Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1079/08.2TAVNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
Nº do Documento: RP201112071079/08.2TAVNF.P1
Data do Acordão: 12/07/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: REJEITADO O RECURSO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A decisão que concede o apoio judiciário só produzirá efeitos em relação a taxa de justiça, demais encargos e custas que sejam devidas após a formulação do respetivo requerimento de proteção jurídica.
II - Em processo penal, o momento até ao qual o arguido pode requerer o apoio judiciário é o termo do prazo de recurso da decisão em 1ª Instância.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo comum singular 1079/08.2TAVNF do 1º Juízo Criminal de Vila Nova de Famalicão

Relator - Ernesto Nascimento.

Exame preliminar – artigo 417º/6 C P Penal.

I. Relatório

I. 1. No processo supra em epígrafe identificado foi proferido o seguinte despacho:
apoio judiciário – arguido B…:
o pedido de apoio judiciário foi formulado após o trânsito em julgado da decisão proferida, de onde resulta o único propósito de se eximir ao pagamento de custas, o que não se enquadra no instituto de apoio judiciário – artigo 44º/1 da Lei 34/04 de 29JUL.
Face ao exposto e nos termos promovidos, considere-se a decisão da segurança social unicamente para efeitos de custas a contar.
Notifique, sendo ainda o condenado para no prazo de 10 dias comprovar nos autos o pagamento das prestações vencidas quanto às custas contadas”.

I. 2. Inconformado com tal despacho – e depois de ter requerido a sua aclaração, cuja decisão não o terá esclarecido a contento – interpôs o arguido recurso, pugnando pela sua revogação e substituição por uma outra decisão que julgue provado o seu pedido, considerando-se beneficiário do apoio judiciário tal como peticionado e deferido, legal e administrativamente para as custas finais de todo o processo – apresentando as conclusões que se passam a transcrever:
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I. 3. Na resposta que apresentou o MP defende o não provimento do recurso.

II. Já neste Tribunal, o representante do MP emitiu, igualmente, parecer no sentido do não provimento do recurso.

III. Fundamentação

III.1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - que neles se apreciam questões e não razões e que não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões suscitadas no presente prendem-se tão só,

por um lado com a verificação dos vícios do artigo 410º/2 alíneas a) e c) C P Penal e,
por outro, com a violação dos artigos 20°, 24°, 27°, 37° e 44° da Lei 34/04 de 29JUL.

III. 2. No entanto, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, cremos ser caso de decisão sumária, nos termos do artigo 417º/6 alínea b) C P Penal, devendo “o recurso ser rejeitado”, por “ser manifesta a sua improcedência”.
Nos expressivos dizeres de Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 5ª ed., 2002, pág. 111, a improcedência é manifesta quando, “atendendo à factualidade apurada, à letra da lei e à jurisprudência dos Tribunais Superiores, é patente a sem razão do recorrente, sem necessidade de ulterior e mais detalhada discussão jurídica em sede de alegações”.
Como se está face a caso de rejeição de recurso por ser manifesta a sua improcedência, artigo 420º/1 C P Penal, identificados que estão, já, nos termos do artigo 420º/3 C P Penal, o tribunal recorrido, o processo e os sujeitos, importa agora, especificar sumariamente os fundamentos da decisão.

III. 3. Apreciando.

III. 3. 1. O despacho recorrido e o seu contexto processual.

O despacho colocado em causa com o recurso - do seguinte teor:
apoio judiciário – arguido B…:
o pedido de apoio judiciário foi formulado após o trânsito em julgado da decisão proferida, de onde resulta o único propósito de se eximir ao pagamento de custas, o que não se enquadra no instituto de apoio judiciário – artigo 44º/1 da Lei 34/04 de 29JUL.
Face ao exposto e nos termos promovidos, considere-se a decisão da segurança social unicamente para efeitos de custas a contar.
Notifique, sendo ainda o condenado para no prazo de 10 dias comprovar nos autos o pagamento das prestações vencidas quanto às custas contadas”,
surgiu depois de,
a decisão final, sentença homologatória da desistência da queixa e do pedido cível e do acordo sobre as custas neste último segmento, ter sido proferida a 18FEV, em audiência, e logo notificada aos intervenientes processuais;
ter sido elaborada a conta;
o arguido dela notificado, ter vindo requerer o pagamento faseado das custas, o que lhe foi parcialmente deferido;
e ter requerido a 1ABR - o que lhe veio a ser concedido apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo.

III. 3. 2. As razões apresentadas pelo recorrente.

Insurge-se o recorrente contra tal despacho, pretextando que,

depois de ter recebido a conta final onde verificou que tinha de pagar determinado valor de custas no processo;
de imediato, tratou de pedir ao tribunal o adiamento ou faseamento desse pagamento e antes de conhecida a decisão de deferimento de tal pedido, da qual foi notificado em 28.04.2011 - não se levantando aí a questão do trânsito em julgado da sentença de homologação do acordo nos autos - efectuou também, pedido junto da segurança social para o obtenção do apoio judiciário em 4.4.2011, onde precisamente comprovou toda a sua situação de insuficiência económica e informou do estado dos autos e que se tratava apenas de apoio para o não pagamento das custas finais, o que veio a ser deferido;
em ambas as decisões se reconheceu a sua situação de insuficiência económica;
é injusto, falso e descabido que o Tribunal venha a retirar o apoio judiciário decidido por quem tem competência na matéria e com todas as provas e informações para o fazer, com a justificação de que o recorrente efectuou o seu pedido extemporaneamente com o intuito exclusivo de eximir ao pagamento das custas finais;
não podia o tribunal ter julgado, muito menos ter revogado ou limitado a aplicação concreta da decisão do apoio judiciário – por falta de competência, desde logo, para conhecer e decidir sobre tal matéria e, por maioria de razão, por se tratar de uma decisão de competência administrativa já tomada e não impugnada judicialmente - cometendo-se aqui a ilegalidade de se ter decidido limitar a aplicação de uma decisão administrativa definitiva e baseada em todas as provas que o tribunal nem sequer teve acesso;
assente na justificação de que a sentença já tinha transitado em julgado, quando tal sentença estaria ainda passível de recurso não apenas extraordinário mas também ordinário;
tal como este recurso, pela sua renovação e alteração posterior com o douto despacho de 6.4.2011, notificado ao recorrente em 28.4.2011, em que foi a própria Juíza a alterar aquela sentença de homologação de acordo, no ponto relativo ao pagamento das custas, este renovando e alterando a sentença e não transitado em julgado e depois objecto do pedido de apoio judiciário de 4.4.2011, deferido em 5.5.2011, como se comprova nos autos, e a manter-se tudo o alegado inalterado, em que a primeira sentença continua em aberto e sob alteração ou confirmação, quanto à matéria aí referida das custas finais relativas apenas a parte cível dos autos, com o ainda posteriormente proferido douto despacho final de que agora se recorre, de 3.6.2011, também - diga-se - não transitado em julgado.
Daqui conclui que,
o Tribunal "a quo" extravasou as suas competências legais, julgando factos que não conhecia efectivamente quanto à insuficiência económica do arguido e deveria ter procurado conhecer as motivações do recorrente no seu pedido de apoio judiciário, violando assim a norma do artigo 410°/2 alíneas a) e c) C P Penal, o que conduziria a uma outra decisão oposta à recorrida e,
por outro lado pretendendo alterar uma decisão administrativa definitiva e não impugnada judicialmente, viola os artigos 20°, 24°, 27°, 37° e 44° do R C Judiciais.

III. 3. 3. O texto e o contexto legal invocados no despacho recorrido.

Dispõe o artigo 44º/1 do R C Judiciais aprovado pela Lei 34/2004 de 29JUL, na redacção introduzida pela Lei 47/07 de 28AGO, que “relativamente à concessão de protecção jurídica ao arguido em processo penal (…) deve o apoio judiciário ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em 1ª instância”.

O princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva constitui uma exigência constitucional, artigo 20º/1 da CRP e corresponde mesmo, a um direito fundamental, artigos 16º e 18º da CRP.
Uma das suas vertentes traduz-se, desde logo, no facto de que o seu exercício não possa ser prejudicado por razões de insuficiência económica.
O que se não significa a criação de um acesso gratuito, ou mesmo tendencialmente gratuito, exige, no entanto, que os encargos judiciais prévios - designadamente com a taxa de justiça para interposição de recurso - não constituam um impedimento económico para aceder ao direito.
Donde resulta para o legislador ordinário, a obrigação de criar um sistema legal que possibilite o acesso ao direito, a quem não tenha disponibilidades económicas ou financeiras em virtude de insuficiência de meios económicos ou em resultado da sua condição financeira, a quem devem ser prestados os meios suficientes e adequados para não só estar em juízo, mas para aí litigar em conformidade.
Assim, para efectivação deste direito, hoje, é através da Lei 34/2004, de 29JUL - entretanto alterada pela Lei 47/2007, de 28AGO - que está regulado o regime de acesso ao direito e aos tribunais, cujo n.º 1 do artigo 1º, dispõe, desde logo, que, “o sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos”.

Ao contrário do que acontecia anteriormente, a lei fixa agora o momento até ao qual tem de ser requerido o apoio judiciário.
Como regra, sobre a oportunidade para a formulação do pedido judiciário, estipula o artigo 18º/2, que “o apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerida antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação económica financeira”.
Regra, que no entanto, sofre um desvio, no que concerne ao arguido, em virtude das regras especiais previstas para o processo penal, dispondo o artigo 44º/1 dispõe que “em tudo que não esteja especialmente regulado no presente capítulo relativamente à concessão de protecção jurídica ao arguido em processo penal aplicam-se, com as necessárias adaptações, as disposições do capítulo anterior, com excepção do disposto nos n.º 2 e 3 do artigo 18.º, devendo o apoio judiciário ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão proferida em 1.ª instância”.
Apesar das várias questões que se vem colocando a propósito da interpretação desta precisa norma, ilustradas nas recentes decisões deste Tribunal de 8JUL2009, 6JUL2011 e 21SET2011, atenta a literalidade da norma, dúvidas não subsistem de que numa abordagem, desde logo, em sede de mínimo denominador comum a todas elas, em processo penal, o momento até ao qual o arguido pode requerer o apoio judiciário, é o termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância.
O que se traduz, no facto de o não poder ser depois do trânsito em julgado da sentença.[1]
Contudo o estabelecimento deste limite temporal para a formulação do pedido, não responde à questão da abrangência ou eficácia da decisão que concede o apoio judiciário, reportada ao processo a que se destina.
Isto é, a questão de saber se tem efeitos retroactivos ou, tão só, para o futuro.
Devendo, a resposta, a tal questão ser encontrada na confluência entre a natureza e os objectivos da apontada consagração constitucional do acesso ao direito, sendo a razão de ser do instituto do apoio judiciário – como vimos já – a de não limitar nem impedir o acesso ao direito e aos tribunais a quem apresente dificuldades ou esteja impossibilitado, em razão da sua condição social ou económica, para exercer os seus direitos.
No caso de o impulso ou a tramitação processual colocar barreiras de acessibilidade económica surge o campo de aplicação do instituto de acesso ao direito e aos tribunais.
O que parece apontar para que o pedido de apoio judiciário apenas tenha efeitos para o futuro, que assuma plena eficácia a partir do momento em que o requerente formulou essa sua pretensão. [2]
Assim, o benefício de apoio judiciário na modalidade concedida ao arguido só produzirá efeitos em relação a taxa de justiça, demais encargos e custas que sejam devidas após a formulação do respectivo requerimento de protecção de jurídica.

Por isso, não faz sentido sustentar - como o faz o recorrente - que, com o despacho sob recurso, o tribunal está a violar a competência que cabe aos serviços da segurança social e a vedar os efeitos do benefício de apoio judiciário concedido pela entidade competente.
É que o pedido de apoio judiciário concedido pela segurança social só produziria efeitos caso o processo tivesse avançado, como avançou, de resto.
E, a evidenciar essa mesma eficácia, atente-se na tramitação do presente recurso, não dependente – ela própria - do pagamento de taxa de justiça, por via do benefício que foi concedido ao arguido.
A decisão a conceder o apoio judiciário não podia produzir efeitos em relação à condenação anterior em custas – constante da sentença entretanto transitada em julgado, aquando da formulação daquela pretensão.
Na verdade, destinando-se o sistema de acesso ao direito e aos tribunais a promover que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, de conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos, verdadeiramente, o arguido só dele necessitava para o que ainda tivesse de litigar no processo, pelo que, fazer retroagir os seus efeitos ao inicio do processo equivaleria a uma isenção do pagamento das quantias já em dívida, o que nada tinha a ver com a possibilidade de aceder ao direito.
De resto - depois do trânsito em julgado da sentença e depois de contadas as custas – objectiva e assumidamente, pelo arguido - resulta que a formulação do pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo, visou tão só, o não pagamento das custas finais – pois que no horizonte se não vislumbrava o surgimento de quaisquer actos processuais a suscitar a obrigação de pagamento de qualquer taxa de justiça ou encargos.
Donde, manifesta e confessadamente, a pretensão e, depois, a decisão, não estão em consonância, desde logo com os efeitos práticos pretendidos pelo arguido.
A repercussão daquela decisão retroactivamente teria a virtualidade de tornar o apoio judiciário numa verdadeira causa de isenção de custas – institutos que se não confundem na sua matriz – desde logo, a todos os títulos inadmissível por não prevista na lei.

Nenhuma censura merece, pois, a decisão recorrida proferida de acordo com a melhor interpretação da norma legal pertinente.

III. 3. 4. Como é bom de ver, o artigo 410º/2 C P Penal foi pensado para o recurso de revista, para o STJ e constituía uma válvula de escape do sistema quando se previa um único grau de recurso e não era possível impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Ora, depois da alteração do regime de recursos inicialmente previsto no C P Penal, numa perspectiva de economia e celeridade processuais parece não fazer sentido que possa ter lugar a apreciação de vícios resultantes do texto da decisão (grosso modo), independentemente da decisão sobre eventuais erros de julgamento em matéria de facto com base na reapreciação da prova gravada em audiência, quando o essencial das situações neles abrangidas podem ser absorvidas pelo regime da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 412º/3 C P Penal.

Donde, atendendo, por um lado, a esta – inicialmente prevista - válvula de escape e, por outro, ao contexto em que está inserida esta norma e a própria natureza dos vícios nela previstos, permite concluir que não podem ser chamados a intervir em outra qualquer fase processual que não o julgamento.
Desde logo, literalmente as situações concretas que estão subjacentes aos vícios previstos nas normas invocadas pelo arguido, ”matéria de facto provada” e “apreciação da prova”, constituem conceitos que não têm ressonância num despacho da natureza do recorrido.
Despacho que – recorde-se - invocando o artigo 44º/1 da Lei 34/04, declarou que o pedido de apoio judiciário formulado pelo arguido após o trânsito da sentença – homologatória – das desistências de queixa e do pedido cível – foi extemporaneamente - e por isso, apenas se podia considerar para efeitos de custas a contar – e já não podia produzir efeitos em relação às custas contadas por via de tal sentença.

No caso é manifesto que as custas resultam em dívida resultam de uma decisão de 1ª instância transitada em julgado, antes, sequer, de o arguido ter apresentado o requerimento para concessão de apoio judiciário.
Isto é, quando a decisão - que contém a condenação no pagamento das custas - já não era passível de recurso ordinário, já tinha transitado em julgado.
Dizer isto - pois que a tanto se reconduz a decisão recorrida – por um lado, não tem subjacente qualquer quadro de facto erradamente apreciado e ou desconhecido, nem, por outro lado, traduz violação do “caso julgado” formado pela não impugnação da decisão da entidade administrativa que deferiu à pretensão do arguido, nem coloca em causa, nem invade a sua esfera de competência funcional.

Donde o tribunal de 1ª instância, em face de todos estes elementos, não podia deixar de – sem contrariar a decisão – declarar a limitação dos seus efeitos, por forma a que não abrangesse a responsabilidade tributária já declarada, atribuída e consolidada e, que por isso apenas podia abranger responsabilidades futuras que pudessem surgir no processo – de que o presente recurso é exemplo paradigmático, de resto.

III. 3. 5. Em relação à invocação da violação das apontadas normas legais cumpre dizer o seguinte:

como é sabido, quem recorre não se pode limitar a proclamar, muito menos, a sugerir ou aventar hipóteses de violações normativas, erros de julgamento, vícios da decisão.
Tem obrigatoriamente, até pelo princípio da lealdade, probidade e honestidade, a que está vinculado, de fazer a crítica das soluções para que propendeu a decisão de que recorre, aduzindo os motivos do seu inconformismo, a base jurídica em que se apoia e o caminho que deveria ter sido percorrido ou que haverá a percorrer.
Não basta alvitrar a violação de normas legais; necessário era afirmar e tentar demonstrar a incorrecção da aplicação do Direito e o sentido em que as apontadas normas foram interpretadas e o sentido com o qual o deveriam ter sido.
Com efeito, dispõe o artigo 412º/2 C P Penal, que versando o recurso, matéria de direito, as conclusões devem indicar o sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou a norma, que tem por violada, ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ser aplicada.
Ora a esta regra básica, não obedeceu, seguramente, o recorrente, tendo, então, que sofrer as consequências derivadas do incumprimento do ónus que sobre ele recaía, seja o não conhecimento desta questão, pois que não tem o Tribunal de recurso, em casos que tais, que iniciar qualquer manobra exploratória, destinada a suprir as omissões dos recursos, descobrindo hipotéticas razões de discordância não enunciadas.
Nem se vislumbra, ainda que com algum esforço, qual a relevância concreta das normas legais invocadas – todas elas da Lei 34/04, artigos 20º - que se reporta à competência para a decisão sobre a concessão de protecção jurídica - 24º - que prevê a autonomia do procedimento em relação à marcha do processo – 27º - que prevê a possibilidade de impugnação judicial da decisão da entidade administrativa – 37º - que prevê como regime subsidiário aplicável ao procedimento de concessão de protecção jurídica, o C P Administrativo - com a questão concreta aqui em apreciação e muito menos com os fundamentos invocados no recurso.
Por sua vez, a violação do artigo 44º - que contém 2 números – está arredada, no tocante ao seu n.º 1 – e o n.º 2 não releva para o caso – como acima deixamos enunciado.

III. 3. 6. Em conclusão, a decisão proferida pelos serviços da segurança social quando concedeu o apoio judiciário ao arguido, apesar de definitiva, por não impugnada, se, por um lado, não é ineficaz, assumindo aplicação prática no processo – de que a tramitação deste recurso é exemplo inegável – por outro, não tem a virtualidade de obviar a que o arguido tenha que suportar o pagamento das custas em que foi condenado, por sentença já transitada aquando da formulação do pedido de apoio judiciário.
Se é certo que o arguido refere que informou do estado dos autos e que se tratava apenas de apoio para o não pagamento das custas finais, já não é certo – como alega – que foi tal pretensão que veio a ser deferida. O que foi deferido foi a dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Donde, nenhuma injustiça, falsidade e despropósito se surpreende na decisão recorrida, que não tem a virtualidade – como pretende o arguido - de revogar ou limitar a aplicação concreta da decisão do apoio judiciário, definitiva e transitada em julgado.
Obviamente que a decisão da autoridade administrativa se tornou definitiva por não impugnada judicialmente, o que tem o efeito de – salvo a cláusula de melhor riqueza – se tornar definitiva e imutável em termos de decisão e dos fundamentos de facto em que assentou – tão só.
Nada mais do que isso.
Incumbindo, naturalmente, ao tribunal, fazer o seu enquadramento e aplicação prática ao caso dos autos.
Donde se se concede o direito de dispensa do pagamento de taxa de justiça e do pagamento de encargos do processo, por se considerar que o requerente está em condições de facto que ilustram determinada insuficiência económica, que o justifica, se o tribunal vem a exigir ao requerente o pagamento faseado – de resto, também, por si, concomitantemente solicitado – do pagamento das custas contadas, parece evidente que esta decisão em nada ofende o caso julgado formado sobre a decisão da entidade administrativa.

III. 3. 7. Por isso, se conclui que a pretensão do arguido, não só não pode proceder, como resulta, manifestamente infundada, nos termos e para os efeitos do artigo 420º/1 C P Penal, pois que perante os concretos vícios invocados e a forma como o arguido invoca as apontadas violações de normas jurídicas, torna-se impossível enquadrar aqueles no caso dos autos e proceder à apreciação destas, dada a absoluta falta de substanciação das razões por que o recorrente entende ocorrer tais violações.

O recurso é manifestamente improcedente quando através de uma avaliação sumária da sua fundamentação, se pode concluir, sem margem para dúvida, que o mesmo está claramente votado ao insucesso, que os seus fundamentos são inatendíveis.
Com efeito, é de rejeitar o recurso, quando se revele manifestamente improcedente nos termos do artigo 420º/1 alínea C P Penal, pois a manifesta improcedência constitui um fundamento de rejeição do recurso de natureza substancial, visando os casos em que os termos do recurso não permitem a cognição do tribunal ad quem, ou quando, versando sobre questão de direito, a pretensão não estiver minimamente fundamentada, ou for claro, simples, evidente e de primeira aparência que não pode obter provimento.

Nestes termos, sumariamente se decide, ao abrigo do disposto nos artigos 420º/1 alínea a) e 417º/6 alínea b) C P Penal, pela rejeição do recurso, que sempre tem em vista moralizar o uso do mesmo e a sua desincentivação como instrumento de demora ou chicana processuais.

IV. Dispositivo

Nestes termos e com os fundamentos mencionados, rejeita-se, por manifestamente improcedente, o recurso interposto pelo arguido B….

Condena-se o recorrente no pagamento da taxa de justiça, que se fixa em 4 UC,s.

Nos termos do artigo 420º/4 C P Penal, vai, ainda, condenado, na taxa de justiça, que se fixa, no equivalente a 4 UC,s.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o signatário.

Porto, 2011-Dezembro-7
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
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[1] Que ao contrário do defendido pelo arguido se verifica quando já não é possível, tão só, a interposição de recurso ordinário e já não extraordinário, cfr. artigo 677º C P Civil.
[2] De resto, já na vigência nos anteriores regimes, fixados, quer no Decreto Lei 387-/B/87 de 29DEZ, quer na Lei 30-E/90 de 20DEZ – quando o apoio judiciário podia ser requerido “em qualquer estado da causa”, a jurisprudência veio a fixar-se no entendimento de que o apoio judiciário só operava para o futuro, isto é, a partir do momento em que tinha sido requerido.