Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
877/16.8T8AMT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
EXECUÇÃO FISCAL
Nº do Documento: RP20190411877/16.8T8AMT-B.P1
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 693/A, FLS.252-262)
Área Temática: .
Sumário: I - Tem de ser depositado o valor pelo qual é adjudicado bem imóvel ao reclamante/adquirente no âmbito do processo de execução fiscal, mesmo que este seja credor do executado, nos termos do 256º nº 1 al. h) do CPPT.
II - Esse valor substitui o bem do executado e como tal continua, até à concretização dos pagamentos, a fazer parte do património desse executado.
III - A garantia real de que beneficiava o credor sobre o imóvel adjudicado - hipoteca – transfere-se para o produto da venda, conforme decorre do disposto no artigo 824º nº 3 do CC.
IV - Declarada insolvência posteriormente à venda do imóvel mas antes de efetuados os pagamentos, tem o produto da venda de ser apreendido para a massa insolvente, nos termos do artigo 149º nº 2 do CIRE.
V - O não exercício tempestivo da reclamação de créditos preclude o direito de posteriormente, sem prejuízo do disposto no artigo 146º do CIRE, serem reclamados créditos sobre a massa insolvente. Mesmo que em causa esteja crédito garantido por direito real de garantia.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 877/16.8T8AMT-B.P1
Origem: Comarca do Porto Este – Jz. Comércio Amarante

Relatora: Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
1º Adjunto: Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
2º Adjunto: Juiz Desembargador António Eleutério
Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I – Relatório[1]
No apenso de reclamação de créditos relativo à insolvência de B…, foi em Novembro de 2016 proferida sentença de verificação e graduação de créditos a fls. 13 a 16 dos autos decidindo:
“a) Julgar procedente a Impugnação apresentada pelo credor Autoridade Tributária e, consequentemente, qualificar o crédito reconhecido na Lista de Créditos Reconhecidos apresentada pelo Sr. Administrador de Insolvência, no montante de 417,02 euros, a título de IMI, como crédito com privilégio imobiliário especial, para ser pago pelo produto da venda do imóvel vendido em sede de execução fiscal, inscrito na respetiva matriz urbana sob o n.º 714-E, o qual se encontra transferido para a conta da massa;
b) Homologar a lista de credores reconhecidos, elaborada pelo Sr. Administrador da Insolvência a fls. 3 e verso, com a correção decorrente da procedência da impugnação apresentada pelo credor Autoridade Tributária;
c) Graduar tais créditos, para serem pagos pelo produto da venda dos bens móveis apreendidos no Auto de Apreensão de bens de fls. 3, nos seguintes termos:
Verba 1, automóvel com matrícula .. – .. - FM:
1.º Após salvaguarda das despesas e dívidas da massa, pelo remanescente, o crédito privilegiado do credor Autoridade Tributária, no montante de 74,58 euros;
2.º Se ainda houver remanescente, os demais créditos reclamados e reconhecidos, devendo proceder-se a rateio, na proporção devida, caso não seja possível a plena satisfação dos créditos.
Verba 3, automóvel com matrícula .. – .. - II:
1.º Após salvaguarda das despesas e dívidas da massa, pelo remanescente, o crédito privilegiado do credor Autoridade Tributária, no montante de 65,82 euros;
2.º Se ainda houver remanescente, os demais créditos reclamados e reconhecidos, devendo proceder-se a rateio, na proporção devida, caso não seja possível a plena satisfação dos créditos.
Verba 2, automóvel com matricula .. - .. - AD:
1.º Após salvaguarda das despesas e dívidas da massa, pelo remanescente, todos os créditos reclamados e reconhecidos, devendo proceder-se a rateio, na proporção devida, caso não seja possível a plena satisfação dos créditos.
d) Para serem pagos pelo produto que vier a ser arrecadado por virtude do produto da cessão do rendimento disponível no âmbito do incidente de exoneração do passivo restante, nos seguintes termos:
1.º Todos os créditos, reclamados e reconhecidos, os quais serão pagos enquanto créditos comuns, apenas após a já referida salvaguarda das despesas e dívidas da massa, e se houver remanescente;
2.º Se ainda houver saldo, poderá ser efetuado o pagamento dos créditos subordinados.”
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Por requerimento de 27/06/2018, o credor reclamante C…, alegou:
- não ter sido feita, na sentença de graduação de créditos proferida, a graduação dos créditos relativamente ao produto da venda do imóvel inscrito na respetiva matriz urbana sob o n.º 714-E que foi vendido em sede de execução fiscal, dado que o mesmo apenas foi apreendido para a massa insolvente em data posterior à da sentença de graduação de créditos, mais concretamente no dia 19/10/2017;
- não lhe ter sido dado conhecimento da apreensão a favor da massa insolvente daquele produto da venda, apenas se tendo apercebido desta realidade aquando da notificação do mapa de rateio final, motivo pelo qual na reclamação de créditos apresentada o aqui Reclamante atribuiu aos créditos reclamados natureza comum;
- ter em tal execução reclamado os seus créditos, tendo em leilão eletrónico realizado naquele processo em 19/01/2016, sido a si adjudicado o referido imóvel pelo valor de 56.200,00€ - valor que de imediato depositou nos autos.
Pelo que o montante apreendido para os autos é, nada mais nada menos, que o depósito do preço que por força do disposto na al. h) do art. 256.º do CPPT o Banco C… teve que efetuar.
- Motivo por que este depósito nunca deveria ter sido apreendido para a massa insolvente, porquanto o mesmo não é um crédito da massa insolvente, mas sim propriedade do C…, que o depositou por força da adjudicação do imóvel, pelo que deveria o mesmo ter-lhe sido restituído logo que pagos os credores que, por força da lei, devessem ser graduados/pagos antes do crédito hipotecário.
Sendo que em 28/03/2016, já havia sido proferida, pelo Serviço de Finanças, decisão relativa à graduação de créditos, por força da qual o Banco teria a receber o valor de 55.181,07€.
- Motivo por que aquando da elaboração da sua reclamação de créditos nos presentes autos de insolvência, o C… limitou-se a reclamar o remanescente em dívida, após a adjudicação do imóvel.
- Tendo o produto da venda do imóvel sido apreendido para a massa insolvente, não pode o direito do credor hipotecário, aqui considerado comum, ser prejudicado, na medida em que os direitos reais se transferem para o produto da venda, nos termos do art. 824.º do C.C.
- Esta situação obriga à alteração do crédito do aqui Credor, quer quanto ao valor quer quanto à qualificação, por via das hipotecas constituídas antes da venda executiva.
Devendo ser considerado o valor de 106.456,39€ - que corresponde ao montante em dívida antes da adjudicação do imóvel, já que ao C… nada foi pago no âmbito do processo de execução fiscal –, o qual assume a natureza de crédito garantido.
- Sendo esta alteração de circunstâncias superveniente quer à elaboração da lista a que alude o art. 129.º do CIRE quer à prolação da douta sentença, importa corrigir as mesmas em conformidade com este auto de apreensão.
Termos em que terminou peticionado decisão no sentido de se:
a) ordenar ao Sr. AI a elaboração da Lista de Créditos Reconhecidos de acordo com a apreensão efetuada em 19/10/2017
b) proferir nova sentença de graduação de créditos que contemple o produto de venda apreendido e proceda à graduação dos respetivos créditos
c) Reconhecer ao Credor Reclamante Banco C…, S.A. o crédito reclamado de 106.456,39€, o qual deverá ser reconhecido e graduado como crédito garantido sobre o produto de venda apreendido.”
Notificados devedor, AI e demais credores para se pronunciarem, pronunciou-se o AI nos seguintes termos:
1 - O C… SA apresentou em 27 de Julho de 2016 reclamação de créditos, no montante de €51.209,61, qualificando-os como comuns. Foi apresentada pelo administrador da insolvência, em 18 de Agosto de 2016, a relação provisória de credores, onde consta o crédito do Banco C…, S.A, no montante de €51.209,61, qualificado como comum. Em 14 de Setembro de 2016, foi apresentada, pelo signatário, a relação de créditos reconhecidos, onde consta o crédito do Banco C…, S.A, no montante de €51.209,61, qualificado como comum.
2 - Quanto à apreensão do produto da venda ocorrida em execução fiscal:
- em 18 de Agosto de 2016 apresentou relatório, no qual e no seu ponto 2, (fl. 4), é indicado que “ …(De referir que o Banco C… reclamou o valor de €51.202,69). …. foi solicitada informação junto do processo de execução fiscal nº 1848201401022270, no Serviço de Finanças de Paredes, no sentido de apurar se o produto da venda efetuada em tal processo (do imóvel inscrito no art.º 714.º -E de …, anteriormente pertencente ao insolvente), já foi entregue aos credores”;
- Em 6 de Setembro de 2016 foi solicitado a V. Exa. que se dignasse mandar notificar o Exmo. Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Paredes no sentido da transferência do produto da venda ocorrida no processo de execução fiscal nº 1848201401022270 para a conta da massa insolvente aberta no D…;
- Em 27 de Outubro de 2016, no Apenso B, veio o signatário aderir à impugnação apresentada pelo Mui Digno Magistrado do Ministério Público, no sentido de que deveria ser reconhecido o crédito de IMI e juros no valor €417,02, com privilégio imobiliário geral sobre o produto obtido em PEF, com a venda do imóvel inscrito no art.º 714.º -E de Parada de Todeia;
- Igualmente em 27 de Outubro de 2016 veio o administrador da insolvência remeter documento comprovativo da conta da massa insolvente, (no sentido de satisfazer pretensão da Autoridade Tributária);
- Em 22 de Dezembro de 2016, foi reiterado o pedido formulado, no sentido de V. Exa. se dignar mandar notificar o Exmo. Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Paredes no sentido da transferência do produto da venda ocorrida no processo de execução fiscal nº 1848201401022270 para a conta da massa insolvente.
Pedido ainda reiterado em 17 de Abril de 2017 e 26 de Junho de 2017;
- Tendo em 11 de Outubro de 2017 ocorrido o efetivo depósito do valor em causa na conta da massa e junto o auto de apreensão do produto da venda ocorrida em execução fiscal.
3- Ao AI competia apreender tal produto da venda, face ao disposto no n.º 2 do art.º 149.º do CIRE.

Opôs-se ainda ao requerido o credor “AVSL”.
O MºPº por sua vez pronunciou-se nos seguintes termos:
“reconhecendo que o crédito do reclamante era garantido e como tal seria certamente reclamado se não tivesse ocorrido a venda no PEF, por uma questão de justiça material e pese embora o acima referido, caso assim se entenda e não exista qualquer impedimento, nada há a opor à correção da situação nos termos pretendidos.”
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Apreciando o requerido, decidiu o tribunal a quo:
deferindo parcialmente a pretensão do credor Banco C…, S.A, e em complemento da sentença de verificação e graduação de créditos proferida em 03.11.2016, passa-se agora a graduar também os créditos ali reconhecidos para serem pagos pelo produto da venda em sede de execução fiscal, do imóvel pertencente ao Insolvente, transferido para a conta da massa e apreendida no apenso de apreensão, no Auto de Apreensão de 11.10.2017, nos seguintes termos:
Graduar os créditos reconhecidos na sentença proferida em 03.11.2016, para serem pagos pelo produto da venda pelo produto da venda do imóvel inscrito na respetiva matriz urbana sob o n.º 714-E e que foi vendido em sede de execução fiscal, tendo sido o respetivo produto da venda apreendido a favor da massa, no Auto de Apreensão de bens apresentado em 11.10.2017, nos seguintes termos:
1.º Após salvaguarda das despesas e dívidas da massa, pelo remanescente, o crédito privilegiado do credor Autoridade Tributária, no montante de 417,02 euros;
2.º Pelo remanescente, os demais créditos reclamados e reconhecidos, devendo proceder-se a rateio, na proporção devida, caso não seja possível a plena satisfação dos créditos.
No mais se indeferindo o requerido pelo Banco C…, S.A.”
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II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelo apelante ser questão a apreciar: saber se após proferida sentença de verificação e graduação de créditos, pode o reclamante posteriormente requerer a sua alteração e substituição por outra que reconheça o seu crédito como privilegiado e por valor superior.
III. FUNDAMENTAÇÃO
Para apreciação do objeto deste recurso são de considerar para além das vicissitudes processuais acima elencadas, as seguintes:
1) Da lista de credores reconhecidos, elaborada pelo Sr. Administrador da Insolvência junta aos autos em 15/09/2016 e inserta a fls. 3 e verso consta o crédito do C… reclamado e reconhecido como comum no valor global de €51.202,69 [€50.266,41 de capital e €936,28 de juros].
2) A insolvência foi decretada por sentença de 06/07/2016 e como consequência da mesma determinado, para além do mais:
“(…) a apreensão, para imediata entrega ao administrador(a) da insolvência, dos elementos da contabilidade do(a) devedor(a) e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos e sem prejuízo do disposto no nº 1 do artº 150º do CIRE;”.
Bem como foram os credores advertidos “(…) de que devem comunicar prontamente ao(à) administrador(a) da insolvência as garantias reais de que beneficiem;”
3) Em assembleia de credores realizada em 07/09/2016 [à qual não compareceram nem insolvente nem credores] foi pelo AI informado:
“ter conhecimento que terá sido vendido um imóvel pertencente ao insolvente no âmbito de uma execução fiscal. O Sr. Administrador de Insolvência informou ainda ter já solicitado ao serviço de Finanças competente a transferência do produto dessa venda para a conta da massa insolvente, tendo recebido em resposta o ofício que no dia de hoje juntou aos autos.”
E perante tal informação foi proferido despacho a determinar:
“Atendendo ao que resulta do requerimento apresentado pelo Sr. Administrador de Insolvência, no dia de hoje, e os documentos com o mesmo juntos, mostra-se comprovada a venda no âmbito de uma execução fiscal de um imóvel pertencente ao aqui insolvente, o qual foi adjudicado em 19/01/2016.
Resulta ainda, do ofício remetido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o produto da venda ainda não terá sido distribuído pelos credores que hajam apresentado reclamação no âmbito de tal execução fiscal e assim sendo, impõe-se que o produto da venda em causa seja transferido para a conta da massa insolvente identificada no requerimento do Sr. Administrador de Insolvência que antecede aberta no D…. Mais se impõe a avocação de todos os processos de execução fiscal pendentes contra o insolvente, que serão apensados aos presentes autos, ao abrigo do disposto no art.º 180.º do Código de Procedimento e Processo Tributário e que igualmente se determina.
Devendo o presente despacho ser notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira competente e concedendo-se um prazo de 30 dias para ser efetuada a transferência em causa, após o que deverá o Sr. Administrador de Insolvência informar os autos, se a mesma foi realizada, no prazo de 10 dias findo aquele prazo.”
4) Em 15/09/2016 foi solicitado nos autos principais ao processo de execução fiscal nº 1848201401022270, a transferência para a conta da massa insolvente do produto da venda no mesmo ocorrido.
5) Em 11/10/2017 o AI juntou ao apenso A auto de apreensão do produto da venda ocorrida no processo de execução fiscal nº 1848201401022270, no valor de € 56.200.00 (vide fls. 7/8 destes autos).
***
Apreciando e conhecendo.
Por definição, o processo de insolvência é um processo de execução universal cujo fito é a satisfação dos credores pela (no que ora releva) liquidação do património do devedor insolvente e repartição do produto obtido pelos credores (artigo 1º do CIRE).
Por tal, é consequência da sentença que decreta a insolvência a ordem de apreensão de todos os bens do insolvente suscetíveis de penhora em respeito pelo disposto no artigo 601º do CC - bens e direitos como é referido no artigo 153º do CIRE, ainda que estes tenham sido:
- (artigo 149º nº 1 do CIRE) “a) arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em, que processo for com ressalva apenas dos bens apreendidos por virtude de infração de carácter criminal ou de mera ordenação social”;
- (artigo 149º n.º 2 do CIRE) e se vendidos, a “apreensão tem por objeto o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido”.
Bens estes que responderão pelas dívidas do insolvente existentes à data de tal declaração e que virão a constituir a massa insolvente (vide artigos 46º e 149º do CIRE).
Para tanto, devem os credores reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, junto do AI.
A tal estando obrigados mesmo os credores que tenham o seu crédito já reconhecido por decisão definitiva, sob pena de não poderem obter o seu pagamento (vide artigos 90º, 128º e 173º do CIRE – sem prejuízo do disposto no artigo 129º do CIRE).
Pagamento que obedecerá à graduação geral de todos os créditos que for operada pela respetiva sentença (vide 140º e170º do CIRE).
O não exercício tempestivo de tal direito preclude o direito de posteriormente serem reclamados créditos sobre a massa insolvente, sem prejuízo do disposto no artigo 146º - verificação ulterior de créditos dependente contudo de não ter o credor sido avisado nos termos do artigo 129º pelo AI, salvo se em causa estiverem créditos de constituição posterior[2].

No caso dos autos o credor reclamante C… e ora recorrente apresentou em tempo reclamação de créditos – reclamando crédito comum no valor global de €51.202,69.
Apresentada que foi a lista de credores reconhecidos pelo AI, não mereceu então este crédito qualquer impugnação, pelo que como tal foi reconhecido e graduado por sentença proferida em 03/11/2016 que então não mereceu qualquer censura, nem da mesma foi interposto recurso.
Até que já em 27/06/2018 apresentou o credor C… o mencionado requerimento, peticionando seja proferida decisão a (tal como já supra referido):
a) ordenar ao Sr. AI a elaboração da Lista de Créditos Reconhecidos de acordo com a apreensão efetuada em 19/10/2017
b) proferir nova sentença de graduação de créditos que contemple o produto de venda apreendido e proceda à graduação dos respetivos créditos
c) Reconhecer ao Credor Reclamante Banco C…, S.A. o crédito reclamado de 106.456,39€, o qual deverá ser reconhecido e graduado como crédito garantido sobre o produto de venda apreendido.”
Sobre o que foi proferida a decisão recorrida.

Como fundamento da pretensão formulada está a apreensão do produto da venda operada no âmbito de processo de execução fiscal para estes autos.
A apreensão ocorreu a 27/10/2017, embora o pedido da mesma já em 15/09/2016 tivesse sido formulado no processo principal à AT, na sequência do que fora determinado na assembleia de credores realizada em 07/09/2016 (na qual a ora recorrente não se fez representar).
O valor apreendido corresponde ao montante que o recorrente teve de depositar no âmbito do processo de execução fiscal enquanto adquirente do imóvel do insolvente que ali lhe foi adjudicado por força do disposto no artigo 256º nº 1 al. h) do CPPT o qual dispõe: “o adquirente, ainda que demonstre a sua qualidade de credor, nunca será dispensado do depósito do preço”, cfr. art.º 256.º n.º 1 al. h) do CPPT.”
O valor pelo qual o bem foi adjudicado ao ora reclamante substituiu aquele bem, continuando [até à concretização dos pagamentos] a fazer parte do património do executado.
E a garantia real de que beneficiava o credor sobre o imóvel vendido - hipoteca - transferiu-se para o produto da venda, conforme decorre do disposto no artigo 824º nº 3 do CC[3].
Porém e na impossibilidade de a execução fiscal prosseguir os seus termos por força da declaração da insolvência (artigo 88º nº 1 do CIRE) era impossível que o pagamento aos credores na mesma graduados [como o recorrente alegou ser o caso] viesse a ocorrer posteriormente àquela declaração de insolvência, antes e por força da lei (vide o já citado artigo 149º nº 2 do CIRE) se impondo que tal quantia viesse a ser transferida para o processo de insolvência – como veio a ocorrer.
As consequências legais da declaração da insolvência não eram (não podiam ser) para a exequente desconhecidas.
Conforme a mesma alegou a adjudicação do bem (e o inerente depósito do preço devido pela adjudicação) ocorreu em 19/01/2016.
E à data da declaração da insolvência o pagamento ainda não tinha ocorrido.
Restava assim ao ora recorrente apresentar no processo de insolvência reclamação de créditos pelo valor do seu crédito, invocando ainda a garantia real de que era beneficiário para que o seu crédito pudesse ser reconhecido como tal como privilegiado.
Não foi porém o que o recorrente fez.
Apesar de não ter ainda obtido pagamento no processo de execução fiscal e como tal ter a obrigação de saber que uma vez decretada a insolvência o produto da venda – pertença do executado – teria de ser apreendido para os autos de insolvência, como o foi, apresentou o recorrente reclamação de crédito que identificou como comum e pelo valor que lhe veio a ser reconhecido.
Não o tendo feito então, precludiu-se o direito do recorrente a ver reconhecido, posteriormente e fora dos pressupostos do artigo 146º do CIRE, um crédito de valor e natureza diversa daquela que oportunamente reclamou.
Neste contexto e porquanto apenas os credores que reclamam ou veem o seu crédito já reconhecido por decisão definitiva, podem obter o seu pagamento sobre a massa insolvente (vide artigos 90º, 128º, 129º e 173º do CIRE), é de concluir nenhuma censura merecer o decidido pelo tribunal a quo.
Como tal improcedendo ainda o por último invocado enriquecimento sem causa dos credores, ou abuso de direito.
A causa do decidido decorre do exercício do direito operado pelo recorrente nos termos analisados.
Foi este, conforme já mencionado, quem não reclamou crédito superior nem de natureza diversa do reconhecido apesar de necessariamente saber que à data ainda não tinha obtido pagamento por conta do seu crédito no âmbito da ação executiva e que tendo entretanto sido declarada a insolvência tão pouco o poderia vir já a receber.
Tendo sido este o caminho seguido pelo recorrente e não tendo quando notificado de decisão proferida em 2016 à mesma oposto qualquer objeção, é a nosso ver destituído de qualquer fundamento quer o invocado enriquecimento sem causa, quer o invocado abuso de direito.
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IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, em consequência mantendo na integra o decidido pelo tribunal a quo.
Custas pelo recorrente.

Porto, 2019-04-11
Fátima Andrade
Fernanda Almeida
António Eleutério
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[1] Consigna-se que foram consultados o processo principal e o apenso de reclamação de créditos em suporte eletrónico.
[2] Neste sentido vide Ac. TRL de 11/10/2016 in www.dgsi.pt.
[3] Neste sentido vide Ac. TRC de 01/10/2013, Relatora Inês Moura; Ac. TRC de 29/10/2013, Relator Arlindo Oliveira); Ac. TRP 06/12/2016, Relatora Anabela Dias da Silva; Ac. TRP 02/06/2014, Relator Manuel Fernandes, em todas estas decisões - in www.dgsi.pt - se analisando situação em que o crédito foi reclamado como privilegiado.