Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
833/14.0T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
SENTENÇA
TRÂNSITO EM JULGADO
FAT
DESPACHO AUTÓNOMO
Nº do Documento: RP20190923833/14.0T8PNF.P1
Data do Acordão: 09/23/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 297, FLS 340-349)
Área Temática: .
Sumário: I - O despacho autónomo, proferido após sentença transitada em julgado, que altere o seu conteúdo decisório, é inadmissível por esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
II – Considerá-lo admissível, em sede de recurso, e procedente o recurso sobre ele interposto, com a dedução de verba pretendida pelo FAT, constituiria uma dupla violação processual: a do artigo 613,º, n.º 1 do CPC e a do princípio do caso julgado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 833/14.0T8PNF.P1
Origem: Comarca Porto Este-Penafiel-Juízo Trabalho-J4.
Relator: Domingos Morais – Registo 829
Adjuntos: Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
1. – Na acção especial emergente de acidente de trabalho n.º 833/14.0T8PNF.P1, a correr termos na Comarca Porto Este-Penafiel-Juízo Trabalho-J4, na qual figura como autor B… e como rés C…, S.A., Massa Insolvente de D…, Lda., e Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT),
A Mma Juiz proferiu o seguinte despacho, datado de 2019.03.18:
“Atento o teor dos documentos ora juntos as autos, e as declarações de parte prestadas pelo A em audiência, defiro parcialmente a pretensão do FGS de 26/10/2018, nos exactos termos constantes da douta promoção de 19/12/2018.”.
2. – O Fundo de Acidentes de Trabalho, inconformado, apresentou recurso de apelação, concluindo:
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II. - Fundamentação de facto
A matéria de facto a considerar, com interesse para a apreciação do recurso em separado, é a seguinte:
1. – Entrada a petição inicial, a Mma Juiz proferiu despacho: “Cite as rés para contestarem, querendo, no prazo de 15 dias – arts. 128.º, 129.º e 130.º do Código de Processo do Trabalho.
Cite o Instituto da Segurança Social, I.P., nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 59/89, de 22 de Fevereiro.”
2. – Apresentadas contestações pelos réus C…, S.A., e Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT) e elaborado o despacho saneador, decorreu a audiência de discussão e julgamento.
3. – E na sentença proferida em 15.10.2018, a Mma Juiz decidiu:
A) Absolvo a Ré “C…, S.A” de todos os pedidos contra si deduzidos pelo Autor B…;
B) Condeno a Ré “D…, LDA.” a pagar ao Autor B…:
I- a pensão anual, vitalícia e actualizável no montante de €2.395,27 a ser paga mensalmente, até ao 3º dia de cada mês e no seu domicílio devida a partir de 24 de Abril de 2015, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão, bem como o subsídio de férias e de Natal, cada um igualmente no valor de 1/14 da pensão anual, a serem pagos nos meses de Junho e Novembro de cada ano, respectivamente, conforme o disposto no artº 48º, nº 3, alínea c) e 72, nº 2, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, acrescidos de juros de mora contados à taxa legal desde o vencimento de cada prestação e até integral pagamento;
II- a quantia de 922,63 € acrescida de 16.839,15 € correspondente ao montante global de indemnização por via dos períodos de incapacidades temporárias que o sinistrado sofreu em consequência directa e necessária do acidente, lesões e sequelas dele emergentes, a que acresce juros de mora, a contar sobre a quantia diária de cada uma daquelas indemnizações, desde a data a que se reporta cada uma dessas quantias diárias, à taxa de 4% ao ano até integral e efectivo pagamento; e
III - a quantia de € 846,42 por reembolso de despesas médicas e medicamentosas, € 174,70 acrescida de € 50,00 com despesas de transporte para tratamentos e deslocações obrigatórias a este Tribunal e ao Gabinete Médico-legal, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, a partir 22-4 2017 até integral pagamento.
C) Considerando que a Ré empregadora “D…, LDA.” se encontra numa situação de insolvência, impõe-se ao FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO (FAT) assegurar o pagamento das sobreditas quantias e pensões ao sinistrado, com excepção de juros de mora, pelo que o FAT deve proceder ao pagamento ao sinistrado das seguintes quantias:
I- a pensão anual, vitalícia e actualizável no montante de €2.395,27 a ser paga mensalmente, até ao 3º dia de cada mês e no seu domicílio devida a partir de 24 de Abril de 2015, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão, bem como o subsídio de férias e de Natal, cada um igualmente no valor de 1/14 da pensão anual, a serem pagos nos meses de Junho e Novembro de cada ano, respectivamente, conforme o disposto no artº 48º, nº 3, alínea c) e 72, nº2, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro;
II- a quantia de 922,63 € acrescida de 16.839,15 € correspondente ao montante global de indemnização por via dos períodos de incapacidades temporárias que o sinistrado sofreu em consequência directa e necessária do acidente, lesões e sequelas dele emergentes;
III- a quantia de € 846,42 por reembolso de despesas médicas e medicamentosas, € 174,70 acrescida de € 50,00 com despesas de transporte para tratamentos e deslocações obrigatórias a este Tribunal e ao Gabinete Médico-legal.
Custas pela R Patronal.
Fixo o valor de processo em € 60.493,83 - artigo 120.º do Código de Processo do Trabalho.”.
4. – Notificado da sentença em 15.10.2018, o réu FAT requereu, em 26.10.2018:
“O Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT), Réu nos autos acima identificados, notificado da sentença proferida em 15-10-2018, vem expor e requerer a Vª. Exa. o seguinte:
1 – De acordo com os documentos juntos aos autos em 11-06-2018 pelo Centro Distrital da Segurança Social do Porto, o sinistrado encontrou-se a receber subsídio de doença em período parcialmente coincidente com os períodos de incapacidade temporária absoluta (ITA) decorrente do acidente de trabalho.
2 – Recebeu, assim, o sinistrado o montante de 1.374,34€ a título de subsídio de doença, durante o período compreendido entre 07-11-2014 e 11-02-2015.
3 - Ora, nesse período o sinistrado encontrou-se com ITA por acidente de trabalho, tendo direito a uma indemnização de valor superior ao concedido pela Segurança Social.
4 - Nos termos do n.º 1 do artigo 27º do Decreto-Lei nº 28/2004, de 4 de fevereiro (diploma em vigor à data dos factos e que regula o regime de proteção na doença), o subsídio de doença só é concedido quando o valor das prestações de acidente de trabalho for inferior ao montante daquele subsídio.
5 – Ora, tendo o sinistrado direito, no período em que se encontrou a receber subsídio de doença, a uma indemnização por acidente de trabalho de valor superior ao do subsídio de doença, deve este ser integralmente deduzido à indemnização por ITA.
6 – Verifica-se ainda do extrato de remunerações do sinistrado, relativo ao período de janeiro de 2013 a julho de 2013, que o mesmo recebeu retribuição paga pela entidade empregadora durante todo o período em que se encontrou em situação de ITA.
7 – Recebeu, assim, o sinistrado a quantia de total de 13.543,27€ a título de retribuição no período de janeiro de 2013 a fevereiro, totalmente coincidente com o período em que se esteve de ITA.
8 – A ITA constitui uma situação em que o sinistrado se encontra total e absolutamente incapacitado para o exercício de todo e qualquer trabalho, não podendo exercer qualquer outra atividade laboral.
9 - Sendo o recebimento de indemnização por ITA resultante de acidente de trabalho, o mesmo é totalmente incompatível com o recebimento de vencimento por trabalho dependente.
10 - Mais se diga que o recebimento de uma indemnização emergente de acidente de trabalho por ITA em simultâneo com a retribuição resultante do trabalho por conta de outrem gera uma situação de enriquecimento sem causa por parte do sinistrado.
Nestes termos, requer-se a V. Exa. que seja autorizada a dedução ao montante a liquidar pelo FAT a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta ao sinistrado B… da quantia de 1.374,34€ paga pela Segurança Social a título de subsídio de doença, bem como da quantia de 13.543,27€ auferida pelo sinistrado a título de retribuição.”.
5. – Notificado, o autor, em 08.11.2018, respondeu pelo indeferimento do requerido pelo réu FAT, dizendo, em resumo:
“2. Cumpre referenciar que em 15.10.2018 foi proferida a Sentença nos autos sub judice.
3. Como resulta do art. 613.º n.º 1 do Cód. de Processo Civil, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria em causa.
4. Por isso, com todo o respeito – que é naturalmente muito -, carece de plausibilidade legal a pretensão da Ré FAT no sentido de pretender ver alterada a decisão proferida pelo Tribunal através de um requerimento para “dedução” no montante determinado na douta sentença condenatória.
5. e sem prescindir, cumpre referenciar que a Ré FAT vem pronunciar-se, em 26.10.2018, relativamente a documentos cuja junção aos autos datam de 11.06.2018 e que a todas as partes – incluindo à Ré FAT – deles foram notificados pelo Tribunal em 12.06.2018 – cfr. fls __ dos autos.
6. A Ré FAT – como a qualquer umas das partes – assistia-lhe o direito ao contraditório sobre tais documentos ao abrigo dos arts. 3.º e 415.º do Cód. De Processo Civil, possuindo o prazo supletivo de 10 dias para o fazer (cfr. art. 149.º do Cód. de Processo Civil).
7. A Ré FAT optou por não se pronunciar sobre tais documentos, decidindo-o fazer volvidos, aproximadamente, 05 meses, através do Requerimento de 26.10.2018 o que, com todo o respeito – que é naturalmente muito -, carece de plausibilidade legal, sendo tal pretensão totalmente extemporânea.
8. Também por essa circunstância deverá ser indeferido o requerimento da Ré FAT.
9. e sem prescindir, a excepção do pagamento parcial (que é uma forma de extinção das obrigações conforme art. 762.º do Cód. Civil) que a Ré FAT vem agora invocar, teria estar alegada na sua Contestação, por lhe caber tal ónus nos termos do art. 342.º n.º 2 do Cód. Civil.
18. Os documentos remetidos pela Segurança Social em 11.06.2018 são atinentes a demonstrar a existência de descontos realizados pela entidade patronal Ré D… relativamente à obrigação de proceder à realização de contribuições decorrentes do exercício da actividade laboriosa do seu trabalhador, aqui Autor, conforme art. 11.º do Cód. Contributivo.
19. Sob pena de, não o fazendo a entidade patronal, incorrer em responsabilidade contra-ordenacional e/ou penal.
20. O que importa salientar é que os documentos juntos demonstram, somente, que foram realizadas contribuições para a segurança social no período descrito no histórico contributivo do Autor.
21. Não demonstram, como pretende assacar a Ré FAT, que o Autor auferiu cada um dos valores descritos no histórico contributivo.
25. E tal como não resultava, considerou o Tribunal provado o inverso da prova produzida, conforme factos provados na Douta Sentença, em especial os arts. 11.º e 12.º.”.
6. – Em 13.11.2018, o M. Público promoveu:
Antes de mais p. se notifique o autor para informar se confirma ter recebido do Instituto da Segurança Social a quantia de 1.374,34€ a título de subsídio por doença relativamente ao período compreendido entre 7.11.2014 e 11.02.2015, conforme consta a fls.334.”.
7. – Em 16.11.2018, a Mma Juiz proferiu o seguinte despacho:
Como se promove, devendo ainda esclarecer se efectivamente recebeu as quantias a que o Fat faz alusão no seu requerimento de 26/10/2018, de fls 433, considerando que a obrigação de pagamento do Fat é substitutiva da da entidade patronal.”.
8. - O autor respondeu: “Vem informar os autos que das quantias referenciadas pelo FAT o Autor apenas recebeu a quantia de €1.374,34 a título de subsídio de doença.”.
9. – Em 19-12-2018, o M. Público promoveu: “Fls.433 e seguintes: P. se autorize o FAT a deduzir apenas a quantia de 1.374,34€ que o sinistrado confirmou ter recebido a título de subsídio de doença – cfr. fls.442 verso.”.
10. – Em 10-01-2019, a Mma Juiz proferiu o seguinte despacho:
Oficie ao Fundo de Garantia Salarial solicitando que nos esclareçam se fizeram pagamentos ao ora A. B… em substituição da insolvente ora R D… e a que respeitavam esses pagamentos – face às declarações de parte prestada na sessão de julgamento de 27/6/2018, minuto 12.”.
11. – O Fundo de Garantia Salarial respondeu: “Exmo. Senhor Dr. Juiz de Direito,
Referenciando a vossa comunicação, ref. 78777369, datada de 12 de fevereiro de 2019, relativa ao processo n.º 833/14.0T8PNF - Acidente de Trabalho, vimos informar V. Exa. que, na sequência do pedido de pagamento de créditos laborais, no âmbito do Fundo de Garantia Salarial, apresentado pelo requerente/sinistrado B…, ex-trabalhador da D…, Lda., foram assegurados créditos, conforme documento que aqui se dá como reproduzido e se anexa.
Mais se informa que o pagamento foi efetuado ao referido requerente em fevereiro de 2017, no montante líquido de € 7.283,15 (sete mil, duzentos e oitenta e três euros e quinze cêntimos).”
12. – Em 26.02.2019, o autor respondeu:
1. Os documentos agora juntos vêm corroborar o que o Autor havia já invocado e o que consta na Douta Sentença, designadamente, de facto provado n.º 12.
2. Conforme facto provado n.º 12 a ITA fixada ao Autor foi de 812 dias entre 23.10.2013 e 23.04.2015.
3. Nesse período, ao contrário do que refere o R. FGA, o Autor não auferiu qualquer remuneração, nem o FGS liquidou ao Autor qualquer quantia relacionada com o período de ITA já que o que foi liquidado é atinente às retribuições que se encontravam por liquidar no ano de 2016 – cfr. documentos de fls__.
4. Pelo que deverá o Tribunal ordenar que a Ré Fundo de Garantia de Acidentes de Trabalho proceda ao pagamento já vertido na Douta Sentença proferida.”.
13. – Em 18.03.2019, a Mma Juiz proferiu o despacho recorrido, supra transcrito.
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2. - Objecto do recurso: da dedução “da quantia de 13.543,27 € auferida pelo sinistrado a título de retribuição”, “ao montante a liquidar pelo FAT a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta ao sinistrado B…”.

3.Questões prévias:
- Da inadmissibilidade do recurso de apelação e
- Da nulidade do despacho recorrido.

3.1.Da inadmissibilidade do recurso de apelação
O autor defende a inadmissibilidade do recurso, alegando que o réu FAT renunciou ao direito ao recurso da sentença proferida em 15.10.2018 - artigo 632.º n.º 3 do CPC -, constituindo, assim, o despacho recorrido um “despacho de reforma/rectificação”, previsto nos artigos 616.º e 614.º do CPC.
Notificado, o FAT nada disse.
Apreciemos.
Os normativos invocados pelo autor/recorrido reportam-se a “erros materiais” da sentença [“erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto” – artigo 614.º, n.º 1, do CPC-] ou a “manifesto lapso do juiz” por “erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos” ou por constarem “do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida” – artigo 616.º, n.º 2 do CPC.
Ora, o despacho recorrido não se enquadra em nenhuma das descritas situações, constituindo, isso sim, um despacho autónomo que alterou o segmento C) da parte decisória da sentença.
Tal despacho é recorrível, atento o disposto no artigo 644.º, n.º 2, alínea g) – “De decisão proferida depois da decisão final” - do CPC e do artigo 79.º-A, n.º 2, g) – “Dos despachos proferidos depois da decisão final” - do CPT.
Assim, é admissível o recurso interposto pelo réu FAT sobre o despacho proferido em 18.03.2019.

3.2. - Da nulidade do despacho recorrido.
No requerimento de interposição de recurso, o recorrente alega:
“O recurso ora apresentado tem também como fundamento a nulidade do despacho proferido em 18-03-2019 por falta de fundamentação do Mm.º Juiz ao não especificar os motivos de facto e de direito que justificaram o indeferimento parcial do requerimento apresentado pelo FAT em 26-10-2018, conforme impõe o artigo 154º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), falta esta que constitui uma nulidade nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, alínea b), do CPC.”.
O autor recorrido pronunciou-se, dizendo que “Por não cumprimento do ónus a que alude o art. 77.º do Cód. do Trabalho deverá o Tribunal não conhecer”.
Apreciemos.
As nulidades da sentença, tendo sido praticadas pelo juiz, podem ser invocadas e fundamentadas no requerimento de interposição do recurso, expressa e separadamente [dirigido ao Juiz do Tribunal inferior] e não na alegação [dirigida aos Juízes do Tribunal superior], como dispõe o artigo 77.º, n.º 1 do C. P. Trabalho, sob pena de delas não se poder conhecer, por extemporaneidade.
[Cf. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 175 e os Acs do ST J de 1990-12-13, 1991-01-31, 1991-04-09, 1994-03-09 e 1995-05-30, BMJ, respectivamente, n.º 402, págs. 518-522, n.º 403, págs. 382-392, n.º 416, págs. 558-565, n.º 435, págs. 697-709 e n.º 447, págs. 324-329 e, mais recentemente, Ac. STJ, de 23.04.1998, BMJ, 476/297 e Ac. STJ, de 03.12.2003, no site dos acórdãos do STJ].
Acontece que o Tribunal Constitucional, pelo seu Acórdão n.º 304/2005, de 2005.06.08, proferido no proc. n.º 413/04 e publicado no DR, II Série, de 2005.08.05 considerou que tal interpretação é “um obstáculo formal ao conhecimento de um fundamento de impugnação das sentenças por via de recurso que, ao não ser funcionalmente adequado à salvaguarda dos fins visados pela lei – a obtenção de particular celeridade e economia processual nos processos do foro laboral –, se traduz numa conformação arbitrária do recurso, restringindo desproporcionalmente, por desrespeito do subprincípio da adequação, a efectividade da garantia da via judiciária” e decidiu:
a) “Julgar inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.ºs. 2 e 3), com referência aos n.ºs. 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição, a norma do n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, na interpretação segundo a qual o tribunal superior não pode conhecer das nulidades da sentença que o recorrente invocou numa peça única, contendo a declaração de interposição do recurso com referência a que se apresenta arguição de nulidades da sentença e alegações e, expressa e separadamente, a concretização das nulidades e as alegações, apenas porque o recorrente inseriu tal concretização após o endereço ao tribunal superior [negrito nosso]. b) .... e c) ....”.
Tal significa que, apesar da matéria da nulidade do despacho recorrido constar apenas das alegações e respectivas conclusões, dirigidas ao Tribunal superior, mesmo assim não deve ser considerada extemporânea a sua arguição, pelo que dela se deve tomar conhecimento.
O despacho recorrido é do seguinte teor:
“Atento o teor dos documentos ora juntos as autos, e as declarações de parte prestadas pelo A em audiência, defiro parcialmente a pretensão do FGS de 26/10/2018, nos exactos termos constantes da douta promoção de 19/12/2018.”.
Da “douta promoção de 19/12/2018” consta: “Fls.433 e seguintes: P. se autorize o FAT a deduzir apenas a quantia de 1.374,34€ que o sinistrado confirmou ter recebido a título de subsídio de doença – cfr. fls.442 verso.”.
Quid iuris?
A ré invocou o vício de nulidade do despacho por falta de fundamentação – artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC.
Atento o estatuído no artigo 613.º, n.º 3, do CPC, “O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos.”.
Nos termos do artigo 615.º - Causas de nulidade da sentença -, do CPC:
1 - É nula a sentença quando:
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
É entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que a nulidade da alínea b) apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, e não quando a justificação seja apenas deficiente, visto o tribunal não estar adstrito à obrigação de apreciar todos os argumentos das partes.
[cf. acórdãos do STJ, de 15.12.2011, e do TRP, de 17.04.2012, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.].
Ora, sendo totalmente omisso quanto aos motivos de facto e de direito que justificaram o indeferimento parcial do requerimento apresentado pelo réu FAT, em 26.10.2018, o despacho recorrido enferma da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC.

4. - Nos termos do artigo 665.º, n.º 1, do CPC, “Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação”, sempre que disponha dos elementos necessários. É o caso.
Apreciemos.

5. - Da dedução “da quantia de 13.543,27 € auferida pelo sinistrado a título de retribuição”, “ao montante a liquidar pelo FAT a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta ao sinistrado B…”.
Como supra referido, findos os articulados e realizada a audiência de discussão e julgamento, a Mma Juiz proferiu a sentença que consta da Ata de Audiência de Discussão e Julgamento, de 15.10.2018.
Notificado da sentença, em 15.10.2018, o réu FAT não recorreu, mas apresentou o requerimento referido no ponto II.4. da fundamentação de facto, apreciado nos termos do despacho recorrido.
Nos termos do artigo 613.º - Extinção do poder jurisdicional e suas limitações – do CPC, 1 - Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.”, excepto quanto ao que está previsto no n.º 2: “É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.”.
Ora, como supra dissemos, o despacho recorrido não se limitou a retificar erros materiais ou a reformar a sentença, nos termos consignados nos artigos 614.º e 616.º do CPC.
O despacho recorrido alterou, indevidamente, o segmento C) da parte decisória da sentença, transitada em julgado.
No entanto, dado que o autor “aceitou” a parte do despacho que deferiu a dedução do montante de 1.374,34 €, transitou em julgado nessa parte.
E quanto à parte que indeferiu a pretensão do réu FAT, quid iuris?
Como resulta da Fundamentação de facto, a Mma Juiz ordenou a citação das rés para contestarem, querendo, no prazo de 15 dias – arts. 128.º, 129.º e 130.º do Código de Processo do Trabalho – e a citação do Instituto da Segurança Social, I.P., nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 59/89, de 22 de Fevereiro.
Apenas contestaram a ré seguradora e o réu FAT, sendo este nos seguintes termos:
“Contestando a ação movida pelo Autor B… diz o Fundo de Acidentes de Trabalho
O FAT desconhece, nem podia conhecer, os factos alegados pelo Autor, pelo que expressamente se impugnam.
Desta forma, desconhece se são ou não verdade os factos alegados na douta petição inicial, cabendo ao Autor o ónus da prova. Contudo, sempre se dirá o seguinte:
O Autor reclama o pagamento de juros de mora sobre as prestações emergentes de acidente de trabalho peticionadas.
Resulta claro que os juros de mora apenas são devidos no caso de existir mora do devedor.
Ora, o FAT nunca contribuiu para o atraso no pagamento, uma vez que nunca interveio no processo, nem teve qualquer possibilidade de intervir, de afastar ou eliminar qualquer mora de outrem, que porventura existisse.
Acresce que de acordo com o disposto no n.º 6 no artigo 1º do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de maio, “O FAT não garante o pagamento de juros de mora das prestações pecuniárias em atraso devidos pela entidade responsável.”
Assim, nunca será o FAT responsabilizado pelo pagamento de qualquer quantia a título de juros moratórios.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, deve a presente acção ser declarada improcedente por não provada com base na matéria articulada e o FAT ser absolvido do pedido.”.
Nos artigos 30.º a 32.º da petição inicial, o autor alegara:
30. Como consequência e direta do acidente de trabalho que sofreu, o autor ficou afectado com uma incapacidade temporária absoluta (ITA) para o trabalho no período temporal que decorreu de 23.01.2013 até 23.04.2015 (821 dias) – cfr. relatório da perícia de avaliação do dano corporal de fls. ___.
31. A indemnização por ITA começa a vencer-se no dia seguinte ao acidente e deve ser calculada com base na retribuição anual ilíquida à data do acidente, a qual se cifrava no montante de 11.293,14 euros (700,00 euros x 14 meses + 6,17 euros x 22 dias x 11 meses)
Como tal,
32. Tendo em conta o salário anual ilíquido e o período de ITA (821 dias), temos que o autor tem direito a receber uma indemnização no montante global de 18.509,94 euros (€.11.293,14:365=€.30,94; €.30,94x70%x365+€.30,94x75%x456).
Ora, sobre a sua obrigação - ou não - do pagamento ao autor/sinistrado da indemnização por incapacidade temporária absoluta ou sobre o alegado enriquecimento sem causa do autor, o réu FAT, na sua contestação, “remeteu-se ao silêncio”, nada alegando perante o Tribunal da 1.ª instância, o que se justificaria, nomeadamente, por que o valor que consta do ponto II.11. Da Fundamentação de facto – O “montante líquido de € 7.283,15” indicado pelo Fundo de Garantia Social -, não condiz com o valor da dedução pretendida pelo FAT - a “quantia de 13.543,27€” -, para não falar da divergência das partes sobre a natureza de tais valores. E porque tais questões não foram articuladas pelo FAT, não foram discutidas em sede de audiência de julgamento, nem apreciadas na sentença transitada em julgado, as fases processuais próprias para tal efeito.
O princípio do caso julgado – cf. artigo 628.º do CPC - obsta à posterior alteração de decisão transitada, salvo no caso de revisão da decisão, no âmbito do recurso de revisão previsto e regulado nos artigos 695.º e segs. do CPC., o que não é, manifestamente, a situação dos autos.
Em síntese:
(i) o despacho recorrido era processualmente inadmissível, por esgotado o poder judicial do juiz – artigo 613.º. n.º 1, do CPC;
(ii) considerá-lo agora admissível, em sede de recurso, e procedente o recurso, nos termos pretendidos pelo réu FAT, constituiria uma dupla violação processual: a do citado artigo 613,º, n.º 1 e a do princípio do caso julgado.
Deste modo, outra solução não resta do que julgar improcedente o recurso apresentado pelo réu FAT.

IV. - A decisão
Atento o exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso do réu FAT.
Custas do recurso a cargo do FAT.

Porto, 2019.09.09
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas