Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
148/19.8T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FREITAS VIEIRA
Descritores: OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
ALIMENTOS PROVISÓRIOS
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Nº do Documento: RP20190926148/16.8T8PRT.P1
Data do Acordão: 09/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º182, FLS.246-257)
Área Temática: .
Sumário: I - A obrigação de prestação de alimentos prevista em termos gerais nos artigos 2003º a 2013º do C.Civil, estando fundamentada na necessidade da requerente do contributo do obrigado a alimentos para fazer face às despesas com o sustento, habitação e vestuário – nº 1 do artº 2003º do C.Civil – no que concerne à sua quantificação deve orientar-se pelo critério da dupla proporcionalidade constante do nº 1 do artº 2004º do mesmo diploma.
II - A atribuição de alimentos provisórios prevista no artº 2007º , nº 1 do CC é fundamentada na necessidade de obviar às consequências que a demora da ação em que tais alimentos definitivos se irão discutir, e como tal a sua quantificação não está já vinculada ao critério da dupla proporcionalidade constante do nº 1 do artº 2004º do CC, mas ao arbítrio prudente do juiz.
III - Neste contexto o que vier ser (sumariamente) comprovado em termos de despesas do requerente e rendimento dos requeridos não poderá deixar de ser tido em conta para aferir da existência provável do invocado direito a alimentos enquanto fundamento da providência cautelar requerida.
IV – Já em termos da quantificação do valor da prestação alimentar provisória a fixar o juiz não está vinculado ao resultado do que assim tiver sido apurado, devendo antes orientar-se pelo que lhe ditar o seu arbítrio prudente em função do que é a finalidade de assegurar por um período limitado a subsistência do requerente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO N.º148/19.8T8PRT.P1
Relator: Desembargador Freitas Vieira
1º Adjunto: Desembargador Madeira Pinto
2º Adjunto: Desembargador Carlos Portela
Sumário – nº 7 do artº 607º, do CPC.
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ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
B…, viúva, instaurou procedimento cautelar de fixação de alimentos provisórios contra os requeridos, seus filhos, C…, D…, E…, F…, e G…, em que, com fundamento na insuficiência de rendimentos para fazer face às despesas com o seu sustento requereu que, com inversão do contencioso, se fixasse em €650,00 o valor mensal a pagar pelos requeridos a título de prestação alimentar à requerente.

Prosseguindo os autos para julgamento e produzida a prova apresentada foi proferida sentença na qual, depois de fixada a matéria de facto tida como provada, se concluiu pelo parcial procedimento do pedido, fixando em €262,00 o valor mensal a pagar à requerente a título de alimentos provisórios, sendo devidos desde a data da propositura do procedimento, e a liquidar no montante de €52.40 por cada um dos requeridos, indeferindo a requerida inversão do contencioso.
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Não conformado com o decidido recorreu a requerente B…, formulando em síntese das correspondentes alegações de recurso as seguintes CONCLUSÕES:
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Não houve contra-alegações.
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O objeto do recurso tal como emerge das conclusões das alegações da recorrente está circunscrito à questão do valor a fixar a título de alimentos provisórios à luz dos factos apurados.

Não tendo havido impugnação da matéria de facto os factos a considerar são os que foram tidos como assentes na sentença recorrida, para a qual nessa parte se remete nessa parte ao abrigo do disposto no artº 663º, nº 6 do CPC, e de onde se destacam como mais relevantes para a decisão os seguintes:

A) A requerente B… nasceu em 30.7.1929.
B) Os requeridos C…, D…, E…, F… e G… são filhos da requerente.
C) Em outubro de 2012 a requerente foi observada em consulta de ortopedia, no hospital H…, no Porto, por apresentar úlcera crónica do hallux direito e, em Novembro seguinte, foi submetida a cirurgia de desbridamento da úlcera e exérese de exostose de F2.
D) Depois, entre meados de Fevereiro e início de Março de 2013, a requerente esteve internada, tendo efetuado cirurgia de revascularização do membro inferior direito, associada a amputação do 4º. dedo do pé direito por gangrena.
E) Entre o final de Março e o início/meados de Abril de 2013, a Requerente sofreu dois AVC’s que provocaram limitações ao nível da voz, perna e braço esquerdos, razão pela qual permaneceu acamada aproximadamente 3 meses, até iniciar reabilitação tendente a melhorar os respetivos movimentos.
F) Desde então a requerente passou a apresentar grandes dificuldades nas atividades normais do quotidiano e na marcha, que apenas conseguia com o apoio de terceiros e de andarilho.
L) A requerente apresenta limitações de marcha deslocando-se em cadeiras de rodas e quando em casa em andarilho.
M) A requerente encontra-se limitada para executar as atividades normais da vida diária.
P) A requerente encontra-se dependente de terceira pessoa nas atividades normais da vida diária.
Q) A requerente reside no Porto com a filha C… que a acolheu depois do episódio de outubro de 2012 e qua habitualmente lhe dá assistência após o termo do seu trabalho e durante a noite.
R) Para acompanhamento e auxílio no restante período foi necessária a contratação de uma pessoa para prestar assistência à requerente.
S) Desde janeiro de 2019 essa assistência é prestada atualmente pela testemunha I… e a quem é liquidada a quantia mensal de €600.00.
T) A requerente aufere atualmente duas pensões de reforma de €376,55 e de €161.45.
U) À requerente não são conhecidos outros rendimentos.
V) Encontra-se a correr termos no Cartório Notarial um processo de inventário sob o n.º 1511/14 por óbito do marido da requerente, U… que se encontra em fase de reclamação à relação de bens.
Z) A requerente toma medicação diária na qual despende a quantia de aproximadamente €65 mensais.
BB) A requerente despende quantia não concretamente apurada em alimentação, produtos de higiene pessoal, vestuário, calçado, cueca/fraldas, cabeleireiro, água, sem prejuízo das quantias relativas a despesas de táxi refletidas nos documentos de fls. 83 a 84 de táxi, 84v, 85, 87 a 89 de eletricidade
DD) A requerente despendeu na aquisição de um aparelho auditivo a quantia de €2.280.00.
EE) A requerida C… é assistente técnica na escola J…, no Porto auferindo a retribuição ilíquida de €762.08 encontrando-se atualmente de baixa médica.
FF) O requerido D… é casado e tem duas filhas.
GG) A requerida E… é enfermeira no Centro de Saúde K…, é divorciada e tem dois filhos maiores.
HH) A requerida F… é enfermeira no serviço de ortopedia do Hospital H… é casada e tem um filho maior.
II) Explora, ainda, algumas plantações de Kiwis e outras árvores de fruto das quais tira rendimentos em valor não concretamente apurado.
JJ) A requerida G… é assistente técnica na Secção do Ministério da Agricultura de L…
LL) Tem dois filhos maiores é casada e o marido é funcionário bancário na Caixa Agrícola de L….
NN) A requerente tem a sua casa de morada enquanto casada e viúva em L… que se encontra livre e desocupada e onde passa temporadas no Verão, Páscoa e Natal.
PP) O requerido D… encontra-se desempregado desde 3.5.2018 e aufere um subsídio diário de €35.74.
QQ) Sofre de diabetes do tipo II, dislipidémia e HTA necessitando de vigilância periódica e medicação diária.
RR) A esposa, M… encontra-se desde 23.1.2019 na situação de desempregada à procura de novo emprego.
SS) A filha N… encontra-se desde 30.8.2018 na situação de desempregada.
TT) E foi-lhe diagnosticada uma doença auto-imune (lupus) e é seguida no Centro Hospitalar do Porto.
UU) A filha, O… encontra-se a estudar na Universidade P…, na Maia
EEE) O requerido D… declarou como rendimentos de trabalho auferidos no ano de 2017 a quantia de €35.347.31
FFF) A requerida E… aufere a quantia líquida de €1.761.61
GGG) A requerida E…. apresenta diagnóstico de esclerose múltipla com último surto em 2014, é acompanhada em consulta de neurologia e doenças auto-inumes realizando tratamentos regulares de fisioterapia duas vezes por semana.
RRR) A requerida E… declarou como rendimentos de trabalho auferidos no ano de 2017 a quantia de €30.823,61.
SSS) A requerida F… aufere como enfermeira de profissão no CH do porto a quantia de €1.281,00
TTT) O marido, Q…, que exerce a profissão de Técnico Especialista de Fisioterapia no CHP aufere a quantia mensal de €1.139.75.
UUU) O filho frequenta o Instituto Superior S…. em Lisboa.
DDDD) A requerida F… e o marido declararam como rendimentos do trabalho auferidos no ano de 2017 a quantia de €42.332.39 e provenientes de atividades agrícolas, silvícolas e pecuárias a quantia de €28.869.45.
EEEE) A requerida G… exerce a profissão de assistente técnica pela qual aufere o salário líquido de €759.97
FFFF) O marido T… encontra-se de baixa médica aufere a quantia mensal líquida de €910.00.
QQQQ) A requerida G… e marido declararam como rendimentos do trabalho auferidos no ano de 2017 a quantia de €33.323.15 e de subsídios á exploração a quantia de €1.064.21.
RRRR) A requerida C… declarou como rendimentos de trabalho auferidos no ano de 2017 a quantia de €10.119.48.
SSSS) Existe em L… serviço de apoio domiciliário prestado pela Santa Casa da Misericórdia traduzido nos valores e preços constantes do documento de fls. 133.
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A obrigação de prestação de alimentos encontra-se prevista em termos gerais nos artigos 2003º a 2013º do C.Civil com base na relação de laços de família – cfr artº 2009º do CC – e tendo como fundamento a necessidade do alimentado ao seu recebimento para fazer face às despesas com a sua subsistência – 2003º e 2004º do CC – ficando em todo o caso dependente da existência de rendimentos por parte do obrigado à prestação de alimentos – 2004º, nº m1 e 2009, nº 3, do CC.
Inserida neste contexto a obrigação de alimentos entre pais e filhos é reconhecida mesmo nos sistemas legais mais minimalistas em termos de prestação de alimentos.
Não surpreende por isso que a decisão que fixou a prestação alimentar a pagar pelos requeridos não tenha sido impugnada por estes. Com efeito os requeridos aceitaram os fundamentos da obrigação de alimentos a seu cargo, não apenas em termos da necessidade da requerente, como em termos da possibilidade da sua parte em prestar esses alimentos.
Assim que a decisão de fixação de prestação de alimentos apenas vem impugnada pela recorrente no que concerne ao quantum da concreta prestação alimentar fixada - €262 mensais a liquidar pelos requeridos no montante de €52.40 por cada um - não vindo questionada a decisão de fixar por agora tais alimentos apenas como provisórios, indeferido que foi a requerida inversão de contencioso.
A questão coloca-se assim apenas em sede de quantum da prestação alimentar a fixar tendo em consideração o que foi tido como provado, quer em termos de necessidades da requerente, quer em termos das possibilidades dos requeridos.

Em sede de enquadramento legal da questão assim suscitada haverá de convocar-se desde logo o disposto nos artºs 2003º e 2004º do C.Civil nos termos dos quais, devendo a prestação alimentar em abstrato corresponder ao necessário para fazer face às despesas com o sustento, habitação e vestuário – nº 1 do artº 2003º do C.Civil – na prática terá de ser proporcional aos meios do obrigado à sua prestação e à necessidade do alimentando – nº 1 do artº 2004º do mesmo diploma.
Já no caso dos alimentos provisórios o legislador em termos da sua quantificação limita-se a dispor que serão taxados segundo o “prudente arbítrio” do juiz – nº 1 do artº 2007º do CC.
Sendo a diferença de regimes num caso evidente, para a sua compreensão é necessário atender à justificação dessa diferença. E essa justificação reside desde logo no facto de no caso dos alimentos provisórios se estar perante um procedimento simplificado, de contraditório abreviado, que assenta numa prova sumária dos factos.
Por outro lado, haverá ainda que atender a que os alimentos apesar de provisórios, são irrepetíveis, não havendo lugar em caso algum à restituição do que vier a ser recebido a esse título – nº 2 do artº 2007º do CC.
Esta circunstância, conjugada com a já referida natureza sumária da prova admitida o caráter abreviado do contraditório, e a natureza provisório da decisão, justificam a opção do legislador de deixar a quantificação do valor dos alimentos provisórios ao critério do prudente arbítrio do julgador, não o vinculando ao critério da dupla proporcionalidade contido no º 1 do artº 2004º do C. Civil.
E nesse julgamento o tribunal, devendo ter em conta o que estiver comprovado em termos das necessidades do requerente, terá também de ter em conta que os alimentos provisórios a que se refere o artº 2007º do CC, tal como qualquer outro procedimento cautelar, têm como finalidade obstar às consequências que em termos do direito que se visa acautelar - a subsistência do requerente - possa ter a demora inerente ao processamento da ação em que irão ser decididos os alimentos definitivos. E como tal devem ser fixados em função do estritamente necessário ao sustento, habitação e vestuário do requerente, e eventualmente para as despesas da ação quando o requerente não pudesse beneficiar do apoio judiciário, como aliás se exprimia o legislador no nº 2 do artº 399º do CPC de 1961.
Por todo o exposto não se acompanha a recorrente quando faz corresponder o valor da prestação de alimentos provisórios que pretende ver fixada, ao valor necessário para fazer face ao somatório das despesas comprovadas. Ao raciocinar dessa forma a recorrente está a fazer aplicação do critério que a lei prevê para a quantificação dos alimentos definitivos não atendendo a que o critério de quantificação é diferente quando se trate de alimentos provisórios e que é igualmente diferente a finalidade visada com a sua atribuição.
Assim que no procedimento próprio pata a atribuição de alimentos provisórios o tribunal deverá ter em conta a factualidade apurada em termos de necessidades da requerente e possibilidades dos requerido para aferir da existência provável do invocado direito a alimentos invocado como fundamento da providência cautelar requerida. Mas em termos da quantificação do valor da prestação alimentar provisória a fixar o juiz não está vinculado ao resultado do que assim tiver sido apurado, devendo antes orientar-se pelo que lhe ditar o seu arbítrio prudente considerando que o que está em causa é assegurar por um período de tempo limitado a subsistência do requerente, e que como tal a prestação alimentar provisória a fixar deverá ser adequada a garantir o mínimo indispensável para fazer face às despesas com essa subsistência.
Assim que não é de censurar a decisão recorrida quando não considera todos os valores apurados em termos de despesas da requerente, fazendo antes corresponder a prestação alimentícia provisória fixada (€262) à diferença entre o valor aproximado (€800) das despesas comprovadas (€600 euros para a empregada e 200 euros para despesas com alimentação, produtos de higiene, fraldas e medicação) e o valor (€538) das pensões de reforma que se apurou a requerente recebe.
Impõe-se no entanto uma correção quanto ao valor considerado a título de despesas da recorrente na medida em que efetivamente, para além de despesas não concretamente apuradas com alimentação, produtos de higiene pessoal, vestuário, calçado, cueca/fraldas, cabeleireiro, água (BB) que o tribunal estimou em 200€, haverá de contabilizar-se, porque provado (Z) o valor que a requerente despende mensalmente em medicação de toma diária (€65) porque se trata de despesa essencial. Assim que para além do valor estimado de €200 haverá de atender a este valor concretamente apurado de €65.
E se para além disso considerarmos a comparticipação da recorrente nas despesas de gás e eletricidade da casa que habita com a filha C…, considera-se mais adequado quantificar em €350 o mínimo necessário para, juntamente como valor auferido a titulo de pensão de reforma, a recorrente fazer face às despesas com a habitação, vestuário e sustento da recorrente, aqui se incluindo alimentação, despesas médicas e medicamentosas, e eventuais transportes ocasionais para tratamentos.

Termos em que acordam os juízes nesta secção cível do tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente a apelação, fixando em €350,00 euros mensais o valor dos alimentos provisórios a pagar à requerente B… pelos requeridos seus filhos, C…, D…, E…, F…, e G…, sendo €70,00 euros por cada um deles.

Custas por requerente e requeridos na proporção do decaimento que se fixa em 77,5% para a recorrente e 22,5% para os requeridos.

Porto, 26 de setembro de 2019
Freitas Vieira
Madeira Pinto
Carlos Portela