Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10/18.1GAAGD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOS PRAZERES SILVA
Descritores: CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES DE MENOR GRAVIDADE
REQUISITOS
DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
CRITÉRIOS
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PROIBIÇÃO DE DUPLA VALORAÇÃO
PENA ÚNICA
FINALIDADE
Nº do Documento: RP2023101810/18.1GAAGD.P1
Data do Acordão: 10/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I – A acividade ilícita de tráfico de estupefacientes está legalmente prevista no artigo 21.º, do DL 15/93, de 22-01, tipo de ilícito base ou matricial onde se definem com significativa amplitude as diversas atividades delituosas que incidem sobre produtos estupefacientes que vão desde o cultivo, preparação, transporte, passando pela distribuição, cedência, compra e venda, até à detenção que não seja para consumo pessoal, e porque as condutas abrangidas podem assumir diferentes graus ou intensidade de violação do bem jurídico tutelado justifica-se a previsão da moldura penal ali contida, bastante ampla.
II – Já no artigo 25.º do mesmo diploma legal prevê-se um tipo de ilícito privilegiado, em que se incluem situações de uma excecional diminuição da ilicitude, exigindo o preenchimento deste tipo a demonstração de uma considerável diminuição da ilicitude, pelo que, na falta de verificação da mesma, a subsunção jurídica do tráfico de estupefacientes deve retomar o tipo fundamental, ou seja, o crime de tráfico previsto no artigo 21.º do DL 15/93.
III – De acordo com a indicação que o legislador fornece a título exemplificativo, a verificação do mencionado requisito, ou seja, de uma acentuada diminuição da ilicitude, poderá resultar dos meios utilizados, da modalidade ou circunstâncias da ação, da qualidade ou quantidade dos estupefacientes.
IV – Conforme a orientação do Supremo Tribunal de Justiça, aqui citada, a subsunção no tipo privilegiado resulta de uma avaliação global da situação de facto que permita fundamentar um juízo de ilicitude mitigada, de menor gravidade, ou seja, o enquadramento no tipo privilegiado depende de uma imagem global emergente dos factos provados, que conforme um grau de ilicitude sensivelmente inferior capaz de afastar a aplicação do tipo base e fundamentar o tratamento do caso no quadro de menor gravidade, do crime e das consequências jurídicas, desenhado no artigo 25.º
V – Na determinação do “quantum” da pena intervêm os elementos que resultem apurados no caso concreto e sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e/ou da culpa, desde que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infração do princípio da proibição da dupla valoração, nomeadamente os fatores enumerados do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal.
VI – Em qualquer caso, a determinação da concreta medida da pena deve ser orientada pelo princípio da proporcionalidade relativamente à gravidade do crime, ao grau e intensidade da culpa e às necessidades de reintegração do agente.
VII – Com a fixação da pena única pretende-se punir o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas principalmente pelo respetivo conjunto, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 10/18.1GAAGD.P1




ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


I. RELATÓRIO:
Nos presentes autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, por acórdão de 10-07-2023 foi decidido, além do mais, condenar o arguido AA
· pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de cinco (5) anos e nove (9) meses de prisão.
· pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. e), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de quatro (4) meses de prisão.
· em cúmulo jurídico das penas suprarreferidas na pena única de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão.
*

Inconformado com o decidido, o arguido AA interpôs recurso, rematando as respetivas motivações nos termos seguintes:

CONCLUSÕES:
I.
O presente Recurso vai interposto do douto Acórdão proferido nos presentes autos por o recorrente discordar da qualificação jurídica atribuída aos factos dados como provados.
II.
Para tanto, entende, como melhor expendido nas motivações supra, que a sua conduta se devia subsumir no tipo privilegiado de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pela alínea a) do artigo 25.º do referido diploma legal, e não o artigo 21.º, como propendeu o Acórdão recorrido.
III.
Aliás, é o próprio acórdão recorrido que sustenta que “importa considerar que o “tráfico” exercido pelo arguido AA não deixa de configurar uma actividade rudimentar alcançando um número diminuto de pessoas, não deixando de se caracterizar por ser um tráfico em pequena escala, exercido de forma “amadora”, predominantemente na rua, em com contacto directo com os consumidores e sem qualquer sofisticação de meios (sublinhado nosso).
IV.
Tal como é o mesmo acórdão que, adiante, afirma: “o Arguido tem um forte passado ligado ao consumo de estupefacientes, visto ter iniciado consumos de haxixe aos 16 anos, e após para um espectro de “drogas duras”.
V.
Efetivamente, o arguido ora recorrente foi julgado, e condenado, por se encontrar de tal modo “enterrado” no consumo de estupefacientes, pelo menos desde 2007 (vide ponto 89 dos factos dados como provados) que, em determinado período da sua vida, optou por sustentar o seu vício com a compra, transporte e entrega de drogas a alguns dos consumidores que com ele partilhavam consumos.
VI.
Ora, conclui ainda o douto acórdão recorrido que, pelo menos desde 2009 e até julho de 2022 (no decurso de 13 anos), o arguido entregou (principalmente) aos mesmos consumidores (menos de 10 indivíduos) um total de “452 doses de cocaína, 9 doses de heroína e 178 doses de canábis”.
VII.
O que, a nosso ver, demonstra uma atividade incipiente e claramente enquadrável nos ditames do artigo 25º do Decreto-lei nº 15/93 de 22 de janeiro,
VIII.
Isto porque se verifica, in casu, que os meios utilizados são “rudimentares”, as circunstâncias justificáveis pela situação de extrema dependência do consumo de estupefacientes, o número de consumidores envolvidos “diminuto” e as vendas “exercidas de forma amadora” e num “âmbito geográfico reduzido”.
IX.
Assim, face às próprias conclusões constantes no douto acórdão recorrido esperávamos que, a final, a qualificação jurídica do crime em causa fosse convolada para crime de tráfico de menor gravidade, nos termos do artigo 25º do Decreto-lei nº 15/93 de 22 de janeiro, o que (inexplicavelmente) não se verificou.
X.
Em síntese, e salvo o devido respeito, configura-se que a atuação do arguido ora recorrente ocorreu num contexto em que a ilicitude do facto numa valoração global de todos os seus fatores conhecidos, se mostra consideravelmente diminuída, justificando por isso a subsunção da conduta criminosa daquele tipo privilegiado de crime de tráfico de menor gravidade, a que corresponde a pena de um (01) a cinco (05) anos de prisão.
XI.
Ademais, entende o arguido recorrente que o Tribunal a quo não teve em devida conta circunstância cruciais para a determinação do quantum da pena aplicada, violando assim o disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal, acentuando a necessidade de proteção dos bens jurídicos (prevenção geral) e secundando as necessidades de ressocialização do arguido ora recorrente, não valorando devidamente as suas condições pessoais, o suporte familiar de que dispõe e o esforço que tem levado a cabo, enquanto está recluído, para se manter abstinente e aumentar a sua escolaridade e hábitos de trabalho.
XII.
Estamos convencidos que o arguido interiorizou o desvalor da sua conduta e está a conduzir a sua vida de acordo com o Direito e as normas sociais vigentes, demonstrando ter dado passos no sentido de se integrar na comunidade após a libertação.
XIII.
Ora, salvo melhor entendimento, cremos que compete também ao Estado (de Direito), atentas as finalidades das penas, potenciar a recuperação dos delinquentes. O Estado não pode reduzir a sua intervenção à repressão e, em casos como o dos presentes autos, deve antes utilizar todos os mecanismos que a lei coloca ao seu dispor para auxiliar os arguidos na correção dos “vícios” que pautaram as suas condutas anteriores.
XIV.
Condenando o arguido na pena de prisão em que condenou, atentos os argumentos expendidos aquando da fundamentação do presente recurso, violou o acórdão recorrido o disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal, bem como os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, preceitos dotados de dignidade constitucional.
XV.
Assim sendo, mantendo a argumentação expendida quanto à aplicação ao arguido da pena prevista no artigo 25º do Decreto-lei nº 15/93 de 22 de janeiro, justificar-se-á a aplicação ao recorrente de uma pena de prisão próxima da mediana da moldura penal de tal crime, isto é, três (03) anos de prisão, com condições para ser suspensa na sua execução, com regime de prova, nos termos do artigo 50º do Código Penal.
Ainda que assim não se entenda, e por mero dever de patrocínio,
XVI.
O que acima se fundamentou, no essencial, quanto à violação dos artigos 40º e 71º ambos do Código Penal, pode aplicar-se integralmente ao tipo de crime previsto e punido pelo artigo 21º do Decreto-lei nº 15/93 de 22 de janeiro, sendo pois ajustada à culpa e ao grau de ilicitude da atuação do arguido uma pena mais próxima do limite inferior da moldura penal abstrata, isto é, mais próxima dos quatro (04) anos, também suspensa na sua execução com regime de prova.

Termos em que,
Deve o presente recurso ser considerado provido nos termos enunciados nas conclusões, como é de

Direito e Justiça!!!
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O Ministério Público na primeira instância apresentou resposta ao recurso, na qual pugnou pela respetiva improcedência.
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Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer, no qual adere ao teor da resposta e se pronuncia no sentido da improcedência do recurso.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente apresentou resposta, na qual manifestou discordância relativamente ao parecer e manteve o alegado na motivação.
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II. FUNDAMENTAÇÃO:

A. Acórdão Recorrido
Factos Provados:
1. Desde pelo menos o ano de 2009 e até Julho de 2022, data em que foi preso preventivamente, o arguido AA, também conhecido pela alcunha de ‘...’, dedicou-se à venda a terceiros, a título lucrativo, de produtos estupefacientes, nomeadamente heroína, cocaína e haxixe (resina de cannabis).
2. Para o efeito, mantinha contactos pessoais e telefónicos com diversos consumidores de estupefacientes, nomeadamente: BB; CC; DD; EE; FF; GG; a quem vendia os referidos produtos estupefacientes, entregando-os ora na sua residência, sita na Rua ..., ..., ..., em Águeda, ora deslocando-se a locais predefinidos com os consumidores, designadamente no nó da ..., como acontecia com a última consumidora identificada.
3. Nesse período, o arguido fazia deslocações diárias à cidade do Porto, designadamente ao Bairro ..., onde se abastecia dos referidos produtos estupefacientes, designadamente cocaína, pagando €5,00 (cinco euros) por cada base, heroína, pagando €2,5 (dois euros e cinquenta cêntimos) por cada base, e haxixe, pagando €50,00 (cinquenta euros) por cada placa de 100 gr, ali se deslocando quer de veículo por si conduzido, quer de boleia de terceiros, a quem, por vezes, recompensava entregando porções de estupefaciente.
4. Nesse âmbito, em 04/06/2018, pelas 14:00 horas, na Rua ..., ..., Albergaria-a-Velha, o arguido AA foi interceptado quando se encontrava na posse dos seguintes produtos, que transportava consigo no interior do veículo automóvel de matrícula ..-..-CE, marca Seat, modelo ..., por si conduzido: 5 bases de cocaína, dois panfletos de heroína, bem como uma placa de cannabis (resina) com o peso líquido de cerca de 98,7 gr., a qual se encontrava dissimulada atrás do autorrádio da viatura, um invólucro em plástico contendo no seu interior aproximadamente 4,3 gr. de cocaína e um panfleto de heroína, com o peso aproximado de 0,7 gr.
5. Submetidas a exame pericial veio a apurar-se tratar-se de canábis resina, com o peso liquido de 98,507 gr., com o grau de pureza 8,1 (THC)%, suficiente para 159 doses; cocaína (éster metílico), com o peso líquido de 4,752, gr., com o grau de pureza 63,7%, suficiente para 100 doses diárias; e heroína, com o peso bruto de 1,920 gr., com o grau de pureza 33,1%, suficiente para 5 doses diárias, calculadas de acordo com a Portaria 94/96 de 26 de Março.
6. Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido AA tinha ainda na sua posse um telemóvel da marca “Optimus”, modelo Zali, de cor preta, com o IMEI ...15, contendo no seu interior um cartão SIM, da operadora MEO, com o pin ... e um micro SD de 4 GB de memória, e uma nota do BCE, com o valor facial de cinco euros.
7. No dia 25/08/2018, cerca das 13:10 horas, em ..., Águeda, no IC..., o arguido AA circulava como passageiro no veículo automóvel de matrícula ..- ..-KA, conduzido pela testemunha BB, que o havia transportado ao Porto para aqueles fins.
8. Nessa ocasião, o arguido AA tinha na sua posse dois panfletos de heroína, com o peso bruto de cerca de 1,5 gr., dezoito pedras de cocaína com o peso bruto de 2,5 gr. (suficiente para a preparação de cerca de 18 doses individuais, vulgarmente denominadas bases), e uma placa de haxixe (resina de canábis) com o peso líquido de cerca de 99,4 gramas, dissimulado na Centralina do motor do veículo, um telemóvel da marca Wico, modelo LUB/4, de cor preta, com os ...10 e ...15, contendo no seu interior um cartão SIM, da operadora MEO, um telemóvel da marca F2, modelo N88/18, de cor preta, com os ...62 e ...70, contendo no seu interior um cartão SIM, da operadora MEO, com o pin …..
9. O arguido AA, momentos antes, havia feito entrega ao referido BB, de uma porção de haxixe (resina de canábis), com o peso líquido de 3,6 gramas, como recompensa por o ter transportado ao Porto, nos termos descritos.
10. Constatados tais factos, foi o arguido AA detido em flagrante delito, vindo, nessa sequência, a ser realizada busca domiciliária na sua habitação supra identificada.
11. Nessa ocasião, na referida habitação, tinha o Arguido ali guardadas 75 (setenta e cinco) munições de fogo real, com projéctil de calibre .22, e 1 (um) cartucho com carga de chumbos de calibre 12.
12. No dia 19 de Janeiro de 2018, cerca das 14H40, no nó da A1, em ..., o arguido AA seguia como passageiro no veículo de matrícula ..-..-DG, tendo na sua posse, trazendo na mão, um embrulho em plástico contendo vinte pedras de um produto de cor branca, suspeito de se tratar de cocaína, com o peso bruto de 3,020 gr., bem como um telemóvel da marca Wiko, modelo ..., de cor vermelha, Dual Sim, com os IMEI ...96 e ...66, contendo no seu interior um cartão SIM, da operadora Vodafone, e um cartão de memória de 1 GB.
13. Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido AA regressava da cidade do Porto, onde se havia deslocado para aquisição de produto estupefaciente, designadamente ao Bairro ..., naquela cidade.
14. Submetido a exame pericial levado a cabo pelo LPC da Polícia Judiciária tal produto veio a revelar-se tratar-se de cocaína (éster metílico), de acordo com a tabela I-B, do Decreto-Lei 15/93, com um grau de pureza de 60,6%, suficiente para 53 doses individuais.
15. No dia 16 de julho de 2020, nas Bombas de combustível da A1, ..., ..., sentido norte/sul, o arguido AA, quando regressava da cidade do Porto, onde se havia deslocado na companhia de HH para aquisição de produto estupefaciente, tinha na sua posse, no bolso esquerdo dos calções, 0,2 gr de heroína.
16. No âmbito da descrita atividade, desde Agosto de 2017, o arguido AA cedeu ao referido BB, produto estupefaciente, designadamente haxixe, “línguas”, no valor unitário de 10 euros, em troca de serviços de mecânica e de transporte, designadamente transporte à cidade do Porto, o que ocorreu designadamente durante o mês de agosto de 2018, fazendo diariamente à excepção do domingo, sendo que no restante período temporal tal ocorreu pelo menos seis ou sete vezes, recebendo uma língua, no valor unitário de 10 euros, por cada serviço.
17. No referido período, o arguido entregou a este consumidor haxixe, pelo menos, no valor mínimo estimado de €70,00 (70 Euros), recebendo em troca serviços de correspondente valor.
18. Igualmente, no âmbito da descrita actividade, pelo menos desde Março de 2009 e até Fevereiro de 2019, o arguido AA vendeu a CC, consumidora de estupefacientes, cocaína, haxixe e, muito raramente, heroína, da seguinte forma: cerca de uma a duas vezes por mês, por vezes, uma placa de haxixe ao preço unitário de €140,00 (cento e quarenta euros) e 10 ou 15 bases de cocaína, ao preço unitário de € 10,00 (dez euros), que, por vezes, consumia na residência do arguido.
19. Quando pretendia adquirir produto estupefaciente ao arguido AA, CC, utilizadora do telemóvel n.º ...94, estabelecia contacto telefónico com o mesmo, encomendando a quantidade que pretendia, posteriormente, e após indicação do arguido AA, deslocava-se à residência deste, onde lhe eram entregues os produtos estupefacientes. Por vezes, o arguido AA deslocava-se ao Nó da A...5 em ..., local onde lhe fazia as entregas.
20. As comunicações SMS 401, 402, 411, 503, 510, 512, 516, 517, 518, 520, 765, 773, 783, 787, 789, 876, 878, 879, 882, 888, 1003, 1026 do exame 1053/2018, a folhas 278 a 297 do 2.º volume do Apenso B, referem-se às suas comunicações com o arguido AA, usando palavras subliminares, com vista a adquirir produtos de estupefacientes, aquisições que se concretizaram.
21. No referido período, o arguido recebeu desta consumidora uma quantia mínima estimada de cerca de €28.800,00 (vinte e oito mil e oitocentos Euros), em troca de estupefaciente.
22. Igualmente, no âmbito da descrita atividade, pelo menos desde 2009 e até final de 2018, o arguido AA vendeu a DD, conhecido por "II", utilizador do número de telemóvel ...47, consumidor de estupefacientes, produtos estupefacientes.
23. Com efeito, embora em data não concretamente apurada DD tivesse deixado de consumir estupefacientes, no ano de 2018, em razão do arguido ter estabelecido contacto consigo para que realizasse umas obras na sua residência voltou a consumir novamente.
24. Durante as duas ou três vezes que se deslocou à casa do arguido AA para realizar obras, adquiriu-lhe pelo menos 30 bases de cocaína, ao preço unitário de €10 (dez euros), sendo que por vezes o arguido AA oferecia-lhe uma base de cocaína.
25. No referido período, o arguido recebeu deste consumidor uma quantia mínima estimada de €300,00 (trezentos euros), em troca de estupefaciente.
26. DD foi consumidor de produtos estupefacientes durante aproximadamente 10 anos, tendo, durante esse período, adquirido, ainda que de forma não exclusiva, ao arguido AA.
27. As comunicações SMS 108 do exame 1053/2018, a fls. 279 do Apenso B, referem-se às suas comunicações com o arguido AA, usando palavras subliminares, com vista a adquirir produtos de estupefacientes, aquisições essas que se concretizaram.
28. Igualmente no âmbito da descrita actividade, pelo menos desde agosto de 2018 até agosto de 2019, o arguido AA cedeu, uma a duas vezes por semana, a EE, consumidor de estupefacientes, titular e o único utilizador do número ...48, cocaína e ocasionalmente heroína, em troca de favores, designadamente empréstimo de dinheiro, produtos esses quase sempre consumidos na residência do arguido AA.
29. Sempre que EE ia a casa do arguido AA para consumir estupefacientes juntavam-se lá algumas pessoas, também consumidoras, que ali se dirigiam para o mesmo fim, uma vez que na casa, mais concretamente na cave, existia um "Spot" para consumo, o qual tinha uma divisória para criar alguma privacidade.
30. As comunicações SMS nºs 794, 550, 544, 540, 517, 511, 443, 440, 439, 393, 389, 252, 235, 232, 187,169, 162, 161, 160, 159, 158, 124, 116, 114, 1134, 110, 107, 106, 96, 95, 86, 85, 84, 48, 47, 42, 41, 40, 27 e 26, constantes no apenso B, referem-se a comunicações enviadas/recebidas por EE, sendo que as SMS trocadas em 31 de Maio de 2018 com os nºs 361, 359, 357, 356, 355, 349, 339 e 338, também do apenso B, foram trocadas com o arguido AA com objectivo de marcarem encontro para irem ao Porto adquirir produto estupefaciente.
31. No referido período, o arguido entregou a este consumidor cocaína no valor mínimo estimado de, pelo menos, €480,00 (quatrocentos e oitenta euros), recebendo em troca serviços de correspondente valor.
32. Igualmente no âmbito da descrita actividade, pelo menos desde 2009 até Julho de 2022, mas com maior assiduidade a partir de 2018, o arguido AA vendeu a FF, titular e a única utilizadora do número de telemóvel ...85, consumidora de estupefacientes, entre três a dez bases de cocaína, por vezes diariamente, ao preço unitário de dez euros, e por vezes heroína ao preço unitário de 5 euros.
33. Para o efeito, por norma, FF deslocava-se diretamente a casa do AA, por regra de manhã, antes de este ir ao Porto abastecer-se, informava-o da quantidade e tipo de produto estupefaciente que pretendia e apenas após o seu regresso do Porto é que lhe entregava o dinheiro, em troca do produto que este lhe havia trazido.
34. Entretanto, aguardava na residência do mesmo, muitas vezes acompanhada por outros consumidores, também do círculo de amizade do AA.
35. Por vezes, também comprava à tarde ou noite, dependendo sempre da vontade que tinha para consumir e da posse ou não de estupefacientes por parte do arguido AA.
36. Sempre que FF ia a casa do arguido AA para consumir estupefacientes juntavam-se lá algumas pessoas, também consumidoras, que ali se dirigiam para o mesmo fim, uma vez que na casa, mais concretamente na cave, existia uma casa pequena em madeira onde era efectuado o consumo.
37. As comunicações SMS nºs 191, 192, 193, 194, 195, 196, 199, 200, 201, 225, 226, 227, 234, 547, 548, 585, 586, 588, 590, 591, 620, 622, 623, 624, 643, 646, 647, 648, 672, 673, 678, 679, 680, 681, 682, 694, 707, 708, 709, 714, 715, 716, 751, 781, constantes no apenso B, estabelecidas com o arguido AA foram efectuadas com aquela e estão relacionadas com a compra de produto estupefaciente, transações essas que se concretizaram.
38. Relativamente à SMS trocadas em 28 de maio de 2018 com os nº 680, também do apenso B, trata-se de SMS do arguido AA para FF, a solicitar que esta fizesse uma transferência via MB, relativamente a produto estupefaciente no valor de 220€, correspondentes a 3 dias.
39. Noutras ocasiões, o Arguido fazia-se acompanhar de FF quando se dirigia ao Porto, adquirindo para si (consumo próprio e venda) e para ela, sendo que esta lhe entregava o dinheiro correspondente à aquisição, no momento.
40. Ainda noutras ocasiões, o arguido cedia gratuitamente produto estupefaciente a FF, em contrapartida de esta fazer o mesmo quando o arguido necessitasse.
41. No referido período, o arguido recebeu desta consumidora uma quantia mínima estimada de €43.800,00 (quarenta e três mil e oitocentos Euros), em troca de estupefaciente.
42. Igualmente no âmbito da descrita actividade, pelo menos desde Junho de 2017 até Setembro de 2019, o arguido AA vendeu a GG, titular e a única utilizadora do número de telemóvel ...85, consumidora de estupefacientes, pelo menos por 5 vezes, 6 bases de cocaína, ao preço unitário de dez euros, por várias vezes adquiriu 1 base de cocaína, ao mesmo preço, e por vezes 10 bases de cocaína, a igual preço.
43. Quando pretendia adquirir cocaína, GG contactava com o arguido AA por vezes por telemóvel via SMS ou voz, perguntava-lhe se ele tinha estupefaciente e fazia-lhe a encomenda da quantidade que pretendia.
44. Na generalidade das vezes, e após o contacto telefónico, deslocava-se à residência do AA, local onde adquiria a cocaína e muitas vezes chegava a consumir, numa casa em madeira, situada no interior da habitação.
45. Por vezes, o arguido AA levava o produto estupefaciente a GG até perto da sua residência, sita em ..., sendo que nessas situações esta tinha de encomendar pelo menos 60 euros em cocaína, ou seja, 6 bases de cocaína, o que aconteceu pelo menos umas 5 vezes.
46. As comunicações SMS 480, 481, 482, 527 e registos telefónicos do exame 1053/2018, foram estabelecidas com o arguido com vista a adquirir produtos de estupefacientes, o que aconteceu, usando para o efeito palavras subliminares.
47. No referido período, GG entregou ao arguido AA pelo menos a quantia de €610,00 (seiscentos e dez euros) em troca de cocaína.
48. O arguido AA não é titular de licença ou autorização que o habilite a deter qualquer tipo de arma e/ou de munições, mas ainda assim quis deter as munições acima referidas, bem sabendo que tal não lhe era permitido.
49. Nos anos de 2017 e 2018, o arguido JJ, dedicou-se à venda a terceiros, a título lucrativo, de produtos estupefacientes, nomeadamente cocaína.
50. Para o efeito, mantinha contactos pessoais e telefónicos com diversos consumidores de estupefacientes, nomeadamente KK e FF.
51. No âmbito da descrita atividade, em data não concretamente apurada de Abril de 2018, em ..., Águeda, o arguido JJ vendeu a KK 2 bases de cocaína, pelo preço unitário de €10.
52. Nessas circunstâncias, o arguido facultou-lhe o número de telemóvel ...87, para contacto quando pretendesse adquirir produto estupefaciente.
53. Desde então, KK, contactando-o previamente através do referido contacto telefónico, começou a adquirir-lhe cocaína, cerca de 2 a 3 bases de cocaína de cada vez, três a quatro vezes por semana.
54. No dia 26/06/2018, KK deslocou-se à residência do JJ, tendo-lhe adquirido 5 bases de cocaína, no valor total € 50,00. Ali fumou uma base de cocaína e outra à saída, tendo sido abordado por dois elementos da GNR, tendo feito a entrega voluntária de 3 bases de cocaína que ainda detinha.
55. No referido período, KK entregou ao arguido JJ pelo menos a quantia de € 500,00 (quinhentos Euros) em troca de cocaína.
56. No âmbito da descrita atividade, em datas não concretamente apuradas de 2017 e 2018, em ..., Águeda, o arguido JJ vendeu, por diversas vezes, não inferior a seis, a FF duas a três bases de cocaína, pelo preço unitário de €10.
57. No referido período FF entregou ao arguido JJ pelo menos a quantia de € 120,00 (cento e vinte Euros) em troca de cocaína.
58. Em 04/06/2018, pelas 14:00 horas, na Rua ..., ..., Albergaria-a-Velha, foi o arguido JJ intercetado quando seguia como passageiro no interior do veículo automóvel marca Seat, modelo ..., matrícula ..-..-CE, conduzido pelo arguido AA.
59. Nas referidas circunstâncias, o arguido JJ encontrava-se na posse dos seguintes produtos, que transportava consigo: um ovo de plástico transparente, contendo no seu interior cinco bases de cocaína e dois invólucros de cocaína, com o peso total de 5.6 gr, totalizando 43 pedras de cocaína, com o peso aproximado de 6,4 gr.
60. Submetidas a exame pericial veio a apurar-se um peso líquido de 6,311 gr., com um grau de pureza de 66,4%, suficiente para 20 doses diárias, segundo a Portaria 94/96.
61. Encontrava-se, ainda, o arguido JJ na posse de um telemóvel da marca Nokia, modelo “16 16-2”, de cor preta e azul, com o IMEI ...75/8, contendo no seu interior um cartão SIM da operadora Vodafone, com o PIN…., e vinte e cinco euros em numerário, repartidos por uma nota de vinte euros e uma nota de cinco euros.

Apenso A
62. O arguido AA deslocava-se com frequência diária ao Porto (mormente ao Bairro ..., Bairro ..., e outros conotados com o tráfico), e adquiria os produtos estupefacientes a preço não superior a 5,00€ (cinco euros) a “dose” de cocaína e a 2,5€ (dois euros e meio) a “dose” de heroína, trazendo-os depois para a zona de Águeda onde vendia cada “dose” a 10,00€ (dez euros) e 5,00€ (cinco euros), respetivamente, obtendo um lucro nunca inferior a 100%.
63. Efectuava tais deslocações sobretudo num veículo Mercedes, de matrícula ..-..-RA, propriedade do seu pai, por vezes acompanhado de consumidores.
64. A venda de produtos estupefacientes era, na maioria dos casos, precedida de contacto telefónico dos consumidores, e realizava-se através de entregas directas, na residência do arguido, ou noutros locais definidos por este.
65. A sua residência era assim frequentada por indivíduos conotados com o consumo de estupefacientes, que ali se deslocam para adquirir produtos estupefacientes, consumindo por vezes no local.
66. Esta actividade era a sua única fonte de rendimento, não tendo qualquer remuneração declarada na Segurança Social desde o ano de 2007.
67. Assim, em datas não concretamente apuradas, mas no período compreendido entre o ano de 2019 e o início do ano de 2022, o arguido vendeu a LL, em média, uma base de cocaína por semana, ao valor unitário de 10,00€ (dez euros) – em certas semanas vendia-lhe duas ou três vezes, três bases (doses) de cocaína de cada vez, e havia semanas em que não lhe vendia nenhuma.
68. Para tanto, LL ligava ao arguido, via telemóvel ou via WhatsApp, e informava que queria estar com ele e, de seguida, o arguido indicava o local onde se iria realizar a transação e encontravam-se nesse lugar, ou, noutras situações, menos comuns, mandava-o ir a sua casa.
69. Também em datas não concretamente apuradas, mas no período compreendido entre meados do ano de 2018 e Julho de 2022, o arguido vendeu a MM, em média, oito bases de cocaína por mês, ao valor unitário de 10,00€ (dez euros) – vendia-lhe, normalmente, duas vezes por mês, quatro doses de cada vez.
70. Para tanto, MM ligava ao arguido, via telemóvel ou via WhatsApp, e informava que queria estar com ele e, de seguida, o arguido indicava o local onde se iria realizar a transação e encontravam-se nesse lugar, ou, noutras situações, menos comuns, mandava-o ir a sua casa.
71. Igualmente em datas não concretamente apuradas, mas no período compreendido entre o final do ano 2017 e Maio de 2022, o arguido vendeu a NN, esporadicamente, mas pelo menos vinte vezes, uma base de cocaína de cada vez, ao valor unitário de 10,00€ (dez euros).
72. Para tanto, NN ligava ao arguido, via telemóvel ou via WhatsApp, e informava que queria estar com ele e, de seguida, o arguido indicava o local onde se iria realizar a transação e encontravam-se nesse lugar, ou, noutras situações, menos comuns, mandava-o ir a sua casa, ocasiões em que consumia o produto adquirido logo no local.
73. No dia 11 de Março de 2022, pelas 20h30m, na Avenida ... em Águeda, o arguido conduzia o veículo com a matrícula ..-..-RA, e transportava consigo, junto à alavanca das velocidades, uma pequena embalagem de plástico contendo cocaína (cloridrato).
74. Tinha ainda consigo 79,10€ (setenta e nove euros e dez cêntimos), em numerário (três notas de 20,00€, uma nota de 10,00€, uma nota de 5,00€, três moedas de 1,00€, duas moedas de 0,50€ e uma moeda de 0,10€) e uma faca, que utilizava para corte de produtos estupefacientes.
75. Nessa sequência, o arguido foi detido e conduzido ao posto da GNR e, quando se encontrava no WC, foi ouvido pelo militar da GNR o som de algum objecto a cair no chão e a rolar, constatando-se depois que se tratavam de dois invólucros – os quais o arguido transportaria, presumivelmente, em partes íntimas – um contendo no seu interior cocaína (cloridrato) e outro contendo no seu interior canábis (resina).
76. Sujeitos a exame pericial, constatou-se que se tratava de: 2,638g de cocaína, correspondente a dez doses diárias individuais e 1,149 gramas de canábis (resina), correspondente a 3 doses diárias individuais calculadas de acordo com a Portaria 94/96 de 26 de Março.
77. No dia 30 de junho de 2022, o arguido deslocou-se, na companhia de FF, ao Bairro ..., no Porto, com o propósito de adquirir estupefaciente para ambos.
78. Deslocaram-se desde Águeda, na viatura de FF, com a matrícula ..-NI-.., até ao ..., onde passaram a ocupar a viatura de matrícula ..-..-RA, do pai do arguido, na qual se dirigiram àquele Bairro, cerca das 18h.
79. Por volta das 20H20, saíram do interior do bairro e deslocaram-se novamente para o ..., onde foram abordados pela GNR, trazendo o arguido consigo, no interior do veículo, produto estupefaciente que destinava a venda a terceiros, designadamente:
- 2,028 g de canábis (resina), com 40,1% THC, correspondente a 16 doses diárias individuais;
- 5,198 g de cocaína (éster metílico), com grau de pureza de 73,6%, correspondente a 127 doses diárias individuais;
- 3,921g de cocaína (éster metílico), com grau de pureza de 94,1%, correspondente a 122 doses diárias individuais;
- 10,032 de cocaína (cloridrato), com grau de pureza de 97,9%, correspondente a 49 doses diárias individuais calculadas de acordo com a Portaria 94/96 de 26 de Março;
- e ainda vestígios de heroína.
80. No dia 5 de Julho de 2022, pelas 17h, na Rua ..., sita no Bairro ..., no Porto, o arguido conduzia o veículo de matrícula ..-..-RA e, quando abordado pela PSP, fugiu apeado, deixando um pacote em cima do muro da Fundação Serralves.
81. Momentos depois, foi interceptado pelos agentes e tinha ainda em seu poder, no bolso das calças, outro pacote.
82. Tais embalagens continham:
- 1,851 g de heroína, com grau de pureza de 23,7,6%, correspondente a 4 doses diárias individuais;
- 4,371 de cocaína (cloridrato), com grau de pureza de 97,8%, correspondente a 21 doses diárias individuais;
- 0,649 de cocaína (cloridrato), com grau de pureza de 94,4%, correspondente a 3 doses diárias individuais; calculadas de acordo com a Portaria 94/96 de 26 de Março.
83. O arguido AA retirava o seu sustento da compra e venda de substâncias estupefacientes.
84. O arguido JJ retirava parte do seu sustento da compra e venda de substâncias estupefacientes.
85. O arguido AA detinha e vendia as substâncias acima referidas, bem sabendo que se tratava de produtos estupefacientes e que não lhe era permitida a sua detenção, transporte e venda a qualquer título, destinando as mesmas à cedência a terceiros a troco de quantias monetárias ou prestação de serviços.
86. Em todas as circunstâncias suprarreferidas, os Arguidos conheciam as características das substâncias que detinham, guardavam, cederam e venderam, designadamente aos consumidores suprarreferidos.
87. Os Arguidos AA e JJ agiram, sempre, de forma livre, deliberada e consciente com o propósito concretizado de deter, guardar na sua posse os produtos estupefacientes que destinavam à cedência e venda a terceiros, bem como de transportá-los, cedê-los e vendê-los a consumidores, bem sabendo das características de tais produtos e que a sua detenção, posse, transporte, cedência e venda eram proibidos, não se coibindo de o fazer, sabendo ainda da danosidade social em termos de saúde pública decorrente da venda e consumo deste tipo de produtos, o que representaram.
88. Os arguidos agiram, sempre, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas são proibidas e punidas criminalmente.
89. Do relatório social do arguido AA consta:
“I - Dados relevantes do processo de socialização
AA, natural de ..., concelho onde decorreu o seu processo educativo, é filho único da união dos progenitores. O agregado familiar de origem, de condição socioeconómica favorável, subsistia da atividade laboral do progenitor, como eletricista e da progenitora como escriturária de uma empresa de investimento hoteleiro.
A separação dos pais ocorreu quando AA tinha 10 anos de idade, por motivos que não soube identificar, tendo o arguido permanecido num regime de flexibilidade entre os progenitores, de acordo com a disponibilidade existente nos diversos momentos de vida dos ascendentes. O divórcio foi aparentemente bem tolerado pelo arguido, agregado que foi privilegiando bom relacionamento e contacto regular, entre os três elementos familiares.
O arguido iniciou o ensino escolar em idade regular (Águeda), onde concluiu o 6º ano de escolaridade.
Tendo em conta a deslocação da progenitora, por questões laborais, para Aveiro, a frequência do 3º ciclo de estudos e secundária, por parte do arguido, foi efetuada neste centro urbano, porém sem a conclusão do 12º ano, que abandonou, por desmotivação.
Com 16 anos iniciou o consumo de haxixe, escalando, mais anos mais tarde, para consumos de heroína e cocaína, após o cumprimento do serviço militar obrigatório (seis meses). O contacto com os serviços de saúde da área da toxicodependência, nomeadamente Centro de Respostas Integradas (CRI) de Aveiro, iniciou-se por imposição de processos judiciais entretanto instaurados. O acompanhamento irregular naquela instituição de saúde, foi sendo complementada, com o apoio dos progenitores, junto de clínicas privadas e da unidade de saúde familiar, de forma a concluir tratamentos e promover a abstinência. Em março de 2014 integrou programa de terapêutica de substituição (metadona), que manteve com regularidade até ao abandonou em setembro de 2018. Reiniciou acompanhamento terapêutico em 2019 situação que mantém até aos dias de hoje.
Após o cumprimento do serviço militar, apresentou experiência laboral, como fiel de armazém, motorista, ajudante de carpinteiro, forneiro cerâmico e pintor cerâmico, com períodos de emigração pela Europa. Refere não apresentar contratos formais (e respetivos descontos) desde 2007, mantendo período de inatividade/desemprego de longa duração. Foi registando atividade laboral informal nos terrenos de familiares, em atividades agrícolas sazonais.
Mantém, desde 2007, união de facto com a atual companheira, OO, relacionamento afetivo iniciado na Alemanha, país onde se encontravam, na altura, emigrados. Deste relacionamento nasceu a única filha do casal, PP, atualmente com 14 anos de idade. Pela problemática aditiva quer do arguido, quer da companheira, igualmente dependente de estupefacientes, a guarda da menor foi entregue à progenitora do arguido (avó de PP) assim que nasceu.
Associada às questões de saúde suprarreferidas, o casal tem mantido contactos regulares com o sistema de Administração da Justiça.
II - Condições sociais e pessoais
Nos últimos anos, o arguido foi mantendo residência ora na Maia, ora, de forma mais recente, em ..., onde integrou o agregado de origem do arguido, com a filha do casal, na ..., em ....
Pelos consumos de cocaína que foi mantendo, com períodos de abstinência e recaídas, AA foi conservando acompanhamento no CRI de Aveiro, assim como suporte/apoio da mãe ao nível terapêutico, tendo em conta a responsabilidade, atribuída a esta ascendente, pela recolha e supervisão da terapêutica efetuada pelo arguido.
Apesar do contributo do pai do arguido, no equilíbrio económico deste agregado familiar, mãe do arguido tornou-se no elemento aglutinador e protetor do casal, dependendo este do apoio daquela, tanto ao nível do acompanhamento clínico, acompanhamento diário da neta e apoio financeiro familiar.
III - Impacto da situação jurídico-penal
O arguido tem antecedentes criminais, tendo tido diversos contactos com o Sistema de Justiça Penal, cumprindo condenações com penas de prisão suspensas na sua execução e trabalho a favor da comunidade, com acompanhamento destes Serviços da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP).
AA foi preso, pela primeira vez, no Estabelecimento Prisional 1..., a 18-07-2022, no âmbito do processo 148/22.0GBAGD, indiciado por um crime de tráfico e outras atividades ilícitas, tendo sido transferido para o Estabelecimento Prisional 2... a 25-07-2022, onde se apresenta à data. Aquando da sua entrada, e tendo em conta os consumos de estupefacientes registados no exterior, foi disponibilizada a manutenção do acompanhamento clínico à problemática aditiva, junto do Centro de Respostas Integradas de Aveiro, compromisso que aderiu e mantém.
Apesar do apoio do agregado familiar que apresenta, quer em meio livre, quer em meio prisional, foi recentemente proibido de contactar com a companheira OO, após a instauração de procedimento disciplinar pela posse de estupefacientes, detetados após a visita da companheira ao EP. Em reflexão orientada, AA apresenta uma atitude de reconhecimento, em abstrato, da ilicitude de crimes similares ao que se encontra acusado. Não obstante, justifica os contactos com a justiça por fatores exógenos e circunstanciais.
IV - Conclusão
De acordo com os dados recolhidos, do percurso de vida do arguido sobressai a manutenção dos consumos de estupefacientes que originou alteração do estilo de vida, com consequências em termos sociais, familiares, profissionais e judiciais.
Apresenta, no entanto, relacionamento familiar gratificante, estabilizador, protetor, por parte do agregado de origem, durante e após a reclusão.
Em face ao exposto, e caso venham a ser provados os factos pelos quais se encontra acusado, somos de opinião, que o histórico criminal, o desemprego, a ausência de autonomia económica, as características pessoais e de saúde (aditivas), constituem-se como importantes necessidades de reinserção a justificar intervenção estruturada e regular.”
90. Do certificado de registo criminal do Arguido AA consta:
No Proc. 136/09.2GBAGD, por decisão de 24/09/2009, transitada em julgado a 14/10/2009, foi o Arguido condenado na pena de 70 dias de multa, à razão diária de 9€, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez;
No Proc. 11/10.8GAAGD, por decisão de 19/10/2011, transitada em julgado a 19/10/2011, foi o Arguido condenado na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por um ano e 10 meses, sob condição;
No Proc. 42/11.0GAAGD, por decisão de 05/03/2012, transitada em julgado a 05/03/2012, foi o Arguido condenado na pena de 11 meses de prisão, substituídos por 330 horas de trabalho a favor da comunidade pela prática de um crime de detenção de arma proibida;
No Proc. 53/13.1GAAGD, por decisão de 09/12/2013, transitada em julgado a 21/01/2014, foi o Arguido condenado na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, pela prática de um crime de furto qualificado,
No Proc. 124/16.2GBVNG, por decisão de 14/02/2018, transitada em julgado a 16/03/2018, foi o Arguido condenado na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, pela prática de um crime de furto tentado;
No Proc. 318/17.3PDPRT, por decisão de 16/11/2018, transitada em julgado a 17/12/2018, foi o Arguido condenado na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por três anos, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade.
91. Do relatório social do arguido JJ consta:
(…)
92. Do certificado de registo criminal do arguido JJ consta o seguinte.:
(…)
93. AA é reputado como tranquilo, trabalhador exemplar e honesto, por QQ e RR.

Factos Não Provados:
Não foram fixados.
****

B. APRECIAÇÃO DO RECURSO:
Conforme jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da apreciação de todas as matérias que sejam de conhecimento oficioso.
No presente recurso as questões suscitadas são a subsunção jurídica dos factos, a dosimetria das penas e suspensão da execução da pena.

1. O recorrente manifesta divergência quanto à subsunção jurídica dos factos, sustentando que a sua conduta deve ser enquadrada no crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, do DL 15/93, de 22-01.
Vejamos.
A atividade ilícita de tráfico de estupefacientes está legalmente prevista no artigo 21.º, do DL 15/93, de 22-01, tipo de ilícito base ou matricial onde se definem com significativa amplitude as diversas atividades delituosas que incidem sobre produtos estupefacientes que vão desde o cultivo, preparação, transporte, passando pela distribuição, cedência, compra e venda, até à detenção que não seja para consumo pessoal. As condutas abrangidas podem assumir diferentes graus ou intensidade de violação do bem jurídico tutelado que justificam a previsão de uma moldura penal cujos limites se situam entre 4 e 12 anos de prisão.
Já no artigo 25.º do mesmo diploma legal prevê-se um tipo de ilícito privilegiado[1], em que se incluem situações de uma excecional diminuição da ilicitude[2]. O preenchimento do tipo de crime privilegiado exige a demonstração de uma considerável diminuição da ilicitude, pelo que, na falta de verificação da mesma, a subsunção jurídica do tráfico de estupefacientes deve retomar o tipo fundamental, ou seja, o crime de tráfico previsto no artigo 21.º do DL 15/93[3].
De acordo com a indicação que o legislador fornece a título exemplificativo, a verificação do mencionado requisito, ou seja, de uma acentuada diminuição da ilicitude (ilicitude do facto consideravelmente diminuída, na terminologia legal), poderá resultar dos meios utilizados, da modalidade ou circunstâncias da ação, da qualidade ou quantidade dos estupefacientes.
Conforme a orientação do Supremo Tribunal de Justiça, a subsunção no tipo privilegiado resulta de uma avaliação global da situação de facto que permita fundamentar um juízo de ilicitude mitigada, de menor gravidade[4], ou seja, o enquadramento no tipo privilegiado depende de uma imagem global emergente dos factos provados, que conforme um grau de ilicitude sensivelmente inferior capaz de afastar a aplicação do tipo base e fundamentar o tratamento do caso no quadro de menor gravidade, do crime e das consequências jurídicas, desenhado no artigo 25.º [5].
No caso presente, os elementos de facto indicadores da dimensão da ilicitude do tráfico de estupefacientes que se extraem da matéria provada afastam a pretendida qualificação jurídica da conduta do arguido no tipo de crime de tráfico de menor gravidade.
Assim, atenta a natureza do estupefaciente transacionado, sobretudo cocaína, consideradas as numerosas vendas por ele realizadas, durante longo período de tempo, concretamente aos nove consumidores indicados na matéria provada (vd. Factos provados 2, 9, 16, 17, 18, 21, 22, 25, 26, 27, 28, 30, 31, 32, 36, 37, 45, 47, 67, 69, 71), aos quais fornecia produto estupefaciente com regularidade e em porções significativas [vd. Facto 18 (uma a duas vezes/mês, uma placa de haxixe e 10/15 bases de cocaína); Facto 24 (duas ou três transações, 30 bases de cocaína); Facto 28 (uma a duas vezes/semana cocaína); Factos 42 e 45 (cinco vezes, 6 bases de cocaína); Facto 67 (uma base de cocaína por semana; 2/3 vezes por semana três bases de cocaína); Facto 69 (oito bases de cocaína por mês)], tendo sido apurado o valor de 79.660,00€ referente a vantagem económica auferida pelo arguido nessas transações de produto estupefaciente, ao que acresce as elevadas quantidades de produto estupefaciente que detinha para posterior venda e que lhe foram apreendidas em 19-01-2018, 04-06-2018, 25-08-2018, 11-03-2022, 30-06-2022, 05-07-2022 (vd. Factos 4 e 5, 8, 12 e 14, 73 e 76, 77 e 79, 80 e 82; no total correspondente a doses individuais: 503 de cocaína[6], 9 de heroína, 178 de canábis), não se mostra possível afirmar a presença de um quadro global de atividade de tráfico de estupefacientes compatível com juízo de ilicitude substancialmente reduzida relativamente ao tipo de crime matricial.
Neste seguimento, carece de fundamento a pretensão recursiva baseada no número de consumidores aludido na matéria provada, conjugado com o modo de atuação do arguido e as quantidades de estupefaciente apreendidas, fatores que foram ponderados pelo tribunal a quo para arredar a subsunção ao tipo de crime de tráfico agravado previsto no artigo 24.º, do DL 15/93, de 22-01, mas que não justificam a subsunção ao tipo de crime previsto no artigo 25.º, do mesmo diploma legal, uma vez que a dimensão global da atividade de tráfico não se ajusta à gravidade suposta neste ilícito. Ademais, contrariamente ao que parece inculcar a alegação recursiva, o comportamento do arguido não se cinge-se à detenção de produtos estupefacientes para venda, os quais lhe foram apreendidos em janeiro, junho e agosto de 2018, março, junho e julho de 2022 (vd. Factos provados 4, 7, 12, 73, 76, 79, 80, 82), antes abrange ainda diversas transações de estupefaciente reiteradamente realizadas por período mais alargado, por isso, não é correta a correspondência estabelecida no recurso (vd. CLS VI) entre as quantidades de estupefaciente apreendidas ao arguido e o período global de atividade de tráfico na matéria provada (vd. Facto 1).
Em suma, não merece censura a subsunção jurídica da conduta do arguido AA operada no acórdão recorrido, pelo que improcede, neste aspeto, o recurso.

2. O recorrente insurge-se contra a medida da pena de prisão lhe foi imposta no acórdão recorrido, sustentando que deve ser reduzida para 3 anos, no âmbito do crime de tráfico de menor gravidade, ou, a manter-se a qualificação jurídica dos factos, deve ser fixada pena mais próxima dos 4 anos, correspondente ao limite mínimo da moldura aplicável.
Vejamos.
A determinação da pena concreta tem como critérios fundamentais a culpa e a prevenção, como decorre do disposto no artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal.
A ponderação das necessidades de prevenção satisfaz a necessidade comunitária de punir o crime e, consequentemente, de realizar as finalidades da pena; por seu lado, a consideração da culpa do agente satisfaz a exigência de que a vertente pessoal do crime, decorrente do respeito pela dignidade da pessoa do agente da prática do crime, limite as exigências de prevenção[7].
A prevenção enquanto princípio regulativo da medida da pena tem correspondência com o sentido que lhe é atribuído em matéria de finalidades da punição, ou seja, abrange a prevenção geral e a prevenção especial[8] (cf. artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal).
A prevenção geral positiva ou de integração, finalidade primeira da aplicação da pena, constitui o objetivo de tutela dos bens jurídicos, que fornece um critério de necessidade da pena a avaliar no caso concreto, estabelecendo uma moldura que tem por limites a medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função de tutela do ordenamento jurídico[9].
Dentro dos limites da moldura fornecida pela prevenção geral operam as necessidades de prevenção especial de socialização que indicam a medida exata da pena concreta (artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal).
Por seu lado, a culpa, como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto e como realidade da consciência social e moral, fundada na existência de liberdade de decisão do ser humano e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos, atua como limite inultrapassável das exigências de prevenção[10], ou seja, como limite máximo da pena quaisquer considerações preventivas, mormente de necessidades de prevenção geral, garantindo que o condenado não possa servir de instrumento de tais exigências (artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal).
Na determinação do quantum da pena intervêm os elementos que resultem apurados no caso concreto e sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e/ou da culpa, desde que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infração do princípio da proibição da dupla valoração, nomeadamente os fatores enumerados do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal.
Em qualquer caso a determinação da concreta medida da pena deve ser orientada pelo princípio da proporcionalidade, relativamente à gravidade do crime, ao grau e intensidade da culpa e às necessidades de reintegração do agente[11].
Na situação presente, extrai-se da matéria de facto provada com relevo para a determinação da pena que o arguido se dedicou à venda regular de estupefacientes a nove consumidores durante períodos que decorreram entre 2009 e fim de 2018 (facto 22); março de 2009 e fevereiro de 2019 (facto 18); 2009 e julho de 2022 (facto 32); Junho 2017 e Setembro de 2019 (facto 42); agosto de 2017 e agosto de 2018 (facto 16); final de 2017 e maio de 2022 (facto 71); agosto de 2018 e agosto de 2019 (facto 28); meados de 2018 e julho de 2022 (facto 69); 2019 e inicio de 2022 (facto 67). Abastecia-se de produtos estupefaciente, cocaína, heroína e canábis, maioritariamente cocaína, que depois vendia diretamente aos consumidores, com quem contactava por telemóvel. O valor apurado de vantagem obtida nessas transações de estupefaciente totaliza o quantitativo 79.660,00€. O produto estupefaciente transacionado era principalmente cocaína, mas também, em menores quantidades, heroína e canábis. Para além dessas vendas, o arguido detinha estupefaciente nas interceções de que foi alvo em janeiro de 2018 (facto 12), junho de 2018 (facto 4), agosto 2018 (facto 7), março de 2022 (facto 73), junho de 2022 (facto 77), julho 2022 (facto 80) em quantidades correspondentes a doses individuais no total de 503 de cocaína, 9 de heroína, 178 de canábis.
No que concerne às suas condições pessoais decorre da decisão que o arguido completara 43 anos de idade na data em praticou os últimos atos de tráfico de estupefaciente, vivia ora com a companheira ora integrava o agregado familiar de origem, tem uma filha com 14 anos de idade. Desde 2007 que não tinha ocupação profissional regular. Iniciou consumo de estupefaciente com 16 anos de idade, submeteu-se a tratamento e acompanhamento em instituição de saúde com a vista a desabituação de consumo, por várias vezes.
Quanto ao passado criminal do arguido resulta dos factos provados que sofrera seis condenações anteriores, nomeadamente pela prática de um crime de furto qualificado e de um crime de furto na forma tentada em penas de prisão suspensas, e ainda na pena de 3 anos de prisão suspensa, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, por decisão transitada em julgado em 17-12-2018.
Face aos concretos elementos apurados e enunciados supra, ponderada a dimensão da atividade ilícita de tráfico de estupefacientes desenvolvida pelo arguido e, por outro lado, a importância das consequências perniciosas decorrentes do mesmo tipo de atividade, revelam-se acentuadas exigências de prevenção geral associadas ao tipo de ilícito em causa e graduadas em função dos específicos contornos da atuação do arguido[12].
No domínio da prevenção especial também se mostram elevadas as necessidades de ressocialização considerada a dimensão e os proveitos da atividade de tráfico de estupefacientes apurada e a persistência dessa atividade já depois de o arguido ser sancionado em pena suspensa, assim como a demais conduta anterior, embora tais necessidades também se mostrem mitigadas face aos hábitos de consumo de estupefaciente do arguido.
Ponderados todos os fatores indicados, considera-se que a pena de prisão imposta deve ser reduzida para 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão, pena esta que se situa dentro dos limites impostos pela culpa, mostra-se proporcionada à gravidade do crime, ao grau de culpa e às necessidades de reintegração social do arguido.
Em decorrência da modificação operada quanto à medida da pena imposta pelo crime de tráfico de estupefacientes, mantendo-se inalterada a pena de 4 meses de prisão fixada pelo crime de detenção de arma proibida- que não foi impugnada no recurso-, importa determinar a pena correspondente ao concurso de crimes.
Relativamente à punição do concurso de crimes decorre da lei que a moldura penal aplicável se obtém por referência às penas concretas impostas relativamente a cada um dos ilícitos criminais, sendo o limite máximo correspondente ao resultado da soma daquelas penas parcelares, e o limite mínimo igual à mais elevada das mesmas penas concretas aplicadas aos vários crimes (cf. artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal). Dentro da moldura estabelecida nos moldes indicados determina-se a pena conjunta, em função dos parâmetros fundamentais da culpa e da prevenção, e ainda mediante a avaliação em conjunto da personalidade do agente e do seu comportamento global (cf. artigos 71.º e 77.º, n.º 1, do Código Penal).
Com a fixação da pena conjunta pretende-se punir o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas principalmente pelo respetivo conjunto, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente[13].
No caso presente, o comportamento do arguido abrange dois delitos, de natureza e gravidade diversa refletida nas penas parcelares.
Avaliadas as condutas delituosas no seu conjunto e a personalidade do arguido, revelada na gravidade da totalidade dos factos cometidos, ponderados também os fatores pessoais relativos ao arguido, bem como o limite máximo imposto pela culpa correspondente ao ilícito global, considera-se justa e proporcionada a pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão, a qual satisfaz as finalidades punitivas, de defesa do ordenamento jurídico e de reintegração do arguido na comunidade, sem ultrapassar a medida da culpa.
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Não se verificam os pressupostos de aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, atenta a idade do arguido na data da prática dos factos, pelo que não beneficia de perdão da pena de prisão (cf. artigos 2.º, n.º 1; 3.º, n.º 1).
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Face à medida da pena única ora fixada não é admissível a suspensão da sua execução, atento o disposto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, uma vez que é superior a 5 anos de prisão, pelo que está liminarmente afastada a pretensão recursiva quanto a este aspeto.
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Nestes termos procede parcialmente o recurso.
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III. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso, em consequência do que determinam a redução da pena imposta ao arguido AA, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01, para a pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão; mais condenam o arguido, em cúmulo jurídico de tal pena e da pena fixada no Acórdão recorrido pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. e), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

Sem custas.
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Porto, 18 de outubro de 2023
Maria dos Prazeres Silva
Liliana de Páris Dias
Jorge Langweg
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[1] Convocado no caso concreto, sendo que também para os casos de excecional gravidade existe o tipo de crime agravado previsto no artigo 24.º, do DL 15/93, de 22-01.
[2] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-06-2011, proc. 83/08.5JAFUN.L.1S, disponível em www.dgsi.pt.
[3] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-04-2015, proc. 213/05.9TCLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-09-2014, proc. 56/13.6PFEVR.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[5] Cf. Citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-04-2015, proc. 213/05.9TCLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.
[6] Contabilizado o total das doses individuais de cocaína calculadas na matéria provada obtém-se o número de 503 e não de 452 como indica o acórdão recorrido.
[7] Cf. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2018, pág. 43.
[8] Cf. Maria João Antunes, ob. citada, pág. 43.
[9] Cf. Maria João Antunes, ob. citada, pág. 45.
[10] Vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-07-2015, proc. 315/11.2JELSB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03-04-2019, proc. 765/15.5T9LAG.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, No Ac. nº 632/2008 de 23-12-2008, do Tribunal Constitucional, pode ler-se: “Como se escreveu no Acórdão n.º 187/2001 (ainda em desenvolvimento do Acórdão n.º 634/93): «O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios:-Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos);-Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);-Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).»
[12] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-04-2015, proc. 47/13.7PAPBL.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt, Nos crimes de tráfico de estupefacientes as finalidades de prevenção geral impõem-se com particular acuidade, pela forte ressonância negativa, na consciência social, das actividades que os consubstanciam. A comunidade conhece as gravíssimas consequências do consumo de estupefacientes, particularmente das chamadas “drogas duras”, desde logo ao nível da saúde dos consumidores, mas também no plano da desinserção familiar e social que lhe anda, frequentemente, associada e sente os riscos que comporta para valores estruturantes da vida em sociedade.
Todavia, à medida da tutela dos bens jurídicos, reclamada pela satisfação do sentimento de segurança comunitária, não é alheia a dimensão da ilicitude das diversas modalidades de acção, no seu recorte objectivo. Com o que se quer dizer que as exigências de prevenção geral não têm, em todos os casos, a mesma medida. As diversas condutas têm de ser apreciadas na sua concreta configuração e importância relativa na lesão do bem jurídico tutelado, sendo, na ponderação da especificidade do caso concreto, que se vai encontrar a justa medida da satisfação das exigências de prevenção geral.(sublinhado nosso)
[13] Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 290-292.