tão evidentes e as mesmas fossem consequência do acidente discutido nos autos, certamente que teriam sido valorizadas ao longo de todos estes anos e não foram, como a Recorrida bem sabe! Não existindo nos autos, sequer, quaisquer elementos clínicos que confirmem crises vertiginosas para que as mesmas tivessem sido valorizadas em sede de segunda perícia!
O mesmo se diga, em relação à perturbação de stress pós- traumático, uma vez que, na situação em apreço, temos elementos que nos permitem dizer com segurança, que não ocorreu traumatismo crânio-encefálico, nem qualquer sequela neurológica. Apenas temos algumas queixas esporádicas, que são absolutamente normais, as quais nunca tiveram acompanhamento médico, nem a Autora aceitou fazer qualquer tipo de medicação! Sendo inclusivamente muito estranho que, se essas queixas fossem persistentes, a Autora não cuidasse de as tratar, quer através de consultas da especialidade, quer através naturalmente, da toma de medicação prescrita por essa mesma especialidade, em devido tempo, como seria razoável, sendo a mesma médica!
Não existindo, no caso sub judice, objeto nem substância para que fosse sequer pedida análise por psiquiatria forense, como resulta dos autos. E se tornou ainda mais evidente com a falta de esclarecimentos prestados pelo Senhor Perito médico-legal que, apesar de requeridos e ouvido em audiência de discussão e julgamento, não apresentou qualquer argumento válido que justificasse o resultado da perícia por si realizada. Como tal, dúvidas não restam que a Autora não apresenta nenhum quadro com sequelas de stress pós-traumático, para que essa perturbação fosse só agora inexplicavelmente valorizada. Não se percebendo, também, a que título é que, na segunda perícia médico-legal, foi fixado um grau de 1 numa escala de 7 para repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, quando ela aqui não existe, nem seria plausível atentos os 82 anos de idade da Autora, nem esta, sequer, a alegou ou provou!
Por conseguinte, não conseguimos, em bom abono da verdade, perceber qual o esforço de raciocínio efetuado pelo Tribunal “a quo” para apenas atender aos ditos 16 pontos, quando temos, pelo menos, três perícias efetuadas à Autora/Recorrida (uma a título particular e duas pelo INML), em que, inclusivamente, todas divergem de forma tão profunda, no que concerne ao DFP fixado à Examinada. E quando, além de tudo o resto, não existem aqui, elementos concretos e inequívocos que possam de alguma forma, por mais ténue que seja, sustentar essa divergência em que veio a redundar o resultado da segunda perícia médico-legal!
Nessa medida, no nosso muito modesto entendimento, deverão os pontos kk), ll), mm), pp), eee) dos factos provados na sentença recorrida, serem considerados como não provados, uma vez que a Autora não ficou com sequelas de qualquer perturbação de stress pós-traumático, como se torna evidente. Por tudo isto, entendemos, salvo o devido respeito, que muito mal andou o Tribunal recorrido, ao considerar apenas e tão somente, os 16 pontos de incapacidade, ao invés dos 6 pontos fixados na primeira perícia médico-legal. Certo é que, não obstante isso, a MMa Juíza considerou, ainda que indevidamente, esses 16 pontos na quantificação do dano patrimonial decorrente da incapacidade, atendendo unicamente à segunda perícia realizada e olvidando tudo quanto tinha sido feito até aí ao longo de cerca de 7 anos. Assim, pensamos que em relação ao ponto ggg) dos factos provados, o mesmo deveria ser substituído por outro, que contemplasse o DFP fixado na primeira perícia médico-legal[8], por o mesmo ser mais condizente com a realidade dos factos, se assim nos é permitido dizer”.
E, tendo a recorrente dito no corpo das suas alegações o que acabámos de transcrever, disse (ou, talvez melhor, não disse) nas conclusões das mesmas o que, dito ou omitido, se conclui da sua leitura. E a questão coloca-se: impugnou a recorrente (validamente) a decisão relativa às matéria de facto, e, a ser assim, relativamente a que concreta factualidade?

O artigo 635, n.º 4 do CPC delimita o âmbito do recurso. Efetivamente, e tal como refere Miguel Teixeira de Sousa[9]“A delimitação do âmbito do recurso é feita pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 635.º, n.º 4), não podendo, aliás, o tribunal de recurso conhecer de matéria não incluída nas conclusões. Portanto, é pelas conclusões das alegações que se determina o quantum do efeito devolutivo do recurso, naturalmente dentro da competência decisória do tribunal ad quem: a este tribunal é devolvido para apreciação o que constar daquelas conclusões”.

Ora, da leitura das conclusões apresentadas pela apelante parece-nos não ser possível a conclusão de ter sido impugnada a decisão relativa à matéria de facto, relativamente a qualquer um dos pontos dados como provados ou como não provados que, em rigor, não são concretizados nas referidas conclusões.

Pode dizer-se, ainda que numa interpretação benévola da conclusão n.º 29 [“E na sua falta ou escassez, para atribuir uma justa compensação, o tribunal deveria ter considerado o padrão médio de um homem de 82 anos de idade, que sofre de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos percentuais, de acordo com a prudência e as regras da experiência comum, o que entende a recorrente não se ter verificado] que, entendendo a apelante ser de 6% o défice funcional de que padece a autora, estará a impugnar o facto provado ggg), onde, expressamente, o tribunal recorrido fixou esse défice em 16%[10].

No enquadramento acabado de referir, tendo em conta que as exigências a quem impugna a decisão relativa à matéria de facto não devem suplantar o dever de apurar, tanto quanto tal se revele viável, a verdade que dos autos transpareça e, por outro lado, porque a sustentação (mesmo em sede conclusiva) de um défice funcional concreto (de 6%) questiona um concreto facto dado dado como provado (na alínea ggg dos factos provados), entendemos que os mesmo se mostra impugnado, sendo que tal impugnação e a resposta pretendida pela apelante se mostra fundada no relatório, também junto aos autos, elaborado a 4.06.2018.

Em conformidade, e nesta sede, a questão de facto, a reapreciação do facto antes identificado, recoloca-se na reapreciação das perícias médicas, sabendo-se que o tribunal recorrido acolheu[11] o entendimento da segunda perícia (determinada pelo Tribunal da Relação do Porto) que atribuiu à recorrida um défice funcional de 16%.

Deixemos, portanto, a nossa reapreciação.

A autora foi submetida a três perícias médicas de avaliação do dano corporal. Uma primeira, à qual a apelante dá especial relevo e acolhe em abono do seu entendimento, atribuiu-lhe um défice funcional de 6 pontos [2% por Md 801 e 4% por Md 902 – 5,92%].

A segunda perícia que foi junta aos autos pela recorrida, não foi realizada através do IML, mas pela Sra. Professora Doutora BB e atribui à autora um défice funcional de 12 pontos [Cervicalgia – MF 1502 – 3%; Sequela de fratura dorsal – Md 0903 – 6%; Trauma cervical – Sb 0303 – 3%]. Diga-se, de imediato e relativamente a esta segunda perícia que, além da sua natureza “particular” a mesma revela dois pormenores que consideramos relevantes para que não seja levada na mesma conta que as restantes: por um lado atribuiu a cada lesão/sequela, mas a todas elas, a incapacidade máxima prevista na tabela, não obstante esta preveja coeficientes variáveis (3% na variação 1/3, 6% na variação 3/6 e 3% na variação 1/3) e sem qualquer justificação complementar para essa opção. Por outro lado, soma os diversos défices parcelares sem ponderar a capacidade restante.

Por último, a terceira perícia, em rigor, a segunda perícia determinada pelo tribunal, atribui à recorrida um défice funcional total de 16%. Esta perícia atribui-lhe um défice de 1% pelo agravamento da artrose prévia ao traumatismo (III,F,15. Mf 1502), numa variação da tabela em 1/3; 3% pelas dores frequentes na coluna torácica, com limitação funcional clinicamente objetivável e a implicar terapêutica ocasional (III, D, 9, Md 0903) numa variação da tabela em 3/6; 7% por perturbação de stress pós-traumático com ligeira repercussão (I, B, 10, Nb 1003) numa variação da tabela de 4/10 e 6% pela afetação vestibular unilateral (II, IIB, Sb 0302), numa variação da tabela de 4/10[12].

A discordância da apelante assenta essencialmente na primazia que dá ao primeiro relatório pericial e na circunstância de o tribunal recorrido não ter ponderado objetivamente a idade da recorrida e o défice funcional que, independentemente do acidente, mas até em razão da idade, a autora já apresentaria.

Diga-se, no entanto, que não acompanhamos tal entendimento. Em primeiro lugar, é inequívoco que, na comparação entre as perícias realizadas pelo IML, apenas a segunda ponderou as sequelas detetadas e avaliadas ao nível da psiquiatria e a da ORL, sendo certo que as mesmas se mostram devidamente fundamentadas e a respetiva percentagem incapacitante não nos suscita qualquer reparo, já que foram encontradas por especialistas das respetivas áreas e denotam um juízo científico que, no caso, sequer nos compete questionar. Note-se, ainda assim, que nas demais sequelas, estas avaliadas também no primeiro relatório, a segunda perícia até atribui coeficientes de incapacidade inferiores.

Por outro lado, qualquer patologia anterior ao acidente ou mesmo a predisposição orgânica que a idade poderá justificar, não são razões para uma diminuição da valoração do défice, pois sempre está em causa a pessoa concretamente examinada. Se, em hipótese, é admissível que um corpo/mente de vinte anos possa sofrer menos sequelas, perante um acidente idêntico, que um outro com setenta e cinco ou oitenta anos, é sempre a concreta pessoa que é – e foi – cientificamente avaliada.

Em suma, a avaliação resultante da segunda perícia mostra-se fundamentada e mais completa do que a primeiramente realizada. A opção do tribunal recorrido pelas suas conclusões, mostra-se, também na nossa apreciação, pertinente e adequada.

Assim, e em conformidade, há que manter o facto provado ggg), ou seja, que é de 16 pontos o défice funcional da recorrida.

Mantida a factualidade, provada e não provada, que o tribunal recorrido considerou, passamos a transcrevê-la:
Factos provados
a) No dia 17.12.2015, pelas 16H30, na autoestrada A20, ao km ..., em ..., Vila Nova de Gaia, ocorreu um acidente de viação.
b) Nele foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de marca Audi, modelo ..., de matrícula ..-..-SJ, conduzido pelo seu proprietário DD e o veículo ligeiro de passageiros de marca Honda, modelo ..., de matrícula ..-OV-.., propriedade de “B... Unipessoal, Lda.”, conduzido pela autora.
c) No momento que precedeu o acidente, o veículo OV circulava na A20, pelo corredor de circulação mais à direita, atento o sentido de marcha norte-sul, a uma velocidade não superior a 80 km/hora.
d) Atento esse sentido de marcha, a sobredita autoestrada descreve-se em reta, em patamar e de piso betuminoso em bom estado de conservação.
e) No local onde ocorreu o sinistro, a sobredita autoestrada tinha cerca de 12,00 metros de largura, sendo composta por duas hemifaixas de rodagem com cerca de 3,50 metros de largura cada, ambas reservadas ao sentido de marcha norte-sul.
f) A via encontrava-se delimitada ao centro por uma linha longitudinal descontínua.
g) O estado do tempo era bom e o piso encontrava-se seco.
h) Imediatamente atrás do veículo OV e pelo mesmo corredor de circulação, circulava o veículo SJ, a uma velocidade não inferior a 120 km/hora.
i) Atenta a diferença de velocidades, o SJ aproximou-se rapidamente da traseira do OV e, numa manobra praticamente contínua, resolve efetuar uma ultrapassagem ao veículo de matrícula OV, aproximando-se rapidamente do eixo médio da faixa de rodagem, quando se apercebe que não a poderia concretizar já que circulava um outro veículo pelo corredor de circulação mais à esquerda.
j) Imediatamente aciona o sistema de travagem do seu veículo.
k) Como já se encontrava muito próximo da traseira do veículo de matrícula OV, o condutor do SJ não conseguiu evitar o embate violento entre a frente do seu veículo e a traseira esquerda do veículo de matrícula OV.
l) Compelidos pela violência do embate, ambos os veículos capotaram.
m) O veículo OV apenas se conseguiu imobilizar a cerca de 45 metros do local provável do embate, dentro da berma direita, atento o seu sentido de marcha, não sem antes ter ido ao talude de terra que ladeia a estrada.
n) Por sua vez, o veículo SJ veio a imobilizar-se a cerca de 100 metros do local provável de embate, também dentro da berma direita, mas com as rodas viradas para o ar.
o) À data referida em a), o proprietário do veículo de matrícula SJ, através da celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel titulado pela apólice n.º ...42, havia transferido para a ré a responsabilidade civil emergente da circulação do referido veículo, encontrando-se tal contrato, naquela data, válido e eficaz.
p) Imediatamente após o embate a autora estava politraumatizada e queixava-se de fortes dores na cervical, ao nível torácico e, bem assim, na sua cabeça.
q) Atenta a gravidade da situação, foram acionados os meios técnicos de socorro.
r) Após a sua chegada, os bombeiros prestaram os primeiros cuidados médicos à autora, tendo a mesma sido imobilizada em plano duro e com colar cervical.
s) Seguidamente transportaram-na para a urgência do Hospital de S. João, local onde lhe foram ministrados os cuidados médicos, hospitalares e medicamentosos que a situação impunha.
t) No serviço de urgência desse hospital realizou diversos exames radiográficos, tendo-lhe sido diagnosticadas cervicalgia e dorsalgia.
u) Como as queixas da coluna vertebral e dorsal se mantinham e como apresentava síndrome vertiginoso consecutivo à contusão cervical, foram realizados diversos exames imagiológicos no serviço de urgência daquela unidade hospitalar, os quais não foram conclusivos em relação a qualquer fratura.
v) Como as dores não atenuavam a autora veio a ser internada na Venerável Ordem ... para tratamento antiálgico tendo ficado internada entre os dias 18 a 24 de dezembro de 2015.
w) À data da alta a autora apresentava ainda queixas de dores dorsais, mantendo síndrome vertiginoso.
x) Em ambulatório e dada a permanência de queixas referidas ao nível de D7, foi solicitada a realização de uma Tomografia Axial Computorizada, a qual foi realizada no dia 7.1.2016 e que revelou fratura de D7.
y) Em face da constatação dessa lesão a autora realizou tratamento conservador.
z) A autora teve necessidade de se sujeitar a tratamentos fisiátricos.
aa) A autora esteve totalmente incapacitada de trabalhar até ao dia 28 de março de 2016.
bb) A autora manteve, após alta, dor residual na coluna dorsal e restrição esquerda das mobilidades cervicais.
cc) A autora mantém indicação para tratamento fisiátrico de forma descontinuada.
dd) As sequelas de natureza ortopédica impediram a autora, até 28 de março de 2016, de realizar os normais decúbitos e algumas atividades da vida diária.
ee) E deram causa a dores e dificuldades na realização de movimentos nomeadamente ao nível do pescoço e da cervical.
ff) A autora teve e tem necessidade de manter tratamentos fisiátricos, que já efetuava em data prévia ao acidente, quer seja no sentido de aliviar alguns picos de dor e de limitação funcional que vai padecendo com alguma regularidade, quer para evitar a evolução das sequelas que ficou a padecer.
gg) Durante o percurso de capotamento do veículo em que seguia, o corpo da autora foi projetado para trás e para a frente e, bem assim, para a direita e para a esquerda.
hh) Nesse hiato de tempo a autora temeu a morte.
ii) Desde essa altura que a autora tem recorrentemente dores cervicais.
jj) As quais a limitam na sua autonomia.
kk) A autora ficou afetada com um sentimento de medo generalizado que a limita na sua vida habitual.
ll) A autora apresenta humor depressivo e ansiedade.
mm) A autora fez uma reação ansiosa e depressiva a esta situação vivencial, com repercussões ligeiras na autonomia pessoal, social e profissional.
nn) A autora faz medicação ansiolítica.
oo) A autora não tinha qualquer antecedente de natureza psiquiátrica.
pp) A autora padece igualmente de stress pós-traumático.
qq) A autora ganhou receio a andar de veículo.
rr) A autora mantém algumas limitações na movimentação da cervical e já não aguenta uma jornada normal de trabalho como acontecia habitualmente, antes do acidente.
ss) A autora, por efeito das limitações e dores, deixou de pegar em pesos.
tt) A autora, teve necessidade de se encontrar imobilizada nos primeiros dias subsequentes ao acidente.
uu) E nesse período esteve dependente da ajuda de terceira pessoa, quer para se deslocar, quer para realizar as demais atividades da vida diária, como sejam, lavar-se, vestir-se, alimentar-se e tratar da sua higiene pessoal.
vv) Durante o resto do período em que a autora esteve impossibilitada de trabalhar, esta continuou a precisar de ajuda de terceira pessoa, embora não de forma permanente.
ww) Essa ajuda foi prestada pelo seu marido, o qual se encontra reformado, e por uma empregada doméstica.
xx) A autora realizou fisioterapia, tendo cumprido os tratamentos médicos, medicamentosos e fisiátricos que lhe foram receitados pelos seus médicos assistentes.
yy) A autora na presente data apresenta, como sequelas, cervicalgia e perturbações persistentes de humor, com ligeira repercussão na autonomia pessoal, social e profissional.
zz) Para alívio das dores a autora necessita de medicação analgésica.
aaa) Desde a data do acidente a autora viu-se obrigada a mudar o seu modo de vida e a sua rotina diária.
bbb) A autora deixou de poder carregar compras.
ccc) A autora temeu pela sua integridade física.
ddd) A autora passou a sofrer de irritabilidade fácil e a ter períodos de irascibilidade.
eee) A autora mantém acompanhamento psiquiátrico até à presente data.
fff) As dores de que padeceu e padece quantificam-se num grau 4 numa escala de 7.
ggg) Com as sequelas de que ficou a padecer, a autora apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (DFP) fixado em 16 pontos de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades para o Direito Civil
hhh) A autora nasceu em 30.10.1940, pelo que tinha 75 anos quando sofreu o acidente.
iii) A autora encontra-se aposentada do serviço público, auferindo, em abril de 2019, uma pensão mensal líquida no valor de 1.812,20€.
jjj) A autora era (como é) médica, com a especialidade de dermatologia venereologia e clínica geral, tendo auferido, nos anos de 2013 e 2014 uma retribuição mensal ilíquida, na sua atividade privada, de aproximadamente 5.000,00€.
kkk) A autora esteve impedida de realizar a sua atividade profissional durante 103 dias, tendo sofrido uma quebra de rendimento pelo período em causa.
lll) A autora suportou despesas médicas e medicamentosas que têm vindo a ser por si suportadas e que ascendiam, à data de propositura da ação, a 628,94€.
mmm) A autora pagou 55,00€ para obtenção de uma certidão permanente da empresa “B..., Lda.” e 56,00€ para obter a certidão da participação policial do acidente em discussão - vide documentos 44 e 45.

Factos não provados
1) No serviço de urgência foi diagnosticado à autora traumatismo crânio-encefálico, bem como múltiplos hematomas.
2) A autora, com o violento embate, sofreu uma lesão ao nível dos tecidos moles da cervical provocada pelo mencionado movimento brusco decorrente do embate, atenta a carga tensão- extensão aplicada na sua coluna cervical, originando um traumatismo vertebro-medular.
3) Imediatamente após o embate a autora começou a sentir perda de sensibilidade, acompanhada de formigueiro, quer nos membros inferiores quer nos superiores.
4) Em consequência do movimento brusco a autora viu ficar substancialmente agravado um problema já pré-existente no seu ombro direito.
5) Durante a realização de alguns dos exames complementares de diagnóstico, a autora teve de ser sedada em face das crises de pânico de que padeceu.
6) A autora tem habitualmente flashes repentinos onde se vê dentro de um veículo a capotar.
7) A autora terá de ser sujeita a novas terapêuticas médicas e medicamentosas, como já lhe foi referido por diversas vezes pelos seus médicos assistentes.
8) A autora tem períodos regulares de falta de força e de dores intensas,
9) Sendo as dores normalmente acompanhadas por parestesias nos membros superiores
10) As dores intensas são uma constante desde o acidente, não passando um único dia sem que a autora as sinta.
11) Como sequelas do acidente a autora apresenta dorsalgia.
12) O quadro doloroso agrava-se consideravelmente com as alterações climatéricas, com marcha prolongada ou com o mínimo esforço na coluna.
13) A autora sofre acentuadas limitações físicas e tem um quadro regular e persistente de dor e constrangimentos físicos
14) A mudança imposta no modo de vida e na sua rotina diária, afetam muito a autora, quer ao nível físico e psíquico, quer ao nível da sua autoestima.
15)A autora, que era uma pessoa alegre, bem-disposta, extrovertida e com facilidade para as relações sociais, após o acidente, passou a ser uma pessoa triste, de difícil contacto, desconcentrada e ansiosa.
16) A autora não consegue pôr a roupa a secar ou olhar para trás rodando o pescoço.
17) Suportou um choque e abalo quando tomou consciência das alterações que a sua vida sofreu.
18) Para além do referido em hhh) a autora sofreu uma quebra de faturação nunca inferior a 50% durante cerca de 3/4 meses, a qual só começou a ser atenuada com o retomar regular da sua atividade profissional.
19) Em despesas com deslocações em viatura própria para consultas e tratamentos médicos/fisiátricos, portagens e parques de estacionamento, a aqui Autora gastou, no mínimo a quantia global de 254,05€ (duzentos e cinquenta e quatro euros e cinco cêntimos), considerando que terá percorrido no mínimo 500 quilómetros – considerando que a autora vive no Porto e que grande parte dos tratamentos e consultas foram realizados na cidade de Espinho

III.II – Fundamentação de Direito
Pretende a recorrente a alteração do decidido, em três aspetos que identifica: a) Entende que nenhum valor é devido a título de dano patrimonial pelo período de incapacidade temporária absoluta; b) considera que, a título de reparação do dano biológico não é devido valor que ultrapasse os 20.000,00€ e, por último, c) sustenta que a compensação por danos não patrimoniais não deve ser superior a 10.000,00€.

Vejamos cada uma das discordâncias da ré, realçando que, no mais, a recorrente aceita a sua responsabilidade, em razão do seguro celebrado, pelos danos na pessoa da autora, decorrentes do acidente.

Relativamente à indemnização pelo dano patrimonial correspondente ao período de incapacidade absoluta, entendeu o tribunal recorrido o que transcrevemos, com síntese e sublinhados nossos: “(...) a autora esteve impedida de realizar a sua atividade profissional por um período de 103 dias, sendo médica e tendo auferido, nos anos de 2013 e 2014, uma retribuição média mensal de aproximadamente 5.000,00€ - valor ilíquido -, no exercício da sua atividade privada, tendo sofrido uma quebra de rendimento no período em que esteve incapacitada. A autora encontra-se aposentada da sua atividade no sector público. (...) A autora não juntou as suas declarações de IRS, únicas que sustentariam a efetiva quebra de rendimento mensal, optando por documentar o seu pedido com base nas declarações de IRC da empresa de que é sócia e para a qual prestará serviços, o que não constitui elemento probatório sólido demonstrativo da perda de rendimento. Porém, sendo a autora reformada e dependendo da sua saúde e capacidade física os valores mensais auferidos por decorrência do exercício liberal da profissão, que mantém até aos dias de hoje, não temos dúvidas em reconhecer que, no período em que a autora esteve totalmente incapacitada, a mesma não pôde auferir qualquer rendimento a esse título, dependendo a obtenção de rendimentos da prática efetiva da atividade clínica. Dado que auferia uma média mensal de 5.000,00€ nos anos que precederam o acidente, teremos esse valor como referência (...) sofreu uma incapacidade temporária profissional total de 103 dias, auferindo um valor mensal médio de 5.000,00€ ilíquido, tal corresponderia a um salário líquido médio mensal de 3.000,00€. Isto porque o valor auferido anualmente situar-se-ia em 60.000,00€, taxado a 45% no ano de 2016, pelo que do valor global de 33.000,00€, correspondente ao salário médio anual líquido, temos um valor médio mensal de 2.750,00€ - aqui definido por referência a 12 meses, já que a autora era prestadora de serviços e profissional liberal. Tal quantia é arredondada tendo em conta a previsível redução da carga fiscal, por os seus rendimentos serem auferidos com intermediação de uma empresa por si constituída. Concluímos, assim, com recurso aos dados documentais fornecidos e colmatados com elementos de conhecimento público, que a autora sofreu uma perda média diária de 100,00 (3.000,00€:30), o que corresponde a uma perda de rendimento de 10.300,00€ (...)”.

Vejamos. Como decorre do sentenciado e antes transcrito, o tribunal recorrido atribuiu à autora uma indemnização pelo período de ITA no montante diário de 100,00€, em cada um dos 103 dias (contínuos) correspondentes àquele período. Decidiu esta atribuição, não obstante considerar que, no ano e ocasião do acidente a autora “prestará” serviços a uma empresa de que é sócia e não ter juntado as suas declarações de IRS, mas apenas as de IRC relativas a tal empresa. No fundo, o tribunal, perante o desconhecimento dos rendimentos, além da sua reforma, auferidos pela autora, ponderou rendimentos de anos anteriores (cerca de...), não desconhecendo, e até evidenciando, que a autora, no ano de 2015, se auferia rendimentos era através de uma sociedade. E, nesse circunstancialismo, desconhecendo a tributação a nível de IRS, o tribunal recorrido ponderou as taxas de IRS presumíveis para encontrar um valor que teve por adequado à indemnização da autora.

Note-se, antes de mais, e porque resulta dos autos, que a autora será sócia de, pelo menos, duas sociedades, porquanto o veículo em que circulava é propriedade de uma Unipessoal, Lda. com o seu nome e é outra a sociedade relativamente ao qual juntou declarações de IRC. Mas, objetiva e inequivocamente, não resulta dos autos que rendimentos pessoais a autora teve em 2015 ou no início de 2016, além, repete-se da sua reforma. Desconhece-se se a ou as sociedades da autora, em razão dos dias de incapacidade no final de 2015 ou dos primeiros meses de 2016 vieram a distribuir mais ou menos dividendos. Em suma, e é a própria sentença que o diz, a junção dos elementos de IRC “não constitui elemento probatório sólido demonstrativo da perda de rendimento”. Diríamos nós que, nem elemento probatório sólido, nem sequer início de prova, uma vez que não se referem à autora, mas a uma das sociedades.

Relativamente à pensão de aposentação, a autora continuou a recebê-la e, portanto, não pode ser indemnizada por qualquer perda de ganho pessoal.

Nesta parte, revela-se procedente o recurso.

Relativamente ao, assim considerado, dano biológico, a decisão da primeira instância atribuiu à recorrida o montante de 80.000,00€ com os fundamentos que, com síntese, transcrevemos e sublinhamos: “(...) a autora apresenta sequelas das lesões sofridas, que determinam um défice funcional (físico e psíquico) de 16 pontos. Este défice constitui causa de sofrimento físico, com limitações funcionais que, ainda que compatíveis com a atividade profissional, implicam esforços suplementares. A circunstância de a incapacidade de que ficou a padecer não implicar qualquer perda direta de ganho futuro, não retira efeito à circunstância de, em consequência das sequelas de que ficou a padecer, a autora ter que efetuar esforços suplementares, sendo certo que as limitações físicas de que padece se refletem na sua capacidade para prosseguir com a atividade clínica que, apesar dos seus atuais 82 anos, a autora continua a exercer. O coeficiente atribuído à autora teve em conta a afetação vestibular unilateral (causa de síndrome vertiginoso), a perturbação de stress pós traumático com ligeira repercussão, as dores frequentes ao nível da coluna, que implicam terapêutica ocasional e o agravamento de artrose prévia ao traumatismo. Tais fatores condicionam uma série de atividades para as quais a autora, antes do acidente, se encontrava apta e que, em consequência das lesões sofridas, deixou e deixará de poder – sem dor – continuar a realizar. A situação da autora é, assim, enquadrável no denominado dano biológico que, não constituindo uma repercussão negativa no salário ou na atividade profissional – por não se estar perante uma incapacidade para a sua atividade profissional concreta –, integra uma limitação funcional geral que terá implicações na facilidade e esforços exigíveis, o que corresponde a um dano futuro previsível, segundo o desenvolvimento natural da vida, em cuja qualidade se repercute. A quantificação do dano quando em causa esteja, como ora sucede, a ausência de repercussão efetiva na capacidade aquisitiva real, reclama uma apreciação casuística, com avaliação, à luz da equidade, da dimensão do sofrimento psicossomático que afeta a disponibilidade física da autora para fazer o que fazia antes, causando maior sofrimento ou sacrifício pessoal (...) A autora exercia (e exerce) a profissão de médica, com a especialidade de dermatologia, auferindo uma retribuição média mensal ilíquida de 5.000,00€. Desde o acidente tem recorrentemente dores cervicais que limitam a sua autonomia, ficou afetada com um sentimento de medo generalizado que a limita na sua vida habitual, apresenta humor depressivo e ansiedade. A Autora fez uma reação ansiosa e depressiva à situação vivencial, com repercussões ligeiras na autonomia pessoal, social e profissional. A autora faz medicação ansiolítica, padece igualmente de stress pós-traumático, ganhou receio a andar de veículo. A Autora mantém algumas limitações na movimentação da cervical e já não aguenta uma jornada normal de trabalho como acontecia habitualmente, antes do acidente e, por efeito das limitações e dores, deixou de pegar em pesos. apresenta, como sequelas, cervicalgia e perturbações persistentes de humor, com ligeira repercussão na autonomia pessoal, social e profissional. Para alívio das dores a autora necessita de medicação analgésica. Desde a data do acidente viu-se obrigada a mudar o seu modo de vida e a sua rotina diária, deixou de poder carregar compras. Passou a sofrer de irritabilidade fácil e a ter períodos de irascibilidade (...) será necessário recorrer à equidade e ponderar, por um lado, os reflexos que o défice funcional da autora tiveram na sua capacidade de trabalho até ao momento e, num esforço de prognose, antecipar qual será o período a considerar como limite etário para o prosseguimento pela autora do exercício ativo da sua profissão. Por outro lado, a idade da autora, não podendo constituir um critério de negação do seu direito a ser condignamente ressarcida, impõe que sejam sopesados outros fatores, como o sejam a normal diminuição das capacidades físicas e psíquicas em que se traduz o avançar da idade, numa fase em que a redução da capacidade para o exercício da profissão não pode ser atribuída apenas às lesões decorrentes do acidente. Cremos que a solução residirá em fixar os 90 anos como período limite para um exercício ativo da profissão – tendo em conta as características anímicas da autora e a concreta profissão que exerce (...) Usando como referência o salário médio da autora, com abatimento de cerca de 30%, para aproximação a um valor líquido, auferido 12 meses por ano (exercício liberal da profissão), o indicado limite de vida ativa por referência aos 90 anos, bem como os 16 pontos que afetam a sua capacidade funcional, sem perder de vista a relevante circunstância de este valor ser recebido de uma só vez e a dedução mencionada por decorrência de um conjunto de previsíveis fatores externos ao acidente poderem afetar a capacidade funcional da autora, sopesando igualmente a jurisprudência e as indemnizações arbitradas em situações lesivas similares (...) tendo em conta que a idade da autora, dadas as específicas circunstâncias da sua vida pessoal e profissional, não pode constituir um fator de negação da compensação que lhe é devida, consideramos ser equitativamente adequado fixar em 80.000,00€ (...)”.

Relativamente ao dano biológico, há que dizer que nenhuma censura merece o seu enquadramento dogmático enquanto dano (e citamos a sentença) “que, não constituindo uma repercussão negativa no salário ou na atividade profissional – por não se estar perante uma incapacidade para a sua atividade profissional concreta –, integra uma limitação funcional geral que terá implicações na facilidade e esforços exigíveis, o que corresponde a um dano futuro previsível, segundo o desenvolvimento natural da vida, em cuja qualidade se repercute”.

Como se deixou escrito no acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 24.09.2020[13], Armando Braga[14] refere o dano corporal ou dano biológico, que “conquista o direito à sua reparação como dano relevante que é, distinguindo-se quer dos danos morais, quer das consequências de caráter patrimonial” (...) Pode dizer-se, como Maria da Graça Trigo[15], que o dano biológico, “sendo um dano real ou dano-evento, não deve, em princípio, ser qualificado como dano patrimonial ou não patrimonial, mas antes como tendo consequências de um e/ou outro tipo; e também por isso, em nosso entender, o dano biológico não deve ser tido como um dano autónomo em relação à dicotomia danos patrimoniais/danos não patrimoniais”.”

Ainda a propósito do dano biológico, sumaria-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.04.2022 [Processo n.º 96/18.9T8PVZ.P1.S1, Relator, Conselheiro Fernando Baptista, dgsi] que “I. O dano biológico vem sendo entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais; é um prejuízo que se repercute nas potencialidades e qualidade de vida do lesado, suscetível de afetar o seu dia-a-dia nas vertentes laborais, sociais, sentimentais, sexuais, recreativas, determinando perda das faculdades físicas e/ou intelectuais em termos de futuro, perda essa eventualmente agravável em função da idade do lesado. II. Tal dano tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como pode ser compensado a título de dano moral. Depende da situação concreta sob análise, a qual terá de ser apreciada casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período ativo do lesado ou da sua vida, e por si só, uma perda da capacidade de ganho ou se se traduz, apenas, numa afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, sem prejuízo do natural agravamento inerente ao decorrer da idade. III. Não sendo possível determinar o valor exato deste dano, tal avaliação terá de ser efetuada recorrendo à equidade, nos termos do artigo 566 º n.º 3 do CC. Isto é, a equidade terá de ser sempre um elemento essencial no cálculo deste dano, independentemente de se considerar o dano biológico numa vertente meramente patrimonial, mais ou menos patrimonial ou até... como um tertium genus. IV. Na determinação do seu quantum indemnizatório, deve ter-se em consideração os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, face ao que dispõe o art. 8.º, n.º 3, do CC, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, sem se perder de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso concreto – não podendo, assim, o dano biológico ser indemnizado por obediência a tabelas rígidas, de forma que a uma mesma pontuação em pessoas de idade aproximada tenha de corresponder necessariamente a fixação do mesmo valor a ressarcir. V. Particularmente relevante é a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da atividade profissional habitual do lesado, assim como de atividades profissionais ou económicas alternativas (tendo em conta as qualificações e competências do lesado)”.

O tribunal recorrido atribuiu à recorrida, a título de dano biológico, a quantia de 80.000,00€, tendo ponderado, além do mais, 90 anos de idade como limite para o exercício da profissão, o salário médio em 12 meses, o abatimento de 30% e o défice funcional de 16%.

Ora, há que dizê-lo, o valor encontrado, ainda que com base na equidade, mostra-se claramente exagerado. Vejamos: Ao considerarmos, como na sentença, o valor médio líquido de 3.000,00€ mensais, 15 anos (90-75) de vida (propriamente dita ou profissional) e o défice funcional (0,16), e o abatimento de 30%, o valor encontrado seria de [(36.000 x 0,3 + 36.000) x 15 x 0,16] 60.480,00€.

No entanto, conforme referimos a propósito da indemnização relativa ao período de défice funcional temporário total, o valor retributivo antes referido não pode ser considerado. Se, na falta de outro valor fidedigno, considerarmos a pensão líquida anual auferida pela recorrida, encontraríamos o valor de [(55.370,89[16] x 0,3 + 25.370,80) x 15 x 0,16] 42.622,94€.

Sucede que não podemos considerar a idade de noventa anos como correspondente ao tempo de vida ou exercício profissional da recorrida, ou seja, não podemos considerar 15 anos (90-75) como esperança de vida, mas apenas a idade de 83 anos, como correspondente à esperança de vida média das mulheres portuguesas e, por isso, uma esperança de vida, entre aquela data e a do acidente, de oito anos. Efetivamente, nada permite hipostasiar uma esperança de vida diferente da que objetivamente é considerada para a generalidade das sinistradas, desde logo em razão da certeza jurídica exigível e da equidade perante quaisquer outros sinistros. Acresce que não resulta dos autos, nomeadamente dos relatórios periciais que a autora apresente qualquer particularidade que a distinga, em termos de esperança de vida, de qualquer outra cidadã com a sua idade. Diga-se, por último que só assim não seria, ou seja, só podia considerar-se uma idade ponderável diferente se esta fosse ponderada mensal ou anualmente, e para tanto haveria a autora de ter peticionado o pagamento de uma renda e não, como o fez, o pagamento de um valor unitário, global e imediatamente pago.

Assim, ponderando a esperança de vida de 8 anos e mesmo que se considere todo o rendimento líquido da pensão anual de aposentação, o valor corresponde seria de 22.732,23€ (42.622,94 x 8 /15).

Todas as operações aritméticas que antecedem não podem ignorar a dificuldade que constitui a atribuição de um montante compensatório que repare o dano biológico, sendo certo que tais dificuldades são acrescidas num caso como o presente em que a recorrida é uma pensionista que exerce atividade médica através de uma ou mais sociedades e em que se desconhece os resultados destas que, eventualmente, hajam sido distribuídos pelos sócios, antes de sobre os mesmos incidir IRS.

As ditas operações aritméticas, no entanto, pretendem evidenciar quanto excessiva se mostra, em nosso entender e respeitando opinião contrária, o valor atribuído em sede de compensação do dano biológico, ainda que fosse inequívoca a afetação da atividade que a recorrida continua a exercer. Note-se, no entanto, que, sobre este aspeto, apenas resulta dos factos dados como provados o constante da alínea rr (“A autora mantém algumas limitações na movimentação da cervical e já não aguenta uma jornada normal de trabalho como acontecia habitualmente, antes do acidente), sem definição do que exatamente seja a sua “jornada normal” de trabalho e referindo-se apenas “algumas limitações”.

Sem embargo, resulta também dos autos que a autora tem repercussão nas atividades desportivas e de lazer no grau 1/7 e que o défice funcional tem reflexo na sua vida pessoal e social.

Tudo visto, não ignorando aquelas (“algumas”) limitações e as dificuldades vivenciais, ponderando a referida esperança de vida, entendemos que a reparação do dano biológico se mostra equitativamente adequado com a fixação do correspondente montante em 25.000,00€.

Quanto aos danos não patrimoniais, por fim, foi a compensação dos mesmos fixada em 30.000,00€. A propósito, a primeira instância deixou dito o que, com síntese, se transcreve e sublinha: “(...) sofreu dores intensas aquando do acidente e no período de tratamento, sendo que as dores cervicais persistem, com limitações em relação ao transporte de pesos, passou a ter receio de conduzir, sofre de stress pós-traumático, alterações de humor e irritabilidade fácil, tendo passado a usar medicação ansiolítica. Para além do que resulta provado em relação a sofrimento físico, imobilização, medos e limitações, importa ter em conta, como fator particularmente relevante, que a autora vivenciou uma experiência traumática, tendo sido embatida violentamente, de forma inesperada, com subsequente capotamento do veículo, que se veio a imobilizar a 45 metros do local do embate, tendo atingido o talude que ladeia a estrada. A idade da autora à data do acidente e a particular consciência que esta traz em relação à própria fragilidade, permite com facilidade compreender o temor que terá sentido de perder a vida naquele acidente, vivenciando o que se antecipa ser um estado de terror no período que perdurou até à imobilização do veículo. Sendo o parâmetro ou critério normal para aferir a dimensão da dor física a extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico, haverá que reconhecer a presença, no caso concreto, de um dano não patrimonial digno de tutela compensatória - o relatório pericial fixou o quantum doloris no grau 4, numa escala de 1 a 7, o que revela a indiscutível relevância da dor sofrida. Já o dano estético foi fixado no grau 1 de 7. (...) Atendendo aos critérios oferecidos pelo art. 494, que são o grau de culpabilidade do agente responsável pelo acidente - culpa efetiva -, a situação económica dos envolvidos, a idade da autora e o facto de ter ficado a padecer de diversas sequelas, a incidência das lesões, o medo intenso que se antevê ter sido sofrido pela natureza do acidente, afetando a vida futura da autora em relação à sua confiança na condução de veículos, bem como dada a intensidade das dores sofridas, tudo apreciado em concreto, oferece-se como equitativamente justa a compensação peticionada de 30.000,00€ (...)”.

Relativamente aos danos não patrimoniais, teremos em conta a factualidade que resulta da sentença, atendendo especialmente ao stress pós-traumático de que padece a autora, aos sofrimentos físicos e psicológicos, aquando do acidente, posteriormente a este e perante a imagem deste, que se mantém na perceção da recorrida. A vivência de uma experiência traumática prolonga-se no tempo e acarreta lembranças com afetação psíquica e sofrimento que só vem sendo debelado, pelo menos ocasionalmente, através de medicação. Importa ter presente, por outro lado, que a autora em nada contribuiu para o sinistro, apenas o tendo sofrido. Ainda assim, não pode, mesmo nesta sede, ignorar-se a idade da autora, pois se a mesma fosse muito inferior, objetivamente, o tempo de sofrimento havia de ser, numa ponderação racional, de outra e maior dimensão.

Tudo ponderando, entendemos adequado o montante de 20.000,00€, a título de danos não patrimoniais.

Os juros, tal como também se decidiu na sentença, são devidos desde a presente data.

A sentença deve ser revogada, em conformidade ao decidido.

As custas, do recurso e da ação, são devidas na exata proporção do vencimento e decaimento das partes.

IV – Dispositivo
Pelo exposto, acorda-se na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar o presente recurso parcialmente procedente e, em conformidade, revogando a sentença apelada e, no mais, absolvendo a recorrente, condena-se esta, A..., SA no pagamento à recorrida, AA: 1 – da quantia de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros) a título de compensação pelo dano biológico, acrescida de juros à taxa legal desde a presente data até efetivo e integral pagamento; 2 – da quantia de 20.000,00€ (vinte mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal desde a presente data até efetivo e integral pagamento.

Custas da ação e do recurso por recorrente e recorrida na proporção do respetivo vencimento e decaimento.

Porto, 8.05.2023
José Eusébio Almeida
Carlos Gil
Mendes Coelho
__________________
[1] Onde mantemos os sublinhados e negritos da apelante.
[2] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição Atualizada, Almedina, 2022, pág. 333.
[3] Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2015, pág. 162.
[4] Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 3.ª Edição, Almedina, 2022, pág. 577 [“Foi, assim, arredada a conceção segundo a qual a atividade cognitiva da Relação se deveria confinar, tão-somente, a um mero controlo formal da motivação/fundamentação efetuada em 1.ª instância. Porque necessariamente gravados os depoimentos prestados na audiência final (artº 155º), bem como (gravados e/ou registados os prestados antecipadamente ou por carta – artº 422º n.º 1 e 2), pode a Relação reapreciar e ponderar a prova produzida sobre a qual haja assentado a decisão impugnada, atendendo aos elementos indicados, em ordem a formar a sua própria e autónoma convicção sobre o material fáctico (resultado probatório processualmente adquirido”].
[5] Sublinhados nossos.
[6] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição... cit., pág. 201.
[7] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição, Almedina, 2022, pág. 831, anotação 2.
[8] Sublinhados nossos.
[9] João de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume II, AAFDL Editora, Lisboa, 2022, pág. 136.
[10] Fundamentando tal fixação, acrescente-se: “O essencial da convicção do tribunal referente às lesões, sequelas, dimensão das dores e grau de incapacidade – alíneas cc) a ff), ii) a pp), rr) a uu), xx) a zz), bbb), fff) a ggg) e kkk), este no que respeita ao período de incapacidade total para o exercício da profissão - , tiveram por base os relatórios da especialidade de psiquiatria (stress pós-traumático) e otorrinolaringologia (síndrome vertiginoso), bem como, na globalidade, o relatório final da segunda perícia, junto aos autos em 13.04.2022, que abarcou todos os elementos clínicos reunidos nos autos e os analisou criticamente, tendo já em conta os relatórios de especialidade entretanto juntos, merecendo credibilidade, que foi fortalecida pelos depoimentos dos peritos da especialidade em sede de julgamento, que explicaram, no caso da perita de otorrinolaringologia, a relação entre a pancada sofrida, o défice auditivo e o síndrome vertiginoso de que padece a autora e, no caso do perito de psiquiatria, a relação entre o evento traumático e os sintomas de ansiedade e depressão (não permanentes), referindo que, contrariamente ao que sucede com os sintomas de ansiedade ou depressivos, o distúrbio de stress pós traumático é de natureza permanente”.
[11] Cfr. nota anterior.
[12] As duas últimas sequelas consideradas resultam das perícias complementares de psiquiatria (datada de 29.12.2021) e de otorrinolaringologia – ORL (datada de 24.09.2020), estando corretamente descritas no relatório final (fls. 287 do processo eletrónico – p.e.). Observámos, no entanto, que no quadro constante do mesmo relatório, a fls. 290 do p.e., há lapso na identificação do código da tabela no que se refere à afetação vestibular unilateral e troca de percentagem entre esta sequela e a perturbação de stress pós-traumático. Sem embargo, a aludida troca não afeta o valor final do défice funcional, uma vez que, ponderando a capacidade restante, como foi feito, é irrelevante a troca dos fatores [(0,06 x 1) + (0,07 x 0,94) - : (0,07 x 1) + 0,06 x 0,93)].
[13] Processo n.º 393/17.0T8PVZ.P1 (dgsi), por nós relatado.
[14] A Reparação do dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, Almedina, 2005, pág. 47.
[15] “Adoção do Conceito de “Dano Biológico” pelo Direito Português”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Vol. VI, Coimbra Editora, 2012, pág. 653.
[16] 1812,20 x 14 (desconsiderando o valor inferior da pensão de aposentação em 2015). Note-se que estamos a considerar a pensão mensal multiplicada por 14 meses, quando, relativamente à atividade profissional ou empresarial que a recorrida exerce apenas haveria de considerar-se 12 meses, como considerou a sentença, e aceitando que a recorrida, ou é paga em férias ou não as goza.