Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JORGE MARTINS RIBEIRO | ||
| Descritores: | ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO FIXAÇÃO DO MONTANTE DO DANO | ||
| Nº do Documento: | RP202511241444/24.8T8VNG.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/24/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | ANULAÇÃO | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - De acordo com o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do C.P.C., cuja epígrafe é “[m]odificabilidade da decisão de facto”, “[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, o que é aplicável em casos de recurso sobre a matéria de facto, desde que cumpridos os ónus previstos no art.º 640.º do C.P.C. ou então, mesmo que não o tenham sido, se estiver em causa a violação do direito probatório material. II – A verificação dos ónus de impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos do art.º 640.º, n.º 1, do C.P.C., é cumulativa e a sua não observância não é passível de convite a aperfeiçoamento; assim sendo, é de rejeitar a reapreciação da matéria de facto, nos termos do disposto no art.º 640.º, n.º 1, al. c), do C.P.C. quando a parte não indica a decisão de facto que, em alternativa, pretende, limitando-se a impugnar a decisão de considerar provados determinados factos sem clarificar se pretende que sejam considerados não provados ou a sua redação seja alterada. III – Estando comprovada a existência de um dano indemnizável, mas não estando definida claramente a motivação da fixação do seu montante, fazendo-o o tribunal a quo de forma manifestamente deficiente e obscura, a partir de um parecer junto por uma parte enfermo de ambiguidades e até contradições à luz da lógica e da experiência comum, impõe-se a anulação da sentença, nos termos do art.º 662.º, n.º 2, al. c), para que seja produzida prova cabal (no caso, perícia colegial para se apurar o montante do dano) e seja proferida decisão da matéria de facto devidamente motivada. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | APELAÇÃO N.º 1444/24.8T8VNG.P1
SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, C.P.C.): ……………………………… ……………………………… ……………………………… - Acordam os Juízes na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo Relator: Jorge Martins Ribeiro; 1.ª Adjunta: Teresa Pinto da Silva e 2.ª Adjunta: Fátima Andrade.
ACÓRDÃO I – RELATÓRIO
Nos presentes autos de ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, é autora (A.) AA, titular do N.I.F. ..., com residência na Rua ..., ... ..., e é ré (R.) a sua mãe, BB, titular do N.I.F. ..., residente na Rua ..., ... .... - Procedemos agora a uma síntese do processado relevante para o objeto do presente recurso. 1) Aos 16/11/2024 foi proferido a sentença objeto deste recurso. 1.1) O objeto do processo foi resumido pelo seguinte modo: A A. formulou os seguintes pedidos: “a) A condenação da Ré a reconhecer que a divisão entre o prédio da Autora e o prédio que a Ré habita é feita, como sempre foi, pela forma melhor descrita em 13º, 14º, 15º e 16º da petição inicial, abstendo-se de o invadir e prejudicar, por si ou por interposta pessoa; b) A condenação da Ré no pagamento da quantia global de €110.228,06 a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados pela sua conduta ilícita e prejudicial; Para tanto, em síntese, alega que é proprietária de um imóvel, que identifica, que a Ré habita o prédio contíguo, sem qualquer título que o legitime, que invade a sua propriedade, tendo mandado abater duas árvores, destruído vedações e objetos que aí se encontram, o que lhe causou os danos de natureza patrimonial e não patrimonial que descreve. * A Ré contestou em 20.03.2024, para excecionar a ilegitimidade da Autora para, desacompanhado do seu marido, propor a presente ação, por estar em causa a casa de morada de família e, no mais, para se defender por impugnação alegando que os limites doo prédio da Autora e daquele em que habita não estão corretamente definidos. * Por requerimento de 2.05.2024, e após despacho nesse sentido, a Autora pronunciou-se sobre a exceção invocada, concluindo pela sua improcedência. * Em 10.05.2024 foi fixado o valor da ação, saneado o processo, com apreciação da excecionada ilegitimidade, concluindo-se pela sua improcedência, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova. * Realizou-se a audiência final, com observância do formalismo legal, como o atestam as atas respetivas. * Mantêm-se os pressupostos de validade e regularidade da lide, nada obstando à prolação de uma decisão sobre o mérito da causa. * II) – OBJETO DO LITÍGIO: A) Do direito da Autora a ver a Ré condenada a reconhecer que a divisão entre o prédio da Autora e o prédio que a Ré habita é feita, como sempre foi, pela forma melhor descrita nos art.s 13º, 14º, 15º e 16º da petição inicial, abstendo-se de o invadir e prejudicar, por si ou por interposta pessoa; B) Do direito da Autora a ver a Ré condenada no pagamento da quantia de €110.228,06 a título de indemnização pelos danos patrimoniais e morais causados pela conduta ilícita e prejudicial da Ré”([1]). - 1.2) O dispositivo da decisão é do seguinte teor: “Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, decido julgar a presente ação parcialmente provada e procedente e, em consequência, decido: a) Condenar a Ré a abster-se de invadir e prejudicar o prédio da Autora, com a configuração descrita no art. 13º da petição inicial; b) Condenar a Ré no pagamento da quantia de €104.728,06; c) Absolver, no mais, a Ré do pedido; Custas a cargo da Autora e da Ré, na proporção do decaimento. Registe e notifique”. - 2) No dia 28/12/2024 foi interposto o presente recurso pela ré, tendo sido formuladas as seguintes conclusões([2]): (…) - 3) Aos 12/02/2025 foram apresentadas contra-alegações, sem formulação de conclusões, defendendo a improcedência total do recurso. - 4) Aos 19/02/2025 foi proferido despacho (e aos 23/04/2025, este apenas a atribuir efeito devolutivo por a caução não ter sido prestada) a admitir, corretamente, o requerimento de interposição de recurso, como sendo de apelação, com subida nos autos e efeito devolutivo, nos termos dos artigos 644.º, n.º 1, al. a), 645.º, n.º 1, al. a) e 647.º, n.º 1, todos do C.P.C. - O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (como expresso nos artigos 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663, n.º 2, in fine, do C.P.C.). Também está vedado a este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, revogação ou anulação. As questões (e não meras razões ou argumentos) a decidir são as seguintes: 1) Se a decisão da matéria de facto deve ser alterada quanto aos factos provados n.º 11, n.º 12, e n.º 13.º, o que implica aferir se os ónus previstos no art.º 640.º, n.º 1, do C.P.C., foram cumulativamente cumpridos. 2) Se houve violação do princípio da adesão previsto no art.º 71.º do Código de Processo Penal, C.P.P. 3) Se a decisão de facto se mostra consistente e devidamente motivada ou se apresenta deficiência e obscuridade patente. 4) Mediante a resposta à pergunta n.º 3, caso não se mostre prejudicado nos termos do art.º 608.º, n.º 2, do C.P.C., aferir se o Direito se mostra corretamente aplicado aos factos.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Os factos
Na decisão recorrida([3]) foi decidida a seguinte matéria de facto.
Factos provados 1) Mostra-se descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o n.º ..., da freguesia ..., a favor da Autora, um prédio urbano, com uma área total de 1076m2, dos quais 176m2 são de área coberta e 900m2 de área descoberta, composto de casa de um piso, com garagem, anexos e logradouro, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz sob o artigo ... (cfr. documento n.º 2 anexo à petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); 2) A propriedade de tal prédio adveio à sua titularidade por o ter adquirido, metade por doação de seus pais, CC e BB, e metade por compra a seu irmão DD (cfr. teor do documento a que se alude no facto anterior), 3) Há mais de 25 anos que a Autora habita tal imóvel com a sua família, e dele retira todas as suas utilidades, pagando as contribuições e impostos. 4) Nele fazendo obras e melhoramentos; 5) Cultivando o seu logradouro, no qual plantou árvores e colocou a vedação; 6) O que sempre fez, por si e seus antepossuidores no direito, à vista de toda a gente, sem qualquer hiato ou intervalo de tempo, sem a oposição de quem que fosse, desde a sua aquisição e desde há mais de 20, 30 e 40 anos. 7) Sempre com a convicção de que, efetivamente, se tratava de coisa sua e com exclusão de outrem; 8) Mostra-se descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o n.º ..., da freguesia ..., a favor de CC, divorciado, EE, casada com FF, GG, casada com HH segundo o regime de comunhão de adquiridos, II, viúva, e JJ, casada com KK, segundo o regime de comunhão de adquiridos, por sucessão hereditária de LL e MM, o prédio urbano, com uma área total de 1147m2, dos quais 95,5m2 são de área coberta e 1051m2 de área descoberta, constituído por casa de dois pavimentos, garagem e quintal, com a área total de 1147 m2, área coberta de 95,5 m2 e área descoberta de 1051,5 m2, sito na Rua ..., União das Freguesias ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia (cfr. documento n.º 4, anexo à petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); 9) Os prédios identificados nos factos 1º e 8º são contíguos e os imóveis nele construídos são geminados; 10) A Ré habita o prédio identificado no facto 8º, de forma não autorizada; 11) A atual delimitação entre os dois prédios. no sentido norte/sul, está feita por uma vedação em rede que se inicia na parede que divide as duas habitações, continuando pelo limite oeste da zona de piso em cimento aí existente, e foi colocada pela Autora; 12) E, após a zona de piso em cimento, naquele sentido norte/sul, por um murete de suporte da vedação em rede aí existente que se prolonga até ao limite sul dos respetivos logradouros; 13) A delimitação a que se alude no facto anterior foi ali colocada por acordo entre o marido da Autora e o anterior proprietário do prédio que a Ré habita, MM, por volta do ano 2000; 14) Por sentença proferida nos autos de processo comum nº. 905/20.2T8VNG, que correu termos no J1 do Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, já transitada em julgado, no qual a Ré foi Autora, foi decidido: “Nos termos e fundamentos expostos, julgo a ação parcialmente procedente e totalmente improcedente a reconvenção e, em consequência: I) declaro nulos por simulação os negócios jurídicos identificados nas alíneas a) a c) dos factos provados, incidentes sobre o prédio urbano composto por casa de dois pavimentos, garagem e quintal, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz sob o artigo sob o artigo 5686 (que provem do artigo ... da extinta freguesia ...) e descrito na Segunda Conservatória de Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº...- ..., com consequente reingresso do imóvel no património das heranças abertas por óbito de MM e mulher, LL; II) determino o cancelamento dos registos de aquisição e usufruto efetuados a favor dos réus NN, OO, AA, PP e QQ sobre o imóvel identificado em I; (…)” (cfr. documento n.º 6, anexo à petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); 15) Mais foi apreciado pelo Tribunal, sobre a pretensão da Autora, aqui Ré, que: “Assim, dado que o casamento foi dissolvido por divórcio em 16.06.2016, tendo o seu sogro falecido em 27.02.2011 e a sua ex-sogra em 15.01.2017, a autora apenas figura como herdeira do sogro, isto é, interessada, enquanto meeira do seu ex-cônjuge, na metade do património que integra a meação do referido MM, o que não lhe permite arrogar-se qualquer direito sobre o imóvel.” “Assim, em conclusão, a autora não poderá ser reconhecida como possuidora, por ser mera detentora, não tem qualquer direito de crédito (por não ser possuidora, nem ter provado que as despesas que terá tido sobre o imóvel constituem benfeitorias necessárias), nem, por último, tal direito de crédito, ainda que existisse, seria responsabilidade dos réus, antes sendo da herança, que não é parte na ação, nem nela se encontra devidamente representada.” “Quando em causa está um direito sobre uma herança indivisa (ou metade do património que a integra), estamos perante um direito que incide sobre uma quota parte ideal que, antes da partilha, não é passível de ser concretizada ou transmitida por referência a bens específicos do acervo hereditário. O direito, enquanto interessada, em herança ilíquida e indivisa não pode ser definido por referência a uma parte dos bens que integram a herança.” “Dado que foi negada a existência do direito de crédito, sempre terá que improceder o invocado direito de retenção, por falharem os pressupostos previstos no art.º 754º do Código Civil, não beneficiando a autora de qualquer legitimidade para recusar a entrega da coisa, caso esta lhe seja solicitada.” (cfr. teor do documento identificado no facto anterior); 16) Por notificação judicial avulsa, concretizada em 12.12.2022, (Proc. ... – Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia – J2), CC, na qualidade de cabeça de casal das heranças abertas por óbito de seus pais, MM e LL, reclamaram da Ré a entrega do prédio a que se alude no facto 8º, livre de pessoas e bens (cfr. documento n.º 7, anexo à petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); 17) Encontra-se pendente neste tribunal uma ação de reivindicação do dito imóvel, que corre termos no J1 do Juízo Central Cível, sob o nº. ...; 18) No dia 13 de janeiro de 2023, a Ré invadiu a zona identificado no facto 12º do prédio da Autora, tendo em conta a delimitação existente, e nele derrubou, com a colaboração da “A..., Unipessoal Lda”, e seus funcionários, duas árvores “Metrosidero Excelsea” de grande porte, com altura de cerca de dez metros, com a idade plantada de 25 anos; 19) O que fez sem o conhecimento, sem a autorização e contra a vontade da Autora; 20) Arrogando-se a Ré dona daquela parte do prédio da Autora, instruiu os colaboradores da “A..., Unipessoal Lda”; 21) Que, sob as suas ordens e instruções, e na presença da Ré, procederam ao abate das duas árvores que se encontravam no logradouro do prédio da Autora, tendo em conta a delimitação existente; 22) Destruindo-as de forma irreversível e definitiva; 23) Naquela área do logradouro do prédio da Autora, tendo em conta a delimitação existente, encontravam-se plantados cinco exemplares de árvores, que pertencem à espécie Metrosideros Excelsa e constituíam uma cortina arbórea visual e de proteção; 24) A delapidação irreversível destas duas árvores comprometeu o valor ornamental do conjunto e a finalidade com que o mesmo foi plantado, dado ter deixado de funcionar como barreira visual e de proteção uniforme no limite sul da propriedade; 25) Os metrosideros foram plantados e mantidos pelo marido da Autora, que acompanhou a sua evolução a partir da data em que os plantou; 26) A sua presença faz parte da memória e vivência diárias do seu marido, possuindo, para este, um grande valor sentimental; 27) A Metrosideros Excelsa é uma espécie de crescimento lento, que pode alcançar idades avançadas quando as condições de desenvolvimento são adequadas e as intervenções a que são sujeitas, bem como as alterações no meio, não se revelam significativas; 28) Desde que adequadamente mantidas, estas árvores poderiam alcançar grande longevidade; 29) A reposição da situação da cortina arbórea apenas será possível alcançar numa previsão de 20 anos, após remoção dos exemplares que restam no local e substituição integral da cortina arbórea com instalação de cinco novas árvores; 30) O corte das duas árvores importa num prejuízo que ascende a um total de €102.228,06; 31) A Autora apresentou queixa-crime contra a Ré, cujo processo atualmente corre os seus termos no J1 do Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia, sob o nº. ...; 32) A presente ação foi precedida de um procedimento cautelar, que correu termos no J5 do Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia, sob o nº. ... e apenso aos presentes autos; 33) Tal procedimento cautelar findou por transação celebrada entre Requerente, a aqui Autora, e Requerida, a aqui Ré, homologada por sentença no dia 14.12.2023; 34) A Ré, até à prolação da sentença proferida no âmbito do procedimento cautelar supra identificado, ultrapassou em datas não concretamente apuradas, os limites da vedação existente; 35) A Ré aproveitava-se da ausência da Autora e do seu marido para invadir a referida propriedade; 36) A Autora vive em constante receio de nova invasão do seu prédio por parte da Ré; 37) A Autora não tem descanso quando está em casa a trabalhar ou a repousar, nem quando se ausenta de casa para o seu local de trabalho; 38) O campo de futebol atualmente não é utilizado para tal finalidade;
Não se provaram outros factos que se não compaginem com os anteriormente enunciados, nomeadamente que: a) A Ré, por si e com a colaboração dos ditos funcionários da “A..., Unipessoal Lda”, cortou os painéis metálicos em rede, abanou-os e deixou-os soltos, nos prumos que os sustentavam; b) A Ré retirou várias secções desses painéis metálicos, bem como a vedação em madeira e a rede de bambu, que a Autora ali tinha colocado; c) A Ré, no dia 1.06.2023, invadiu a propriedade da Autora e cortou e derrubou a rede de vedação; d) No dia 2.07.2023 a Ré invadiu a propriedade da Autora e cortou e derrubou a rede de vedação; e) No dia 17.08.2023 Ré invadiu a propriedade da Autora e cortou e derrubou a rede de vedação; f) No dia 24.08.2023 a Ré procedeu ao corte de parafusos de suporte de vedação e ao dano na estrutura de madeira; g) No dia 11.09.2023 a Ré procedeu ao corte da cortina de bambu e furto de canas de bambu; h) No dia 26.09.2023 a Ré voltou a invadir a propriedade da Autora, sem autorização e contra a sua vontade, derrubando uma cortina de bambu e furtando vários dos seus elementos; i) No dia 5.10.2023 a Ré voltou a invadir a propriedade da Autora, sem autorização e contra a sua vontade, derrubando uma cortina de bambu e furtando vários dos seus elementos; j) No dia 12.10.2023 a Ré voltou a invadir a propriedade da Autora, sem autorização e contra a sua vontade, derrubando uma cortina de bambu e furtando vários dos seus elementos; k) O que obrigou a Autora a proceder à sua substituição, pagando o respetivo preço, quer dos materiais quer da mão-de-obra; l) Pela reparação do corte da rede de vedação, dos painéis metálicos, da vedação em madeira e da rede de bambu, a Autora suportou uma despesa no valor de €3.000,00; m) A Autora pediu aos seus pais, porque o seu marido pretendia fazer um campo de futebol no seu logradouro, se provisoriamente lhe permitiam alterar a delimitação dos prédios, nomeadamente deslocando alguns metros para poente, ou seja, para dentro do prédio onde habita a Ré, para que fosse possível a prática de futebol. n) A Ré e seu ex-marido permitiram que tal acontecesse, atendendo que era uma divisão provisória; o) Contudo, pretendendo a Autora tornar a situação definitiva, colocou um murete para suporte da rede em toda a extensão, formando uma linha divisória, que não corresponde à delimitação das propriedades; p) Essa linha divisória com rede foi colocada após 2007 e provisoriamente para que fosse aquela área utilizada para um campo de futebol, q) A linha divisória dos logradouros não está no local correto, pois, não está alinhada pela parede que é comum aos dois prédios urbanos; r) A divisão com rede aposta pela Autora que divide os logradouros dos dois prédios não corresponde aos limites da propriedade e invadiu cerca de 2 a 3 metros de largura e toda a extensão do comprimento do logradouro do prédio onde habita a Ré; s) Na linha divisória dos prédios existe um portão que dá acesso aos logradouros, sendo que a Autora colocou um cadeado no portão e tem a respetiva chave, pelo que, o portão só dá acesso da Autora para o prédio da Ré e não ao contrário; t) A Autora até à anulação das compras e vendas e doações simuladas constantes da sentença anexa à petição inicial comporta-se a seu belo prazer, como se proprietária se tratasse de ambos os prédios, e tudo fez para tornar a vida da Ré impossível, incluindo deixá-la sem água e sem luz durante oito meses, enquanto aqui Ré fazia quimioterapia e radioterapia e em plena Pandemia. u) A Ré só conseguiu sobreviver com ajuda dos vizinhos, que lhe davam água, o que lhe causou graves e sérios prejuízos na sua saúde já frágil, como também monetários, para além dos alimentos que estavam na arca congeladora e frigorifico terem perecido, os peixes que tinha a Ré num aquário de grandes dimensões morreram; v) Existe um poço de água que é comum a ambas os prédios urbanos e sempre o foi, contudo, a Autora retirou a bomba de água que pertencia e foi comprada pela Ré, cortou os canos, para que fosse impossível à Ré ter acesso a água, pois, a Ré também não conseguia pedir água do abastecimento da rede pública nem abastecimento de energia elétrica, em virtude da casa onde habitava, nessa data pertencer à filha da Autora sua neta, por doação que veio a ser anulado na ação de simulação; w) Uma das árvores abatida fazia sombra e não permitia a exposição solar no logradouro do prédio onde habita a Ré, não permitindo o cultivo ou crescimento de árvores de fruto; x) As árvores que estão situadas no prédio da Autora invadiram o prédio confinante sito nas traseiras sobrepondo-se à ramada de videiras que ali existe, causando prejuízos aos vizinhos; y) A Autora tem câmaras de videovigilância para captar imagens apontadas para o logradouro e para dentro da marquise na parte traseira do prédio onde habita a Ré, bem como, na parte frente da casa, conseguindo ver todos os movimentos que faz a Ré; z) A entrada de carro para a casa onde habita a Ré era realizado pelo prédio da Autora, o que já não acontece em virtude da Autora não permitir desde do ano de 2016, data em que a Ré se divorciou; aa) A Ré habita há mais de 42 anos no n.º ...; - Ressalvando o devido respeito por diferente entendimento e juízo de valor, aplicável a tudo quanto diremos, começamos por observar que, a nosso ver, foram considerados provados e não provados factos irrelevantes para a boa decisão da causa segundo as plausíveis soluções de Direito. A recorrente insurge-se contra a decisão da matéria de facto e de Direito, mormente quanto aos valores que o tribunal a quo estipulou como sendo de indemnização pelos danos patrimoniais e de compensação pelos danos não patrimoniais. Posto isto, passemos então a responder às questões.
1) Se a decisão da matéria de facto deve ser alterada quanto aos factos provados n.º 11, n.º 12, e n.º 13.º, o que implica aferir se os ónus previstos no art.º 640.º, n.º 1, do C.P.C., foram cumulativamente cumpridos. Segundo o art.º 640.º do C.P.C., “1 – [q]uando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) – Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) – Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) – A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) – Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) – Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”. A A. recorrida, nas suas contra-alegações, afirmou que os ónus de impugnação da matéria de facto não foram cumpridos. Vejamos. Há jurisprudência menos e mais restritiva no atinente à verificação dos ónus constantes do art.º 640.º do C.P.C., mas mesmo a primeira vai no sentido de que das conclusões têm de constar especificadamente os factos sobre os quais se pretende a alteração da decisão, podendo os demais requisitos constarem apenas das alegações, tal como (ainda que estes possam resultar apenas das alegações) a motivação para a pretendida alteração (concretos meios de prova em que se funda o pedido de alteração e apreciação crítica dos mesmos) e também qual a decisão (alternativa) de facto que se pretende (art.º 640.º, n.º 1, al. c), do C.P.C.), ou seja e por exemplo, se se pretende que um facto tenha a sua redação apenas alterada ou se se pretende que um facto provado passe a não provado ou o inverso. Não pode, como sucede no caso, é o Tribunal ad quem ter de adivinhar o que a parte pretende; dizemo-lo porque a recorrente insurge-se contra os factos provados n.º 11 a n.º 13 mas não diz se deve ser alterada a redação ou se devem ser considerados não provados. Assim, consideramos não cumprido o ónus, cumulativo com os da al. a) e da al. b), previsto no art.º 640.º, n.º 1, al. c), do C.P.C. A propósito, passamos a citar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido aos 14/02/2023, no processo n.º 1680/19.9T8BGC.G1.S1, “[é] entendimento deste STJ que relativamente à inobservância do disposto no art. 640º, n.º 1, als. a), b) e c) implica a rejeição imediata do recurso na parte infirmada, enquanto o incumprimento ou o cumprimento deficiente do disposto no art. 640, n.º 2, al. a) apenas acarreta a rejeição nos casos em que dificultem, gravemente, a análise pelo tribunal de recurso e/ou o exercício do contraditório pela outra parte. E no mesmo sentido refere Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., pág. 165, «em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões» e acrescenta «são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, segundo a regra geral que se extrai do art. 635º, de modo que a indicação dos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões» e reafirma na nota 274, a págs. 168 que «ainda que não tenha utilizado no art. 640º uma enunciação paralela à que consta do nº 2 do art. 639 sobre o recurso da matéria de direito, a especificação nas conclusões dos pontos de facto a que respeita a impugnação serve para delimitar o objeto do recurso». E no recente Ac. desta Secção se decidiu: «I - Os ónus primários previstos nas als. a), b) e c) do art. 640.º do CPC são indispensáveis à reapreciação pela Relação da impugnação da decisão da matéria de facto. II - O incumprimento de qualquer um desses ónus implica a imediata rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto, não sendo legalmente admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões» – Ac. de 02-02-2022 no Proc. n.º 1786/17.9T8PVZ.P1.S1”([4]). Como observado no acórdão desta Secção, datado de 09/09/2024, proferido na apelação n.º 10782/18.8T8PRT.P2, “[s]obre a parte interessada na alteração da decisão de facto recai, portanto, o ónus de alegação e especificação dos concretos pontos de facto que pretende ver reapreciados; dos concretos meios de prova que impõem tal alteração e da decisão que a seu ver sobre os mesmos deve recair, sob pena de rejeição do recurso. Devendo após a alegação, concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede(m) a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que estas têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC. Pelo que das conclusões é exigível que no mínimo das mesmas conste de forma clara quais os pontos de facto que o(s) recorrente(s) considera(m) incorretamente julgados, sob pena de rejeição da pretendida reapreciação. Podendo os demais requisitos serem extraídos do corpo alegatório”([5]). Pelo exposto, rejeitamos a reapreciação da matéria de facto. Nos termos do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do C.P.C., cuja epígrafe é “[m]odificabilidade da decisão de facto”, “[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, o que é aplicável em casos de recurso sobre a matéria de facto, desde que cumpridos os ónus previstos no art.º 640.º do C.P.C., ou então, mesmo que não o tenham sido, se estiver em causa a violação do direito probatório material([6]). Ora, no caso não se verifica nenhuma violação de direito probatório substantivo ou material, pelo que este Tribunal não pode alterar, sem mais, a matéria de facto, porque os ónus não foram cumpridos, como acabado de explicar. De todo o modo, e como quod abundat non nocet, e ressalvando o devido respeito por diferente juízo de valor, qualquer alteração aos factos 11.º a 13.º seria inconsequente, até no confronto com o 16.º (ou seja, a R. não terá qualquer legitimidade para discutir confrontações, estando abusivamente no imóvel que ocupa), dado que a sentença referida no facto provado n.º 14([7]) transitou em julgado no dia 30/09/2022, sendo que esta ação entrou em juízo aos 14/02/2024. Acresce que, como resulta da conjugação deste facto n.º 14 com os n.º 10.º (este algo conclusivo) e n.º 15([8]) torna-se patente que seria um ato inútil estar a alterar os n.º 11 a n.º 13([9]), como pretenderia a recorrente (ainda que sem sabermos ao certo como…), porquanto a mesma carece de legitimidade substantiva para discutir quaisquer estremas do prédio onde permanece, sem qualquer título, estando já interpelada para o entregar([10]), não sendo despiciendo referir que jamais a ré impugnou que tivessem sido a filha autora e marido a plantar as árvores, sendo seus proprietários. Posto isto, passemos à segunda questão. 2) Se houve violação do princípio da adesão previsto no art.º 71.º do Código de Processo Penal, C.P.P. É patente, através da leitura dos autos, que esta questão é nova, nunca tinha sido colocada; assim sendo, e como antes dissemos, não é de considerar em sede recursória. De todo o modo, para que conste, seria aplicável ao presente caso a dedução (de pedido de indemnização civil) em separado, nos termos do art.º 72.º, n.º 1, al. d), parte final, do C.P.P.([11]). 3) Se a decisão de facto se mostra consistente e devidamente motivada ou se apresenta deficiência e obscuridade (patente). Mantenhamos presente o disposto no art.º 662.º, n.º 2, al. c), do C.P.C., o Tribunal da Relação deve “[a]nular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”([12]). Os factos que nos suscitam reserva (e à recorrente, nas conclusões J e R), quer na redação, quer na motivação, são os atinentes ao valor das árvores e que alguém que se queixa (inclusive de danos não patrimoniais([13])) do abate de duas (n.º 1 e n.º 2) de cinco árvores que formavam um conjunto, “cortina visual / arbórea”, vá abater as três remanescentes (sendo uma delas, a n.º 3, “raquítica”([14]) por as demais lhe cortarem luz([15])) em vez de simplesmente repor duas… – Reiterando a ressalva feita pelo respeito por diferente entendimento, é contrário à lógica, à experiência comum e juízos de verosimilhança, tanto mais que a parte invoca que são árvores (o conjunto, e cuja danificação provocou desgosto) de crescimento lento… Falamos dos factos provados n.º 29 e n.º 30: “29) A reposição da situação da cortina arbórea apenas será possível alcançar numa previsão de 20 anos, após remoção dos exemplares que restam no local e substituição integral da cortina arbórea com instalação de cinco novas árvores; 30) O corte das duas árvores importa num prejuízo que ascende a um total de €102.228,06”. A motivação da decisão destes factos pelo tribunal a quo é a seguinte: “[a] prova dos factos 27º a 30º fundou-se no parecer técnico anexo à petição inicial como documento n.º 8 e no depoimento da testemunha o Eng. RR na medida em que o corte das duas árvores não pode ser dissociado do conjunto em que se integravam e da função que cumpriam, que ficou irremediavelmente comprometida”. Convém atentar na circunstância de a testemunha RR ser coautor do dito parecer([16]), no sentido de ser expectável que confirmasse o que constava do parecer. Não obstante, o teor do parecer suscita-nos dúvidas que os nossos conhecimentos não são aptos a solver. Chamamos a atenção para os seguintes excertos, que as fundamentam: A) “A Norma Granada foi desenvolvida pela Associação ... e consiste num método de defesa e valorização das árvores, palmeiras e arbustos ornamentais. Esta Norma foi sendo revista desde a sua conceção, em 1990, sendo a versão mais recente datada de 2020. Contudo, pela complexidade da versão atual e por alguns especialistas em arboricultura apontarem que a mesma é confusa e leva a oscilações significativas no preço, entendeu-se proceder à valorização das árvores recorrendo à versão de 1999”([17]). Não se nos afigura que a complexidade da versão atual seja fundamento para que não seja seguida, pois os autores do parecer expuseram as suas qualificações académicas… B) “Na aplicação da Norma Granada, no caso dos metrosideros avaliados, considera-se que se trata de exemplares não substituíveis pela impossibilidade de encontrar no mercado árvores de igual tamanho e características para proceder à sua substituição imediata, ou por as disponíveis não atingirem as mesmas qualidades e dimensões no período máximo de dez anos, visto a idade determinada laboratorialmente dos exemplares ser de 28 anos”([18]). Há que ter em conta que a insubstituibilidade se reporta ao tamanho e transporte, pois que qualquer busca google disponibiliza de imediato incontáveis websites que as vendem, por preços variados. C) “Importa salientar que para o cálculo do valor base foi considerada a substituição das árvores 1 e 2 por uma árvore jovem da mesma espécie disponível no mercado, de perímetro à altura do peito (PAP) 16/18 cm, cujo valor unitário comercial, já acrescido de IVA (6%), é de 233,20 €. Uma consulta das dimensões e preços dos metrosideros no mercado nacional revelou ser essa a árvore de maior perímetro disponível para comercialização”([19]). Cumpre a este propósito fazer duas observações: a primeira, é a de da referida pesquisa google resultar uma enorme variação de preços e de tamanhos e, a segunda, é que começa a tornar-se ambíguo, no mínimo, pois o que achamos é que se trata de algo até contrário à lógica e à experiência comum, por que motivo se atende à maior disponível, depois se fala em reposição de 5 (corte das três existentes, já adultas, sendo a n.º 3 adulta mas “raquítica”) se extrapola valores de duas árvores danificadas para 5: a pergunta que se impõe a qualquer cidadão comum é “então queixam-se do corte de 2 com valor sentimental, que demoram a crescer, e vão cortar as outras 3?”. “Árvore Valor individual da avaliação 1 - 24.271,25 € 2 - 26.676,18 € ([20])”, ou seja, num total de 50947,43 Euros, para “[s]eguidamente, apresenta-se o valor atribuído a cada exemplar avaliado para substituição integral da cortina arbórea. Árvore Valor da avaliação 1 24.271,25 € 2 26.676,18 € 3 333,20 € 4 25.437,72 € 5 25.437,72 €”, num total de “102.228,06 €”([21]) – que foi o fixado pelo tribunal a quo, sendo que as 3 a 5 estão no local e não foram danificadas. Afigura-se-nos que os autores do parecer partiram de um pressuposto falível (e até ilógico nos termos que já expusemos, o de que se vá derrubar 3 árvores de crescimento longo e com valor sentimental para que a “cortina arbórea” venha a ser homogénea…) – tal resulta inequivocamente dos seguintes excertos (onde até os danos não patrimoniais são referidos pelos autores do parecer técnico…): “Uma vez que os exemplares integravam uma cortina arbórea uniforme e perfeitamente estabelecida, a delapidação irreversível destas duas árvores comprometeu o valor ornamental do conjunto e a finalidade com que o mesmo foi plantado, dado deixar de funcionar como barreira visual e de proteção uniforme no limite oeste da propriedade. Sendo a destruição do conjunto alheia ao seu proprietário, será da responsabilidade do autor dos danos reparar os mesmos, repondo a situação existente previamente à sua intervenção, independentemente dos danos não patrimoniais que esta ação destrutiva acarretou para os proprietários”. Na decisão da matéria de facto os juízos de experiência comum, de verosimilhança, de lógica e razoabilidade, têm um papel preponderante, não só por o Tribunal administrar a Justiça em nome do Povo, mas também por a decisão judicial ter como destinatários as partes e a comunidade, sendo que o Tribunal da Relação tem autonomia decisória na formação da sua convicção. Posto isto, repetimos o que a primeira instância achou ser uma motivação suficiente e clara: “[a] motivação da decisão destes factos pelo tribunal a quo é a seguinte: “[a] prova dos factos 27º a 30º fundou-se no parecer técnico anexo à petição inicial como documento n.º 8 e no depoimento da testemunha o Eng. RR na medida em que o corte das duas árvores não pode ser dissociado do conjunto em que se integravam e da função que cumpriam, que ficou irremediavelmente comprometida”. Discordamos, pelo que vimos expondo, que se trate de uma decisão e de uma motivação suficiente e clara. Em primeiro lugar afigura-se-nos bastante controverso que se fale numa unidade ou cortina arbórea…, mas o mais importante é não descortinarmos base lógica para a extrapolação feita quanto aos valores sem prova que se afigure bastante, aderindo o tribunal a quo, sem mais, a um parecer, junto por uma parte, e com as ambiguidades e incongruências já referidas, isto quando tinha ao seu dispor determinar a realização de uma perícia… Importa que se atente no seguinte: o que releva é que haja prova bastante e idónea para apurar o montante do dano, das duas árvores cortadas, dado que a valoração de cinco não resulta compreensível na fundamentação da decisão de facto e é contraditória, até, com a pretensão invocada de se manter uma cortina arbórea, isto é, então para a manterem vão abater as três que restam? – perguntamos…, em nome do quê, para que cinco cresçam uniformemente nem que demorem 20 anos a terem o tamanho das n.º 1 e n.º 2 (e n.º 3, ainda que “raquítica”)? Isto é o mesmo que dizer que a redação do facto n.º 29 é, no mínimo, obscura, pelo que é incompreensível (além de ilógico à face de juízos de verosimilhança e de experiência comum), tal como o facto n.º 30, quanto ao valor – tanto mais, como dissemos, que é invocado dano não patrimonial quanto às duas cortadas. Pelo exposto, nos termos do art.º 662.º, n.º 2, al. c), do C.P.C., anulamos a sentença proferida, devendo os autos serem instruídos com perícia colegial que permita, de forma suficiente e fundamentada, ao tribunal responder apropriadamente à matéria constante dos factos n.º 29 e n.º 30, pois enferma de deficiência e de obscuridade. Tendo em conta o referido, fica prejudicada a questão n.º 4, nos termos do art.º 608.º, n.º 2, do C.P.C.([22]). As custas na primeira instância e da apelação serão determinadas a final, na proporção do decaimento, nos termos do art.º 527.º, n.º 1, e n.º 2, do C.P.C.
III – DECISÃO
Pelos motivos expostos, e nos termos das normas invocadas, acordam os juízes destes autos no Tribunal da Relação do Porto em anular a sentença proferida, nos termos do art.º 662.º, n.º 2, al. c), do C.P.C., devendo ser ordenada a realização de perícia colegial nos termos e para os fins sobreditos. - As custas da apelação são pela recorrente, por ter tirado proveito do recurso, nos termos do art.º 527.º, n.º 1, e n.º 2, do C.P.C.
Porto, 24/11/2025. - Este acórdão é assinado eletronicamente pelos respetivos: Teresa Pinto da Silva Fátima Andrade _________________ [1] A petição inicial é datada de 14/02/2024 e a contestação de 20/03/2024. [2] Negrito, aspas inglesas e maiúsculas no original. [3] Cujo teor damos por integralmente reproduzido. [4] Relatado por Jorge Dias. O acórdão está acessível em: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8387c2d873654444802589640056196e?OpenDocument [06/11/2025 (interpolação nossa e aspas no original)]. [5] Relatado por Fátima Andrade, sendo primeiro adjunto o ora relator e segundo adjunto Manuel Fernandes. [6] Neste sentido, e exemplificativamente, cf. António Santos Abrantes GERALDES, Paulo PIMENTA e Luís Filipe Pires de SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2023, pp. 857-858. [7] Que, por facilidade de exposição, transcrevemos novamente em nota: “14) Por sentença proferida nos autos de processo comum nº. ..., que correu termos no J1 do Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, já transitada em julgado, no qual a Ré foi Autora, foi decidido: “Nos termos e fundamentos expostos, julgo a ação parcialmente procedente e totalmente improcedente a reconvenção e, em consequência: I) declaro nulos por simulação os negócios jurídicos identificados nas alíneas a) a c) dos factos provados, incidentes sobre o prédio urbano composto por casa de dois pavimentos, garagem e quintal, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz sob o artigo sob o artigo 5686 (que provem do artigo ... da extinta freguesia ...) e descrito na Segunda Conservatória de Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº...- ..., com consequente reingresso do imóvel no património das heranças abertas por óbito de MM e mulher, LL; II) determino o cancelamento dos registos de aquisição e usufruto efetuados a favor dos réus NN, OO, AA, PP e QQ sobre o imóvel identificado em I; (…)” (cfr. documento n.º 6, anexo à petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido)”. [8] Que aqui, pelo mesmo motivo, repetimos (sendo o 15.º apenas parcialmente): “10) A Ré habita o prédio identificado no facto 8º, de forma não autorizada; “15) Assim, dado que o casamento foi dissolvido por divórcio em 16.06.2016, tendo o seu sogro falecido em 27.02.2011 e a sua ex-sogra em 15.01.2017, a autora apenas figura como herdeira do sogro, isto é, interessada, enquanto meeira do seu ex-cônjuge, na metade do património que integra a meação do referido MM, o que não lhe permite arrogar-se qualquer direito sobre o imóvel”. “Assim, em conclusão, a autora não poderá ser reconhecida como possuidora, por ser mera detentora, não tem qualquer direito de crédito (por não ser possuidora, nem ter provado que as despesas que terá tido sobre o imóvel constituem benfeitorias necessárias), nem, por último, tal direito de crédito, ainda que existisse, seria responsabilidade dos réus, antes sendo da herança, que não é parte na ação, nem nela se encontra devidamente representada” (itálico nosso)”. [9] “11) A atual delimitação entre os dois prédios. no sentido norte/sul, está feita por uma vedação em rede que se inicia na parede que divide as duas habitações, continuando pelo limite oeste da zona de piso em cimento aí existente, e foi colocada pela Autora; 12) E, após a zona de piso em cimento, naquele sentido norte/sul, por um murete de suporte da vedação em rede aí existente que se prolonga até ao limite sul dos respetivos logradouros; 13) A delimitação a que se alude no facto anterior foi ali colocada por acordo entre o marido da Autora e o anterior proprietário do prédio que a Ré habita, MM, por volta do ano 2000”. [10] Factos provados n.º 14, 2.º § ,e n.º 17. [11] Cujo teor deixamos em nota: “1 - O pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, quando: [d)] Não houver ainda danos ao tempo da acusação, estes não forem conhecidos ou não forem conhecidos em toda a sua extensão” (itálico e interpolação nossa). [12] Itálico nosso. [13] Reproduzimos em nota, a propósito, dois factos: “25) Os metrosideros foram plantados e mantidos pelo marido da Autora, que acompanhou a sua evolução a partir da data em que os plantou; 26) A sua presença faz parte da memória e vivência diárias do seu marido, possuindo, para este, um grande valor sentimental”. [14] Veja-se a fotografia de p. 17 do parecer; da esquerda para a direita as árvores n.º 5 a n.º 1 (as cortadas são a n.º 1 e n.º 2). [15] Como resulta do parecer (e não relatório pericial) junto pela A. com a petição inicial como doc. n.º 6, sendo de particular importância as pp. 27 a 31. Não se trata de relatório pericial de perícia ordenada pelo tribunal, não obstante os dizeres do mesmo a p. 5: “DECLARAÇÕES INICIAIS Os peritos manifestam não ter interesse direto ou indireto no assunto ou em outro semelhante; nem crer que exista nenhuma outra circunstância que lhes faça desmerecer no conceito profissional. JURAMENTO Os peritos declaram, sob juramento, dizer a verdade, que atuam e atuarão com a maior objetividade possível, tomando em consideração tanto o que possa favorecer, como o que seja suscetível de causar prejuízo a qualquer uma das partes, e que conhecem as sanções penais nas quais poderiam incorrer em caso de incumprimento dos seus deveres como peritos”. [16] Como resulta de p. 2 do mesmo, em coautoria com SS, respetivamente Engenheiro Agrícola, Arboricultor Profissional com Formação Avançada em Arboricultura Urbana e Engenheira Florestal, Pós-graduada em Arboricultura Urbana. [17] Cf. p. 27 (itálico nosso). [18] Cf. p. 27. [19] Cf. p. 28. [20] Cf. p. 28. [21] Cf. p. 29. [22] 4) Mediante a resposta à pergunta n.º 3, caso não se mostre prejudicado nos termos do art.º 608.º, n.º 2, do C.P.C., aferir se o Direito se mostra corretamente aplicado aos factos. |