Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8879/16.8T8PRT.1.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM CORREIA GOMES
Descritores: OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
JUÍZO DE EQUIDADE
BEM CORPÓREO
VIDA ÚTIL
AFERIÇÃO DA DEPRECIAÇÃO
FÓRMULA DE CÁLCULO
Nº do Documento: RP202104158879/16.8T8PRT.1.P1
Data do Acordão: 04/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Para efeitos da obrigação de indemnização dos danos patrimoniais, a equidade funciona como critério indemnizatório supletivo, sendo o juízo de equidade um juízo relacional, afinando o equilíbrio entre os factos e a compensação, surgindo esta como uma indemnização harmoniosa.
II - Deste modo, a sindicância do tribunal superior não visa apurar o valor exato ou rigoroso da indemnização, mas averiguar se foi seguido um método de concretização equilibrado, avaliando-se se foram ponderados os índices factuais relevantes existentes no processo (i) e se o valor indemnizatório fica muito aquém ou ultrapassa excessivamente a justiça do equilíbrio equitativo da devida compensação (ii).
III - A avaliação económica, para efeitos indemnizatórios, respeitante à desvalorização e utilidade de um bem corpóreo que ficou inutilizado, passa pela consideração da sua “vida útil”, considerando-se como tal o lapso de tempo expectável de utilização desse bem, a realizar de modo regular e mediante os exigíveis padrões de qualidade, mormente quando está em causa um dispositivo médico, como sucede com uma cadeira de dentista.
IV - Na aferição da depreciação sofrida pelo uso desse bem corpóreo, será de utilizar um método de depreciação constante ou linear, o qual será aferido anualmente e de modo fixo, tomando-se como referência o valor de custo, ao qual será deduzido o valor do(s) período(s) de desvalorização anual, de modo a encontrar-se o seu valor residual ao tempo do evento danoso, estando neste os parâmetros do valor justo da equidade.
V - Para o efeito desse cálculo, podemos ter como auxílio a seguinte fórmula: VR = VC – TD, sendo que TD = Da x Nd e Da = VC : Nv (em que VR é o valor residual, VC é o valor de custo, TD é o total da depreciação atingida, Da é a depreciação anual, Nv é o número de anos de vida útil esperado e Nd o número de anos decorridos).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 8879/16.8T8PRT.1.P1
Relator: Joaquim Correia Gomes;
Adjuntos: António Paulo Vasconcelos; Filipe Caroço
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. RELATÓRIO
1.1 No processo n.º 8879/16.8T8PRT.1 do Juízo Local Cível do Porto, J4, da Comarca do Porto, em que são:

Recorrente/Autora: B…, Lda.
Recorrente/Ré: Companhia de Seguros C…, S.A.

Recorrida: Clínica Médico-Cirúrgica D…, Lda.

por sentença proferida em 06/jul./2020 foi decidido o seguinte:
“- Em face do exposto, liquida-se no montante de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) o dano sofrido pela autora com a destruição da cadeira de dentista, cuja responsabilidade pelo pagamento está a cargo das rés, acrescida de juros de mora, tudo nos termos já doutamente decididos na ação principal.
- As custas da ação ficam a cargo das partes na proporção do decaimento.”
1.2. Por despacho proferido em 25/set./2020, foi considerado e decidido o seguinte:
“Nesta conformidade, por a sentença enfermar de inexatidão na expressão da minha vontade, porquanto pretendia considerar seis anos de uso da cadeira e não cinco anos, retifica-se a sentença proferida nos presentes autos sendo que no 31.º da parágrafo da Fundamentação de Direito onde se lê: “de admitir que a autora contava com, pelo menos, mais cinco anos de uso da cadeira; Ora, dividindo o valor de €19.610,86 (correspondente ao valor do equipamento em novo) por 15 correspondente ao número de anos de tempo de vida previsto pelo fabricante do equipamento, obtemos o valor de €1 307,39, por cada
ano de vida do equipamento, o que multiplicando por 6 correspondente ao número de anos que era previsível à autora a utilização da cadeira, obtemos o valor de €7 844,34 (valor que está próximo do indicado pelo perito como sendo, no seu entender, o valor do equipamento em causa; bem como do valar indicado pela ré seguradora no artigo 8.º da contestação)” deve passar a ler-se: “de admitir que a autora contava com, pelo menos, mais seis anos de uso da cadeira; Ora, dividindo o valor de €19.610,86 (correspondente ao valor do equipamento em novo) por 15 correspondente ao número de anos de tempo de vida previsto pelo fabricante do equipamento, obtemos o valor de €1.307,39, por cada ano de vida do equipamento, o que multiplicando por 6 correspondente ao número de anos que era previsível à autora a utilização da cadeira, obtemos o valor de €7.844,34 (valor que está próximo do indicado pelo perito como sendo, no seu entender, o valor do equipamento em causa; bem como do valar indicado pela ré seguradora no artigo 8.º da contestação)”, nos termos do disposto no artigo 614.º, n.º1 do Código de Processo Civil.”
1.3. A A. Clínica B…, Lda. tinha em 11/jul./2018 deduzido o presente incidente de liquidação dos danos ocorridos na cadeira de dentista modelo OMSX SAFT/97 100, resultantes das infiltrações de água, pedindo que:
- fixando-se em €18.265,50 (dezoito mil duzentos e sessenta e cinco mil euros cinquenta cêntimos) o montante a pagar pela Requerida, respeitante aos danos cuja liquidação foi relegada para momento posterior pela douta sentença;
- sendo tal montante acrescido dos juros de mora vincendos desde a data da notificação da Requerida para os termos deste incidente, até integral e efetivo pagamento.
1.4. A R. C… – Companhia de Seguros S.A. contestou em 10/09/2018, impugnando a versão da A., concluindo do seguinte modo: “Termos em que deve julgar-se de acordo com a prova a produzir”.
2. A R. C… – Companhia de Seguros S.A. interpôs recurso em 30/09/2020, sustentando a revogação da sentença anteriormente proferida, indicando que foram violados os artigos 564.º do Código Civil e 607.º, 616.º Código Processo Civil, apresentando as seguintes conclusões:
1. A recorrente não se conforma com a douta sentença proferida por entender que o Direito não foi corretamente aplicado, face à matéria de facto provada.
2. O Tribunal a quo entendeu liquidar no montante de €7.500,00 o dano sofrido pela autora com a destruição da cadeira de dentista, tendo considerado, para além do mais que: não se apurou a data concreta da aquisição da cadeira de dentista, mas tal aquisição ocorreu em data anterior ao
fim do ano 2001, sendo certo que a primeira assistência técnica ocorreu no ano de 2006; o sinistro ocorreu em julho de 2015; o tempo de vida previsto pelo fabricante de tal equipamento para o mesmo é de cerca de 15 anos; a cadeira tinha, pelo menos, mais de dez anos de uso.
3. Ora, considerando-se que a aquisição da cadeira, no estado de nova, teria sempre de ter ocorrido em data anterior ao ano de 2001, o certo é que a mesma teria cerca de 15 anos de uso, pois foi usada até Julho de 2015, pelo que, a Autora não podia expectar usar por mais tempo a referida cadeira.
4. Ao mesmo tempo, resultou provado, para além do mais, que foram publicitadas em sítios de venda na internet cadeiras de dentista, disponíveis pelos preços de €1.750,00 a €2.420,00, pelo que, existiam cadeiras equivalentes (e mesmo uma cadeira semelhante ao bem danificado em causa nos presentes autos) à venda.
5. Desta forma, sempre se deveria condenar a Ré pelo valor correspondente ao valor comercial da cadeira danificada e àquelas que se encontram no mercado com características semelhantes, ou seja, pelo valor máximo que a Recorrente admite de €3.178, 89, que também corresponde ao valor da sua depreciação contabilística à taxa de 14,28%.
6. Mesmo de acordo com juízos de equidade, o referido valor é superior aos preços de cadeiras publicitadas em anúncios.
7. Para além disto, no douto Acórdão proferido, as Rés foram condenadas a pagar, para indemnização dos danos por esta sofridos com a destruição da cadeira de dentista, a quantia que
se vier a liquidar em incidente de liquidação (tendo como valor máximo o montante peticionado pela autora na petição inicial - 18 265,50 - e descontando a franquia de 5% dos prejuízos indemnizáveis, com o mínimo de 150,00 Euros).
8. Assim, ao valor no qual as Rés venham a ser condenadas deverá sempre deduzir-se o valor da franquia em causa, ou seja, 5% dos prejuízos indemnizáveis, com o mínimo de 150,00 Euros, correspondente a € 158,95, no caso de condenação em €3.019,94.
9. Considerou o Tribunal a quo na douta sentença proferida, por um lado, que a cadeira fora usada por, pelo menos, 15 anos ou 10 anos após a assistência técnica.
10. Igualmente, considerou que, dividindo o valor de €19.610,86 por 15 anos, obtemos o valor de €1.307,39, pelo que, considerou que o equipamento em causa duraria 15 anos.
11. Assim, atendendo ao facto de que a cadeira já teria 15 anos de uso, forçoso será concluir que a mesma não tinha qualquer valor.
12. Mas mesmo que assim não se entenda, considerando que a cadeira já teria 10 anos de uso (por ter sido assistida em 2006 e seguramente comprada antes) admitindo-se que o seu tempo de vida seria de 15 anos, apenas restariam 5 anos para excutir o valor da cadeira.
13. Sendo este o número de anos indicado pelo Tribunal a quo na douta sentença.
14. No entanto, 5 anos x € 1.307,39 corresponde a € 6.536,95 e não aos indicados 7.844,34 apurados.
15. Por douto despacho de 24.09.2020, o Tribunal a quo considera que pretendia “dizer seis anos de uso da cadeira, ou seja, que a autora contava com, pelo menos, mais seis anos de uso da cadeira,
sendo que a operação de €1.307,39 x 6 perfaz o valor de €7.844,34”.
16. Ora, salvo o devido respeito, esta fundamentação não poderá acolher face ao anteriormente descrito, verificando contradição na fundamentação, pois, se o tempo de vida da cadeira é de 15
anos e se a mesma foi usada por 15 anos, a Autora não poderia expectar usar a cadeira por mais 5 anos. Ou, mesmo admitindo-se que começou a usar a cadeira antes de 2006, por ter feito manutenção neste ano, apenas poderiam decorrer 5 anos após 2015 para perfazer os 15 anos pugnados na douta sentença recorrida.
17. Desta forma, verifica-se contradição entre os fundamentos e a sentença proferida, devendo a decisão ser substituída por outra que considere que, pelo menos, multiplicado 5 aqueles €1.307,39
obtendo-se o valor de € 6.536,95.
3. A Clínica B…, Lda. interpôs recurso em 30/09/2020, sustentando a revogação da sentença anteriormente proferida, pugnando no sentido de “... que, concedendo-se provimento ao presente Recurso e, substituindo-se a decisão proferida por outra que liquide a indemnização a pagar à autora/recorrente em €18.265,50, se fará inteira e sã”. Para o efeito apresentou as seguintes conclusões:
i. A recorrente não se conforma com a douta sentença proferida por entender que não existiu correta aplicação do Direito, em face da matéria provada.
ii. A recorrente não aceita que o montante de €7.500,00 seja adequado a indemnizar o dano sofrido, tendo em conta as concretas especificidades do equipamento danificado, pois entende que, apenas a indemnização de € 18.265,50, valor que a autora efetivamente despendeu na compra da cadeira nova, é suficiente para reparar integralmente os danos sofridos.
iii. A autora possuía uma cadeira de dentista modelo OMSX SAFT/97 100, que havia sido adquirida no estado de nova, era de gama alta e adequada para a prestação de serviços médicos da especialidade de cirurgia maxilo-facial e medicina dentária, era assistida no representante da marca e encontrava-se em funcionamento até ter sofrido estragos no sistema eletrónico que a impediram de funcionar, não sendo possível a sua reparação;
iv. Para a autora poder continuar a prestar os seus serviços médicos era indispensável substituir a cadeira danificada por outra em iguais condições de qualidade e funcionamento.
v. É princípio geral, quanto à indemnização, o dever de reconstituir a situação anterior à lesão, isto é, o dever de reposição das coisas no estado em que estariam, se não se tivesse produzido o dano (princípio da reposição natural). – art. 562º C.C.
vi. Tendo ficado irremediavelmente danificada a cadeira de dentista, i.e., não sendo possível a sua reparação, competia às rés a obrigação de substituir a cadeira danificada por outra em iguais condições de qualidade e funcionamento de forma a permitir à autora prosseguir a sua atividade
profissional.
vii. No caso dos autos, as rés não reconstituiram a situação material anterior à prática do facto lesivo, uma vez que não substituíram a cadeira danificada por outra equivalente que permitisse à autora retomar a prestação dos serviços médicos.
viii. O art.º 566º, nº 1 do Cód. Civil privilegia a reparação em espécie consagrando, no nº 2, a teoria da diferença, optando-se pela indemnização em dinheiro apenas quando seja impossível (material ou juridicamente), insuficiente ou imprópria/inadequada (por excessivamente onerosa).
ix. No caso dos autos, a questão que se coloca é que a cadeira de dentista já não era nova, mas usada e, por tal motivo, foi entendido pela ré seguradora que que não estava obrigada a fazer a reparação em espécie, mas apenas a atribuir o valor da cadeira usada, fixando a indemnização em dinheiro de € 3.178,89, com recurso a critérios de depreciação contabilística.
x. O Tribunal a quo incorreu em igual erro, na medida em que, entendeu fixar o valor da indemnização em € 7.500,00, com recurso a critérios de equidade, descurando o facto de que, esse valor, não repara o dano real da autora, ou seja, não permite à autora substituir a cadeira danificada por outra equivalente que lhe permita prosseguir a sua atividade profissional.
xi. Nos casos em que o dano se traduza na destruição ou deterioração de coisas já usadas e se torne indispensável para indemnizar devidamente o lesado, facultar-lhe a aquisição de uma nova coisa, da mesma qualidade da inutilizada, haverá que deduzir no preço a cargo lesante o valor da
coisa, mesmo inutilizada (mas que ainda conserva algum valor), ou que determinar a entrega dela ao devedor da indemnização, para que o indemnizado não se enriqueça à custa dele.
xii. Se a autora não tivesse adquirido a cadeira de dentista nova, modelo Equipamento OMS Carving, no valor de €18.265,50, até hoje estaria impedida de exercer a sua atividade, por falta do equipamento indispensável.
xiii. As questões colocadas pelo Tribunal da Relação do Porto que ordenou o incidente de liquidação mereceram como resposta: não foi possível determinar em concreto o valor da cadeira no momento em que foi destruída, nem foi possível determinar o valor necessário para adquirir uma cadeira idêntica no estado de usada (desde logo por não existirem à venda no mercado português); a aquisição de uma cadeira nova era a única forma que a autora tinha de substituir a cadeira destruída (factos provados 17, dos autos principais e 7, 8 e 9 dos autos de liquidação) e a cadeira que a autora adquiriu é idêntica, ainda que de gama inferior, à que foi destruída (facto 12).
xiv. O equipamento danificado não é um qualquer objeto utilitário, mas um dispositivo médico utilizado na especialidade de cirurgia maxilo-facial e medicina dentária e, como tal, exige requisitos específicos em termos de funcionalidades, qualidade e segurança.
xv. As cadeiras usadas que existiam no mercado português eram de gama inferior e não ofereciam garantia de bom funcionamento, nem a qualidade dos serviços médicos prestados pela autora, nem asseguravam as condições de higiene e de segurança, indispensáveis para a salvaguarda da saúde dos utentes da clínica;
xvi. Uma cadeira inadequada ou em mau estado de funcionamento pode causar danos irreparáveis em terceiros que utilizem os serviços médicos da requerida.
xvii. É certo que a cadeira danificada era usada e o modelo tinha sido descontinuado, razão pela qual não foi possível a sua reparação e a autora teve de comprar uma cadeira de modelo mais recente.
xviii. Como é do conhecimento geral, as empresas descontinuam os modelos como mera estratégia comercial para forçar as vendas e não foi alegado nem demonstrado que o modelo da cadeira nova fosse melhor ou tivesse mais funcionalidades do que o antigo.
xix. Também não se pode afirmar que a cadeira nova terá previsivelmente mais anos de vida do que a cadeira usada que foi danificada, pois é sabido que os novos equipamentos têm tendência a ser menos duradouros e com materiais menos fiáveis do que os mais antigos.
xx. A cadeira usada servia perfeitamente as necessidades da autora, tinha sido adquirida no estado de nova, com assistência na marca e estava em funcionamento.
xxi. Assim, a autora não saiu beneficiada com a aquisição da cadeira nova que até é de gama inferior ao novo modelo equivalente da cadeira danificada, como se infere do preço (a cadeira adquirida foi de €18.265,50 quando o modelo equivalente era de €19.610,86.
xxii. Tendo-se demonstrado nos presentes autos que a aquisição da cadeira nova era indispensável para repor a autora na situação que se encontrava antes do evento, então, haveria que determinar qual o valor da cadeira inutilizada e descontar esse valor na indemnização a pagar ou determinar a sua entrega às rés. Só dessa forma se repara de forma integral o dano sofrido pela autora e se evita que esta fique, de algum modo, enriquecida.
xxiii. Não se pode é exigir à autora que suporte o prejuízo de €10.765,50 (considerando a indemnização arbitrada na sentença recorrida) ou de €15.086,61, (atento o valor oferecido pela ré seguradora), devido a um evento para o qual nada contribuiu.
xxiv. Mesmo que assim não se entenda e se preconize que, in casu, a única forma de reparar o dano era arbitrar uma indemnização com recurso à equidade como preconizado no art. 566º, nº 3 do Cód. Civil, sempre se dirá que o Tribunal a quo não teve em conta os critérios adequados e equitativos para arbitrar a indemnização em dinheiro.
xxv. O Tribunal recorrido entendeu dividir o valor de €19.610,86 (equivalente ao equipamento novo) por 15 anos, correspondente ao tempo de vida média previsto pelo fabricante do equipamento quando deveria ter dividido esse valor por 25 a 30 anos, por ser este o tempo média de vida que um dentista mantém o equipamento.
xxvi. Uma vez que a autora adquiriu a cadeira em 2001 e, na data do evento, a cadeira tinha 14 anos de uso, seguindo o raciocínio da Mma Sra. Juíza a quo, haveria que dividir a quantia de €19.610,86 por 25 ou 30 anos e apurar o valor correspondente ao número de anos que a autora previa ter o equipamento (11 a 16 anos) e atinge-se o valor de €8.628,78 (19.610,86/25 x 11) ou o valor de €10.459,12 (19.610,86/30 x 16), respetivamente.
xxvii. Assim, o valor arbitrado pelo Tribunal, na pior das hipóteses, deveria ter sido fixado entre os referidos valores de €8.628,78 e €10.459,12, valores estes que, repita-se sempre ficariam aquém da indemnização devida à autora, pois esta sempre ficaria lesada no valor remanescente que teve de despender na aquisição da cadeira nova.
xxviii. Pelo que, a indemnização deve ser fixada em €18.265,50, valor que a autora efetivamente despendeu na compra da cadeira nova.
xxix. Considerando que entre as rés C… e a Clínica Médico-Cirurgica D…, Lda foi celebrado seguro de responsabilidade civil extracontratual e que foi fixada a franquia de 5% com o mínimo de 150,00€, a responsabilidade do pagamento deve ser solidária, na parte que exceda o valor da franquia, devendo o pagamento do valor da franquia caber em exclusivo à Ré lesante.
xxx. A sentença recorrida violou o disposto nos art.ºs 562º e 566º, ambos do Código Civil
4. Admitido o recurso foi o mesmo remetido a esta Relação, onde foi autuado em 11/fev./2021, realizando-se o exame preliminar e cumprindo-se os vistos legais.
5. Não existem questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do recurso.
6. O objeto do recurso incide sobre o valor da indemnização a atribuir à A. por via do incidente de liquidação
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II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Os factos provados da sentença recorrida
“1- Por ... acórdão proferido nos autos principais as rés Clínica Médico-cirúrgica D…, Lda. e C…-Companhia de Seguros, S.A. foram condenadas, solidariamente, a pagarem à autora, Clinica B…, Lda. pelos danos por esta sofridos com a destruição da cadeira de dentista, a quantia que se vier a liquidar em incidente de liquidação (tendo como valor máximo o montante peticionado pela autora na pi -€18.265,50- e descontando a franquia de 5% dos prejuízos indemnizáveis, com mínimo de €150,00.
2- Nos autos principais resultou provado, além do mais, que: - «A autora presta serviços médicos na fração (…); A autora realizou obras de adaptação na referida fração para aí explorar uma clínica médico-cirúrgica, designadamente da especialidade de cirurgia maxilo-facial e medicina dentária; - A autora adquiriu o material médico/cirúrgico e o equipamento necessário para a prestação dos mencionados serviços; - Durante o fim-de-semana de 18 a 20 de julho de 2015 ocorreram infiltrações de água nas instalações da autora, provenientes da fração DP; - No consultório médico afetado pelas infiltrações existia diverso equipamento médico, designadamente uma cadeira de dentista modelo OMSX SAFT/97 100, que, devido à queda de água, sofreu estragos no sistema eletrónico que a impedem de funcionar, não sendo possível a sua reparação, a qual tinha o estado de usada»; - «Para poder continuar a laborar, a autora adquiriu uma cadeira de dentista nova, modelo Equipamento OMS Carving, no valor de €18.265,50 (dezoito mil duzentos e sessenta e cinco euros e cinquenta cêntimos).
3- A cadeira OMSX SAFT/97 100 danificada foi adquirida pela autora no estado de nova.
4- A cadeira foi utilizada pela autora e encontrava-se em funcionamento até ficar inoperacional em virtude do sinistro.
5- A cadeira era de gama alta e adequada para a prestação de serviços médicos da especialidade de cirurgia maxilo-facial e medicina dentária.
6- A cadeira foi assistida no representante da marca em abril de 2006 e em maio de 2010.
7- O único representante da marca OMS em Portugal é a E…, Lda., que não vende equipamentos usados.
8- As cadeiras usadas que existiam no mercado português eram de gama inferior e não ofereciam garantia de bom funcionamento, nem a qualidade dos serviços médicos prestados pelo requerente, nem asseguravam as condições de higiene e de segurança, indispensáveis para a salvaguarda da saúde dos utentes da clínica.
9- Uma cadeira inadequada ou em mau estado de funcionamento pode causar danos irreparáveis em terceiros que utilizem os serviços médicos da requerida.
10- Foi publicitado em sítios de venda na internet a venda de cadeiras de dentista: Fedesa, disponível em Portugal, pelo preço de €1.850,00; cadeira usada dentista, disponível em Portugal, pelo preço de €1.750,00; cadeira de medicina dentária OMS linea 90, em Portugal, pelo preço de €2.200,00; cadeira OMS Linea 100 H1TNO, na Croácia, pelo preço de €2.420,00.
11- O fabricante de equipamento semelhante ao danificado prevê tempo médio de duração da cadeira de cerca de 15 anos, mas, em média, um dentista mantém o equipamento durante 25 a 30 anos.
12- O preço de uma cadeira nova com as características da cadeira danificada era de cerca €19.610,86.
13- O modelo de cadeira de dentista OMS 100 danificada foi descontinuado no ano de 2001.
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2. Fundamentos do recurso
O Código Civil estabelece no seu artigo 562.º do Código Civil que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Mais acrescenta-se no subsequente artigo 563.º que “A obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Por sua vez, o âmbito dessa indemnização encontra-se referenciado no adiante artigo 564.º, dispondo no n.º 1 que “O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”, sendo que, de acordo com o seu n.º 2, “Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”. Daí que a indemnização abranja tanto os danos emergentes, os quais correspondem à perda ou diminuição do património, como os lucros cessantes, que consistem na quantia que o lesado deixou de obter ou o valor da vantagem patrimonial que perdeu, compreendendo nestes os danos futuros, desde que previsíveis.
Por sua vez, as regras centrais da obrigação de indemnização estão estabelecidas no artigo 566.º do Código Civil, consagrando-se no seu n.º 1 que “A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”, precisando-se no n.º 2 que “Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”. Por último, consigna-se no seu n.º 3 que “Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”. Deste modo, determinada a responsabilidade e havendo dano existe a obrigação de indemnizar. Para o efeito, deve conferir-se primazia à reconstituição natural, consagrando a teoria da diferença para os danos determináveis e a equidade para os danos indetermináveis.
Na obrigação de indemnização pelos danos patrimoniais, a equidade funciona como critério indemnizatório supletivo. Nestes casos, o juízo de equidade é sempre um juízo relacional, afinando o equilíbrio entre os factos e a compensação, surgindo esta como uma indemnização harmoniosa. Daí que não exista uma indemnização em termos absolutos ou incondicionais. Deste modo, a sindicância do tribunal superior não visa apurar o valor exato ou rigoroso da indemnização, porquanto aquele não foi possível obter, mas averiguar se foi seguido um método de concretização equilibrado, num parâmetro de variabilidade proporcionado pelos factos provados. Em suma, estando em causa a impugnação de um juízo de equidade, cabe ao tribunal de recurso avaliar se foram ponderados os índices factuais relevantes existentes no processo (i) e se o valor indemnizatório fica muito aquém ou ultrapassa excessivamente a justiça do equilíbrio equitativo da devida compensação (ii).
A jurisprudência do STJ tem seguido e precisado este alinhamento, considerando que “Independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o STJ tem entendido que o controlo, designadamente em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da indemnização deve concentrar-se em quatro coisas: Em primeiro lugar, deve averiguar-se se estavam preenchidos os pressupostos normativos do recurso à equidade. Em segundo lugar, se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida. Em terceiro lugar, se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados — se, p. ex., no caso da indemnização por danos não patrimoniais, foram considerados o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado. Em quarto lugar, se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados. Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade — e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável.” (Ac. STJ de 12/nov./2020, Cons. Nuno Pinto Oliveira, acessível em www.dgsi.pt, assim como os demais a seguir referidos).
A jurisprudência desta Relação tem igualmente e desde há muito tempo sustentado no essencial este posicionamento, considerando que “VII - Perante decisões fundadas na equidade, os tribunais superiores devem adotar um critério de revogação somente de soluções que, de forma manifesta, excedam certa margem de liberdade decisória, aquela que ainda permite considerar como ajustado e razoável um montante indemnizatório situado dentro de certos limites; VIII - Para o que será de sindicar o padrão de equidade aplicado em concreto, pelo que, situando-se a indemnização no quadro de um exercício razoável do juízo de equidade, não será caso de revogação da decisão recorrida” (Ac. TRP de 16/dez./2015, Des. Vítor Amaral).
A questão que agora se coloca é como deve ser determinada a indemnização de um bem corpóreo usado, no caso uma cadeira de dentista, que corresponde a um dispositivo médico, o qual ficou inutilizado por facto imputável a terceiro. Atento os critérios legais anteriormente referenciados e estando apenas em causa uma indemnização em dinheiro, esta deverá corresponder ao valor da mencionada cadeira de dentista na ocasião do sinistro, o qual não corresponde unicamente ao seu valor de mercado, mas também ao seu valor funcional, o qual é aferido tendo por base um ciclo de manutenção, por um lado, e um ciclo de inovação, por outro lado. No primeiro ciclo atende-se ao facto de esse maquinismo, designadamente ao nível do seu desempenho e à (des)necessidade da sua substituição, continuar a manter na integra as suas funcionalidades, tornando-se supérfluo realizar um novo investimento para a sua substituição, o qual sempre representaria um custo desnecessário. E esse custo não deve ficar, pelo menos na sua totalidade, a cargo do lesado, mas do lesante. No segundo ciclo, coloca-se a questão da eventual necessidade de uma nova máquina (cadeira de dentista) e quando ocorre essa substituição passa-se a beneficiar de um novo produto, que até pode ter inovações tecnológicas. Quando tal sucede, não é aceitável que o valor dessa vantagem fique a cargo do lesante. Deste modo e num juízo de equilíbrio equitativo haverá que ponderar o valor comercial conjuntamente com o valor funcional. Para o efeito, devemos atender à sua desvalorização (i), tanto a decorrente do seu uso frequente, como do seu desgaste natural ou ainda da correspondente obsolescência tecnológica, em virtude do surgimento de outros mecanismos tecnicamente mais evoluídos, como à utilidade (i), seja ao seu uso efetivo, seja ao expectável.
A subsequente questão que se coloca, é como avaliar economicamente essa desvalorização e utilidade, ou seja, como encontrar o justo valor de um bem corpóreo usado que ficou inutilizado. De modo a manter a unidade do sistema jurídico, que é um dos objetivos para a interpretação da lei (artigo 9.º Código Civil), podemos encontrar outras referências legislativas, as quais podem servir como linhas de orientação, sendo uma a nível contabilístico e outra a nível fiscal. O Sistema de Normalização Contabilística (Decreto-Lei n.º 158/2009, de 15/jul., DR I, n.º 133, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 02/jun., DR I, n.º 106 – SNC), ao estabelecer as “Bases para a apresentação de demonstrações financeiras (BADF)”, com o objetivo de proporcionar informação acerca da posição financeira de uma entidade, elenca distintos fatores, sendo um deles, o seu “ativo” (Anexo 2.1.3. a)). A mais recente Norma Contabilística e de Relato Financeiro 7 (NCRF 7), implementada pela Comissão de Normalização Contabilística, com a subsequente homologação (Aviso 8256/2015, DR II, n.º 146, de 29/jul./2015, corrigido pela Declaração de retificação n.º 918/2015, DR II, n.º 204, de 19/out.), veio estabelecer a propósito algumas definições (Definições 6). Assim, considera como “Ativos fixos tangíveis” aqueles que “a) Sejam detidos para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento a outros, ou para fins administrativos; e b) Se espera que sejam usados durante mais do que um período”. Deste modo, podemos considerar que o ativo fixo ou imobilizado é formado pelo conjunto de bens corpóreos ou materiais necessários à realização das atividades de uma entidade (i), tendo ainda um carácter de permanência (ii). Por sua vez, “Depreciação: é a imputação sistemática da quantia depreciável de um ativo durante a sua vida útil”, “Valor residual: de um ativo é a quantia estimada que uma entidade obteria correntemente pela alienação de um ativo, após dedução dos custos de alienação estimados, se o ativo já tivesse a idade e as condições esperadas no final da sua vida útil”, enquanto “Vida útil: é: a) O período durante o qual uma entidade espera que um ativo esteja disponível para uso; ou b) O número de unidades de produção ou similares que uma entidade espera obter do ativo.”
Por sua vez, o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30/nov., DR I, n.º 277/1988, 2.º Suplemento, sucessivamente alterado – Código IRC), veio a ser compatibilizado com o SNC (Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13/jul., DR I, n.º 133), possibilitando a devida e a possível convergência entre a contabilidade e a fiscalidade. Para o efeito, surgiu o Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14/set. (DR I, n.º 178), o qual, nesse intuito de harmonização e uniformização, veio estabelecer um novo enquadramento legal em matéria de depreciação e amortização. Assim, no seu artigo 3.º veio estabelecer a noção de “Período de vida útil”, considerando no n.º 1 que “A vida útil de um elemento do activo depreciável ou amortizável é, para efeitos fiscais, o período durante o qual se deprecia ou amortiza totalmente o seu valor, excluído, quando for caso disso, o respectivo valor residual”. No subsequente n.º 2 esclarece que “Qualquer que seja o método de depreciação ou amortização aplicado, considera-se: a) Período mínimo de vida útil de um elemento do activo, o que se deduz da quota de depreciação ou amortização que seja fiscalmente aceite nos termos dos n.º 1e 2 do artigo 5.º; b) Período máximo de vida útil de um elemento, o que se deduz de quota igual a metade da referida na alínea anterior.” Os métodos de cálculo das depreciações estão previstos no artigo 4.º, como seja o método das quotas constantes, o qual deve ser em regra utilizado (n.º 1), o método das quotas decrescentes (n.º 2) ou ainda outros métodos, desde que se mantenham os períodos máximos e mínimos de vida útil e sejam reconhecidos (n.º 3). O Método das quotas constantes está regulado no artigo 5.º, consistindo numa desvalorização periódica persistente ou linear, mediante uma quota anual fixa, calculada através de taxas. O método das quotas decrescentes está estatuído no artigo 6.º, no qual se estima que o ativo sofre uma maior desvalorização nos primeiros anos do que nos vindouros. Podem ainda surgir outros procedimentos, como o método de unidades produzidas, cujo variável não se cinge apenas ao tempo, sendo conjugado com a produção efetuada por esse mecanismo, pelo que o cálculo de depreciação é realizado essencialmente a partir do uso ou produção estimados do respetivo ativo.
Como podemos constatar existem divergências entre a noção de “vida útil” para efeitos contabilísticos (o período expectável que esse ativo esteja disponível para uso) e fiscais (o período no qual é depreciado ou amortizado totalmente o seu valor), o que dificulta a sua compreensão uniforme. Por outro lado, para a determinação da indemnização cível não podemos transpor automática e literalmente qualquer um desses critérios, atentas as precisas finalidades de cada um dos mesmos. Mas podemos partir dos contributos proporcionados por estas noções, insuflando-os dos critérios nucleares indemnizatórios civis anteriormente traçados, os quais passam pela reconstituição da situação imediatamente anterior ao evento danoso (562.º do Código Civil) e aos danos que o lesado provavelmente não tivesse sofrido (563.º do Código Civil), abrangendo tanto os danos emergentes, como os danos futuros (564.º do Código Civil). Assim, de modo a avaliar economicamente, para efeitos indemnizatórios, a desvalorização e utilidade de um bem corpóreo usado que ficou inutilizado, consideramos como sua “vida útil” o lapso de tempo expectável desse uso, a realizar de modo regular e aceitável. Por sua vez e para aferição da depreciação sofrida por esse bem corpóreo iremos utilizar um método de depreciação constante ou linear, de modo a encontrar o seu valor residual, o qual corresponderá ao valor de custo, deduzido do valor total da depreciação anual atingida.
Assim, de modo a avaliar economicamente, para efeitos indemnizatórios, a desvalorização e utilidade de um bem corpóreo usado que ficou inutilizado, consideramos como sua “vida útil” o lapso de tempo máximo expectável desse uso, a realizar de modo regular e mediante os exigíveis padrões de qualidade, mormente quando está em causa um dispositivo médico, como sucede com uma cadeira de dentista. Por sua vez e para aferição da depreciação sofrida por esse bem corpóreo iremos utilizar um método de depreciação constante ou linear, de modo a encontrar o seu valor residual (VR), o qual corresponderá ao valor de custo (VC), deduzido do total da depreciação atingida (TD). Este será obtido a partir do valor de uma dedução anual fixa (Da), multiplicado pelo número de anos decorridos (Nd), mediante a seguinte fórmula: VR = VC – TD, sendo que TD = Da x Nd e Da = VC : Nv (em que VR é o valor residual, VC é o valor de custo, TD é o total da depreciação atingida, Da é a depreciação anual, Nv é o número de anos de vida útil esperado e Nd o número de anos decorridos).
No caso em apreço e em virtude de não se ter apurado o preço de custo da referida cadeira de dentista e de modo a obstar a uma decisão non liquet, iremos tomar como referência o preço de custo da cadeira de dentista comprada pela A. Clínica para substituir aquela outra que ficou danificada, ou seja, €18.265,50 (2.º factos provados) (VC), que o equipamento danificado teria o período máximo de vida útil de 30 anos (11 factos provados) (Nv) e que aquando da ocorrência do evento danoso tinham decorridos 14 anos de uso (2 e 13 factos provados) (Nr). Assim, havendo uma desvalorização anual fixa de €608,85 (Da), perfazendo em 14 anos o total de €8.523,90 (TD), o seu valor residual esperado seria de €9.741,60 (VR). Como se pode constatar, este valor está longe do proposto pela R. C…, assim como da A. Clínica B…, Lda., divergindo igualmente do sentenciamento da 1.ª instância, relativamente aos quais deixaremos ainda as seguintes notas.
O recurso da R. C… – Companhia de Seguros S.A. sustenta a violação dos artigos 564.º (cálculo da indemnização) do Código Civil e 607.º (sentença), 616.º (Reforma da sentença) Código Processo Civil, sendo este o parâmetro legal-normativo da sua impugnação, no respeito pelo correspondente ónus de alegação recursivo – cfr. 639.º, n.º 2 NCPC. Neste quadro jurídico-legal, as suas conclusões vão essencialmente no sentido de que “Desta forma, sempre se deveria condenar a Ré pelo valor correspondente ao valor comercial da cadeira danificada e àquelas que se encontram no mercado com características semelhantes, ou seja, pelo valor máximo que a Recorrente admite de €3.178, 89, que também corresponde ao valor da sua depreciação contabilística à taxa de 14,28%.” (conclusão 5.ª). Também aponta contradições entre o cálculo seguido e o resultado obtido pela sentença recorrida, sustentando o seguinte “Ora, salvo o devido respeito, esta fundamentação não poderá acolher face ao anteriormente descrito, verificando contradição na fundamentação, pois, se o tempo de vida da cadeira é de 15 anos e se a mesma foi usada por 15 anos, a Autora não poderia expectar usar a cadeira por mais 5 anos. Ou, mesmo admitindo-se que começou a usar a cadeira antes de 2006, por ter feito manutenção neste ano, apenas poderiam decorrer 5 anos após 2015 para perfazer os 15 anos pugnados na douta sentença recorrida” (conclusão 16.ª). E acrescenta: “Desta forma, verifica-se contradição entre os fundamentos e a sentença proferida, devendo a decisão ser substituída por outra que considere que, pelo menos, multiplicado 5 aqueles €1.307,39 obtendo-se o valor de € 6.536,95” (conclusão 17.ª).
Como se pode constatar, o cerne desta impugnação recursiva é dirigido para o juízo de equidade que foi formulado, mas em nenhum momento foi indicado a violação da previsão legal onde o mesmo está contemplado, que é o disposto no artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil. Este segmento normativo-legal foi completamente omisso nas alegações deste recurso, quando o mesmo foi o suporte analítico-positivo nuclear da sentença recorrida. No entanto, é percetível para esta Relação o cerne deste segmento recursivo, o qual vai no sentido de que havendo publicitação de cadeiras de dentistas usadas, tal como consta em 10.º dos factos provados, que rondariam entre os €1.750,00 e os €2.420,00, estes valores deveriam estar no padrão de equidade decisória aqui em causa.
Ora, ponderar unicamente este facto é ignorar a demais factualidade que está diretamente conexionada, mormente que a cadeira de dentista sinistrada foi adquirida no estado de nova (3.º factos provados), sendo um modelo da gama-alta (5.º factos provados). Assim, só tem sentido fazer essa comparação, mediante um juízo relacional de equidade, perante modelos de cadeiras de dentistas semelhantes àquela que foi sinistrada e não a modelos de qualidade inferior. E essa semelhança não resulta de 10.º dos factos provados, antes pelo contrário, como se pode constatar de 8.º dos factos provados. E também não nos podemos esquecer que a cadeira sinistrada “encontrava-se em funcionamento até ficar inoperacional em virtude do sinistro” (4.º dos factos provados). Mas o que a recorrente C… totalmente desconsidera é que a cadeira de dentista aqui em causa, quando se mantém integra e sem qualquer avaria, é geralmente mantida a funcionar por um período de 25 a 30 anos (11.º factos provados). E este “prazo de funcionalidade”, ultrapassa largamente o “prazo de validade” sugerido pelo fabricante, o qual tem óbvias razões económicas para influenciar mais vendas dos seus dispositivos ou maquinismos clínicos, pois a estas têm o seu correspondente lucro. Deste modo, o valor de €3.178,89 pretendido pela Recorrente C… está longe do circunstancialismo factual que está provado e de um juízo relacional de equidade.
Por último, sustenta que “ ... ao valor no qual as Rés venham a ser condenadas deverá sempre deduzir-se o valor da franquia em causa, ou seja, 5% dos prejuízos indemnizáveis, com o mínimo de €150,00 Euros, correspondente a €158,95, no caso de condenação em €3.019,94 (conclusão 8.ª). Alicerçou esta conclusão com base nos artigos 564.º (cálculo da indemnização) do Código Civil e 607.º (sentença), 616.º (Reforma da sentença), estes do Novo Código de Processo Civil. Ora a questão suscitada pela Recorrente C… não se enquadra em qualquer destas disposições legais e para o efeito não foi invocada qualquer outra norma legal. E como não foi indicado, podemos colocar as seguintes hipóteses quanto à matéria de direito suscitada neste segmento recursivo: Terá sido o contrato de seguro, com o seu âmbito normativo na liberdade contratual (artigo 405.º Código Civil)? Terá sido a violação do caso julgado (artigo 620.º ou 621.º NCPC)? Terá ocorrido um excesso de pronúncia, conducente à nulidade da sentença (artigo 615.º, n.º 1, al. d) parte final NCPC)? Não sabemos. É certo que os tribunais não estão sujeitos às alegações de direito das partes (5.º, n.º 3 NCPC), mas nos recursos existe um específico ónus de alegação e de formulação de conclusões, como sucede na impugnação sobre a matéria de direito (639.º, n.º 2 do NCPC). É também certo que pode haver uma confluência normativa que seja discutível ou então um bloco normativo, pelo que é aceitável não se exigir uma completude desse ónus de alegação recursiva. E até pode existir que haja uma compreensão, pelo menos implícita, de que está em causa no objeto do recurso, como aconteceu anteriormente quando apreciámos o juízo de equidade proposto pela Recorrente R. C…, convocando-se o disposto no artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil, sem que o mesmo tivesse sido expressamente invocado.
Mas tem que existir o “mínimo dos mínimos” no cumprimento do ónus de alegação do recurso da matéria de direito, sob pena do artigo 639.º, n.º 2 do NCPC ser uma norma meramente indicativa e sem qualquer consequência processual. A ser assim, seria plenamente aceitável existirem alegações recursivas tão vazias ou errantes, que bastaria alegar o artigo 1.º e seguintes de qualquer diploma legal, para se encontrar preenchido o cumprimento desse ónus. Mas esta visão paternalista do processo não tem, porquanto um processo justo e leal, exige que se saiba, não só para as demais partes, como também para o tribunal de recurso, situar de modo claro o objeto da impugnação (artigos 20.º, n.º 4 da Constituição e 6.º CEDH). Deste modo e limitando-se a R C…, nesta parte respeitante à invocada franquia, a uma impugnação generalista, totalmente vaga ou até indefinida quanto à indicação das normas legais violadas ou erradamente aplicadas, tanto nas suas conclusões, como do corpo das suas alegações, ficamos sem saber o que está efetivamente em causa, mais precisamente, qual o suporte legal desta sua impugnação. E como essa vagueza não é só das conclusões, mas é igualmente acompanhada pelas alegações do recurso, não há convite ao aperfeiçoamento (652.º, n.º 1, al. a) NCPC).
Por sua vez, o recurso da A. Clínica B…, Lda. vai no sentido de que a indemnização deve corresponder ao valor que a mesma efetivamente despendeu na compra da cadeira nova, ou seja, os referenciados €18.265,50 (conclusão 28.ª). Assim, o que esta recorrente pretende é o acolhimento do velho adágio de que “quem estraga velho, paga novo”. A jurisprudência tem rejeitado esta visão em virtude de a mesma não ser equitativa, porquanto põe a cargo económico do lesante todo o período de tempo de desvalorização em que a correspondente máquina ou aparelho foi usada pelo lesado – neste sentido o Ac. do STJ de 09/mai./1996 (Cons. Miranda Gusmão).
Por último, o tribunal recorrido não ponderou o período útil de vida da referida máquina de dentista, mas apenas o tempo médio de duração sugerido pelo fabricante (15 anos), que são períodos de tempo bastante distintos. E nesta parte a argumentação expendida pela R. C… tinha toda a razão de ser, porquanto partindo de 15 anos de vida útil e tendo já ocorrido 14 anos, este seria o período de desvalorização, que corresponderia a um valor de €17.047,80, pelo que o valor residual sempre seria o preço de custo, deduzido do valor de desvalorização, ou seja, um total de €1.217,70 e nunca os €7.500,00, caso fosse seguido o preço de compra da cadeira nova (€18.265,50) – se fosse tomado como referência o preço de uma cadeira de dentista nova de €19.610,86. (12.º dos factos provados), como sucedeu na sentença recorrida, então o valor residual corresponderia apenas a um ano de desvalorização, ou seja, €1.307,39.
Nesta conformidade o recurso da R. C… é totalmente improcedente, enquanto o recurso da A. D…, Lda. merece parcial procedência.
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As custas deste recurso ficam a cargo da R. C… e da A. Clínica B…, Lda., na proporção do seu correspondente decaimento – cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2 NCPC.
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No cumprimento do artigo 663.º, n.º 7 do NCPC, apresenta-se o seguinte sumário:
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III. DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso interposto pela R. Companhia de Seguros C…, S.A. e concede-se provimento ao recurso interposto pela Autora Clínica B…, Lda. e, em consequência, altera-se a sentença recorrida, no seguinte sentido:
“Em face do exposto, liquida-se no montante de €9.741,60 (nove mil, setecentos, quarenta e um euros, sessenta cêntimos) o dano sofrido pela autora com a destruição da cadeira de dentista, cuja responsabilidade pelo pagamento está a cargo das rés, acrescida de juros de mora, tudo nos termos já doutamente decididos na ação principal.
- As custas da ação ficam a cargo das partes na proporção do decaimento.”
Custas desde recurso pela R. C… e a A. Clínica B…, Lda., na proporção do respetivo decaimento.
Notifique.

Porto, 15 de abril de 2021
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço