Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0230758
Nº Convencional: JTRP00034720
Relator: SALEIRO DE ABREU
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
EXECUÇÃO
Nº do Documento: RP200205160230758
Data do Acordão: 05/16/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 4 J CIV MATOSINHOS
Processo no Tribunal Recorrido: 137/00
Data Dec. Recorrida: 04/13/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR JUDIC - ORG COMP TRIB.
Legislação Nacional: RAR 34/91 DE 1991/04/24 IN DR I SÉRIE DE 1991/10/30.
Sumário: O tribunal competente em razão da nacionalidade para uma execução baseada título extrajudicial é o do domicílio do executado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
Em 15.3.2000, no Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, C..., Lda, com sede na Rua..., ..., Matosinhos, instaurou a presente execução, com processo ordinário, contra M..., com sede em Dusseldorf, Alemanha, alegando, em síntese, que:
A executada devia à exequente a quantia de 200.000 marcos alemães, por vendas que esta lhe havia feito de produtos têxteis;
Em documento por ambas assinado, a exequente diminuiu o seu crédito para a quantia de 61.488 marcos alemães e a executada, por sua vez, comprometeu-se a liquidar esse montante em prestações, vencendo-se a primeira, no montante de 11.102,00 marcos alemães, em 30.6.1998, e as restantes de acordo com o plano de pagamento que consta daquele documento (fls. 11/12);
A executada não pagou a primeira prestação nem qualquer das restantes, pelo que todas se encontram vencidas.
Pediu que se citasse a executada para pagar a quantia em dívida (DEM 61.488, correspondentes a esc. 6.274.850$00) ou nomear bens à penhora.
Notificada para informar ao tribunal o local onde se encontram os bens a penhorar, a exequente veio dizer que os bens se encontram em “... Str. .., ... Dusseldorf, Alemanha” (fls. 16).
Seguidamente, por despacho de fls. 17/18, foi declarada a incompetência absoluta, em razão da nacionalidade, do Tribunal a quo e, em consequência, foi a executada absolvida da instância.
Inconformada, interpôs a exequente o presente recurso de agravo, tendo formulado as seguintes conclusões:
A decisão recorrida alicerçou a decretada incompetência em razão da nacionalidade com base no art. 16º, nº 5 e 19º da Convenção de Bruxelas.
O caso dos autos não configura uma “decisão” conforme a mesma vem definida no art. 25º da citada Convenção.
O Tribunal de Matosinhos seria sempre o competente para o caso dos autos face ao art. 2º daquela Convenção.
Foram violados os citados arts. 2º, 16º, nº 5 e 25º.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O M.mo Juiz sustentou o seu despacho.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II.
Balizado que está o âmbito do objecto do recurso pelas conclusões da alegação da recorrente, temos que a única questão a apreciar e decidir consiste em saber qual o tribunal competente para a execução: se o português ou se um tribunal alemão.
Os factores de atribuição da competência internacional dos tribunais portugueses para a acção declarativa vêm enunciados do nº 1 do art. 65º do CPC, sendo considerada exclusiva nos casos previstos no art. 65º-A do mesmo Código.
No caso em apreço está em causa, porém, uma acção executiva e o Código não contém qualquer norma que directamente estabeleça as regras de competência internacional em matéria de execuções.
Ora, há quem defenda a inaplicabilidade à acção executiva das regras estabelecidas para o processo declarativo, por inapropriadas àquele processo. Neste sentido se pronunciou Anselmo de Castro (in A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 1970, págs. 62/64), para quem seria de “reconhecer competência internacional aos tribunais portugueses sempre e só quando a execução deva correr sobre bens sitos em Portugal”.
Para outros, porém, o art. 65º deve “considerar-se como o assento fundamental das normas de competência internacional, tanto para as acções propriamente ditas, como para as execuções” (A. dos Reis, Processo de Execução, 1º, 3ª ed., 410).
Seja como for, a solução da questão que aqui nos ocupa terá de ser encontrada não à luz dos preceitos do Código de Processo Civil, mas sim de acordo com as regras constantes da Convenção de Bruxelas, Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 34/91, de 24.4, publicada no DR, I série, de 30.10 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 52/91, de 30.10, e que entrou em vigor em 1/7/1992).
Na verdade, as normas dessa Convenção, respeitantes à competência internacional, prevalecem sobre as normas do direito interno (vd., entre outros, Ac. do STJ, de 12.6.97, BMJ, 468º-324, e Ac. da RL, de 24.4.97, CJ, 1997, II, 119).
Dispõe o art. 2º da referida Convenção que “sem prejuízo do disposto na presente Convenção, as pessoas domiciliadas no território de um Estado Contratante devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado”.
Por sua vez, o art.16º, nº 5 da mesma Convenção estatui que “têm competência exclusiva, qualquer que seja o domicílio (...) em matéria de execução de decisões, os tribunais do Estado Contratante do lugar da execução”.
Ou seja, e como escreve Lebre de Freitas (A Acção Executiva, 2ª ed., 96), tratando-se de executar decisão proferida num Estado contratante e nele dotada de exequibilidade, são exclusivamente competentes os tribunais do Estado (diverso) do lugar da execução, isto é, do Estado (ou Estados) em cujo território se situem os bens a apreender e em que, consequentemente, terão lugar os actos executivos propriamente ditos.
Só que, e ao contrário do que entendeu, ou parece ter entendido, o M.mo Juiz a quo, o citado art. 16º, nº 5 não é aplicável a todas e quaisquer execuções, mormente àquelas que têm como base um título extrajudicial.
Com efeito, este preceito apenas faz referência à execução de “decisões”, sendo que, nos termos do art. 25º “Para efeitos da presente Convenção, considera-se «decisão» qualquer decisão proferida por um tribunal de um Estado Contratante independentemente da designação que lhe for dada, tal como acórdão, sentença, despacho judicial ou mandato de execução, bem como a fixação pelo secretário do tribunal do montante das custas do processo”.
Assim sendo, o citado art. 16º, nº 5 apenas abrange as “decisões” como tal consideradas pela Convenção e que são, na sua essência, os títulos executivos judiciais.
Ora, no caso em apreço, o título dado à execução é um mero documento particular assinado pela executada (art. 46º, al. c) do CPC). Um título extrajudicial, portanto.
Estando, como está, em causa a execução de um título extrajudicial, aplicam-se as normas de competência gerais da Convenção, pois esta só contém normas de competência específicas para a acção executiva em sede de execução de sentenças ou “decisões” (Lebre de Freitas, ob. cit., 97).
Deste modo, haverá que lançar-se mão da norma do art. 2º da Convenção, acima transcrita, a qual enuncia uma regra geral de competência baseada no domicílio do réu ou executado.
Consagra tal norma que se uma pessoa tem o seu domicílio num Estado contratante deve ser demandado nos tribunais do Estado do seu domicílio, independentemente da sua nacionalidade.
Assim sendo, e dado que, “para efeitos da aplicação da presente Convenção, a sede das sociedades e das pessoas colectivas é equiparada ao domicílio” (art. 53º da Convenção), é seguro que a executada tem o seu domicílio na Alemanha. E, estando domiciliada na Alemanha, aí deve ser instaurada a execução.
É de salientar que a própria agravante defende ser aplicável o citado art. 2º da Convenção. No entanto, e sem se perceber como, defende a competência do tribunal de Matosinhos, quando de tal preceito claramente decorre que a executada deve ser demandada perante os tribunais do seu domicílio, no caso a Alemanha.
Conclui-se, assim, embora com fundamentação diferente, que o despacho recorrido deve ser mantido,
III.
Nestes termos, nega-se provimento ao agravo, mantendo-se o despacho recorrido.
Custas pela agravante.
Porto, 16 de Maio de 2002.
Estevão Vaz Saleiro de Abreu
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos
José Viriato Rodrigues Bernardo