Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3411/17.9T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
ACTIVIDADE PERIGOSA
CULPA PRESUMIDA
CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA
Nº do Documento: RP20190611/17.9T8PNF.P1
Data do Acordão: 06/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 176, FLS 129-140)
Área Temática: .
Sumário: I - Quanto aos danos causados no exercício de actividades perigosas, o lesante só poderá exonerar-se da responsabilidade, provando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar.
II - No caso e provando-se que o acidente em causa se ficou a dever à total negligência da vítima e não à perigosidade e instabilidade das substâncias explosivas e ao risco inerente à sua utilização, foi correcta a decisão de absolver a ré, seguradora da empresa de pirotecnia dos pedidos que contra si foram formulados pelos autores.
III - A culpa presumida corresponde a um juízo de primeira aparência, e que se torna culpa efectiva se não for ilidida a presunção que a suporta.
IV - Quando for ilidida a presunção estabelecida, deixa o presumível culposo de responder pelo resultado danoso que da mesma resulta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº3411/17.9T8PNF.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo Central Cível de Penafiel
Relator: Carlos Portela (942)
Adjuntos: Des. Joaquim Correia Gomes
Des. Filipe Caroço

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
B… e C…, intentaram a presente acção, sob a forma de processo comum contra a ré D… Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia de € 135.000,00 (já deduzida da franquia de 10%) pela perda do direito à vida do E…, na proporção de € 67.500,00 para o autor (pai da vítima) e de € 67.500,00 para a autora (mãe da vítima); a quantia de € 90.000,00 (já deduzida da franquia de 10%) pelos demais danos não patrimoniais sofridos pelos autores em consequência da morte do seu filho, na proporção de € 45.000,00 para o autor e de € 45.000,00 para a autora, num total de € 225.000,00, acrescido de juros de mora a contar da citação até integral pagamento.
Para tanto, alegaram que no dia 6/4/2015, pelas 10h00m, o autor, fogueteiro de profissão, em nome e por conta da empresa de F…, deflagrou o fogo de artifício previamente instalado pelo autor e por G…, no jardim da habitação, sita na Rua …, nº …, freguesia …, concelho de Marco de Canaveses, tendo a comercialização, fornecimento e lançamento do fogo de artificio ficado a cargo de tal empresa, que providenciou pela obtenção das licenças e seguro necessários para o efeito.
Mais referem que a explosão do engenho pirotécnico que vitimou mortalmente E… se ficou a dever ao facto de uma das bombas ter rebentado de forma diferente das demais, apesar de terem sido respeitadas todas as normas de protecção e segurança, encontrando-se o E… a uma distância de segurança de 4/5 metros dos engenhos explosivos, ficando tal acidente a dever-se à perigosidade e instabilidade das substâncias explosivas e ao risco inerente à sua utilização.
Alegaram por fim que sofreram danos não patrimoniais pela perda do direito à vida da vítima e danos não patrimoniais sofridos pelos próprios com a perda do seu filho.
A ré, na sua contestação, impugnou os factos invocados pelos autores referindo que a empresa de F… apenas assegurou o lançamento do fogo de artifício junto da “Igreja …”, tendo para o efeito requerido licença de lançamento de fogo de artifício para tal local, não sendo da sua responsabilidade nem tendo, para o efeito, sido contratado o lançamento do fogo na habitação onde ocorreu a explosão.
Referiu, ainda, que a vítima, E… acendeu o respectivo rastilho das bombas, abeirou-se dos engenhos explosivos após a detonação de apenas alguns, tendo-se aproximado do tubo de fogo colocado no chão, colocando a sua cabeça à frente do referido tubo quando o fogo rebentou, agindo em total desrespeito das regras de segurança.
Concluiu, dizendo, que a acção deve ser julgada improcedente.
Os autores, na resposta, mantiveram a sua versão dos factos.
Os autos prosseguiram os seus termos com a realização de audiência prévia na qual se saneou o processo, se identificou o objecto do litígio e se enunciaram os temas de prova.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento no culminar da qual foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a ré D…, S.A. de todos os pedidos contra si deduzidos pelos Autores.
Os Autores vieram interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
A Ré contra alegou.
Foi proferido despacho que considerou o recurso tempestivo e legal e que admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do presente recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelos autores/apelantes nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor das mesmas conclusões:
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TERMOS EM QUE DEVE SER JULGADA PROCEDENTE A PRESENTE APELAÇÃO E REVOGANDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA SER A MESMA SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE JULGANDO A ACÇÃO PROCEDENTE OU PARCIALMENTE PROCEDENTE, CONDENE A RÉ, NOS PEDIDOS FORMULADOS PELOS AUTORES.
MAS COMO SEMPRE V. EXAS. FARÃO A ESPERADA E ACOSTUMADA JUSTIÇA!!!
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Já a Ré conclui as suas contra alegações, defendendo a improcedência do recurso e a confirmação da decisão recorrida.
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Perante o antes exposto, resulta claro que são as seguintes as questões suscitadas no âmbito deste recurso:
1ª) A impugnação da decisão da matéria de facto;
2ª) A exclusiva responsabilidade da empresa segurada da Ré pela ocorrência do sinistro;
3ª) A redução do montante indemnizatório por concorrência da culpa do lesado com a culpa do lesante.
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Ora estando em causa a decisão de facto antes proferida, importa, antes do mais, transcrever aqui o conteúdo da mesma, salientando-se “a negrito” os pontos que são objecto do recurso dos autores.
Assim:
Factos provados:
1 - A empresa de F… celebrou com a ré um seguro de responsabilidade civil, ramo exploração-organização de eventos através da apólice RC…….., junta a fls. 58 que aqui se dá por integralmente reproduzida.
2 - A empresa de F… assegurou o lançamento do fogo de artifício junto da “Igreja …”, tendo para o efeito requerido licença de lançamento de fogo de artifício para tal local.
3 - Toda a comercialização, fornecimento e lançamento do fogo de artificio a que se alude no ponto 2 ficou a cargo de tal empresa, tendo a mesma providenciado pela obtenção das licenças e seguro necessários para o efeito.
4 - A vítima E… prestava serviços para a empresa de F…, na qualidade de técnico operador credenciado, sempre que era solicitado por aquela empresa.
5 - No dia 6/4/2015, a empresa de F… assegurou o lançamento do fogo de artifício no jardim da habitação, sita na Rua …, nº …, freguesia …, concelho de Marco de Canaveses, tendo o material pirotécnico aí sido colocado pelo próprio G… ou por alguém a seu mando.
6 - No dia 6/4/2015, pelas 10h00m, a vítima E… deflagrou o fogo de artifício fornecido pela empresa de F…, no jardim da habitação a que se alude no ponto 5.
7 – E… acendeu o respectivo rastilho das bombas, abeirou-se dos engenhos explosivos após a detonação de apenas alguns, tendo-se aproximado do tubo de fogo colocado no chão, colocando a sua cabeça à frente do referido tubo quando o fogo rebentou.
8 - Tal rebentamento causou a morte imediata de E…, tendo este ficado “em decúbito dorsal no chão de jardim de casa” e o “cadáver apresentava-se sem parte do crânio”, “com amputação traumática dos ossos da calote e maciço facial”.
9 - A Igreja … dista um quilómetro da referida habitação e encontra-se separada por uma estrada “variante”.
10 – E… nasceu em 29/07/1994.
11 - Era um jovem alegre e saudável.
12 - À data do óbito, residia com os seus pais, aqui autores, aos quais era muito dedicado e com os mesmos mantinha relações de grande afectividade, carinho e amor.
13 - Quando os autores tiveram conhecimento do sucedido entraram em estado de choque.
14 - A morte do E…, nas trágicas circunstâncias em que o foi, foi o maior desgosto da vida dos autores.
15 - Com a morte do seu filho os autores perderam a alegria de viver.
16 - Os autores viram-se privados do amor, amparo, carinho e boa disposição do seu filho e da companhia do mesmo.
17 - Os autores sofreram e continuam a sofrer enorme desgosto e encontram-se psicologicamente debilitados.
18 - Como consequência directa do desgosto sofrido, a autora entrou em estado de depressão, necessitando de tratamento psicológico e psiquiátrico, que em certas alturas apenas pode ser tratado com fármacos.
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Factos não provados:
a) No dia 6/4/2015, pelas 10h00m, foi o autor que deflagrou o fogo de artifício a que se alude no ponto 6.
b) A empresa de F… apenas assegurou o lançamento do fogo de artifício junto da “Igreja …”, não sendo da sua responsabilidade nem tendo, para o efeito, sido contratado o lançamento do fogo na habitação a que se alude nos pontos 5 e 6.
c) Para além do referido no ponto 6 que a vítima E… agiu em nome e por conta da empresa de F….
d) A explosão do engenho pirotécnico que vitimou mortalmente E… ocorreu por uma das bombas ter rebentado de forma diferente das demais, encontrando-se E… a uma distância de segurança de 4/5 metros dos engenhos explosivos.
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Ora é consabido que por força da entrada em vigor do D.L. nº39/95 de 15.02, foram significativamente ampliados os poderes da Relação no que toca à alteração da decisão da matéria de facto.
De facto, enquanto na anterior redacção do art.º712º os poderes da Relação quanto á decisão da matéria de facto eram previstos a título excepcional, já a nova redacção do mesmo artigo (agora a do art.º662º do NCPC), representa, na verdade, um claro afloramento da verdadeira natureza de tribunal de instância que se quis atribuir ao Tribunal da Relação.
Por isso se afirma que saíram ampliados os poderes do Tribunal da Relação quanto à matéria de facto, transformando-a, efectivamente, num tribunal de instância e não apenas num tribunal de “revista”, quanto à subsunção jurídica da realidade de facto.
Isto e nomeadamente quando tenha existido gravação da audiência e das provas aí produzidas, situação na qual são mais amplas as possibilidades de modificação da decisão sobre a matéria de facto.
Tudo isto quando depois de se mostrar respeitado o princípio do contraditório, o tribunal superior e depois de fazer uma autónoma apreciação da prova, venha a adquirir uma convicção diversa da obtida pela 1ª instância.
Apesar do acabado de expor, é essencial salientar que a garantia do duplo grau de jurisdição não deve nem pode subverter o princípio da livre apreciação das provas antes previsto no art.º655º, nº1 (e agora no art.º607º, nº5) do CPC.
E também sem esquecer, que na formação dessa convicção entram, necessariamente, elementos que em nenhum caso podem ser importados para a gravação da prova por mais fiel que ela seja das incidências concretas da audiência.
Ora no caso dos autos está comprovado que os autores/apelantes deram cumprimento cabal ao disposto no art.º685º-B, nº1, alíneas a) e b) (actual art.º 640º, nº1, alíneas a) e b)) do CPC, razão pela qual nada obsta a que se aprecie e decida este seu pedido de modificação da decisão de facto.
Saber se tal pretensão merece provimento é questão naturalmente diversa que passaremos agora a apreciar.
Como todos já vimos, neste seu recurso os autores/apelantes consideram que “foram incorrectamente julgados os factos provados dos pontos 6º e 7º e os factos não provados das alíneas a) e d)”, que se impugnam, devendo ser reapreciados, (…) ” (cf. conclusão 2).
E justificam esta sua pretensão nas declarações de parte prestadas pelo autor B… e nos depoimentos prestados em julgamento pelas testemunhas H…, I…, J… e K….
Assim sendo e como nos era imposto, procedeu-se à audição da gravação onde ficaram registados quer as declarações de parte prestadas pelo autor B… quer os depoimentos das quatro testemunhas antes melhor identificadas.
Mais, para um completo esclarecimento da situação que aqui se aprecia, não se deixou de ouvir as gravações onde ficaram registados os depoimentos de todas as outras testemunhas inquiridas em julgamento.
E desta audição retiramos uma convicção probatória em tudo idêntica à que foi obtida pela Sr.ª Juiz “a quo” e que se encontra vertida na sentença recorrida, mais concretamente na motivação da decisão da matéria de facto.
Assim e no que toca ao modo, tempo e local do sinistro foram relevantes os depoimentos prestados pelas testemunhas H…, amigo do falecido E…, que se encontrava no local da ocorrência dos factos e que também ele sofreu ferimentos por força do rebentamento, K… e I…, os dois agentes da GNR, que se deslocaram ao local após a sua ocorrência, sendo o primeiro o subscritor do auto de notícia junto ao processo, L…, o perito de seguros que a pedido da ré/apelada elaborou um peritagem e J…, a médica que atestou o óbito da vítima no local.
Concretizando:
É verdade que a testemunha H… começou por afirmar ter sido o autor B… que deflagrou o fogo.
Também referiu que antes do rebentamento que vitimou o E… se encontrava junto ao seu amigo e a cerca de 4 metros dos tubos e a olhar para cima a ver o fogo rebentar.
Reconheceu ainda não se ter apercebido de que “alguma coisa tinha descido e tenha rebentado em baixo”, declarando também que “após o rebentamento o corpo do E… não estava junto de si mas dos tubos onde saiu o último disparo de fogo”.
No entanto, não deixou de afirmar que o E… se devia ter apercebido de alguma coisa e por estar convencido que já teria tudo explodido, terá ido espreitar para ver o que se passava.
Ora, também nós consideramos que tal segmento das suas declarações se revelou impressivo, sincero e credível e que por isso afastam a sua versão inicial de que era o autor B… que deflagrou o fogo e que o E… estava junto de si e a cerca de 4 metros dos tubos.
Isto porque tal versão não consegue compatibilizar-se com o facto do E… se ter tentado aperceber do que se estava a passar.
Por outro lado, a testemunha em apreço também não conseguiu explicar a razão pela qual o corpo da vítima ficou junto do tubo onde saiu o último disparo.
Ou seja, tem razão a Sr.ª Juiz “a quo” quando afirma que este último segmento das suas declarações leva a que se conclua que a ser algum foguete que tivesse descido e rebentado perto do E…, a testemunha H… teria obrigatoriamente de se aperceber de tal facto, já que segundo ela própria, estava no momento a olhar para cima a ver o fogo rebentar.
Tem igualmente razão quando conclui que a testemunha não podia ter visto de facto o rebentamento que vitimou o E…, já que estava, naturalmente, a olhar para cima, sendo certo que a percepção que a mesma teve do acidente, se coaduna com a posição em que ficou o corpo da vítima após o rebentamento, a saber, junto do tubo e em posição de cúbito dorsal (como aliás se confirma nas fotografias juntas a fls.27 v. a 28, 62, se retira do declarado pelo agente da GNR I… e se extrai do documento de verificação de óbito subscrito pela testemunha J… e que está junto a fls.29).
Assim, tem todo a lógica a convicção de que o corpo da vítima terá tombado para trás por força de algo que o empurrou, já que é este e em tais situações, o movimento de queda natural do corpo, sendo também relevantes as lesões sofridas pela mesma, a saber sem parte do crânio, com amputação traumática dos ossos da calote e maciço facial (tudo como se retira quer do supra referido documento de verificação de óbito junto a fls.29 quer do relatório de autópsia junto a fls. 30 a 34).
Releva também o facto de existiram restos encefálicos espalhados a 200/300 metros do corpo, (facto esse confirmado pelo agente da GNR, I… e pela médica Dr.ª J…).
Ou seja, todos estes elementos indiciam que se tratou de uma explosão que ocorreu muito próxima da cara da vítima, de baixo para cima e que causou a sua decapitação com o desaparecimento de parte do crânio e a dispersão por vários metros de partes do seu encéfalo.
Por outro lado, importa referir o que foi declarado pela testemunha L…, o perito que a pedido da ré seguradora, efectuou uma peritagem, cerca de um ano após a ocorrência deste sinistro.
Assim, o mesmo afirmou ter examinado os tubos onde foi deflagrado o fogo e verificado que os mesmos não estavam rachados ou abertos, o que também leva a concluir que se tratou de uma deflagração normal mas tardia.
Em suma, é esta a versão que segundo a prova produzida e as regras da normalidade e da experiência, se mostra mais credível.
Mais, a restante prova produzida, nomeadamente aquela a que os autores ora apelantes agora dão particular importância, não questionou a convicção probatória obtida pelo Tribunal “a quo” e que aqui não deixamos de subscrever.
Senão, vejamos:
Desde logo não merecem crédito as declarações de parte prestadas pelo autor B….
Isto porque foram em muitos momentos contraditórias, com a restante prova produzida, quer a testemunha quer a documental.
Assim, não foi de todo credível a versão de que foi ele e só ele que deflagrou o fogo.
Também não convenceu na parte do seu depoimento em que afirmou estar junto ao seu filho E… e ao amigo deste a testemunha H… e a cerca de 10 metros do local da deflagração, no momento em que a mesma ocorreu.
Tudo porque tal afirmação não coincide de todo com as declarações que então prestou à GNR e na quais afirmou nada ter visto por não estar no local no local no momento do sinistro (neste sentido importa ler as declarações prestadas pelo agente da GNR I… e o auto de notícia junto a fls. 24 v. a 27).
Merece por isso a nossa adesão a afirmação da Sr. Juiz “a quo” segundo a qual, ficou convencida de que era a vítima que estava a deflagrar o fogo e que o seu pai o aqui autor B… não se encontrava no jardim onde o fogo foi deflagrado, pois só assim se compreende que o E... tivesse o colete vestido com uma mecha de ignição, peça que é normalmente utilizada para dar início à combustão deste tipo de fogo.
Neste sentido, vai também a informação prestada pela PSP e junta a fls.66 v. a 67 e as declarações prestadas em julgamento pelo agente da GNR, I….
Também não podem ser tidas como relevantes as declarações prestadas pela testemunha M…, pelo facto das mesmas revelarem contradições de todo inexplicáveis, com os restantes depoimentos prestados em juízo, nomeadamente com o que foi declarado pelo autor B… e pela testemunha H….
Cabe ainda referir o que foi declarado em juízo pela testemunha N…, o proprietário da casa onde ocorreu o sinistro, o qual declarou que como era habitual, encomendou o fogo duas a três semanas antes da Páscoa, ao O… que trabalhava com o G… da empresa de F… de …, Lamego.
No entanto, o certo é que o autor na sua petição inicial e a própria testemunha M…, em declarações prestadas à GNR no dia da ocorrência dos factos, referiram ambos que a encomenda do serviço foi feita ao autor por ser ele o fogueteiro contratado pela comissão de festas (cf. o art.º 17º da petição inicial e auto de noticia junto a fls.24 v. a 27).
Tem pois razão o Tribunal “a quo”, quando afirma que apesar das declarações prestadas pelo identificado G… à GNR e que constam de fls.133 a 134 nas quais nega tal factualidade, se deixou convencer que o material pirotécnico então utilizado, foi de facto fornecido pelo mesmo.
Tudo isto por força das declarações antes melhor referidas e as declarações prestadas à GNR em 12.06.2015, pelo referido O… documentadas a fls. 147/148 dos autos.
Em suma, também nós ficamos convencidos que foi a identificada empresa de F… que assegurou o lançamento do fogo-de artifício na casa do M…, tendo o material pirotécnico aí sido colocado a mando da mesma empresa.
Suscitaram-se-nos também dúvidas quanto ao facto do referido fogo ocorrido na habitação em questão estar ou não abrangido pela licença nº 8/2015 emitida para os dias 4, 5 e 6 de Abril de 2015 e para o período horário das 8h00 às 24h00.
E isto porque da mesma consta expressamente e para além do dia e horário, referindo-se a visita pascal e definindo-se como local para o lançamento do material pirotécnico o …, na freguesia … do concelho de Marco de Canaveses (cf. os documentos juntos de fls.20 v. a fls. 23).
Apurou-se também que a Igreja … dista um quilómetro da habitação onde ocorreu o sinistro, sendo certo que um e outro local estão separados por uma estrada “variante” (neste sentido as declarações prestadas pela testemunha K…, o agente da GNR já antes melhor identificado).
Importa ainda considerar que decisão recorrida ficou a constar de forma expressa o seguinte: “…o tribunal ficou com algumas dúvidas sobre esta matéria, nomeadamente se o E… estava a deflagrar o fogo ao serviço e por ordem da empresa F… ou a pedido do seu pai, aqui autor, por mero favor, já que do seguro não constava o E… para a queima do dia 6/4/2015 e atento o teor das declarações prestadas pelo próprio autor, após a ocorrência do sinistro, ao agente da GNR, I…, de que tinha mais serviços para fazer e deixou lá o filho, tendo ido a outro local deflagrar o fogo.”.
Dai que e bem, tenha respondido negativamente à matéria melhor descrita nas alíneas a), b), c) e d) dos factos não provados.
Também para nós faltaram respostas cabais no que toca a tal questão.
E isto não obstante todos os elementos de prova que constam do processo, como são, nomeadamente, os seguintes:
O facto da empresa de F… ter participado o sinistro à ré D…, S.A. (cf. fls. 53 v. a 54); o facto do nome da vítima ter sido indicado como “técnico operador credenciado” pela empresa segurada, antes melhor identificada, na declaração junta a fls.23 verso; o facto da mesma segurada ter participado o seu nome à ré no âmbito da apólice de acidentes de trabalho para o dia 5/4/2015 (cf. documento junto a fls. 65 verso); por fim, o facto da vítima, no momento do sinistro (o dia 6/4/2015), se encontrar com um colete vestido, cor de laranja, com banda reflectora de cor branca, com as inscrições, no dorso: “A qualidade tem um nome… F…. Operador Pirotécnico”, tendo no bolso do referido colete, uma mecha de ignição (cf. informação da Polícia de Segurança Pública, junta a fls. 66 verso a 67 e relatório de autópsia).
Em suma, a prova testemunhal, documental e pericial produzida nos autos justificou a decisão da matéria de facto antes proferida.
Dito de outra forma, a análise conjugada de tais elementos de prova permitiu que fosse dada como provada e entre outra, a matéria que ficou descrita nos pontos 6 e 7 dos factos provados.
Já quanto à restante matéria alegada, designadamente aquela que ficou a constar das alíneas a) e d) dos factos não provados nenhuma prova credível foi produzida.
Deste modo, nenhum fundamento existe pois para nesta parte conceder provimento ao recurso interposto pelos autores/apelantes B… e C….
Assim sendo e por não estarem verificados no caso os requisitos previstos no art.º662º, nº1 do CPC, confirma-se a decisão de facto antes proferida.
É pois com esta que cabe apreciar e decidir as restantes questões aqui suscitadas as quais já antes ficaram melhor identificadas.
As pretensões recursivas dos autores/apelantes podem ser sintetizadas da seguinte forma:
Na tese de que o único responsável pelo sinistro em apreço dos autos é a segurada da ré, a empresa de F….
Na ideia de que no caso estão verificados todos os pressupostos do dever de indemnizar, por força do contrato de seguro celebrado entre a mesma empresa e a ré D…, S.A. é a data do sinistro validamente em vigor.
Não procedendo o recurso da decisão de facto que aqui vieram interpor, no entendimento de que no caso não estamos perante uma situação de exclusão integral do dever de indemnizar, devendo, pelo contrário operar-se a redução do respectivo montante indemnizatório peticionado.
Mais, a manter-se a decisão de facto antes proferida, na ideia de que para efeitos de redução da indemnização a arbitrar, deve relevar a conduta da vítima, o qual, apesar de conhecer ou de dever conhecer a perigosidade de manusear um engenho pirotécnico, não adequou o seu comportamento de molde a evitá-lo, antes se aproximou do mesmo.
No entendimento de que essa culpa, não excluí o dever de indemnizar, já que o lançamento de fogo-de-artifício implica a manipulação de explosivos dotados de um pavio/rastilho destinado a iniciar a combustão.
Assim e no caso de ser mantida a decisão de facto antes proferida, a culpa do lesado deve concorrer com a culpa do lesante, operando-se a necessária redução da indemnização a arbitrar.
Ora como todos já vimos, nenhuma alteração ocorre na decisão de facto que foi proferida pela 1ª instância.
Por isso, continuam pois a valer os argumentos em se sustentou a decisão recorrida.
Deste modo, continua provado que a segurada, a empresa F…, foi contratada por M… para o fornecimento e lançamento de fogo na sua habitação.
Mantém-se por apurar se a mesma empresa incumbiu o pai da vítima ou a própria vítima, o filho dos autores E… para efectuar a deflagração do fogo na referida habitação.
Não restam no entanto dúvidas quanto ao facto de ter sido a vítima do sinistro que executou a deflagração do referido fogo-de-artifício.
Perante tais factos e estando em causa um acidente que resultou do manuseamento de materiais perigosos e explosivos, bem entendeu o Tribunal “a quo” quando teve por aplicável o disposto no art.º 493º, nº2 do Código Civil, o qual dispõe do seguinte modo:
“Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repara-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.”
Assim, quanto aos danos causados no exercício de actividades perigosas, o lesante só poderá exonerar-se da responsabilidade, provando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar (neste sentido cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, 2ª edição revista e actualizada, pág.431).
Ora nos autos e como todos já vimos, está provado que a vítima E… deflagrou o fogo-de-artifício fornecido pela segurada, empresa de F…, tendo para o efeito acendido o respectivo rastilho das bombas, que se abeirou dos engenhos explosivos após a detonação de apenas alguns, tendo-se aproximado do tubo de fogo colocado no chão e que colocou a sua cabeça à frente do referido tubo quando o fogo rebentou.
Tem razão a Sr.ª Juiz “a quo” quando afirma que tal conduta violou todas as regras de segurança, (nomeadamente paragrafo 4º, nº 15 das Instruções sobre a utilização de Artigos Pirotécnicos emitida pela PSP/ Ministério da Administração Interna e que a mesma foi causa directa e exclusiva da ocorrência do sinistro.
E isto quando se sabe que a vítima era um técnico operador credenciado com formação adequada para lançamento do referido fogo-de-artifício e que por isso conhecia as regras de segurança que no caso deviam ser cumpridas.
Deste modo, outra solução não restava, nem resta, do que considerar que o acidente em causa se ficou a dever à total negligência da vítima e não à perigosidade e instabilidade das substâncias explosivas e ao risco inerente à sua utilização, sendo indiferente, para o caso, que a mesma vítima estivesse ou não a prestar aquele serviço por ordem da empresa de pirotecnia segurada na ré.
Por isso e atento todo este conjuntos de factos, foi correcta a decisão proferida quando absolveu a ré, D…, S.A. dos pedidos contra si formulados pelos autores B… e C… e teve por prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas, nomeadamente a de saber se os danos decorrentes da explosão se encontravam excluídos do contrato de seguro por falta de autorização camarária ou por qualquer outra causa.
Ora tal entendimento, que também nós subscrevemos, afasta a hipótese suscitada pelos autores/apelantes neste seu recurso, de concurso entre a culpa do lesado e a culpa do lesante (cf. conclusões 56 e 57 das suas alegações).
E para justificar tal ideia, faremos recurso ao que ficou dito de forma lapidar no Acórdão do STJ de 18.11.2008, processo 08A3205, relatado pelo Conselheiro Mário Cruz e dado a conhecer em www.dgsi.pt.
Deste modo:
“A culpa presumida corresponde a um juízo de primeira aparência, e que se torna culpa efectiva se não for ilidida a presunção que a suporta. Se for ilidida a presunção, fica a culpa excluída.
Assim, não havendo ilisão da presunção estabelecida, ela comportar-se-á como culpa efectiva. Havendo ilisão, deixa o presumível culposo de responder pelo resultado danoso.”.
Em suma, no caso dos autos a ré D…, S.A. soube afastar a presunção de culpa que sobre si incidia, logrando provar que o sinistro em discussão se deve exclusivamente à acção da inditosa vítima, o falecido filho dos autores.
Por isso, também por aqui improcedem os argumentos recursivos dos mesmos autores ora apelantes.
Em conclusão, impõe-se sem mais, que se confirme a decisão recorrida.
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Sumário (cf. art.º663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
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Custas a cargo dos autores/apelantes, sem prejuízo do apoio judiciário que lhes foi concedido.
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Notifique.

Porto, 13 de Junho de 2019
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
Filipe Caroço