Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3670/10.8TXPRT-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ MANUEL ARAÚJO DE BARROS
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
Nº do Documento: RP201009153670/10.8TXPRT.P1
Data do Acordão: 09/15/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O artigo 63º/3 do CP não exclui do direito à liberdade condicional quem já dela beneficiou ao abrigo do disposto nos nºs 2 e 3 do mesmo preceito.
II - O Artigo 64º/3 do CP ao dispor “pode”, não visa afastar o regime automático do nº4 do artigo 61, mas apenas esclarecer que nada obsta a que, revogada a liberdade condicional, ela venha a ser novamente concedida.
III - A jurisprudência do Ac Uniformizador 3/2006 abrange aquele que se encontra em cumprimento de pena após revogação de liberdade condicional concedida ao abrigo dos nºs 2 e 3 do Artigo 61º do CP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 1ª SECÇÃO CRIMINAL – Processo nº 3670/10.8TXPRT-D.P1
Tribunal de Execução de Penas do Porto – .º Juízo

Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto
I
RELATÓRIO
B………., já identificado nos autos, vem recorrer do despacho de fls 310, que indeferiu a promoção de fls 309, na qual o Ministério Público requereu a passagem de mandados de libertação do recorrente para o dia 5.07.2010, em virtude de este ter atingido o cumprimento de 5/6 da pena.
Fundamenta o seu recurso, em súmula, em violação por parte do tribunal a quo do disposto nos artigos 203º e 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, 64º, 61º e 62º do Código Penal, concluindo que, na aplicação correcta destes preceitos, o facto de o recorrente ter beneficiado de liberdade condicional, que foi entretanto revogada, não altera o alcance do nº 4 do artigo 61º do Código Penal, com a sua colocação em liberdade condicional logo que haja cumprido cinco sextos da pena.
Admitido o recurso, a ilustre magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido apresentou resposta, na qual pugna pela manutenção do despacho recorrido.
O Ministério Público junto deste tribunal apôs o seu visto.
Foram observadas as formalidades legais, nada obstando à apreciação do mérito do recurso - artigos 417º, nº 9, 418º e 419º nºs 1, 2 e 3, alínea c), do Código de Processo Penal.
II
FUNDAMENTAÇÃO
1. Consignam-se os dados que importam ao conhecimento do recurso.
O recorrente B………. foi condenado na pena de 8 anos de prisão que, por força de perdão, foi reduzida para 6 anos e 6 meses de prisão.
Por sentença do TEP de 6.07.2001, foi-lhe concedida a liberdade condicional até ao fim da pena, que ocorreria em 2.09.2003.
Em 16 de Maio de 2002, foi revogada essa liberdade condicional.
A pena que faltava cumprir era de 2 anos, 1 mês e 17 dias.
O cumprimento da pena foi reatado em 8 de Junho de 2009, após o recorrente se ter apresentado.
Os 5/6 da pena de 6 anos e 6 meses ocorreram em 5 de Julho de 2010.
2. A questão que se nos coloca consiste tão só em apurar se o preceito do nº 4 do artigo 61º do Código Penal - «o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena» - continua a ter aplicação no caso de ao condenado ter já sido concedida liberdade condicional que, entretanto, foi revogada.
Em sentido afirmativo, pronunciou-se recentemente este Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 3.02.2010 (Élia São Pedro), in dgsi.pt – “é aplicável ope legis a liberdade condicional aos reclusos que atinjam 5/6 do cumprimento da pena, quando a pena que falta cumprir, em reclusão efectiva, resulta da revogação de anterior concessão de liberdade condicional”. Concorda-se, no essencial, com os argumentos nele aduzidos, para os quais genericamente se remete, apenas se analisando a questão por referência apertada à argumentação que na decisão recorrida se desenvolve para extrair conclusão de sentido contrário.
São nesta invocadas duas ordens de razões.
A primeira conexa com o facto de o cumprimento da pena ter sido interrompido pela liberdade condicional, sendo que a ratio do preceito do nº 4 do artigo 61º só se entenderia quando aplicável a privações prolongadas de prisão, pressuposto que essa interrupção fez desaparecer.
No acórdão do STJ uniformizador de jurisprudência nº 3/2006, de 23.11.2005 (Santos Carvalho), publicado no Diário da República Iª Série – A, de 4.01.2006, fixou-se jurisprudência no sentido de que «nos termos dos n.ºs 5 do artigo 61.º e 3 do artigo 62.º do Código Penal, é obrigatória a libertação condicional do condenado logo que este, nela consentindo, cumpra cinco sextos de pena de prisão superior a 6 anos ou de soma de penas sucessivas que exceda 6 anos de prisão, mesmo que no decurso do cumprimento se tenha ausentado ilegitimamente do estabelecimento prisional».
O argumento que supra se refere utilizado na decisão ora posta em crise é retomado da tese vencida neste acórdão nº 3/2006. Na verdade, se compulsarmos a argumentação constante do mesmo, facilmente concluímos que a tese que nele obteve vencimento se estriba no cariz obrigatório (ou automático) da liberdade condicional prevista no nº 4 do artigo 61º, por contraposição ao carácter facultativo (se bem que não premial) da prevista nos nºs 2 e 3 do mesmo preceito. Do que decorreria que dar relevância ao não cumprimento da pena em um continuum para negar a liberdade condicional automática seria extrair na prática uma dupla sanção para o condenado que ilegitimamente interrompesse o cumprimento da pena, com violação do princípio ne bis in idem.
E, nesse aspecto, ao contrário do que a decisão recorrida pretende, não nos parece que a jurisprudência deste não se aplique ao caso presente. Na verdade, o não cumprimento das condições estatuídas na liberdade condicional que ditou a revogação desta em nada se distingue do não cumprimento dos termos da saída precária, situação visada no acórdão de fixação de jurisprudência. Em ambos os casos, os condenados saíram legitimamente do estabelecimento, só passando a estar em situação ilegítima a partir do incumprimento dos parâmetros que condicionaram essas saídas. Pelo que também o presente caso, de revogação de liberdade condicional, cai na previsão da parte final do dito aresto – “mesmo que no decurso do cumprimento se tenha ausentado ilegitimamente do estabelecimento prisional”.
Ora, o tribunal recorrido rodeou tal nexo, por apelo a especificidades da figura da liberdade condicional que implicariam a não aplicabilidade da disciplina do nº 4 do artigo 61º àquele a quem tivesse sido concedida (e revogada) anterior liberdade condicional.
Com o que revertemos para a segunda razão em que a decisão recorrida se estriba, aliás louvando-se em acórdão do STJ de 14.08.2009.
Desde logo, o paralelo com a pretensa exclusão que o nº 3 do artigo 63º do Código Penal (relativo à liberdade condicional em caso de execução sucessiva de penas) faria da faculdade de saída automática aos 5/6 da pena do condenado que já antes tivesse gozado de liberdade condicional. Mas não é, seguramente, esse o sentido correcto a extrair dessa norma. A qual tem um alcance completamente diferente, limitando-se a estabelecer um nexo sequencial – se o condenado não tiver saído antes em liberdade condicional, sairá aos 5/6 da pena. E só isso.
O mesmo se diga do teor do nº 3 do artigo 64º do Código Penal. O qual, ao dispor “pode”, não visa afastar o regime automático do nº 4 do artigo 61º, mas tão só esclarecer que nada obsta a que, revogada a liberdade condicional, ela venha a ser novamente concedida, quer nos termos de ponderação efectuada conforme ao disposto nos nºs 2 e 3, quer após o cumprimento de 5/6 da pena, como previsto naquele nº 4.
Por tudo o exposto, conclui-se:
- o nº 3 do artigo 63º do Código Penal, ao referir que «o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrem cumpridos cinco sextos das somas das penas» apenas estabelece um nexo sequencial, não sendo correcta a interpretação que dele extrai um paralelo para excluir do direito à liberdade condicional, nos termos do nº 4 do artigo 61º, aquele que já tivesse beneficiado de liberdade condicional ao abrigo do disposto nos nºs 2 e 3 do mesmo preceito;
- o nº 3 do artigo 64º do Código Penal, ao dispor “pode”, não visa afastar o regime automático do nº 4 do artigo 61º, mas apenas esclarecer que nada obsta a que, revogada a liberdade condicional, ela venha a ser novamente concedida;
- a jurisprudência do acórdão do STJ uniformizador de jurisprudência nº 3/2006 abrange aquele que se encontra em cumprimento de pena, após revogação de liberdade condicional concedida ao abrigo dos preceitos dos nºs 2 e 3 do artigo 61º do Código Penal, situação que cai na previsão da parte final do dito aresto – “mesmo que no decurso do cumprimento se tenha ausentado ilegitimamente do estabelecimento prisional”.
III
DISPOSITIVO
Termos em que, na procedência do recurso, se revoga a decisão recorrida, determinando-se a colocação imediata do recluso B………. na situação de liberdade condicional.
No cumprimento do disposto no artigo 177º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei nº 115/2009, de 12 de Outubro
- Fixa-se o termo da liberdade condicional em 5.08.2011
- Subordina-se a mesma às seguintes condições impostas ao recluso
a. Residência na morada constante dos autos
b. Acompanhamento pela equipa da Direcção Geral de Reinserção Social da área da mesma
c. Não frequentar zonas ou locais conotados com actividades ilícitas, nomeadamente de consumo ou tráfico de estupefacientes, nem acompanhar pessoas conotadas com a prática de tais actividades
d. Dedicar-se ao trabalho com regularidade
e. Manter boa conduta, com observância dos padrões normativos vigentes.
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Sem custas.
Passe mandados de libertação.
Por meio expedito, proceda-se às notificações.
Comunique, via fax, ao Instituto de Reinserção Social e ao TEP-Porto.
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Porto, 15 de Setembro de 2010
José Manuel Ferreira de Araújo Barros
Joaquim Maria Melo de Sousa Lima