Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1075/13.8PBMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: PROVA POR RECONHECIMENTO
Nº do Documento: RP201709131075/13.8PBMTS.P1
Data do Acordão: 09/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 45/2017, FLS.64-81)
Área Temática: .
Sumário: Não constitui prova por reconhecimento a pergunta feita à testemunha em audiência de julgamento, se reconhece a arguida, ali presente, como sendo a autora dos factos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1075/13.8PBMTS.P1

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO
1. No Processo Comum (Singular) nº 1075/13.8PBMTS (do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Criminal de Matosinhos – Juiz 3), após realização da audiência de julgamento, no dia 16.02.2017 foi proferida sentença (constante de fls. 236 a 241), na qual se decidiu condenar arguida B… (com os demais sinais nos autos) como autora material de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art.º 143 n.º 1 do Código Penal, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 5€, no total de 900€. Mais foi condenada, em sede cível, a pagar à Unidade Local de Saúde de Matosinhos a quantia de 105,31€, acrescidos de juros de mora contados desde a notificação do pedido de indemnização civil.
2. Inconformada, a arguida interpôs recurso (constante de fls. 255 a 283), finalizando a respectiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
“ 1º Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida nos autos, á margem referenciados, por se entender que se impõe a MODIFICAÇÃO DA DECISÃO DO TRIBUNAL “A QUO” SOBRE A MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO, a qual se impugna,
2º PONTO DE FACTO QUE A RECORRENTE CONSIDERA INCORRECTAMENTE JULGADO (ARTº 412º Nº 3, al. a), do CPP:
O considerar-se como provado que a arguida/recorrente foi a autora da pratica dos factos dados como provados nas alíneas A, C e D da fundamentação da Sentença “a quo”.

PROVAS QUE IMPÕEM DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA (artº 412. nº 3 al. b), do CPP:
A – Depoimentos em audiência de julgamento de:
- Ofendida
C… (cfr gravação em audiência do dia 06/02/2017, depoimento de 19:09 minutos
- Testemunhas de acusação:
D… (cfr gravação em audiência do dia 06/02/2017, depoimento de 13:52 minutos, bem como gravação em audiência do dia 10/02/2017, depoimento de 1:36 minutos
E… (cfr gravação em audiência do dia 06/02/2017, depoimento de 7:28 minutos
F… (cfr gravação em audiência do dia 06/02/2017, depoimento de 4:32 minutos
- Arguida
B…, (cfr gravação em audiência do dia 10/02/2017, depoimento de 9:09 minutos
- Testemunha de defesa:
G… (cfr gravação em audiência do dia 10/02/2017, depoimento de 5:35 minutos
A recorrente procedeu à TRANSCRIÇÃO dos depoimentos acima referidos, transcrição essa que vai em anexo à presente motivação e que consta de 23 folhas impressas em computador.
Tais depoimentos levam aos seguintes considerandos:
1 – A ofendida no seu depoimento diz:
1.a) Não conhecer a arguida.
1.b) A discoteca onde diz terem ocorrido os factos aqui em causa se chamava H… e tinha aberto recentemente.
1.c) Que naquela noite de 27/07/2013 tinha pouca gente dado ser um evento privado com lista de convidados, usando o termo “gest list”.
1.d) Que estava na zona vip com amigos.
1.e) Que pelas 5h da madrugada, a ofendida admite estar alcoolizada, bem como a sua amiga D….
1.f) Que levou uma garrafa de whisky para a casa de banho já passava das 5h da madrugada.
1.g) Diz que não reparou na arguida na casa de banho mas diz também que a arguida esteve na casa de banho o tempo todo.
1.h) Diz que viu a garrafa de whiskey partida mas que não sabe onde a arguida a partiu e já em instâncias da defensora da arguida, a ofendida diz ter visto a arguida com a garrafa partida.
1.i) Tudo o que sabe sobre a identidade da arguida são tudo informações que lhe disseram mas nunca identificou quem as disse.
1.j) Achava que a arguida estava escondida no escritório do estabelecimento porque conhecia o respectivo dono.
1.l) Fez pesquisa no facebook com as informações que alguém, que não se sabe quem é, forneceu e descobrir a página do facebook da arguida e retirou as fotografias que juntos aos autos.
1.m) Após ter visto as fotografias, lembrou-se logo da cara da arguida e afirma ter a certeza que era a arguida a agressora.
Todo o depoimento da ofendida, quanto à identidade da autora da agressão, baseou-se em informações que terceiros lhe deram, nunca esclarecendo o Tribunal ”a quo” quem foram realmente os amigos ou as pessoas que lhe disseram que a mulher que estava na casa de banho, por volta da hora da ocorrência dos factos, se chama B….
Nunca a ofendida, no seu depoimento, descreve características físicas da pessoa que diz que a agrediu.
A ofendida apresenta um discurso contraditório, ora dizendo que não tinha reparado na pessoa que estava na casa de banho, ora dizendo que se lembra perfeitamente dela, dizendo também que não a conhece mas sempre a trata por “B…”, como se sempre a conhecesse.
A ofendida esteve toda a noite na discoteca, a beber, e estando alcoolizada, como o admite, nunca poderia identificar com clareza a pessoa que presumivelmente a terá agredido.
De notar que a ofendida no auto de denúncia de 29/7/2013, junto aos autos, não identificar o agressor, dizendo apenas que se tratou de um individuo do sexo feminino cuja identidade desconhece, carecendo de apresentar qualquer característica que ajudasse as autoridades a chegar à suposta agressora.
Mais se acresce que no relatório apresentado pela PSP junto aos autos, esclarece que os senhores agentes chegaram ao local pelas 5:50 daquela noite e que após terem falado com o sócio gerente do estabelecimento em causa, foi por este lhes dito que 3 clientes se envolveram em ofensas mútuas e repito, mútuas, no interior da casa de banho feminina e que o vidro do balcão foi partido.
Nesse mesmo relatório vemos que foram identificadas duas suspeitas, C… e D… e ninguém consegue descrever a terceira pessoa envolvida.
Ora, nunca em momento algum a ofendida C… refere que existiram ofensas mútuas e muito menos que se partiu um vidro do balcão da casa de banho, pormenor esse de extrema importância. Como partiu o vidro? Será que foi com uma garrafa de álcool? O que nos leva a perguntar: o que terá provocado o corte no nariz da C…? E onde está a garrafa partida? Os agentes da PSP não referiram que viram qualquer garrafa.
Não é possível não referir o auto de inquirição da ofendida datado de 26/02/2014 em que a C… diz que a discoteca em causa era um local de grande destaque naquela noite e em sede de audiência e julgamento diz que afinal no local se realizava um pequeno evento.
A ofendida disse também no já referido auto de inquirição que as autoridades mostraram pouco interesse no caso e que por via disso não compareceu na data designada para se deslocar ao IML, mostrando despreocupação pelo ocorrido.
Importante será referir que a C… nesse mesmo auto de inquirição afirma que levou a garrafa de whisky para a casa de banho para ela e a D… continuarem a beber, logo qual seria o seu estado de lucidez? Eis aqui uma pergunta que nunca poderemos responder.

2 – A testemunha D… no seu depoimento diz:
2.a) Não sabe o ano da prática dos factos.
2.b) Admite estar alcoolizada naquela hora da madrugada.
2.c) Diz não conhecer a arguida mas sempre usa o nome próprio “B…” para se referir à presumível agressora.
2.d) Que estava na zona vip com amigos, sempre com bebidas.
2.e) Que não tinha visto a B… naquela noite, a não ser na casa de banho.
2.f) Na casa de banho saltou para as costas dela.
2.g) Diz que a agressora atirou propositadamente a garrafa ao rosto da ofendida.
2.h) Diz que alguém as separou.
2.i) Diz que agarraram a agressora e que esta desapareceu.
2.j) Dirige-se à agressora como B… porque os amigos lhe disseram que se chamava B….
2.l) Quem lhe disse que a agressora se chamava B… foram amigos da C… que tinha uma ideia de quem era ela.
2.m) Também tem ideia que a B… é amiga dos donos daquela discoteca.
2.n) Ouviu o nome da B… várias vezes.
2.o) Não se lembra de ter visto algumas fotos mas da B… lembra-se e não tem qualquer dúvida que é a B… a agressora.
2.p) Não conhece o Sr. G… mas tem ideia de ele ter estado com a B… naquela noite.
2.q) Não sabe a data de nascimento da arguida, falou em 1992 mas diz que se lembra de ver essa data no facebook da B….
2.r) Ouviu o nome de B… e sabe que foi a B….
Todo o depoimento desta testemunha enferma de consistência, não sendo possível condenar uma pessoa tendo por base todo o discurso desta testemunha.
A testemunha diz que nunca a viu no estabelecimento mas o espaço tinha pouca gente.
Ninguém entrou na casa de banho juntamente com a ofendida e a testemunha D…, mas todos sabiam que tinha sido a B….
A pergunta impõe-se: Quem falou no nome da B…? Quem a viu a entrar na casa de banho momentos antes da ofendida e da testemunha D…? Quem a identificou? Que características tem a agressora?
Em momento algum é referido, quer pela ofendida, quer pelas testemunha D…, traços que caracterizam a arguida e neste caso em particular a arguida apresenta muitas tatuagens nos braços e tem uma deformação num dedo da mão direita, sendo que esta deformação é comprovada através do Boletim dactiloscópico (Impressões digitais), junto aos autos.
Antes de se ter formado uma convicção pelo tribunal “a quo” de que seria a arguida a autora do crime aqui em análise, deveria ser junto aos autos provas contundentes que indiciassem a arguida como autora deste crime e não apenas atribuir o estatuto de arguida à B… porque alguém, que nunca se saberá quem é, disse que tinha sido a B… a autora do crime em questão.
Esta testemunha também refere que saltou para as costas da arguida e que alguém as separou. Quem as separou? Como se chama a pessoa que levou a agressora? Não saberiam também as pessoas que lá estavam dizer o nome da pessoa que as separou e levou a agressora e fazer-se uma pesquisa no facebook para se identificar a pessoa que escondeu a agressora?
Ainda sobre este ponto, a testemunha D… diz que após a ofendida ter saído da casa de banho, ainda esteve agarrada à agressora. Neste momento em que a ofendida já deu o alerta, nenhum amigo da ofendida ou da testemunha D… entra na casa de banho para travar a agressora?
Se alguém as separou, quem terá sido?
De notar que a testemunha D…, em 07/05/2014 declara aos autos que ela e a C…, levaram a garrafa de whiskey para a casa de banho para irem bebendo e nunca refere que foi uma brincadeira, como o disse em sede de audiência e julgamento. Afinal, qual o seu estado de lucidez? Será que podemos afirmar que estava suficientemente lucida para memorizar o rosto de alguém desconhecido? Será que identificação feita pela D… é credível? Nunca saberemos qual a quantidade de álcool que a D… ingeriu mas para quem estava na discoteca há umas largas horas e com muitas bebidas à disposição, tal como ela admite, como estaria a sua capacidade cognitiva? Estaria capaz de identificar alguém cabalmente?
3 – A testemunha E… no seu depoimento, quanto à identificação da presumível autora do crime, diz que tudo o que sabe foi do que ouviu, pelo que todo o seu depoimento é irrelevante para este efeito.
4 – A testemunha F… no seu depoimento, quanto à identificação da presumível autora do crime, também diz que tudo o que sabe foi do que ouviu, pelo que todo o seu depoimento também é irrelevante para este efeito.
5 – A arguida quis prestar declarações e fê-lo de forma livre e sincera revelando total honestidade nas suas palavras dado que declarou que é frequentadora de estabelecimentos nocturnos, e fê-lo mesmo sabendo que isso a poderia prejudicar, mas fez questão de falar a verdade como se espera de qualquer declaração.
A arguida disse também que não se lembra onde estava naquela noite da prática dos factos, dado a distância temporal ocorrida, o que é perfeitamente aceitável, até porque para ser credível qualquer referência a esse facto teria de ser um momento importante na vida da arguida ou de familiares ou amigos para ser possível comprovar esse mesmo facto.
Não havendo nada na vida da arguida que marcasse o ano de 2013 e mais especificamente o mês de julho, não haveria alternativa em dizer, como de facto o disse, que não se lembra onde estava na madrugada do dia 27 de julho de 2013, podendo estar em casa ou até podendo estar numa qualquer discoteca, uma vez que se tratou de uma noite de sexta para sábado, como num qualquer outro fim de semana.
A arguida não tem qualquer registo criminal, o que é relevante para se concluir que a arguida não prima por estes comportamentos desviantes, não é seu hábito agredir pessoas e muito menos sem qualquer motivo.
A arguida afirma com segurança que nunca seria maluca para atirar com garrafas de whisky ou quaisquer garrafas à cara de alguém.
Não existem quaisquer provas nos autos que levem à identificação da arguida como autora do crime em causa, a não ser algumas vozes nunca identificadas e sustentadas pela testemunha D…, testemunha esta que não foram obtidas provas bastantes para comprovar da sua lucidez e capacidade para identificar quem quer que fosse naquela hora da noite e muito menos para identificar alguém totalmente desconhecido para ela.
6 – A testemunha G… no seu depoimento também é totalmente frontal, dizendo que também frequenta a noite com a arguida, que conhece vários estabelecimentos nocturnos e várias pessoas no meio, mas essas declarações não são suficientes para ser possível concluir que conhecia o dono da discoteca H… e que na noite da prática dos factos, alguém seu conhecido, escondeu a arguida e a ele próprio.
A testemunha D… é de novo chamada para fazer o reconhecimento da arguida.
Quando lhe é pedido que reconheça a arguida, a testemunha em causa nem olha para ela e diz com toda a convicção que é a arguida a autora do crime, sem nunca ter pronunciado uma única característica da agressora e bem assim faz tal afirmação quando ela própria afirma que no momento em que teve contacto com a agressora não estava em condições físicas e cognitivamente capazes de a identificar com rigor.
Assim, terá a arguida/recorrente ser absolvido da prática dos factos constantes nas alíneas A, C e D da fundamentação da Sentença “a quo”.
B - Fotografias junto aos autos a fls 23,79 e 90
Também aqui existem perguntas que se impõem:
Quem forneceu o nome da B…?
Quem pesquisou no facebook o nome da B…?
Dado que fazendo uma pesquisa no facebook pelo nome de B…, surgem dezenas e dezenas de B…, quem imprimiu as fotos em questão?
Quem mostrou essas fotos?
Por que motivo, ofendida e testemunha D…, estando alcoolizadas numa noite em que estavam numa zona vip, rodeadas de bastantes bebidas alcoólicas pelo menos até às 5 da madrugada, tinham capacidades de memória para identificar a agressora, quando a testemunha E… fala que a ofendida e a testemunha D… estiveram na casa de banho entre 5 a 10 minutos?
O que de facto é possível concluir é que alguém invocou o nome de B…, e foi uma batalha ganha levar essas fotografias dessa B… aos autos e depois jurar em audiência e julgamento que a arguida, que de facto corresponde às fotografias, foi a autora do crime, quando a principal testemunha que reconhece a B… em audiência e julgamento, nunca fala em momento algum de características físicas da arguida ou de qualquer pormenor relevante para a sua identificação.
Nunca a testemunha D… afirmou que esteve cara a cara com a arguida mas sim que lhe saltou para as costas e que tudo foi muito rápido.
Convém não esquecer que tudo se passa num estabelecimento nocturno em que os espaços não são muito iluminados, incluindo casa de banho, não havendo por tudo o já referido, condições suficientes para se identificar a pessoa em causa.
É de referir que alguém fala de B… e onde estaria ela? Ninguém a viu, nem antes da prática dos factos nem depois. Onde estaria ela? As testemunhas de acusação referem que se encontrava escondida. Quem a escondeu? Onde a esconderam? Não há respostas para estas perguntas, pelo que tudo não passa de conjecturas e meras hipóteses onde jamais poderíamos concluir verdades e para haver condenação têm de existir verdades incontornáveis porque se assim não fosse não haveria justiça, nem segurança jurídica, dado que alguém poderia dizer que qualquer outra pessoa cometeu um crime, mostrando uma fotografia dessa mesma pessoa por si conseguida e dizer que foi aquela pessoa que cometeu o crime e não sabendo/podendo a pessoa da fotografia provar onde estava no momento da prática daquele pretenso crime, seria condenada.
Não é possível aceitar-se esta situação e não é possível condenar a arguida porque se querer a todo custo condenar a pessoa que aparece espelhada numa fotografia porque se diz que é ela, quando não há provas ou indícios que aquela pessoa da fotografia esteve no local do crime.
Outro pormenor de extrema importância é que as fotografias retiradas da arguida não foram tiradas da página do facebook da própria arguida. Essas fotos foram tiradas da página do facebook do senhor G…, fls 90 dos autos. Pergunta: como a ofendida e testemunham D… sabiam o nome do namorado da arguida, quando sempre o disseram que não conheciam a arguida e o namorado?
Como é que a fls 23 surge uma foto antiga da arguida e uma data manuscrita de nascimento, escrita pela ofendida, quando nenhuma página do facebook da arguida é junta aos autos? Como a ofendida na verdade conseguiu essa informação?
Assim, terá a arguida/recorrente ser absolvido da pratica dos factos constantes nas alíneas A, C e D da fundamentação da Sentença “a quo”.
3º PONTO DE DIREITO QUE A RECORRENTE CONSIDERA INCORRECTAMENTE JULGADO (ARTº 412º Nº 2, al. a), do CPP:
A – Reconhecimento ao abrigo do artº 147º CPP ou Prova testemunhal:
Outra questão a colocar depara-se com o tipo de prova utilizada para sustentar a convicção do tribunal “a quo”.
Perante a condenação sentenciada pelo tribunal “a quo”, podemos concluir que o tribunal “a quo” considerou que a prova que sustentou a condenação foi a prova testemunhal da testemunha D… ao afirmar que sim, que era a arguida a autora do crime e não a prova do Reconhecimento prevista no artigo 147º do CPP.
Ora, o que a testemunha D… fez foi de facto um reconhecimento e não apenas um depoimento.
Esta testemunha em poucos segundos e não olhando cara a cara para a arguida, disse que era ela a agressora.
Este acto não deixa de ser nem mais nem menos do que um reconhecimento e um reconhecimento efectuado na fase processual de audiência e julgamento, conforme previsto no nº 7 do artigo 147º do CPP e que prescreve: O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.
Aqui inclui obviamente a fase de audiência e julgamento, pelo que é manifesto que o legislador veio consagrar uma posição diametralmente oposta à anteriormente defendida pela esmagadora maioria da juirisprudência que defendia a inaplicabilidade das regras do artigo 147º do CPP á audiência de julgamento, como alerta o Prof. Maximiano Vale.
Contudo, neste caso concreto, embora o tribunal “a quo” não tenha designado a identificação efectuada como reconhecimento na pessoa da arguida feito na audiência e julgamento, antes a integrasse na prova testemunhal, o certo é que em termos ontológicos o que ocorreu, de forma absolutamente ilegal, por violadora das regras que regulamentam este meio de prova, foi um efectivo reconhecimento do arguido, artº 147º do CPP.
Assim sendo tal reconhecimento não obedeceu ao disposto no artº 147º do CPP pelo que NÃO TEM VALOR COMO MEIO DE PROVA.
O prof. Germano Marques da Silva na sua obra (Curso de Proc. Penal II volume, pags 175/176 diz: “o cuidado que o legislador pôs na regulamentação do acto de reconhecimento evidencia a importância e falibilidade deste meio de prova, quando não foram tomadas as devidas precauções. Por isso que as estabelecidas na lei o são sob pena de invalidade do reconhecimento. É evidente que se a testemunha tiver tido indicações prévias de quem é a pessoa ou qual a coisa a identificar, nomeadamente pela prévia indicação da suspeita, exibição de fotografia do suspeito ou de qualquer outro modo, o reconhecimento só tem valia probatória desde que substancial e formalmente se respeitem as regras do procedimento estabelecidas na lei. A prova por reconhecimento é uma prova muito delicada e porque irrepetível deve ser rodeada de cuidados especiais para assegurar a sua fiabilidade”.
Ainda sobre este tema, o mesmo autor e na mesma obra, na nota 2 da pag. 175 diz: “É muito frequente na prática processual perguntar-se aos ofendidos e testemunhas no decurso da audiência se reconhecem o arguido presente. Esta prova pode ter muita importância quando negativa, mas não tem o valor de reconhecimento quando positiva, isto é, quando a testemunha declara que sim, que reconhece o arguido.”
Ensina o Prof. Manuel da Costa Andrade: “Na medida em que optou por consagrar expressamente um regime de reconhecimento imposto, o legislador português demarcou-lhe ao mesmo tempo os limites que o intérprete e aplicador do direito não estão legitimados a ultrapassar”.
Constata-se assim que o tribunal “a quo” valorou uma prova que não foi produzida de acordo com a lei. Logo, atendeu a um meio de prova nulo, artº 118º nº 3 do CPP.
Ainda é possível dizer mais quanto a esta matéria:
Parece, desde logo, que a alteração legislativa que ocorreu quanto ao artigo 147º do CPP foi aprovada para o esclarecimento da aplicação dos requisitos de admissibilidade também durante a fase de julgamento.
Relativamente à incompatibilidade entre os trâmites da fase de julgamento e a realização da prova por reconhecimento, deve-se entender que se trata de um obstáculo ultrapassável. A lei processual penal dispõe no art. 150º do Código de Processo Penal que pode ser requerida a prova por reconstituição do facto, caso em que o tribunal se deslocará ao local em questão para a realizar. Se assim o é, também parece ser viável que o tribunal se dirija a uma esquadra, porventura mais próxima do que o referido local, de forma a realizar a diligência da prova por reconhecimento com cumprimento dos requisitos legais, respeitando o modo que o legislador considerou ser o mais adequado para garantir a fiabilidade desta prova, em qualquer fase do processo.
Se da ausência da expressão “seja qual for a fase em que ocorrer” poderia ser extraída a conclusão da inaplicabilidade à fase de julgamento dos requisitos legais, vigorando agora a norma nesses termos, consideramos que será expressa a sua imposição.
Não obstante parte da jurisprudência opinar no sentido de que após a citada alteração legislativa ficou assente que em todas as fases processuais a prova por reconhecimento só pode ser admitida com respeito pelos formalismos do art. 147º do CPP, a verdade é que grande parte da jurisprudência continua a admitir a valoração destes actos, por fazerem uma distinção entre “reconhecer” e “identificar”.
A jurisprudência maioritária considera então, que a nova lei mais não veio do que reafirmar o que já a antiga dispunha, ou seja, que a “prova por reconhecimento”, autónoma, em qualquer fase do processo, teria de obedecer às formalidades do art. 147º do CPP.
No entendimento desta corrente jurisprudencial, o acto de identificar o arguido em audiência de julgamento como sendo autor dos factos objecto de imputação não deverá ser reconduzido à prova por reconhecimento, por não se justificar autonomizar um verdadeiro acto. Nestas situações, o depoimento a ser prestado tem apenas a função de aferir a credibilidade do testemunho e não o objectivo de, entre várias pessoas, imputar a um sujeito os factos na memória do depoente. A indicação da pessoa seria apenas instrumental para a avaliação da credibilidade de um depoimento, verificando o discurso da testemunha, dado que por se tratar somente da atribuição de factos expostos a um determinado sujeito deveria ser integrado no meio de uma prova testemunhal.
As diferenças qualitativo - funcionais entre a prova testemunhal e a prova por reconhecimento são inegáveis. Confirmar a identidade de alguém presente confrontando essa imagem com a imagem passada que está na memória do depoente parece configurar um reconhecimento e não uma mera parte integrante do depoimento, pelo que não pode ser aceite que, pelo facto de não ser indicado de entre várias pessoas, deva passar a ser considerada prova testemunhal em detrimento de uma prova por reconhecimento sem respeito pelos requisitos legais.
Creio, ainda, que a identidade do autor dos factos não pode ser tratada como um mero “pormenor” ou “elemento de avaliação da credibilidade da testemunha”, uma vez que a própria lei processual penal impõe que o reconhecimento de uma pessoa como agente do crime seja realizado pelo meio de prova “prova por reconhecimento”. Isto é, quando necessário reconhecer alguém como autor dos factos, deve ser este o meio utilizado, independentemente da fase em que ocorra, uma vez que não parece que o legislador tencionasse que para o mesmo efeito, fossem adoptados métodos diferentes, consoante seja necessário nas fases preliminares ou na fase de julgamento.
Também neste sentido, SEIÇA, Medina escreveu: “devemos colocar a dúvida sobre qual o sentido de admitir, como faz a nossa jurisprudência, que, havendo a lei estabelecido um particular procedimento, minuciosamente estruturado, para o reconhecimento de pessoas, este último possa, no entanto, ocorrer por processos distintos.”
É certo que na fase de julgamento o sujeito já terá sido constituído arguido, investigado e acusado. No entanto, não podem tais motivos justificar a recondução desde reconhecimento a um simples “pormenor do depoimento, um elemento adicional e complementar”, (tal como entendeu a jurisprudência no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17 de Março de 2010), desde logo porque o princípio da presunção de inocência impõe que o arguido seja considerado inocente até prova em contrário, e pelo facto de que “conhecido”, “identificado”, e mesmo “arguido” são conceitos diferentes de “culpado” e “agente de um crime”.
Desta forma, deve ser dada ao arguido a possibilidade de ser considerado inocente, assegurando-lhe os mecanismos para uma efectiva defesa, mesmo na fase de julgamento, o que passará, em parte, por exigir o cumprimento dos requisitos do art. 147º CPP.
A finalidade do reconhecimento - identificação do agente do crime - será sempre distinta da finalidade da narração do testemunho, e isto, independentemente de ser produzido no contexto de um depoimento ou não.
Saliento, ainda, o disposto no art. 138º CPP que determina que as questões realizadas às testemunhas não devem ser sugestivas e, como Almeida Garret na obra GARRET, Francisco de Almeida, Sujeição do Arguido a Diligências de Prova e Outros Temas, 1ª Edição, Porto, Fronteira do Caos Editores, 2007, p.68. clarifica: “sabendo o ‘homem médio’ que, no centro de uma sala de audiência, se ergue, como um troféu, a pessoa do arguido, a pergunta ‘olhe para trás, reconhece o autor do crime?’ não pode deixar de ser considerada manifestamente sugestiva”.
Pelo exposto, não parece lógico o argumento de enquadrar estes reconhecimentos em audiência sem respeito pelas formalidades impostas no âmbito da prova testemunhal.
Medina de Seiça também explica que “não são recondutíveis à figura de autênticas provas atípicas, antes representam um desvio não permitido ao figurino probatório previsto pelo legislador expressis verbis”. Isto porque a prova por reconhecimento é um meio de prova típico ao qual a lei obriga ao cumprimento de determinadas formalidades para a sua aquisição, pelo que não observá-las representará um desvio ao legalmente imposto pelo art. 147º do CPP e não pode ser integrado nos meios de prova atípicos admitidos ao abrigo do art. 127º do CPP.
Invocar o princípio da livre apreciação para admitir estes reconhecimentos consiste, numa efectiva confusão entre os momentos da aquisição da prova e da apreciação da prova.
O Tribunal Constitucional no Acórdão nº 137/2001 julgou “inconstitucional, por violação das garantias de defesa do arguido, consagradas no nº1 do art.32º CRP, a norma constante do art. 127º CPP, quando interpretada no sentido de admitir que o princípio da livre apreciação da prova permite a valoração, em julgamento, de um reconhecimento do arguido realizado sem a observância de nenhuma das regras definidas pelo art. 147º do CPP.”
Por tudo o aqui já exposto, a prova por reconhecimento não tem valor probatório reforçado, sendo valorizada de acordo com o princípio da livre apreciação previsto no art. 127º CPP. Todavia, a prova só deverá ser apreciada nestes termos se e quando validamente adquirida, o que implicará o respeito pelos formalismos disciplinados pelo art. 147ºdo CPP.
Apresentar como argumento à não observância destas formalidades o princípio da livre apreciação para que a prova assim produzida seja admitida é apenas uma forma de violar a norma legal 147º CPP.
Argumentar que a um reconhecimento nestes termos efectuados “não seja atribuído o valor de reconhecimento”, por não corresponder a um retrato mnemónico gravado na memória da testemunha mas, por outro lado, atribuir-lhe outro valor e permitir com isto a prova da identidade do sujeito, conformará uma contradição.
O tribunal aprecia livremente a prova por reconhecimento, assim como aprecia livremente a prova testemunhal. Parece que se está a subverter a intenção do legislador reconduzir o “reconhecimento em audiência” a prova testemunhal e avaliá-la de acordo com o princípio da livre apreciação, em detrimento de a reconduzir a uma prova por reconhecimento, fazê-la obedecer aos requisitos legalmente impostos e, depois então, apreciá-la livremente.
A realização da diligência da prova por reconhecimento deve sempre ser levada a cabo sem que haja um resultado já predefinido, o que dificilmente acontecerá no caso de o arguido ser visto sentado no banco dos arguidos. Mesmo que posteriormente colocado numa linha de reconhecimento, uma vez tendo já sido visto pelo identificante no referido banco, o acto de reconhecimento não poderá, deixar de ser visto como um simulacro, cujo resultado já estaria garantido. Se o acto recognitivo ocorre apenas uma vez, parece fazer sentido duvidar da fiabilidade da identificação quando o depoente seja confrontado com várias pessoas e apenas uma delas esteja a ser julgada, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Maio de 2011 “para as testemunhas, se ele era o único que estava a ser julgado, obviamente que ele era o indivíduo que se dirigira ao banco que então importava reconhecer, era, afinal, o autor dos factos, pelo menos era disso acusado, pois que estava já sentado no banco dos réus, preparado para o julgamento. Esta associação de ideias era absolutamente legítima e pode ter influenciado o resultado em vista com a produção de tal elemento de prova”.
Partilho do entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 03 de Março de 2010 quando refere que o acto de reconhecimento realizado pela primeira vez na fase de julgamento é “substancialmente injusto, pois que já exposto o arguido aos olhares das testemunhas que o irão reconhecer”. Todavia, e salvo o devido respeito, não considero que o modo de resolver essa injustiça possa passar por apelidar esse reconhecimento de “identificação” e prescindir dos requisitos do art.147º do CPP.
Por tudo o exposto, remato este ponto opinando no sentido de que deverão ser respeitados também na fase de julgamento os requisitos do art. 147º do CPP, não só porque a letra da lei é expressa (“seja em que fase for”), como pelo facto de que a distinção entre “identificar” e “reconhecer” se trata de um mero formalismo pois que substancialmente terão o mesmo efeito.

Sem prescindir, e atendendo que seja considerado válido que se tratou de uma prova testemunhal e não de um reconhecimento, não é possível deixar de referir que quer a ofendida, quer a testemunha D… não estavam em condições físicas e cognitivamente capazes de identificarem com rigor a agressora, dada a quantidade de álcool que as duas tinham ingerido e que nunca nenhum tribunal poderá saber qual o grau de alcoolemia em causa e se estavam com capacidades físicas e mentais para o fazer.

Assim, terá a arguida/recorrente ser absolvido da prática dos factos constantes nas alíneas A, C e D da fundamentação da Sentença “a quo”.
B – Principio “in dubio pro reo” consagrado no artº 32º da CRP:
Ora, se nenhuma das testemunhas e ofendida viram a arguida na discoteca naquela noite, e ela apenas é considerada arguida porque vozes anónimas dizem que foi a arguida a autora da pratica dos factos, vozes essas que não explicam como e porque motivos e factos o disseram e sendo que a única prova é de uma testemunha que no momento em que diz estar com a agressora se encontra alcoolizada, cremos que condenar a arguida nestes moldes viola claramente o principio in dubio pro reo.
É que convém não esquecer que a arguida/recorrente beneficia da presunção de inocência: a prova para condenação tem de ser plena. Desde que a prova suscite a possibilidade de diferente hipótese que não pode ser afastada, prevalece, por força da lei, a presunção de inocência.
Assim é, porque a “condenação de um inocente afecta muito mais gravemente a justiça e por isso também o próprio interesse social, do que a não punição de um culpado” – cfr Manuel Cavaleiro de Ferreira, in Curso de Processo Penal”, vol 2º, 1986, editora Danúbio, pag. 259.
Para fundamentar mais esta ideia, e como ensina Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal” vol. I, verbo, 1993, pag. 41, “a dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malogrado todo o esforço para a superar.
Em tal situação, o principio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado”.
Neste sentido se pronuncia, também, a generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, como o atestam, v.g. o Ac. Da Relação do Porto, de 21/04/2004, in www.dgsi.pt no qual re refere:
“O princípio do in dubio pro reo é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Ou seja, e dito de outro modo, quando o juiz não consiga ultrapassar a dúvida razoável de modo a considerar o facto como provado, com a certeza que se exige para tal, e porque não pode haver um “non Liquet”, tem de valorar o facto a favor do arguido. A favor do arguido é consequentemente do princípio da presunção de inocência”.
Não é possível condenar a arguida pelo facto de ter ficado demonstrado que a mesma e o seu namorado frequentam discotecas e conhecem pessoas que trabalham no ramo.
Não é possível condenar a arguida porque uma testemunha estando alcoolizada no momento em que contacta a agressora, afirma ser a arguida essa mesma agressora, até porque o tribunal “a quo” não poderia nunca determinar a quantidade de álcool no sangue da testemunha, o que só pode descredibilizar o seu depoimento.
Para além do mais, a testemunha identifica a arguida com base em fotografias, sem nunca sequer referir aspectos físicos e características relevantes que levariam a uma identificação segura e sem margem para dúvidas.

Assim, sendo este princípio uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao Arguido, deve o arguido ser absolvido quando não houver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da Causa.
Assim:
O Tribunal recorrido concluiu que a Arguida/Recorrente foi autora material de um crime de ofensa à integridade física simples, pelo depoimento da testemunha D…, sem que esta tenha dado provas da sua lucidez aquando do contacto com a agressora e baseado em fotografias retiradas de um facebook de um G…, ou de uma B… (facto que ainda ficou por determinar) que ninguém viu na discoteca, nem mesmo a testemunha e o único motivo pelo qual a B… é arguida é porque vozes anónimas disseram que tinha sido a B… a entrar na casa de banho e a testemunha em causa confirma essa versão, nunca tendo dado provas que na realidade sabia identificar a agressora dado que se encontra alcoolizada e porque nunca soube descrever a dita agressora.
COMO TAL,
Impunha-se, e impõe-se agora, a respectiva ABSOLVIÇÃO da Arguida/Recorrente da prática dos factos constantes nas alíneas A, C e D da fundamentação da Sentença “a quo”.
FACE A TODO O EXPOSTO, REQUER A V.EXª SE DIGNE ADMITIR O PRESENTE RECURSO, SEGUINDO-SE DEMAIS TRAMITAÇÃO.
TERMOS EM QUE SE DEVE CONCEDER INTEGRAL PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, MODIFICANDO-SE A DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO DA PRIMEIRA INSTÂNCIA E, EM CONSEQUÊNCIA REVOGAR-SE A SENTENÇA RECORRIDA, DECLARANDO-SE NULO O RECONHECIMENTO EM AUDIÊNCIA E JULGAMENTO VERIFICADO, POR INOBSERVÂNCIA DOS REQUESITOS LEGAIS OU SEM PRESCINDIR, NÃO VALORAR A PROVA TESTEMUNHAL DADA A INCAPACIDADE CONGNITIVA DA TESTEMUNHA NO MOMENTO DA PRÁTICA DOS FACTOS E POR VIA DO AQUI JÁ EXPOSTO, ABSOLVER-SE A ARGUIDA/RECORRENTE, OU QUANTO MUITO APLICAR-SE O “PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REU”.
TERMOS, QUE .EX.as FARÃO A INTEGRAL E JÁ HABITAL JUSTIÇA.

3. O recurso foi admitido por despacho de fls. 312.
4. A magistrada do Ministério Público, junto da primeira instância (a fls. 316 a 323), respondeu ao recurso concluindo do seguinte modo (transcrição):
“1 - O Tribunal não incorreu em qualquer erro de julgamento. Os factos dados como provados são reflexo da prova produzida em audiência, apreciada livremente pelo julgador, por si só ou conjugada com as regras da experiência;
2 - E o juízo formulado revela-se consentâneo com as regras da experiência;
3 - Não existindo qualquer dúvida no espírito do julgador, não há lugar à aplicação do princípio "in dubio pro reo". Este apenas deve operar quando o julgador não consegue formar a convicção segura sobre a culpabilidade do agente;
4 - Em audiência a arguida foi identificada como sendo a autora dos factos. Em circunstância alguma foi realizado um reconhecimento com as formalidades previstos no art. 147.º do Código de Processo Penal;
5 - Essa identificação foi valorada pelo Tribunal da mesma forma descrita em 1), sendo que não estou qualquer dúvida no espírito do julgador que pudesse levar à absolvição da arguida;
6 - Pelo que, tendo o Tribunal feito uma correcta aplicação dos factos e interpretação do direito, a sentença não merece censura.
Porém V. ªas Ex. ªs decidindo farão Justiça.”

5. Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, aderindo ao teor da resposta evidenciada pela magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.
6. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, não foi apresentada resposta.
7. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
No caso vertente, vistas a conclusões de recurso e não obstante a sua excessiva extensão (mas não havendo motivos para se ser demasiado exigente num convite à recorrente para, com o devido formalismo, aperfeiçoar as conclusões tendentes a sinteticamente resumir o alegado na motivação), seguindo uma ordem de precedência lógica, as questões que importa decidir são as seguintes:
– Saber se o reconhecimento da arguida em julgamento não pode ser valorado, por não ter obedecido à tramitação do artº 147º do CPP
- Impugnação da matéria de facto
- Saber se foi violado o princípio do in dubio pro reo
- Saber se a arguida deve ser absolvida do crime por que foi condenada
2. Decisão recorrida:
Definidas as questões a tratar, vejamos, desde já, o que na sentença recorrida consta quanto aos factos provados e não provados, bem como quanto à motivação da matéria de facto (transcrição):
“2.1.1. – Factos Provados
Discutida a causa, provou-se que:
a) No dia 27 de Julho de 2013, pelas 05h 35m, no Wc da discoteca “H…”, sito na Rua …, Matosinhos a arguida desferiu uma pancada no nariz da ofendida C…, com uma garrafa de uísque, causando-lhe perda de sentidos, dor e mal-estar físico
b) A ofendida necessitou de receber tratamento hospitalar, no Hospital I…, que lhe foi prestado, ascendendo o seu custo ao valor de 105,31€
c) A arguida agiu de forma livre e lúcida, com o propósito de provocar, como provocou, dor e mau estar físico na ofendida
d) Sabia que a sua conduta era proibida por lei.
e) A arguida não tem antecedentes criminais.
f) A arguida está desempregada e vive em união de facto.
g) O seu companheiro explora loja de venda de roupa e paga 400€/mês de renda de casa.
h) A arguida tem uma filha de 9 anos, que vive com os avós.
2.1.2 - Factos não provados:
Com pertinência ao objecto do processo não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contrário dos constantes no ponto anterior
2.1.3 – A convicção do Tribunal
A ofendida relatou o sucedido, dizendo que estava na discoteca, foi ao WC com amiga, levaram garrafa de uísque (estava já as duas um pouco alcoolizadas) nem reparou bem na presença da arguida, ter-se-á encostada a ela e ela, sem mais, deu-lhe uma pancada na zona do nariz, com a tal garrafa. Ficou no estado que consta a fls. 24. Perdeu momentaneamente os sentidos, mas depois conseguiu sair do WC pelo seu pé. Foi levada ao hospital, o que está documentado a fls. 45, sendo o custo da assistência descrito a fls.177 e 178. Disse não ter fixado bem a cara da arguida e saber que terá sido ela porque a amiga que a acompanhava lhe disse.
D…, a amiga confirmou o relato. Disse que foi uma agressão súbita, que nem a própria nem a ofendida conheciam a agressora e não a voltaram a ver. Disse que depois do sucedido, vendo a sua amiga caída e ensanguentada saltou para cima da agressora porque lhe pareceu que ela ia continuar a bater. Envolveram-se as duas em luta e ficaram agarradas até entrarem mais pessoas na casa de banho e as separarem. Disse que, pelo tempo que passou com a arguida teve oportunidade de a olhar bem e não teve depois qualquer dúvida em reconhece-la quer nas
fotografias que constam de fls. 23, 79 e 90 quer em audiência, quando estiveram frente a frente, no âmbito da prova testemunhal. Esclareceu esta testemunha, em consonância com a ofendida, que não conheciam a agressora. Mas logo trataram de perguntar se alguma a conhecia, designadamente no seu grupo de amigos. E que logo na ocasião foi dito que se tratava de B…. Nenhuma das duas pôde precisar quem disse o nome, mas não tinham dúvidas que foi este o nome que foi atribuído à pessoa. E também ouviram dizer que seria amiga do dono do espaço, pelo que se teria escondido, depois da altercação, no escritório deste. Disse que, com base no nome ouvido fizeram pesquisas no facebook, e quando se depararam com as fotografias referidas logo a própria reconheceu a pessoa com quem tinha estado na casa de banho. Foi peremptória. O seu relato foi consistente e seguro.
Dos autos consta o auto de notícia de fls. 10, que relata a deslocação das autoridades policiais à discoteca, pelas 05h 50m. Está identificado o dono do espaço, que terá relatado que se tratou de altercação envolvendo de 3 pessoas dos sexo feminino, no Wc– exactamente como supra descrito -. Das três só a ofendida e a testemunha foram identificadas, porque a terceira já ali não foi encontrada, também em consonância com o relato supra. A autoridade policial constatou a existência de “indícios claros da prática dos factos”.
A arguida prestou declarações, quando trazida sob detenção. Confirmou que conhecia o local, admitiu que lá possa ter estado pelo ano de 2013, quando estava a mudar de gerência (antes fora o J… bar), que foi justamente o momento temporal que quer a ofendida quer a testemunha indicaram. Negou a prática dos factos. Reconheceu-se nas fotografias que constam dos autos.
G…, o seu companheiro disse que ele a arguida andavam sempre juntos. Não reconheceu explicitamente frequentar o tal bar/discoteca mas disse, com orgulho, ser um assíduo frequentador da noite e ser muito conhecido no meio, conhecendo igualmente muitos dos donos dos bares (o que entronca na explicação dada pela testemunha para o desaparecimento da arguida da cena do crime).
Sendo estes os elementos de prova, a sua ponderação conjunta permitiu ao tribunal atingir a certeza de que o episódio ocorreu como o descrito nos factos assentes e a sua autora foi a arguida. De facto, a testemunha D… não vacilou na identificação da agressora, que reconheceu por fotografia e identificou na sala de audiências, sendo que não a conhecia - nem a ela nem ao seu companheiro - nem a voltou a ver, pelo que nada há que ensombre a fiabilidade do seu relato.
Relativamente aos antecedentes criminais da arguida e seu modo de vida teve o tribunal em conta o teor do CRC junto aos autos e declarações da própria assim como o teor de fls. 111/112.
Os descritos meios de prova, analisados à luz das regras de experiência, serviram para formar a convicção supra expressa.”
3. Apreciando
1ª Questão: Saber se o reconhecimento da arguida em julgamento não pode ser valorado, por não ter obedecido à tramitação do artº 147º do CPP.
Alega a recorrente que o reconhecimento da arguida, feito em sede de audiência de julgamento pela testemunha D…, é ilegal, por violador da disciplina imposta pelo artigo 147º do CPP.
É manifesta a falta de razão da recorrente.
Antes de mais, pela análise das actas respeitantes à audiência de julgamento, em nenhuma delas resulta que tivesse tido lugar o acto formal da prova por reconhecimento a que alude o artigo 147º do CPP.
Não tendo ocorrido tal acto, jamais se pode falar na sua ilegalidade. Se o mesmo não existiu, obviamente que não pode ser invocado um vício de uma coisa inexistente.
Dito isto, o “reconhecimento” a que a recorrente certamente se quererá referir será, tão somente, a resposta à pergunta feita à testemunha D… se, quando na segunda sessão da audiência de julgamento já se encontrava a arguida, reconhece ou identifica a arguida como sendo esta, efectivamente, a autora das agressões de que a ofendida foi alvo no contexto espácio-temporal a que se reportavam os factos da acusação.
Trata-se de um procedimento muito comum que tem em vista apurar concretamente se a testemunha identifica efectivamente, ou não, a arguida como sendo a autora da prática do crime em questão, desde logo porque a arguida é que vinha acusada dessa mesma prática. Por vezes, com este simples procedimento, até se acaba por ilibar um arguido da prática do crime de que vinha acusado quando, na falta de mais prova consistente, uma única testemunha que tenha percepcionados os factos acaba por manifestar dúvidas sobre se a pessoa que está a ser julgada fora ou não o agente ou autor dos mesmos.
E será que este procedimento tem de respeitar o formalismo previsto no artigo 147º do CPP?
Mesmo após as alterações introduzidas no artigo 147º do CPP pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, a jurisprudência tem continuado a conhecer, de forma uniforme e reiterada, esta questão, concluindo pela resposta negativa. A título exemplificativo, entre outros vejam-se:
- Ac da RP de 17/3/2010, processo 1001/03.2JAPRT.P1, in www.dgsi.pt:
“A identificação do arguido por testemunha, em audiência, insere-se no âmbito da prova testemunhal e não no âmbito da prova por reconhecimento, pelo que é inaplicável àquela o formalismo processual a que este está subordinado.”

- Ac da RP de 26/1/2011, processo 270/07.3GTBRG.P1, in www.dgsi.pt:
“Sabendo a testemunha identificar qual a pessoa a quem imputa a prática de determinado facto, não há lugar ao reconhecimento previsto no art. 147º do Código de Processo Penal.”

- Ac da RC de 16/2/2011, processo 217/09.2PEAVR.C1, in www.dgsi.pt:
“Na audiência de discussão e julgamento, quando se trate, não de proceder ao “reconhecimento” do arguido, mas à identificação do mesmo pela testemunha, como sendo o autor dos factos em discussão, o que se valoriza é o depoimento da testemunha, apreciado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do art.º 127º, do C. Proc. Penal e não a prova por “reconhecimento de pessoas” a que alude o art.º 147º, do mesmo Código.”

- Ac da RC de 4/5/2011, processo 231/08.5GBTMR.C1, in www.dgsi.pt
“I - A situação em que a testemunha, ou a vítima, é solicitada a confirmar o arguido presente como agente da infracção não se configura um acto processual, consubstanciando o reconhecimento pessoal. Pelo contrário, tal confirmação da identidade de alguém que se encontra presente, e perfeitamente determinado, apenas poderá ser encarado como integrante do respectivo depoimento testemunhal.
II - De facto, a identificação subjacente a um depoimento testemunhal esgota a sua eficácia - e a possibilidade de o juiz o valorar - no âmbito de um meio probatório não direccionado ao reconhecimento de uma pessoa e, assim, qualquer "individualização" ou "reconhecimento" - em sentido impróprio, diga-se - que aí se faça não pode deixar de ter como pressuposto uma situação de determinação subjectiva, e, por isso, só poderá ser valorada dentro da esfera probatória de onde emerge - a prova testemunhal -, não lhe podendo ser reconhecido um valor probatório autónomo e separado.”

- Ac da RC de 26-10-2011, processo 179/10.3GBVNO.C1, in www.dgsi.pt:
“Na audiência de julgamento, quando se trate não de proceder ao “reconhecimento” do arguido mas à identificação do mesmo pela testemunha como sendo o autor dos factos em discussão, o que se valoriza é o depoimento da testemunha, apreciado nos termos do artigo 127º, do C. Proc. Penal, e não a «prova por reconhecimento», a que alude o artigo 147º, do mesmo Diploma Legal.”

- Ac. da RC 10/09/2014, processo 1440/08.2TACBR.C1, in www.dgsi.pt:
“I - O acto de reconhecimento não se confunde com o acto de declarações orais prestadas no âmbito do processo-crime.
II - No primeiro, apura-se a identificação do arguido, da pessoa que foi vista a praticar o ilícito, enquanto que no segundo, perante uma pessoa já identificada, a testemunha e/ou declarante aponta-a, identifica-a, como autora dos factos em discussão.
III - Assim, a prova por reconhecimento propriamente dita é autónoma, sujeita ao formalismo especial do art. 147.º e seguintes, do CPP, enquanto que a identificação realizada por uma testemunha e/ou declarante, no decurso da suas declarações, no decorrer da audiência de julgamento, integra depoimento oral, que obedece à regra geral da livre convicção e apreciação da prova.”

Também o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 425/2005 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt/) já havia decidido “(…) não julgar inconstitucional o 147°, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual quando, em audiência de julgamento, a testemunha, na prestação do seu depoimento, imputa os factos que relata ao arguido, a identificação do arguido efectuada nesse depoimento não está sujeita às formalidades estabelecidas em tal preceito”

Também no Código de Processo Penal Comentado (Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires da Graça, 2014, Almedina, Coimbra), a 615 e 616, refere Santos Cabral:
“A situação em que a testemunha, ou a vítima, é solicitada a confirmar o arguido presente como agente da infracção não se configura um acto processual consubstanciando o reconhecimento pessoal. Pelo contrário, tal confirmação da identidade de alguém que se encontra presente, e perfeitamente determinado, apenas poderá ser encarado como integrante do respectivo depoimento testemunhal.
Como refere Medina Seiça (…) o acto de reconhecimento visual de uma pessoa, implica uma reevocação de uma percepção ocular anterior, apresentando profundas similitudes com o processo mental próprio do depoimento testemunhal. Na verdade, ambos «têm de comum o fundo: as memórias empíricas» que, por meio da recordação podem emergir como informação disponível, sustentados, pois, na complexa actividade mnemónica, ambos os meios de prova são particularmente vulneráveis a múltiplos factores de distorção e engano que ocorrem ao longo de todo itinerário da cognição, da memorização e da evocação. Esta similitude, porém, não elimina as diferenças estruturais existentes entre as duas formas de percepção e recordação.”
Sufragamos todo o entendimento atrás exposto.
Com efeito, o acto de reconhecimento não se confunde, assim, com o acto de declarações orais prestadas no âmbito do processo-crime.

No primeiro, apura-se a identificação do arguido, da pessoa que foi vista a praticar o ilícito, enquanto que no segundo, perante uma pessoa já identificada, a testemunha ou a vítima aponta-a, identifica-a, como autora dos factos em discussão.
São dois meios de prova diferentes, disciplinados de forma diferente.
A prova por reconhecimento propriamente dita é autónoma, sujeita ao formalismo especial dos arts 147° e seguintes, do Código de Processo Penal, enquanto que a identificação realizada por uma testemunha no decorrer das suas declarações, integra o depoimento oral, que obedece à regra geral da livre convicção e apreciação da prova.
No caso dos autos, a identificação da recorrente feita pela testemunha D… não foi suscitada a propósito de qualquer dúvida ou incerteza acerca do envolvimento da recorrente nos factos, antes ocorreu no âmbito do seu normal depoimento.
Com efeito, da auscultação da prova gravada, a dado passo do seu depoimento na primeira sessão da audiência de julgamento realizada no dia 06.02.2017 (a arguida havia faltado a essa primeira sessão), a perguntas da magistrada do Ministério Público perante a exibição de fotografias, entre o minuto 8.44 e o minuto 9.42 do seu depoimento, a testemunha D… foi dizendo:
Ministério Público: “(…) se a D… se lembra de ter visto essa foto? (a magistrada do Ministério Público estava-se a referir à foto de fls. 23).
Testemunha D…: Esta foto não, mas a cara dela não me esqueço. De facto não, mas nunca vi esta foto. Aliás eu tenho ideia, não tenho ideia das fotos que eu vi, precisamente, mas que vi, vi. Sei que é ela.
(…)
Testemunha D…: Sim, sim. Eu vi quem ela era, mas esta foto sinceramente não me lembro…
(…)
Ministério Público: – Mas é possível que tenha ajudado a C… a identificar a pessoa através do facebook !
Testemunha D…: Sim, sim, sim, sim, sim.
Ministério Público – Pronto, e não tem a mínima dúvida que a pessoa que estamos a falar é essa…
Testemunha D… – Nenhuma, sem sombra de dúvida.
Ministério Público – Pronto, depois vamos ver a folhas 79.
Testemunha D…: – Sim.
Ministério Público – São fotografias da mesma certa pessoa também retiradas no mesmo sítio… é esta.
Testemunha D… – É esta, sem dúvida, sem dúvida alguma”.

E na segunda sessão da audiência realizada no dia 10.02.2017, sessão em que a arguida já esteve presente e na qual prestou declarações, após essas declarações, foi novamente ouvida a testemunha D… que, reportando-se à arguida, entre o minuto 00.00 e o minuto 00.05, disse:
Testemunha D… – É ela sim senhora tenho a certeza absoluta.
Juiza – Tem?
Testemunha D…: Sim.

Ou seja, esta testemunha D…, no decurso do seu depoimento prestado em sede de audiência de julgamento, confirmou que a arguida – pessoa a quem era imputada prática dos factos da acusação – foi a autora das agressões que a própria testemunha referiu ter visto e terem sido praticadas pela arguida sobre a ofendida D…. Por isso estamos perante uma prova testemunhal, que foi sujeita ao contraditório (artigo 327º nº 2 do CPP), e não a um reconhecimento autónomo regulado pelo artigo 147º do CPP.
Nem o tribunal estava obrigado a realizar, autonomamente, a prova por reconhecimento da arguida, ao abrigo deste último normativo legal, como também parecer insinuar a recorrente.
De tudo isto decorre que não estava o tribunal a quo impedido de valorar, como valorou, a identificação da arguida integrada na prova testemunhal, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova a que se reporta o artigo 127º do CPP.
De outro modo estaria achada a fórmula de anular qualquer prova testemunhal pois bastaria que a testemunha perante uma simples pergunta de saber se reconhecia a arguida, se virasse, olhasse ou apontasse para ela, para de imediato deixar de se poder valorar o depoimento.
Face ao exposto, e sem necessidade de mais apuradas considerações, improcede este fundamento de recurso.

2ª Questão: Impugnação da matéria de facto
Neste âmbito, pugna a recorrente que devem ser dados como não provados os factos constantes das alíneas a), c) e c).
Apreciemos.
Dispõe o artigo 428º do Código de Processo Penal[1] que as relações conhecem de facto e de direito. E segundo decorre do artigo 431º podem modificar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pela via da “revista alargada” quando se verifiquem os vícios a que aludem as alíneas o nº 2 do artigo 410º e/ou através da impugnação ampla da matéria de facto de acordo com o disposto no artigo 412º nº 3.
Na primeira situação (ou seja âmbito da “revista alargada”) decorre do artigo 410.º n.º 2 do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal à matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do nº 2 artigo 410º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis. Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., pag. 74). Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Ora, lendo e relendo a sentença recorrida, em lado algum da mesma se descortina a existência de um qualquer dos atrás enunciados vícios, sendo ainda certo que também nenhum deles tinha sido, sequer, invocado pela recorrente.

Na segunda situação (ou seja no âmbito da impugnação ampla) a apreciação da matéria de facto alarga-se à prova produzia em audiência (se documentada), mas com os limites assinalados pelo recorrente em face do ónus de especificação que lhe é imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º, nos quais é expressamente estabelecido:
3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
São estes os passos a cumprir em caso de impugnação da decisão sobre matéria de facto. Na especificação dos factos o recorrente deverá indicar o(s) concreto(s) facto(s) que consta(m) da sentença recorrida e que considere incorrectamente julgado(s). Quanto às provas, terá que especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (ex: quando o recorrente se socorra da prova documental tem que concretizar o documento que demonstra o erro da decisão; quando se socorra de prova gravada tem que indicar o depoimento (ou depoimentos) em questão (por identificação da pessoa ou pessoas em causa), tem de mencionar a passagem ou passagens da gravação desse depoimento que demonstra erro em que incorreu a decisão e tem, conforme decorre no nº 4 atrás transcrito, que localizar esse excerto de depoimento no suporte que contém a gravação da prova, por referência ao tempo da gravação.
A exigência da lei ao estabelecer os requisitos da impugnação da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido deve-se à circunstância de o recurso sobre matéria de facto, apesar de incidir sobre a prova produzida e o seu reflexo na matéria assente, não configurar um novo julgamento. Se estivéssemos perante um novo julgamento as especificações/requisitos seriam, obviamente, destituídos de fundamento. Mas, sendo o recurso um remédio, então o que se pretende é corrigir concretos erros de julgamento respeitantes à matéria de facto. Por isso a lei impõe que os erros que o recorrente entende existirem estejam especificados e que as provas que demonstrem tais erros estejam também elas concretizadas e localizadas, tanto mais que, segundo estabelece ainda o nº 6 de tal artigo 412º, “No caso previsto no nº 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
Mas de todo o modo, sempre há que ter em atenção que numa concreta reapreciação da prova produzida em audiência de julgamento, como assinala o ac. do STJ de 12/06/2008, no proc. nº 07P4375, Relator Juiz Conselheiro Raul Borges (e acessível pelo site www.dgsi.pt) “sofre, no entanto, quatro tipos de limitações:
- desde logo, uma limitação decorrente da necessidade de observância, por parte do recorrente, de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso;
- já ao nível do poder cognitivo do tribunal de recurso, temos a limitação decorrente da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações e/ou, ainda, das transcrições;
- por outro lado, há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação;
- a juzante impor-se-á um último limite, que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto se se concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa, e não apenas permitem uma outra decisão.” (negrito e sublinhado nossos)
Acrescenta-se, em consonância com o atrás descrito, que a reapreciação da prova na 2ª instância limita-se a controlar o processo de formação da convicção expressa da 1ª instância e da aplicação do princípio da livre apreciação da prova, tomando sempre como ponto de referência a motivação/fundamentação da decisão, sendo que no recurso de impugnação da matéria de facto o tribunal ad quem não vai à procura de nova convicção – a sua – mas procura inteirar-se sobre se a convicção expressa pelo tribunal recorrido na fundamentação tem suporte adequado da prova produzida e constante da gravação da prova por si só ou conjugada com as regras da experiência e demais prova existente nos autos (pericial, documental, etc). Neste enquadramento, podendo o controlo da matéria de facto ter por base a gravação dos depoimentos prestados ou analisados em audiência de julgamento, importa ter sempre presente que não se pode, a qualquer preço, subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída, dialecticamente, na base da imediação e da oralidade, nunca esquecendo as palavras do Prof. Figueiredo Dias (in Direito Processual Penal, 1º Vol, Coimbra Editora, pags 233 e 234) que só os princípios da imediação e da oralidade “… permitem … avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações pelos participantes processuais”.

Ora, tecidas todas estas considerações sobre as exigências que incumbem a um qualquer recorrente quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, exigências essas assinaladas no já mencionado artigo 412º nºs 3 e 4, no caso sub judice, constata-se que a recorrente não deu cumprimento a tais exigências para que este tribunal ad quem pudesse sindicar a matéria de facto fixada na primeira instância.
Apesar de não surgirem grandes dúvidas que a recorrente impugna os factos dados como provados nas alíneas a), c) e d) (pugnando que deverão ser dados como não provados), constata-se que a mesmo não deu cumprimento do ónus de especificação a que alude a alínea b) do mesmo nº 3 do artigo 412º, sendo que por ter existido prova gravada, aquele ónus tem estrita ligação com o que exige o nº 4 do mesmo artigo 412º.
Com efeito, apesar de ressaltar, de sobremaneira, da motivação e das conclusões do recurso, a crítica da recorrente à credibilidade que foi dada pelo tribunal a quo, especialmente, ao depoimento da ofendida C… e da testemunha D…, e de a mesma considerar também que aquele tribunal não valorou devidamente as suas declarações nem atentou a algumas discrepâncias ou imprecisões que a recorrente considera terem existido nos depoimentos daquelas, o certo é que a arguida/recorrente não assinalou as concretas passagens da gravação das suas declarações, das declarações da ofendida/demandante e dos depoimentos das testemunhas ouvidas, nomeadamente também da referida D…, que pudessem impôr decisão diversa daquela a que chegou o tribunal a quo.

Ora, o ónus de especificação das concretas provas que impõem decisão diversa, caso as mesmas tenham sido objecto de gravação (o que também foi o caso) implica a indicação e concretização das passagens da gravação em que se funda a impugnação do facto (ou factos) posto(s) em crise pela recorrente (cfr. nº 4 do artigo 412º) para que, em conformidade com o nº 6 de tal artigo o tribunal de recurso proceda à audição das passagens indicadas; não cabendo ao tribunal ad quem nem a faculdade/direito nem o ónus/dever/obrigação de se substituir à recorrente.
Ao discorrer sobre a prova que foi gravada, fazendo apelo a declarações que na sua óptica possam estar (na perspectiva do recorrente) incorrectos ou que não foram devidamente ponderados por poderem existir contradições ou não coincidência de versões, a recorrente dispensou-se de indicar/precisar as concretas passagens da gravação em que se funda a sua impugnação, assim como não as indica por referência aos suportes técnicos de forma específica e individualizada.
E essa legalmente exigida especificação não se confunde com a transcrição integral que a recorrente faz, juntando-a como anexo à motivação de recurso, das suas declarações e dos depoimentos de todas as testemunhas que foram ouvidas em sede de audiência de julgamento, nem com a referência genérica quer às suas declarações, quer aos depoimentos de todas estas pessoas, acompanhada da menção do tempo de duração dos respectivos depoimentos, tal como aconteceu, a título de exemplo, quando se reporta a “
“Depoimentos em audiência de julgamento de:
- Ofendida
C… (cfr gravação em audiência do dia 06/02/2017, depoimento de 19:09 minutos
- Testemunhas de acusação:
D… (cfr gravação em audiência do dia 06/02/2017, depoimento de 13:52 minutos, bem como gravação em audiência do dia 10/02/2017, depoimento de 1:36 minutos
E… (cfr gravação em audiência do dia 06/02/2017, depoimento de 7:28 minutos
F… (cfr gravação em audiência do dia 06/02/2017, depoimento de 4:32 minutos
- Arguida
B…, (cfr gravação em audiência do dia 10/02/2017, depoimento de 9:09 minutos
- Testemunha de defesa:
G… (cfr gravação em audiência do dia 10/02/2017, depoimento de 5:35 minutos.”
Com efeito, desde logo quer em relação à recorrente quer em relação à ofendida e demais testemunhas indicadas pela recorrente, e analisando o CD respeitante à gravação da prova, constatamos que a recorrente se limitou a indicar o tempo total de duração dos respectivos depoimentos.
Esta constatada remissão para os suportes técnicos - apenas com a menção do tempo total de cada um dos depoimentos - na prática acaba por ser uma remissão para a totalidade dos depoimentos prestados, tudo isso em inobservância com a legalmente exigida alusão para os concretos locais da gravação que deveriam suportar a tese da recorrente.
Como se afirma no Acórdão da Relação de Coimbra de 21/07/2009, Proc. 407/07.2GBOBR.C1 “...ao determinar o n.º 6, do art.º 412º que "no caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas (...)", se terá que concluir que as concretas provas terão de corresponder a segmentos das declarações ou do depoimento e não a toda a extensão dos mesmos”.
A indicação, exigida pela alínea b) do n.º 3 e pelo n.º 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal, das provas que impõem decisão diversa da recorrida, por referência aos suportes técnicos, é imprescindível logo para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto e não um ónus meramente formal.
O cumprimento destas exigências condiciona a própria possibilidade de se entender e delimitar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, exigindo-se, pois, referências específicas, e não apenas uma impugnação genérica da decisão proferida em matéria de facto (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 140/2004, de 10/3, disponível em www.tribunalconstitucional.pt)
Como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Julho de 2006 (Proc. nº 06P120, disponível in www.dgsi.pt) “visou-se, manifestamente, evitar que o recorrente se limitasse a indicar vagamente a sua discordância no plano factual e a estribar-se probatoriamente em referências não situadas, porquanto, de outro modo, os recursos sobre a matéria de facto constituiriam um encargo tremendo sobre o tribunal de recurso, que teria praticamente em todos os casos de proceder a novo julgamento na sua totalidade. Terá, pois, de se ir para uma exigência rigorosa na aplicação destes preceitos
Daí que, neste parte a que agora vimos fazendo referência, a recorrente não cumpriu, portanto, o ónus de impugnação especificada, apesar de o programa de reprodução da gravação da prova oralmente produzida em audiência de julgamento, auto-executável a partir de suporte informático (CD), no qual foram também gravadas, entre outras, as suas declarações e os depoimentos das indicadas testemunhas, apresentar todos os elementos necessários à indicação com a maior precisão dos segmentos de prova que deveriam ter sido seleccionados, a saber: número e tipo de processo; data; identificação da diligência, do magistrado que preside, do funcionário que auxilia, nome do declarante, data e hora do início das declarações, econometria integral do andamento das mesmas, ao segundo.
Perante tal suporte informático (CD), cada parte seleccionada da gravação pode ser facilmente identificada com indicação da hora, minuto e segundo de início e da hora, minuto e segundo do termo do depoimento da pessoa cujo depoimento pudesse revestir interesse para a recorrente no sentido de impor decisão diversa quanto ao concreto ponto de facto que é (ou devia ser) posto em causa.
A referência aos suportes magnéticos torna-se necessária à praticabilidade do confronto da gravação com as indicadas passagens da prova gravada em que se funda a impugnação e com os pontos controversos da matéria de facto que se pretende ver alterada.
Por isso que o artigo 412.º, n.º 4 refere que “as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens [das gravações] em que se funda a impugnação”, acrescentando o n.º 6 do mesmo preceito que [no caso previsto no n.º4] o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”
A recorrente manifestou discordância sobre a decisão de facto proferida na 1ª instância e teve a intenção de a impugnar mas, para esse efeito, deveria ter dado cumprimento ao ónus de impugnação especificada nos termos do artigo 412.º, nºs 3 e 4, o que manifestamente não fez, não sendo de esquecer o recurso não é um novo julgamento, mas um mero instrumento processual de correcção de concretos vícios praticados e que resultem de forma clara e evidente da prova indicada.
Conforme tem sido repetidamente afirmado, a garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto não se destina a assegurar a realização de um novo julgamento, de um melhor julgamento, mas constitui apenas remédio para os vícios do julgamento em 1.ª instância.
A apreciação da prova no julgamento realizado em primeira instância beneficiou de claras vantagens de que o tribunal de recurso não dispõe: a imediação e a oralidade. E constitui uma manifesta impossibilidade que a segunda instância se substitua, por inteiro, ao tribunal recorrido, através de um novo julgamento.
Daí, também aqui a necessidade de impugnação especificada com a devida fundamentação da discordância no apuramento factual, em termos de a prova produzida, as regras da lógica e da experiência comum imporem diversa decisão.
Assim, sendo por demais evidente que a recorrente não cumpriu o ónus de impugnação especificada a que estava vinculada (na vertente da inobservância do prescrito na alínea b) do mesmo nº 3 do artigo 412º, conjugado com o nº 4 do mesmo preceito legal), importa referir que tal omissão/inobservância não dá lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento das conclusões de recurso já que as deficiências afectam também o próprio corpo da motivação, ou seja, não estamos perante deficiências relativas apenas à formulação das conclusões, mas perante deficiências substanciais que já existiam na própria motivação.
Se ao menos na motivação tivesse devidamente observado o estabelecido no artigo 412º nºs 3 b) e 4, poder-se-ia fazer operar o convite ao aperfeiçoamento a que alude o nº 3 do artigo 417º. Todavia, sendo inalterável a motivação e não podendo as conclusões exceder os limites definidos pela motivação (cfr. nº 4 do artigo 417º), o convite para a correcção traduzir-se-ia num acto inútil, o que a lei proíbe.
A recorrente não cumpriu, portanto, o ónus de impugnação especificada.
A situação em presença é inteiramente similar àquela que levou o Supremo Tribunal de Justiça a referir que o «convite ao aperfeiçoamento conhece limites, pois que se o recorrente no corpo da motivação do recurso se absteve do cumprimento daquele ónus, que não é meramente formal, antes com implicações gravosas ao nível substantivo, não enunciou as especificações, então o convite à correcção não comporta sentido porque a harmonização das conclusões ao corpo da motivação demandaria a sua reformulação, ao fim e ao cabo, contas direitas, inscreveria um novo recurso, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo a peremptoriedade do prazo de apresentação do direito ao recurso» ( - Acórdão do STJ de 31/10/2007, disponível em www.dgsi.pt/jstj.).
Neste sentido se pronunciou também o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 259/2002, ao referir “quando a deficiência de não se ter concretizado as especificações previstas nas alíneas a), b) e c), do n.º 3 do art. 412º, do CPP, reside tanto na motivação como nas conclusões, não assiste ao recorrente o direito de apresentar uma segunda motivação, quando na primeira não indicou os fundamentos do recurso ou a completar a primeira, caso nesta não tivesse indicado todos os seus possíveis fundamentos.”(Acórdão de 18/6/2002, publicado no D.R., II Série, de 13/12/2002.).
A haver despacho de aperfeiçoamento, quando o vício seja da própria motivação equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso.
E segundo as orientações do atrás mencionado Acórdão do TC nº 259/2002 (acórdão esse em que recorrente era um assistente), já perante uma situação em que o recorrente é o arguido, o mesmo Tribunal Constitucional (reportando-se concretamente à alínea b) do nº 3 do artigo 412º), no seu Acórdão nº 140/2004, de 10 de Março (publicado no Diário da República II Série, de 17 de Abril de 2004, o mesmo TC foi bem claro ao decidir “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 412º, n.ºs 3, alínea b), e 4, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recurso em que se impugne matéria de facto, da especificação nele exigida tem como efeito o não conhecimento desta matéria e a improcedência do recurso, sem que ao recorrente tenha sido dada oportunidade de suprir tais deficiências
E a jurisprudência deste acórdão veio a ser perfilhada nos acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 488/2004 e 342/2006 e nas decisões sumárias nºs 58/2005, 274/2006 e 88/2008 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Saliente-se que de acordo com o disposto no artigo 431.º, b), havendo documentação da prova, a decisão do Tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto só pode ser modificada se esta tiver sido impugnada nos termos do art. 412.º, n.º 3, o que, como vimos, não ocorre no caso em apreço.
Na circunstância do não acatamento do ónus de impugnação especificada, tem-se entendido, como decorrência da sua própria noção (um ónus consiste na necessidade de observância de determinado comportamento como pressuposto de obtenção de determinada vantagem, que até pode cifrar-se em evitar a perda de um benefício ou faculdade, no caso, a de viabilizar o recurso sobre a matéria de facto), não ocorrer o condicionalismo referido na alínea b) do artigo 431.º, tornando-se inviável a alterabilidade da decisão em relação à matéria de facto.
Em suma, por tudo o que acaba de ser dito, perante a falta de especificação das concretas provas que impõem decisão diversa com a especificação das concretas passagens em que se funda a impugnação dos factos que a recorrente considera como não provados, coarctada ficou a possibilidade deste tribunal ad quem sindicar a matéria de facto que havia sido fixada pelo tribunal a quo, matéria essa que, assim, se tem por assente e inalterável.
Improcede, pois, também esta pretensão da recorrente quanto à pretendida alteração da matéria de facto, a qual, assim, se tem por definitivamente assente.

3ª Questão: - Saber se foi violado o princípio do in dubio pro reo.
Invoca também a recorrente que ocorreu violação do princípio do in dubio pro reo.
Como corolário do princípio da presunção de inocência que decorre do artigo 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa, apresenta-se o princípio do in dubio pro reo que obriga a que, instalando-se e permanecendo a dúvida acerca de factos referentes ao objecto do processo (existência dos factos, forma de cometimento e responsabilidade pela sua prática), essa dúvida deve ser sempre desfeita em benefício do arguido relativamente ao ponto ou pontos duvidosos, podendo mesmo conduzir à absolvição (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Noções de Processo Penal, Rei dos Livros, pags 50 e 51).
Como salienta Figueiredo Dias (in Direito Processual Penal, I vol, pag 213) “Um non liquet na questão da prova – não permitindo ao juiz – que omita decisão … - tem que ser sempre valorado a favor do arguido”, sendo que “com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dúbio pró reo”.
Tal princípio incute uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.
No caso vertente, o tribunal recorrido formulou a sua convicção relativamente à matéria de facto com respeito pelos princípios que disciplinam a prova e sem que tenham subsistido dúvidas quanto à autoria dos factos submetidos à sua apreciação, à forma do cometimento dos mesmos, bem como às finalidades pretendidas com cometimento dos mesmos, não tem cabimento a invocação do princípio in dubio pro reo, que como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste. O princípio em questão afirma-se como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal. Contudo no caso dos autos, o tribunal a quo não invocou, na fundamentação da sentença, qualquer dúvida.
Bem pelo contrário, a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos imputados à ora recorrente, indicando exaustivamente as razões que fundaram a convicção do tribunal para o assentamento, pela positiva, da materialidade que deu como provada.
Perante esta decisão, tomada com toda a segurança, não tem sentido invocar a violação do princípio in dubio pro reo, que só opera quando, produzida toda a prova, o tribunal mantiver dúvidas sobre a prática, pelo arguido, de factos que lhe sejam desfavoráveis. Esta dúvida impõe ao juiz que decida de modo a favorecer o arguido.
Não havendo dúvida sobre a prática dos tais factos desfavoráveis à arguida/recorrente não há lugar à aplicação de um tal princípio.
Por isso, também neste aspecto, improcede o recurso.
3ª Questão:
Quanto a esta questão – se a arguida deve ser absolvida do crime por que foi condenada – cumpre muito sucintamente dizer que a mesma terá que improceder, por duas ordens de razões:
a) Por um lado, verificamos que a suscitação desta questão tinha por base o êxito da pretendida alteração da matéria de facto, alteração essa que, como supra exposto, não veio a ter acolhimento por este tribunal ad quem.
b) Por outro lado, adianta-se ainda que, face à inalterabilidade da matéria de facto e perante os factos provados, a qualificação jurídica dos factos provados encontra-se correcta e detalhadamente estruturada/fundamentada na sentença recorrida, da qual decorre que a apurada conduta da arguida/recorrente efectivamente preenche todos os elementos constitutivos (a nível objectivo e subjectivo) do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º nº 1 do Código Penal, sem que se tenham verificado quaisquer causas de exclusão quer da ilicitude quer da culpa.
Por tal razão, sem necessidade de mais considerações, improcede também esta pretensão da recorrente.

Assim, e em síntese conclusiva, naufragando todas as pretensões da recorrente - e não se mostrando violados quaisquer princípios ou preceitos constitucionais ou quaisquer preceitos legais ordinários, designadamente os invocados no recurso - terá o recurso que improceder, sendo de confirmar a sentença recorrida.
III. DISPOSITIVO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s (arts. 513º nº 1 do Código de Processo Penal e 8º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, conjugado este com a Tabela III anexa a tal Regulamento).
*
(Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos signatários)
*
Porto, 13 de Setembro de 2017
Luís Coimbra
Maria Manuela Paupério
____
[1] Diploma a que se reportarão as demais disposições citadas sem menção de origem ou apenas com a sigla CPP.