Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
920/12.0TBBNV-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: CITAÇÕES
OFICIOSIDADE
PRÁTICA DE ACTO OMITIDO
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RP20200423920/12.0TBBNV-A.P1
Data do Acordão: 04/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A reforma do processo de 1995 implementou a regra da oficiosidade das citações que transitou para o atual Código de Processo Civil e que viabiliza a realização de diligências necessárias à prática daquele ato processual sem intervenção prévia do juiz e das partes.
II - Por regra, a não promoção pelo autor dos termos do processo quando é notificado da inviabilidades de diligências de citação do réu não gera deserção da instância, dado que isso não constitui o cumprimento de um dever sem o qual o processo haja de ficar parado, sem possibilidade de prosseguir oficiosamente os seus termos normais.
III - Se a prática do ato omitido não está unicamente dependente da iniciativa da parte, não há lugar à deserção da instância.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 920/12.0TBBNV-A.P1 (apelação)
Comarca do Porto – Juízo de Execução do Porto – J2

Relator: Filipe Caroço
Adjuntos: Desemb. Judite Pires
Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I.
Por apenso à execução que B…, S.A. move contra C… e D…, veio aquela, no dia 15 de maio de 2015, em razão do óbito do executado, requerer a habitação dos seus herdeiros D…, F…, G…, H…, I…, e J….
Realizadas diligências com vista à citação dos Requeridos, depois de alguns deles terem sido citados, no dia 3.11.2015, o tribunal decidiu assim:
«(…)
Constata-se nos presentes autos que é desconhecido o paradeiro dos requeridos F…, tendo-se frustrado a citação destes, por via postal, e por intermédio de agente de execução.
Face ao acima exposto, e antes, porém, de se determinar a citação edital, e porque estamos no âmbito de um incidente de natureza declarativa, proceda a secção, agora, às pesquisas, a que alude o artigo 236.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (cfr. art.º 239.º, n.º 4 do mesmo diploma), nas seguintes bases de dados:
- Identificação civil;
- Segurança social;
- Autoridade Tributária e Aduaneira; e
- IMT
devendo comprovar nos autos a realização de tais pesquisas e os seus resultados.
Mais determino que oficie às autoridades policiais da área da última residência dos executados, para prestarem todas as informações de que tenham conhecimento sobre o paradeiro dos mesmos.
Estes Requeridos haviam sido identificados no requerimento inicial de habilitação com morada não determinada.
A secretaria fez aquelas averiguações e foram juntos ao processo várias informações.
No dia 29.5.2018 foi proferido o seguinte despacho:
«Não se logrou citar o requerido F…, apesar das tentativas infrutíferas plasmadas nos autos.
Notifique o Exequente para requerer o que tiver por conveniente sem prejuízo do estatuído no art. 281.º do CPC:
Por outro lado da consulta dos autos não se verifica que haja sido tentada a citação dos Requeridos H…, I… e J… pelo que determino se proceda á citação das mesmas.»
Em 5.7.2018, a exequente apresentou o seguinte requerimento:
«(…) tendo sido notificada do douto Despacho de V.Exa. e não estando da posse dos elementos solicitados, vem requerer que V. Exa se digne a oficiar junto do serviço das Finanças do Executado, a consulta à participação do imposto do selo relativamente ao óbito de C…, por forma a apurar o número de identificação fiscal dos herdeiros do falecido.»
Em 11.1.2019, o tribunal ordenou que se oficiasse em conformidade com o requerido.
Juntas informações, delas foi notificada a Requerente, com certificação Citius de 28.1.2019.
Nada tendo sido requerido, o tribunal despachou assim:
«Aguardem os autos o art. 281.º do CPC.»
Este despacho foi notificado à Requerente com certificação do sistema de 31.5.2019, bem assim também ao Sr. agente de execução.
Nada tendo sido requerido, no dia 8.1.2020, o Ex.mo proferiu a seguinte decisão, ipsis verbis:
«Nos presentes encontra-se por citar os requeridos referidos a fls. 67.
Foi notificado o Requerente dessa impossibilidade e para requerer o que tivesse por conveniente face à mesma com a advertência da aplicação do art. 281.º do CPC.
A notificação foi feita há mais de 6 meses (a 31.5.2019).
Posto isto e considerando a inercia do Requerente impõe-se julgar extinto o presente incidente por deserção.
Custas a cargo do Exequente.
Registe e Notifique.
Oportunamente arquive.
Comunique ao Agente de execução, que na execução deve advertir o exequente de que esses autos aguardarão por seis meses o impulso processual do exequente, requerendo a habilitação dos herdeiros do falecido ou o mais que tiverem por conveniente, sem o que não poderão prosseguir e ocorrerá a extinção da instância, por deserção – art. 281º, nº 5 do Código de Processo Civil (aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho).»
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Inconformada, recorreu a exequente, formulando alegações com as seguintes CONCLUSÕES:
«A. O tribunal a quo declarou deserta a instância por falta de impulso processual da Autora e absolveu os Réus da lide.
B. Sucede que, o processo não se encontra a aguardar impulso processual da Autora/Apelante, porquanto a secretaria ainda não tinha esgotado todos os atos que deveria ter promovido relativamente às citações.
C. Pelo que, o impulso processual cabia à própria secretaria do tribunal a quo.
D. Neste sentido, ainda que o impulso processual fosse um ónus da Autora, a falta de impulso processual por negligência das partes não é automática, pelo que o Tribunal antes de declarar deserta a instância deve notificar a parte para que esta se pronuncie quanto àquela.
E. O tribunal a quo não o fez e, como tal, praticou um acto que a lei não permite.
F. Assim, determina o n.º 1 do artigo 195.º do CPC que a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
G. Sendo que determina o n.º 2 do artigo 195.º do CPC que quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do acto não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.» (sic)
Terminou pedindo que se declare nula a decisão recorrida e que se ordenem as diligências de citação necessárias e/ou a notificação da apelante para que esta se pronuncie quanto à deserção da instância.

Não foram oferecidas contra - alegações.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II.
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do novo Código de Processo Civil).

Somos chamados a decidir se:
- A secretaria tinha, ou não, esgotado todos os atos que deveria ter promovido relativamente à citação dos Requeridos;
- Quanto à deserção da instância, deve o tribunal ouvir as partes antes de proferir a respetiva decisão.
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III.
Relevam aqui os factos que, tendo índole processual, constam do relatório.
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IV.
Dispõe o nº 1 do art.º 281º do Código de Processo Civil que, “sem prejuízo do disposto no n.° 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.
O referido nº 5 determina que “no processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.
Esta forma de extinção da relação jurídico-processual (artigo 277º, al. c), do Código de Processo Civil), sem que ocorra pronunciamento sobre o mérito da causa, radica no princípio da autorresponsabilidade das partes, encontrando a sua razão de ser no facto de não ser desejável, numa justiça que se pretende célere e cooperada, que os processos se eternizem em tribunal, quando a parte se desinteressa da lide ou negligencia a sua atuação, não promovendo o andamento do processo quando lhe compete fazê-lo.
Não obstante estar em curso um processo de execução, situamo-nos no âmbito de um incidente declarativo (habilitação de herdeiros).
A deserção da instância --- sucessora da figura da perempção da instância ou circundução da acção do Código de 1876 --- foi criada pelo Código de Processo Civil de 1939 que, influenciado pelas leis anteriores, continuou a exigir, para prosseguimento da instância interrompida, uma nova interpelação do réu. Simplesmente substituiu a forma de a fazer: em vez de citação, notificação. A deserção da instância foi então justificada pela razão de “não ser conveniente para a boa ordem dos serviços que no tribunal existam processos sem solução alguma e por espaço tão longo”.
Não era então automática a deserção. Enquanto não fosse proferida decisão judicial a declarar extinta a instância, por deserção, sempre o autor poderia evitá-lo, fazendo cessar a interrupção. Isto muito embora a lei, por outro lado, dissesse que a instância se considerava, não só interrompida mas deserta.[1]
Com o Código de Processo Civil de 1961, aprovado pelo Decreto-lei nº 44129 de 28 de dezembro, a deserção passou a produzir-se ope legis, pelo mero decurso do respetivo prazo. Tal como ocorre com todos os prazos perentórios, o juiz só teria de pronunciar-se sobre a deserção se algum ato do processo lhe for requerido depois de deserta a instância.
No atual direito processual civil, o já citado nº 1 do art.º 281º estabelece para o processo declarativo a necessidade de o juiz proferir despacho a declarar a deserção da instância, verificando os dois pressupostos ali previstos:
- O decurso de um período de tempo superior a 6 meses em que o processo, sem andamento, esteja a aguardar o impulso processual das partes;
- A negligência das partes na promoção dos seus termos.
O atual Código de Processo Civil, extinguindo a figura da interrupção da instância, fez transitar o requisito da negligência das partes em promover o impulso processual para a deserção, que, assim, voltou a não ser automática. Desaparecido o prévio despacho de interrupção da instância, a apreciação das razões da paralisação (previstas no nº 1 do atual art.º 281º) tem que ser feita quando se profere o despacho de deserção, o que foi considerado sob o nº 4 do citado dispositivo processual: “A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator”. No caso do processo executivo, quando o juiz é chamado a dizer/declarar a instância do processo executivo como estando já deserta (nº 5).
Assim, o juiz não pode deixar de apreciar e valorar o comportamento omissivo dos sujeitos processuais. Sendo requisitos da deserção o decurso de mais de 6 meses aguardando o processo o impulso processual das partes e a imputação de negligência a uma delas pela sua inércia (nº 1 do art.º 281º), não é possível atribuir-lhe a responsabilidade da paragem do processo sem um justificado juízo de inadimplência e de censura a ela dirigido.
Como referem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro[2], “a ideia de negligência das partes não é conciliável com a ausência de uma decisão do juiz que a verifique. (…), até ser proferida não pode, pois, a instância ser considerada deserta, designadamente pela secretaria judicial”.
Deste modo, a decisão judicial que a lei prevê justifica-se, sobretudo, pela necessidade de observar o requisito da negligência das partes em promover os termos do processo, o que pressupõe, como dissemos, um exame crítico ao comportamento das partes no processo[3] que passa pela substanciação de uma situação de inércia imputável à parte, ou seja um ato ou atividade unicamente dependente da sua iniciativa, sendo o caso mais flagrante[4] o da suspensão da instância por óbito de alguma das partes, a aguardar a habilitação dos sucessores. Neste caso, são evidentes, quer a necessidade de impulso processual a cargo da parte, quer o efeito extintivo da instância decorrente da inércia prolongada (art.ºs 269º, nº 1, al. a), 276º, nº 1, al. a) e 351º do Código de Processo Civil).
Segundo aqueles autores[5], é em face dos dados conferidos pelo processo que a negligência da parte deve ser apreciada: “(…) quando não se suscitem dúvidas sobre a necessidade de impulso processual ou sobre as consequências da inércia da parte, a deserção da instância deve ser declarada a partir da mera observação dos elementos conferidos pelos autos. Mais cuidados há que ter na situações em que a identificação, a incidência ou a exigência do impulso processual não sejam evidentes ou quando sejam equívocas as consequências decorrentes da inércia, a justificar um sinal mais solene da existência do ónus e/ou dos efeitos que serão extraídos do seu incumprimento”.
No caso que nos ocupa, a Requerente/exequente promoveu a habilitação dos herdeiros da parte falecida. Porém, foi notificada para requerer o que tivesse por conveniente relativamente à situação de não citação de alguns dos Requeridos. Essa notificação foi efetuada com advertência para a aplicação do disposto no art.º 281º do Código de Processo Civil.
O que esteve em causa foi a sua inércia na promoção de diligência de citação, depois de anteriormente a Requerente ter colaborado noutras diligências com essa mesma finalidade.
O Decreto-lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro, que reviu o anterior Código de Processo Civil, conferiu, por regra, oficiosidade à citação, dispensando mesmo a intervenção do juiz nas diligências prévias à sua realização. Estava até então generalizada a prática diferente de “sempre que era encontrado um obstáculo à citação do réu, se notificar o autor para requerer a diligência seguinte. Apresentado o requerimento, o processo ia concluso ao juiz e só após o despacho deste se seguia nova diligência. Era frequente este jogo de pingue-pongue prolongar-se durante semanas ou meses, até que o tribunal lograsse finalmente, nem que fosse editalmente e por conta do autor, citar o réu.[6]
A lei processual não era a principal responsável por esta prática. Considera este Professor que se tratava anteriormente de uma prática perniciosa que ia para além do que dispunha a lei do processo; esta, desde 1985, referia expressamente os casos em que o autor devia ser notificado para requerer o que tivesse por conveniente.
O novo sistema de citação, instituído pela reforma processual de 1995, com expressão nos art.ºs 234º e 479º do Código de Processo Civil então em vigor, implementou a regra da oficiosidade das diligências do ato de citação que transitou para os art.ºs 226º e 562º do atual Código de Processo Civil.
Por regra, passou a incumbir à secretaria promover oficiosamente, sem necessidade de despacho prévio, as diligências que se mostrem adequadas à efetivação da regular citação pessoal do réu. Daquela competência funcional só se excetuam os casos em que a citação depende de prévio despacho judicial (nº 4 do art.º 226º), bem como os requerimentos formulados pelo autor quer ab initio (art.º 231º, nºs 8 e 9) quer na sequência da notificação a que se reporta o nº 2 do art.º 226º. No que respeita à intervenção do autor, pode ele requerer, na petição inicial, que a citação seja feita por agente de execução (art.º 231º, nº 8) ou por funcionário judicial (nº 9 do mesmo artigo). Pode ainda declarar naquela peça processual o propósito de promover a citação por si, por outro mandatário judicial, por via de solicitador ou de outra pessoa, e pode ainda assumir tal diligência em momento ulterior, sempre que qualquer outra forma de citação se tenha frustrado, ao abrigo do art.º 237º do Código de Processo Civil.
A regra da oficiosidade das diligências de citação não obsta a que, passados 30 dias sem que a citação seja realizada, a secretaria deva informar o autor das diligências efetuadas e dos motivos da não realização do ato (nº 2 do art.º 226º). Decorrido 30 dias sobre o termo daquele outro prazo de igual medida, se a citação ainda não estiver efetuada, o processo deve então ir ao juiz, com informação das diligencieis efetuadas e das razões da não realização atempada do ato. Naquele prazo de 30 dias, poderá o autor contribuir no sentido da ultrapassagem dos obstáculos verificados, indicando novos elementos relacionados com o paradeiro do citando ou mesmo solicitando outra modalidade de citação. Mas a lei não lhe impõe o fornecimento desses elementos; apenas concede ao autor a possibilidade de zelar pelo seu interesse, colaborando no processo na obtenção de novos elementos de conteúdo útil para a realização do ato.
O autor é também notificado sempre que se detete uma incapacidade de facto do citando (art.º 234º, nº 1, do Código de Processo Civil) e é ouvido antes de ser determinada a citação por carta rogatória para o estrangeiro (art.º 239º, nº 3, do Código de Processo Civil), mas mesmo nestas situações a sua inércia não significa a paragem do processo; o tribunal deve prosseguir oficiosamente com as diligências necessárias à citação do réu.
Este regime da citação enquadra-se bem no moderno direito processual civil, cada vez mais marcado pelo princípio do inquisitório e pelo primado da substância sobre a forma, cumprindo igualmente ao juiz dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação (art.º 6º, n.º 1, do Código de Processo Civil), o que leva a que sejam cada vez mais raros os atos que só à parte incumbe praticar e que importam a paragem do processo.[7]
A Requerente, no requerimento inicial, não promoveu a citação pelo mandatário judicial nos termos do art.º 237º (art.º 245º do Código de Processo Civil então em vigor), nem por agente de execução ou funcionário judicial.
A regra da oficiosidade da citação impunha que o tribunal não tivesse de aguardar a iniciativa da Requerente na promoção dos seus termos.[8] É certo que, uma vez notificada da situação da falta de algumas citações (após vários anos desde que a habilitação de herdeiros fora requerida), faria sentido, da parte dela, colaborar com uma tomada de posição mais diligente, no seu próprio interesse; mas a verdade é que isso não constituía o cumprimento de um dever sem o qual o processo houvesse de ficar parado, sem possibilidade de prosseguir os seus termos normais, com a prossecução de diligências de citação dos Requeridos ainda em falta.
Dispõe o art.º 236º do Código de Processo Civil:
«1 - Quando seja impossível a realização da citação, por o citando estar ausente em parte incerta, a secretaria diligencia obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, designadamente, mediante prévio despacho judicial, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres e, quando o juiz o considere absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital, junto das autoridades policiais.
2 - Estão obrigados a fornecer prontamente ao tribunal os elementos de que dispuserem sobre a residência, o local de trabalho ou a sede dos citandos quaisquer serviços que tenham averbado tais dados.
3 - O disposto nos números anteriores é aplicável aos casos em que o autor tenha indicado o réu como ausente em parte incerta.»
A citação edital pode ser determinada pela incerteza do lugar em que o citando se encontra (art.º 225º, nºs 1 e 6 art.º 240º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Não estando a realização das citações em falta unicamente dependentes da iniciativa da Requerente, não podia o tribunal ordenar que os autos aguardassem nos termos do art.º 281º do Código de Processo Civil e, posteriormente, considerar o incidente deserto e, por isso, extinto, nem, consequentemente, tirar daí efeitos para o processo de execução.
Tanto basta para julgar procedente a apelação e revogar a decisão que declarou deserto o incidente de habilitação de herdeiros.

Defende ainda a recorrente que, antes de se pronunciar sobre a deserção da instância, deve o tribunal ouvir as partes, sendo nula a decisão por preterição de uma formalidade que a lei prescreve e que pode influir no exame ou na decisão da causa.
Revogada a decisão, deve o incidente de habilitação de herdeiros prosseguir a sua normal tramitação, com a realização oficiosa das diligências necessárias à citação do Requeridos em falta, sendo de todo desnecessário e encontrando-se, por isso, prejudicado o conhecimento desta questão (da nulidade processual) do recurso.
Em todo o caso, sempre diremos que temos vindo a decidir que nem sempre será de afastar a audição das partes antes de proferir decisão, já que a deserção, conduzindo à extinção da instância, tem sérias implicações na marcha do processo e, indiretamente, nos direitos das partes (art.º 3º, nº 3 e art.º 277º, al. c), do Código de Processo Civil)[9].
No acórdão da Relação de Lisboa de 12.5.2015[10] defendeu-se também que o juiz tem de fazer uma análise dos autos para concluir pela negligência das partes em promover os termos do processo, e se deste não resultarem elementos seguros sobre aquela, deve, ao abrigo do dever de cooperação, ouvir previamente as partes sobre a verificação da falta de impulso processual.
Paulo Ramos de Faria, muito próximo desta linha sustenta[11]: “(…)não se poderá dizer, sem mais, que devem as partes ser ouvidas depois de se verificarem os pressupostos da deserção, mas antes do seu julgamento. Tudo dependerá do caso concreto – mihi factum dabo tibi jus –, isto é, do grau de satisfação, pelo tribunal, do princípio da cooperação, do dever de prevenção e do dever de gestão processual, antes de se ter completado o prazo de deserção. O mais que se poderá dizer é que, quando estes princípio e deveres não tenham sido satisfeitos, não se podendo concluir que o demandante foi esclarecido pelo tribunal, deve ser oferecido o contraditório prévio à decisão”.
Decorre de tudo quanto ficou exposto que, na procedência da apelação, deve ser revogada a decisão recorrida.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
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V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, devendo o incidente prosseguir com a realização das diligências necessárias à citação dos Requeridos em falta.
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Custas da apelação pela recorrente, por não terem sido produzidas contra-alegações e ter tirado proveito do recurso; considerando-se, no entanto, que já pagou a respetiva taxa de justiça.
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Porto, 23 de abril de 2020
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] Eurico Lopes-Cardoso, Manual da Acção Executiva, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 3ª edição, pág.s 688 e seg.s.
[2] Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 273.
[3] Paulo Ramos de Faria, O julgamento da deserção da instância declarativa – Breve roteiro jurisprudencial, Revista Julgar on-line, pág. 14. in http://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/04/O-JULGAMENTO-DA-DESER%C3%87%C3%83O-DA-INST%C3%82NCIA-DECLARATIVA-JULGAR.pdf.
[4] Na expressão de A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe P. de Sousa, Código de Processo Civil anotado, Almedina, Vol. I, pág. 329.
[5] Ob. cit., pág. 330.
[6] J. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, Coimbra, 1999, vol. 1º, pág. 393.
[7] Neste sentido, o acórdão do STJ, de 3.5.2018, proc. nº 217/12.5TNLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt; e Paulo Ramos de Faria, Artigo citado (Revista Julgar), pág. 4.
[8] Veja-se, por exemplo, o acórdão a Relação de Guimarães de 31.10.2018, proc. 590/15.3T8PTL.G1, in www.dgsi.pt, citado nas alegações do recurso.
[9] Cf. acórdãos proferidos em 21.2.2018, no proc. 2096/14.9T8LOU-D.P1, não publicado e de 7.12.2017, proc. 7234/10.8TBMAI.P1, in www.dgsipt, para onde remetemos. O Supremo Tribunal de Justiça já entendeu que não cabe ao tribunal promover a audição da parte sobre a negligência, tendo em vista a formulação de um juízo sobre as razões da inércia, devendo esta ser avaliada em função do que resultar objetivamente no processo (cf. acórdãos 20.9.2016, proc. 1742/09, de 14.12.2016, proc. 105/14 e de 8.3.2018, proc. 225/15), posição que é seguida por A. Abrantes Geraldes e outros, conforme Código de Processo Civil anotado, acima citado, pág. 330.
[10] Proc. 309/14.6YXLSB.L1-7, in www.dgsi.pt.
[11] Artigo citado, pág. 19.