Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ARISTIDES RDRIGUES DE ALMEIDA | ||
Descritores: | DECISÃO NOTÁRIO RECLAMAÇÃO DE BENS MEIO IMPUGNATÓRIO RECURSO PARA O TRIBUNAL DE COMARCA | ||
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Nº do Documento: | RP20190627861/19.0T8VFR-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/27/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
Indicações Eventuais: | 3ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º178, FLS.124-131) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A decisão proferida pelo Notário no incidente da reclamação da relação de bens em processo de inventário é passível de impugnação judicial para o tribunal de comarca. II - Essa impugnação é feita mediante apelação autónoma em relação ao recurso da sentença homologatória da partilha, a interpor no prazo de 30 dias, acompanhada de alegações e das respectivas conclusões. III - Esse recurso sobe imediatamente, com efeito suspensivo e em separado. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Recurso de Apelação ECLI:PT:TRP:2019:861/19.0T8VFR.A.P1 * .......................................................Sumário: ....................................................... ....................................................... * Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:I. Relatório: No processo de inventário para partilha dos bens comuns subsequente a divórcio, em que é requerente C… e cabeça-de-casal D…, a correr termos no Cartório Notarial do Dr. B…, com sede em Santa Maria da Feira, pela requerente foi deduzida reclamação da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal e posteriormente foi proferida pelo Sr. Notário decisão sobre tal reclamação.Notificada dessa decisão, a requerente apresentou no processo de inventário requerimento com o qual pretendeu, «nos termos do art. 57º do RJPI, apresentar impugnação judicial» da referida decisão. O Sr. Notário decidiu «nos termos da Lei 23/2013, … remeter … ao Tribunal da Comarca de Aveiro, Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, o processo em questão». Recebido o processo no Tribunal de Comarca, a Mma. Juíza proferiu a seguinte decisão: « Vem interposto recurso da decisão do Sr. Notário referente ao incidente de reclamação à relação de bens. Nos termos do art. 76º, n.º 2, do RJPI, as decisões interlocutórias proferidas no âmbito do processo de inventário devem ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da decisão de partilha, salvo se recaírem sobre alguma das matérias aludidas no art. 644º, n.º 2, do Novo CPC, o que não é o caso. Nesta conformidade, não admito o recurso interposto por extemporaneidade (…)».. Do assim decidido, a requerente interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: 1 - A douta decisão recorrida aplicou de forma incorrecta o artigo 76º do RJPI e o artigo 644º do CPC, pois integrou, erroneamente, na previsão daquele art.76º, uma decisão não jurisdicional (do Notário), quando a verdade é que essa norma se refere às decisões jurisdicionais (do Tribunal da 1ª Instância). 2 - Em consequência dessa subsunção errada, a decisão recorrida concluiu pela extemporaneidade da impugnação deduzida pela recorrente contra a decisão do Sr. Notário. 3 - Deste modo, a decisão recorrida violou a lei aplicável, designadamente, a regra da plena recorribilidade das decisões do Notário, que só encontrará entrave eventualmente, no valor do processo ou no da sucumbência (em aplicação subsidiária da regras do processo civil aplicáveis ao processo de inventário), os quais não ocorrem no caso presente. 4 - Os fundamentos específicos da recorribilidade são assim, a violação da lei adjectiva e a violação da lei substantiva nas normas supra indicadas. Termos em que, por ter violado a lei aplicável, deverá revogar-se a douta decisão recorrida e ordenar-se o prosseguimento dos autos para conhecimento da impugnação da decisão do notário, oportunamente deduzida pela recorrente. Não consta que tenha sido apresentada resposta a estas alegações. Após os vistos legais, cumpre decidir. II. Questões a decidir: As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida se a decisão proferida pelo Sr. Notário em processo de inventário para separação de meações pendente no Cartório daquele sobre a reclamação da relação de bens só pode ser impugnada judicialmente no recurso que vier a ser interposto da decisão de partilha ou pode ser objecto de apelação autónoma e, neste caso, qual o seu regime.III. Os factos: Para a decisão a proferir relevam os factos processuais que constam do relatório.IV. O mérito do recurso: Quer a recorrente quer a Mma. Juíza a quo, num despacho adrede proferido após tomar conhecimento das alegações de recurso, se referem a um Acórdão desta Relação que tivemos oportunidade de relatar no processo n.º 379/18.8T8GDM.P1, e que se encontra disponível in www.dgsi.pt.Nesse processo ocupámo-nos da questão de saber qual é o tribunal competente, em razão da hierarquia, para conhecer das impugnações judiciais apresentadas pelos interessados no processo inventário pendente perante Notário das decisões proferidas por este. Em resultado da interpretação e integração das normas legais aplicáveis, formulámos as seguintes conclusões: «i) as decisões proferidas pelo Notário ao longo do processo são impugnáveis judicialmente e a competência para conhecer dessa impugnação é do tribunal de 1.ª instância, não apenas nas situações previstas nos artigos 57.º e 16.º do RJPI mas em todas as outras em que nos termos gerais do direito processual civil a decisão é passível de recurso; ii) o regime do artigo 76.º do RJPI refere-se somente aos recursos de apelação das decisões do tribunal de 1.ª instância, estabelecendo que as decisões judiciais interlocutórias só podem ser impugnadas no recurso de apelação da sentença judicial homologatória da partilha; iii) as impugnações das decisões do notário seguem o regime dos aspectos em que o artigo 57.º e 16.º do RJPI coincidem e, quanto aos aspectos aí não previstos de forma coincidente, aplica-se subsidiariamente o regime do recurso de apelação.» Para assim concluir fizemos a seguinte leitura que aqui repetimos. «A insólita tramitação do processo, bem elucidativa, aliás, do mérito da configuração processual vigente do processo de inventário e da (falta de) segurança dos interessados sobre os termos processuais, deixa à vista que antes de entrar na apreciação do recurso de apelação da sentença judicial homologatória do mapa de partilha, cabe decidir uma questão prévia. Trata-se de saber se as decisões do Notário proferidas ao longo do processo sobre as questões levantadas pelos interessados sobre a relação de bens, mais propriamente sobre quais são os bens comuns a partilhar, como devem eles ser relacionados e qual o seu valor para efeitos do mapa de partilha, são passíveis de serem impugnadas judicialmente e, na afirmativa, qual o regime dessa impugnação e quem é competente para conhecer dessa impugnação. Esta questão ajuda a responder a uma perplexidade que os autos revelam: o juiz a quo entende que para homologar o mapa de partilha não tem de apreciar nenhuma daquelas questões e pode proferir a respectiva sentença quaisquer que sejam os vícios das decisões proferidas ao longo do processo e da sua influência no conteúdo da partilha (convertendo a sua sentença numa mera chancela), e entende, em consequência, que a Relação deve conhecer das questões suscitadas pelos interessados numa espécie de recurso per saltum para a Relação, em que caberá a esta conhecer de recursos não de decisões judiciais mas de decisões do Notário, sem que previamente a 1.ª instância sobre elas se haja pronunciado. Mesmo na sua actual versão, o processo de inventário decide conflitos de direitos entre os interessados e conforma juridicamente esses direitos, operando uma modificação nas respectivas esfera jurídica. Por conseguinte, continua a ser um processo de natureza jurisdicional, um processo que decide, regula e conforma direitos materiais num exercício de soberania próprio dos tribunais e dos órgãos jurisdicionais. Do ponto de vista teórico pode discutir-se até que ponto no actual regime jurídico do processo de inventário aprovado pela Lei n.º 23/2003, de 5 de Março (doravante RJPI), a atribuição de competências ao notário para decidir questões compreendidas nos diversos momentos em que se decompõe a partilha retira ao processo de inventário (total ou parcialmente) a natureza de processo judicial e de processo subordinado à reserva de competência jurisdicional dos tribunais. Cremos, no entanto, que, na prática, na prática essa discussão é estéril porquanto é o próprio RJPI a consagrar que o processo de inventário termina com uma sentença judicial e que a sentença de homologação da partilha é da competência directa e exclusiva do juiz. Tal demonstra que não obstante a intenção de desjudicialização do processo de inventário, este continua a ser, ao menos em parte, um processo jurisdicional, cuja decisão final é da competência jurisdicional do tribunal, ainda que no ínterim haja actos que são dirigidos e praticados pelo notário, ao qual cabe, inclusivamente, competência para decidir questões interlocutórias prévias à sentença homologatória da partilha. Se é invulgar haver entidades não jurisdicionais a exercer poderes de decisão em processos judiciais , já seria, queremos crer, incompreensível que o juiz exercesse competências e proferisse decisões jurisdicionais fora do âmbito de processos com essa natureza. Vejamos algumas das características do actual RJPI que nos permitem compreender não só o seu objectivo como os seus trâmites. O regime aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, prosseguiu e incrementou o propósito de desjudicialização parcial do processo de inventário iniciado pela Lei n.º 29/2009, de 29 de Junho, procedendo, por comparação com esta lei, à clarificação e reforço do papel do órgão não jurisdicional decisor - o notário - na tramitação dos actos e termos do processo. A finalidade do processo continuou a ser a partilha do acervo hereditário ou o relacionamento dos bens que o integram (inventário arrolamento), assim como a partilha do património comum do casal. Ao notário foi atribuída competência para a condução e decisão do processo de inventário, apesar do que este não perdeu totalmente a sua natureza judicial. Com efeito, o sistema instituído é um sistema compósito, na medida em que, apesar de ter convertido o notário no titular principal do processo, continua a reservar aos tribunais a prática de determinados actos, tanto em primeira instância como em via de recurso. A competência dos cartórios notariais e dos tribunais em matéria de inventário encontra-se estabelecida no artigo 3.º do RJPI. Nos termos do n.º 1 do artigo 3.º, compete «aos cartórios notariais sediados no município do lugar da abertura da sucessão efectuar o processamento dos actos e termos do processo de inventário e da habilitação de uma pessoa como sucessora por morte de outra». Nos termos do n.º 4 da norma cabe ao notário «dirigir todas as diligências do processo de inventário e da habilitação de uma pessoa como sucessora por morte de outra, sem prejuízo dos casos em que os interessados são remetidos para os meios judiciais comuns». Por sua vez, nos termos do n.º 7 do artigo 3.º do RJPI compete ao tribunal da comarca do cartório notarial onde o processo foi apresentado, «praticar os actos que», de acordo com tal regime, «sejam da competência do juiz». Quanto à entidade encarregue da tramitação do processo de inventário, o RJPI assenta na repartição material de competência entre os cartórios notariais e os tribunais, caracterizada pela atribuição «ao notário [d]a competência (regra) para a prática, em geral, de todos os actos e termos do processo de inventário» e pela especificação dos «actos (excepções à regra)» reservados «à competência do Tribunal» (cf. Eduardo Sousa Paiva/ Helena Cabrita, in Manual do processo de inventário: à luz do novo regime, Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 19). Conforme notado ainda na doutrina, a atribuição de competência-regra ao cartório notarial para a tramitação do processo de inventário assenta no facto de o notário - órgão próprio da função notarial - exercer as suas funções em nome próprio e sob sua responsabilidade, com respeito pelos princípios da legalidade, autonomia, imparcialidade, exclusividade e livre escolha (cf. artigo 10.º do Estatuto do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26/2004 de 4 de Fevereiro) (cf. Carla Câmara/ Carlos Castelo Branco/ João Correia/ Sérgio Castanheira, Regime Jurídico do Processo de Inventário – Anotado, 2ª Ed., Coimbra: Almedina, 2013, p. 35). Quanto à competência dos notários, de salientar que lhes foi atribuída não apenas uma competência residual - traduzida na faculdade de «dirigir todas as diligências do processo de inventário e da habilitação de uma pessoa como sucessora por morte de outra» (cf. artigo 3.º, n.º 4, do RJPI) -, como ainda um conjunto de competências específicas (cf. o elenco esboçado por Carla Câmara/Carlos Castelo Branco/João Correia/Sérgio Castanheira, in loc. cit., págs 37-38). Desde logo, o notário tem competência para decidir todos os incidentes do inventário (artigo 14.º do RJPI), e as demais questões incidentais que possam colocar-se - por exemplo, a arguição de nulidade de citações e/ou notificações, cuja realização é levada a cabo com observância das formalidades previstas no Código de Processo Civil (artigo 6.º do RJPI). Nos incidentes do processo do inventário, ao notário cumpre promover a realização das diligências probatórias requeridas pelas partes (artigo 14.º, n.º 1, do RJPI), designadamente a inquirição das testemunhas que tiverem sido arroladas (artigo 15.º, n.ºs 2 a 4, do RJPI), e, finda a instrução que deva ter lugar, estabelecer as questões relevantes para a decisão do incidente (o que não passa de uma tentativa naïve de esconder que lhe cabe julgar os factos provados e não provados) que, em princípio, lhe compete proferir (artigo 15.º, n.º 6, do RJPI). Não será assim, apenas, se na pendência do inventário forem suscitadas questões que pela sua natureza ou complexidade da matéria de facto e de direito, não devam ser decididas no processo de inventário. Nesses casos, o notário encontra-se legalmente vinculado a determinar a suspensão da tramitação do processo e a remeter as partes para os meios judiciais comuns até que ocorra decisão definitiva, identificando para o efeito as questões controvertidas e justificando fundamentadamente a sua complexidade (artigo 16.º, n.º 2, do RJPI). Para além de oficiosamente decretável, a remessa das partes para os meios judiciais com fundamento na natureza ou complexidade das questões a decidir pode ter lugar a requerimento de qualquer interessado (cf. n.º 3 do artigo 16.º) e, no caso de o notário indeferir o pedido de remessa, dessa decisão cabe recurso para o tribunal competente (n.º 4), o qual «sobe imediatamente e tem efeito suspensivo» (cf. artigo 16.º, n.º 5). Assim, caso seja deduzida oposição ao inventário, impugnada a legitimidade dos interessados citados ou a competência do cabeça de casal e/ou invocadas quaisquer excepções dilatórias (artigo 30.º, n.º 1, alíneas a) a d), do RJPI), o notário realizará as diligências probatórias tidas por necessárias - o que inclui não apenas as diligências requeridas pelas partes, como ainda aquelas que lhe é lícito oficiosamente determinar -, decidindo, em seguida, a questão suscitada no incidente (cf. artigo 31.º, n.º 3, do RJPI). No caso de a oposição ao inventário incluir a impugnação do valor indicado pelo cabeça-de-casal para cada um dos bens constantes da relação apresentada, proceder-se-á à respectiva avaliação, que será realizada por um único perito, a nomear pelo notário, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil quanto à prova pericial (artigo 33.º, n.º 2, do RJPI). Quando seja deduzida reclamação contra a relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal, é também ao notário que compete decidir da mesma, depois de ouvido o cabeça-de-casal e, caso este não confesse a existência dos bens cuja falta foi invocada, os demais interessados com legitimidade para se pronunciarem (cf. artigo 35.°, n.º 3, do RJPI). Também neste caso, quando a complexidade da matéria de facto ou de direito tornar inconveniente a decisão incidental da reclamação, o notário está obrigado a abster-se de decidir e a remeter os interessados para os meios judiciais comuns (artigo 36.º, n.º 1, do RJPI), mantendo, todavia, a faculdade de, com base numa apreciação sumária das provas produzidas, deferir provisoriamente as reclamações, com ressalva do direito às acções competentes (n.º 3). O juiz dispõe, por sua vez, de uma dupla competência no processo de inventário: por um lado, competência própria; por outro, competência de decisor em sede de recurso. No exercício da competência própria, ao juiz cível territorialmente competente cabe proferir, nos termos do n.º 1 do artigo 66.º do RJPI, a «decisão homologatória da partilha constante do mapa e das operações de sorteio», decisão da qual cabe recurso de apelação para o Tribunal da Relação, nos termos do Código de Processo Civil (cf. n.º 3). Entre os actos da competência própria do juiz especificamente compreendidos na tramitação própria do processo de inventário, deve referir-se ainda a designação do cabeça-de-casal no caso de todas as pessoas referidas no artigo 2080.º do Código Civil se escusarem ou serem removidas (artigo 2083.° do Código Civil), bem como a decisão homologatória do acordo dos interessados que ponha termo ao processo de inventário na conferência, nos termos do disposto nos artigos 48.º, n.º 7, e 66.º, n.º 1, do RJPI. A par destes actos, outros haverá que por se projectarem para lá dos interesses privados em conflito, só por um tribunal poderão ser praticados, pelo que o processo deverá ser remetido ao juiz para, ainda que por via incidental, proferir decisão no âmbito do processo de inventário (neste sentido, quanto ao levantamento do sigilo bancário ou dispensa de confidencialidade de certos dados a apresentar como meio de prova, cf. Eduardo Sousa Paiva e Helena Cabrita, Manual do processo…, cit., pág. 20, embora haja que anotar que tal referência não obsta a que a competência em razão da hierarquia para conhecimento desse incidente deva ser acatada). Tal como tem competência para praticar determinados actos do processo de inventário, o juiz tem ainda competência para sindicar as decisões proferidas pelo notário, sempre que delas couber recurso para o Tribunal. O RJPI menciona expressamente que são impugnáveis perante o juiz a decisão do notário que indeferir o pedido de remessa das partes para os meios judiciais comuns (artigo 16.º, n.º 4), bem como o despacho determinativo da forma da partilha (artigo 57.º, n.º 4) sempre que as partes não tiverem sido remetidas para os meios comuns - se o tiverem sido, é ao juiz que caberá, a título próprio, proferir o despacho determinativo da forma da partilha (artigo 57.º, n.º 3). Para além das decisões expressamente referidas, vêm sendo assinaladas outras decisões que são susceptíveis de serem impugnadas perante o juiz de comarca, segundo o entendimento de que o elenco dos actos judicialmente impugnáveis, extraível do RJIP, não só não é taxativo, como é susceptível de ser complementado através da consideração de outros preceitos legais, provenientes de fonte diversa. Para o efeito alude-se à interpretação extensiva ou à aplicação analógica de certas das normas contidas naquele regime - é o caso das decisões do notário que julguem procedentes excepções que ponham fim ao inventário, como sucede com a ilegitimidade, litispendência, caso julgado, entre outras (neste sentido, cf. Eduardo Sousa Paiva/ Helena Cabrita, loc. cit., pág. 20) -, ou invoca-se a consideração de preceitos oriundos de diplomas diversos. Na situação analisada pelo já referido Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 843/2017, por exemplo, o tribunal judicial considerou passível de recurso a decisão proferida pelo notário no âmbito do incidente de impugnação do valor atribuído pelo cabeça-de-casal aos bens imóveis a partilhar no processo de inventário. No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 28/2006 o recurso tinha por objecto a decisão do Notário de suspender o processo de inventário até ao pagamento dos honorários notariais e despesas, recurso que foi dirigido à 1.ª instância e por esta julgado, decisão da qual houve depois recurso para a Relação de Guimarães. Já na situação tratada no Acórdão da Relação de Coimbra de 20.06.2017, proc. n.º 109/17.1YRCBR, in www.dgsi.pt, o recurso foi interposto (directamente para a Relação) da decisão do Notário sobre a reclamação da relação de bens. Na situação abordada no Acórdão da Relação de Évora de 05.04.2016, proc. n.º 38/16.6YREVR, in www.dgsi.pt, o recurso foi interposto (ninguém sabia muito bem para onde) da decisão de não produção de um meio de prova para instrução de um incidente do processo. E na situação examinada no Acórdão desta Relação de 26.04.2018, proc. n.º 9995/17.4T8VNG-A.P1, in www.dgsi.pt, a decisão do Notário impugnada judicialmente é relativa ao incidente do seu próprio impedimento. Não faltam pois exemplos de decisões do notário que foram impugnadas judicialmente e reapreciadas pelos tribunais, não obstante não serem situações em que o RJPI alude expressamente à possibilidade de recurso. O conjunto de competências a que se fez referência leva a concluir que, não obstante a verdadeira desjudicialização do processo de inventário realizada através da transferência para os notários de uma parte substancial da tramitação do processo, o legislador continuou a confiar aos tribunais a resolução de todas as questões de maior complexidade fáctica e/ou jurídica suscitadas no respectivo âmbito, assim como manteve sob reserva de jurisdição a prática dos actos directamente conformadores da posição jurídica das partes, como seja a decisão homologatória do acordo dos interessados que ponha termo ao processo e, em particular, a decisão homologatória da partilha. Pode dizer-se que a decisão homologatória da partilha é uma decisão da competência própria do juiz, que consubstancia o ato constitutivo em que culmina toda a actividade desenvolvida no âmbito do processo que, até esse momento, correu termos perante o notário, através do qual se atribui aos interessados a titularidade exclusiva dos direitos sobre os bens incluídos no acervo, hereditário ou conjugal, que passaram a caber-lhes, conformando, dessa forma, a respectiva esfera jurídica. Embora a decisão homologatória da partilha traduza também o momento em que o juiz verifica a conformidade dos actos praticados durante a fase notarial, bem como a legalidade e a regularidade do processo, a amplitude do controlo judicial efectivamente implicado em tal decisão, além de não resultar claramente da lei, está longe de ser inequívoca. A par dos que entendem que, apesar de não caber ao juiz o poder oficioso de introduzir as alterações ou modificações que entenda convenientes no mapa de partilha (ao contrário do que resultava do artigo 60.º da Lei n.º 29/2009), nenhum obstáculo se levanta a que enuncie os «actos que, em sede notarial, dev[a]m ser praticados» e/ou supra «as irregularidades que (…) detecte, inclusive em questões incidentais e decisões interlocutórias até então proferidas, que se tenham reflectido nas operações de partilha» (cf. Carla Câmara/ Carlos Castelo Branco/ João Correia/ Sérgio Castanheira, Regime Jurídico do…, cit., pp. 338 ss; em igual sentido, Eduardo Sousa Paiva/ Helena Cabrita, Manual do processo…, cit., p. 195), há também quem veja aqui um controlo meramente formal de legalidade, sem possibilidade de uma sindicância efectiva sobre a validade dos actos pretéritos praticados pelo notário (neste sentido, cf. Filipe César Vilarinho Marques, “A homologação da partilha”, Julgar, n.º 24, Coimbra, 2014, p. 155 e ss.).». Na nossa opinião é possível ir mesmo mais longe. Se o Notário profere decisões sobre conflitos de interesses e direitos dos particulares num processo que preserva ainda em parte a sua natureza jurisdicional, as decisões do Notário são, em regra, recorríveis. Desde que o valor processual do processo de inventário o permita e a decisão proferida supere o valor da sucumbência, em princípio, todas as decisões do Notário são recorríveis. À imagem do que sucederia se as decisões fossem proferidas por um juiz num processo de inventário tramitado exclusivamente sobre a sua orientação e jurisdição, verificado o requisito do valor e da sucumbência, apenas não serão recorríveis, por aplicação analógica do disposto no artigo 630.º do Código de Processo Civil, as decisões do Notário proferidas no uso legal de um poder discricionário ou que sejam de mero expediente (artigo 82.º do RJPI). A regra importada do Código de Processo Civil é, portanto, a recorribilidade, não a irrecorribilidade. Para que assim não sucedesse era necessário que o RJPI contivesse não algumas normas dispersas a dispor sobre o recurso de certas decisões, como se verifica, mas ao invés, uma norma expressa a prescrever que só eram passíveis de recurso as decisões do Notário expressamente previstas nesse diploma, isto é, a prescrever que em todas as restantes situações não era admissível recurso. Essa disposição legal suscitaria óbvias reservas sobre a constitucionalidade da solução por violação do direito de acesso à Justiça e aos Tribunais e dos princípios da proporcionalidade e adequação inerentes ao Estado de Direito. Também por isso tal norma não existe. E não existindo, no âmbito do processo de inventário não se mostra afastada ou invertida a regra da recorribilidade. Afinal de contas, o RJPI também só se refere ao recurso de apelação da decisão do juiz de 1.ª instância que homologue o mapa de partilha e não obstante ninguém questionará que as restantes decisões que ele venha a proferir ao longo do processo de inventário são impugnáveis perante a Relação … nos termos gerais. A impugnação das decisões do Notário não constitui propriamente um recurso, na medida em que este é um mecanismo processual especificamente previsto no Código de Processo Civil para a impugnação das decisões judiciais perante instâncias judiciais de grau hierárquico superior. Trata-se, mais rigorosamente, de uma impugnação judicial de decisões não judiciais mas sujeitas ao controle jurisdicional. Por esse motivo, deve entender-se que o paradigma dessa impugnação é o modelo dos artigos 57.º, n.º 4, do RJPI, que regula a impugnação do despacho do Notário determinativo da forma da partilha, e 16.º, n.os 4 e 5, que regula a impugnação do despacho de indeferimento do pedido de remessa das partes para os meios judiciais, o qual deve ser aplicado extensivamente a todas as impugnações judiciais de decisões do Notário no âmbito do processo de inventário. Questão diferente consiste em saber qual o tribunal competente para conhecer da impugnação. A resposta que vem dada no processo pela Notária e pelo Juiz de Comarca, com alegado apoio no artigo 76.º, n.º 2, do RJPI, consiste em considerar que como só está prevista a impugnação para a Comarca das decisões previstas nos artigos 57.º, n.º 4, e 16.º, n.º 4, desse regime, as demais decisões são decisões interlocutórias e a sua impugnação deve ser feita no recurso da decisão de partilha, pelo que sendo a sentença de partilha proferida pelo Juiz de Comarca o recurso das decisões interlocutórias é interposto para o Tribunal da Relação por ser o competente para conhecer do recurso da sentença de partilha (do Juiz de Comarca). Com todo o devido respeito, discordamos desta interpretação, a qual, a nosso ver, faz uma leitura literal do artigo 76.º do RJPI que esquece a diferença entre impugnação judicial das decisões do Notário e os recursos das decisões judiciais do Juiz proferidas ao longo do processo e, sobretudo, olvida que entre os Tribunais existem graus de competência alicerçados na hierarquia. Segundo o artigo 67.º do Código de Processo Civil, compete aos tribunais de 1.ª instância o conhecimento dos recursos das decisões dos notários, dos conservadores do registo e de outros que, nos termos da lei, para eles devam ser interpostos. Conforme o artigo 68.º do mesmo diploma, as Relações conhecem dos recursos e das causas que por lei sejam da sua competência e particularmente dos recursos interpostos de decisões proferidas pelos tribunais de 1.ª instância. Por sua vez o artigo 69.º do Código de Processo Civil estabelece que o Supremo Tribunal de Justiça conhece dos recursos e das causas que por lei sejam da sua competência e especificamente dos recursos interpostos de decisões proferidas pelas Relações e, nos casos especialmente previstos na lei, pelos tribunais de 1.ª instância. Correspondentemente o artigo 42.º da lei da organização do sistema judiciário aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, estabelece que os tribunais judiciais encontram-se hierarquizados para efeito de recurso das suas decisões, e, em regra, o Supremo Tribunal de Justiça conhece, em recurso, das causas cujo valor exceda a alçada dos tribunais da Relação e estes das causas cujo valor exceda a alçada dos tribunais judiciais de primeira instância. Estas normas desenham uma hierarquia entre os tribunais, que tem na sua base a 1.ª instância e na cúpula o Supremo Tribunal de Justiça. Cada um destes tribunais conhece das acções e dos recursos compreendidos especificadamente na sua competência própria. As acções ou recursos que não estejam expressamente incluídos nas normas que definem a competência própria de cada um dos tribunais são decididas primeiro pela 1.ª instância, das decisões desta caberá recurso para a Relação e das decisões desta caberá recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, excepto nas situações particulares em que a lei preveja de forma expressa a possibilidade de recurso per saltum. O artigo 76.º do RJPI, tal como, aliás, o artigo 644.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, ao preverem que as decisões interlocutórias sejam impugnadas no recurso da decisão final, não são normas sobre a competência para conhecer dos recursos, são normas que regem somente sobre o momento da interposição do recurso. Não é por existir a previsão do n.º 3 do artigo 644.º do Código de Processo Civil que passam a poder ser impugnadas perante o Supremo Tribunal de Justiça, ou seja, no recurso de revista, as decisões interlocutórias proferidas durante a tramitação processual … pela 1.ª instância; as quais têm de ser impugnadas perante a Relação, ou seja, no recurso de apelação. Porque haveria de ser diferente no processo de inventário, para mais quando as decisões não são sequer proferidas por um juiz mas antes por um órgão não jurisdicional?! Não existe norma legal que atribua à Relação competência para conhecer de decisões interlocutórias proferidas por órgão não jurisdicional situado fora e aquém da estrutura jurisdicional hierárquica. Por esse motivo, por aplicação do disposto nos artigos 67.º e 68.º do Código de Processo Civil, a Relação não tem essa competência e, se não a tem, a competência é da 1.ª instância. O artigo 76.º do RJPI rege, assim, sobre o recurso de apelação da sentença judicial de homologação do mapa de partilha. Nesse recurso poderão ser impugnadas as decisões interlocutórias proferidas pelo órgão jurisdicional recorrido, isto é, proferidas pelo juiz de 1.ª instância no decurso do processo de inventário, sejam elas as decisões proferidas em sede de competência própria ou já no exercício da competência de órgão de recurso. O n.º 2 do artigo 76.º do RJPI não se refere às decisões do Notário (por definição todas elas interlocutórias porque a decisão final do processo é sempre do juiz, ao qual compete, sempre, a homologação do mapa de partilha), porque estas são impugnáveis para o tribunal de comarca, apenas cabendo recurso para a Relação das decisões do Juiz de 1.ª instância. […]» (fim de transcrição). Na ocasião apenas tivemos de decidir se o Tribunal da Relação era competente para conhecer, como 1.ª instância, do recurso/impugnação judicial de decisões interlocutórias proferidas pelo Notário titular do processo de inventário, numa espécie de recurso per saltum da entidade não jurisdicional para o Tribunal Judicial de 2.ª Instância. Agora, no caso, já não se discute se cabe ao Tribunal de Comarca conhecer, como 1.ª instância, dos referidos recursos/impugnações judiciais, competência que o tribunal a quo aceita, mas sim qual o respectivo regime de subida, mais propriamente se essas decisões podem ser objecto de apelações autónomas ou apenas podem ser impugnadas no recurso da sentença de homologação da partilha. Esta questão não foi por nós ignorada no anterior Acórdão porquanto logo percebemos que a necessidade de corrigir a manifesta deficiência das normas legais aplicáveis e a sua incongruência com a arquitectura do regime de recurso colocava a questão de saber qual era esse regime. Na nota 3 do aludido Acórdão escrevemos então que os artigos 57.º, n.º 4, e 16.º, n.os 4 e 5, do RJPI, «apresentam semelhanças no tocante à interposição do recurso (imediata) e ao respectivo efeito (suspensivo) que serão consequentemente aplicáveis às demais impugnações. Mas apresentam também diferenças significativas no tocante ao prazo de interposição do recurso (num caso 15 no outro 30 dias) e à apresentação das alegações (num caso incluída no requerimento de interposição, no outro não), o que constitui uma lacuna e dificulta sobremaneira o estabelecimento do regime comum ou regime-regra da impugnação judicial das decisões do Notário. Deve entender-se que nas impugnações não especificadas os aspectos da impugnação que estes preceitos não definem (definem o momento da interposição do recurso e o seu efeito, não definem o mais: prazo de interposição, apresentação das alegações e modo de subida) deverão ter um regime análogo ao das disposições do Código de Processo Civil sobre o recurso de apelação (que o artigo 82.º do RJPI manda aplicar subsidiariamente ao processo de inventário).» Porque entendemos assim? Em primeiro lugar porque qualquer processo que queira ser equitativo não pode prescindir do valor da segurança e da confiança na regularidade processual. Um regime processual em que caiba ao juiz o papel de decidir de forma ad hoc, com inteira liberdade e de acordo com o seu critério, as regras processuais a que o processo está sujeito, sobretudo quando está em causa a interposição de recurso e consequentemente o interessado não tem sequer modo de adivinhar qual vai ser o critério do julgador, é evidentemente violador daqueles princípios e, como tal, inconstitucional. Daí que nos pareça que havendo a necessidade de integrar as normas legais e definir o regime processual que lhe corresponde, o juiz deve antes de mais fixar a atenção nas normas legais vigentes que fixam regimes incontroversos e usá-las como referenciais já que é com essas normas que os interessados podem e devem contar. É com esse sentido, aliás, que, a nosso ver, deve ser interpretado o artigo 10.º do Código Civil que manda aplicar aos casos que a lei não preveja a norma aplicável aos casos análogos, isto é, aplicável às situações cuja regulamentação se filie em razões justificativas igualmente válidas para os casos omissos ou, na falta de caso análogo, aplicar a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema, sendo certo que este é, em primeira mão, o sistema do processo de inventário e não o sistema jurídico-processual no seu todo. Em segundo lugar porque a aplicação do regime processual dos recursos vigente para os processos cíveis em geral, sendo embora possível e defensável, por certo, despreza a natureza de processo especial do inventário. Os processos especiais são por natureza processos que possuem especialidades que justificam o afastamento do regime-regra válido para os processos comuns. O processo de inventário não é o único processo especial em que o regime de recursos se afasta do regime do processo comum declarativo. Nessa medida, dizer que a solução que nós preconizamos se afasta do regime regra – do Código de Processo Civil, não do RJPI – é uma evidência que não dá resposta ao problema porque a questão seria se as especificidades do processo de inventário não são suficientes para justificar a diversidade de soluções. Precisamente por isso a já conhecida Proposta de Lei n.º 202/XIII, disponível in https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=43773, que uma vez aprovada irá reverter a reforma do processo de inventário, recuperar a sua natureza de processo judicial a tramitar em regra no tribunal de comarca e só excepcionalmente no cartório notarial, propõe-se reintroduzir no Código de Processo Civil o artigo 1123.º consagrando o «regime dos recursos» do processo de inventário nos seguintes termos: «1- Aplicam-se ao processo de inventário as disposições gerais do processo de declaração sobre a admissibilidade, os efeitos, a tramitação e o julgamento dos recursos. 2- Cabe ainda apelação autónoma: a) Da decisão sobre a competência, a nomeação ou a remoção do cabeça-de-casal; b) Das decisões de saneamento do processo e de determinação dos bens a partilhar e da forma da partilha; c) Da sentença homologatória da partilha. 3- O juiz pode atribuir efeito suspensivo do processo ao recurso interposto nos termos da alínea b) do número anterior, se a questão a ser apreciada puder afetar a utilidade prática das diligências que devam ser realizadas na conferência de interessados. 4- São interpostos conjuntamente com a apelação referida na alínea b) do n.º 2 os recursos em que se pretendam impugnar decisões proferidas até esse momento, subindo todas elas em conjunto ao tribunal superior, em separado dos autos principais. 5- São interpostos conjuntamente com a apelação ferida na alínea c) do n.º 2 os recursos em que se impugnem despachos posteriores à decisão de saneamento do processo.» A mesma Proposta de Lei contém em anexo o «Regime do inventário notarial», cujo artigo 4.º prescreve o seguinte: « 2- … c) Aos recursos interpostos das restantes decisões proferidas pelo notário no decurso do processo é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime previsto no artigo 1123.º do Código de Processo Civil. 3 - Os recursos das decisões proferidas pelo notário são interpostos no prazo de 15 dias a contar da notificação da decisão, devendo o requerimento de interposição do recurso incluir a alegação do recorrente.» Como por aqui se vê, este regime afasta-se de forma substancial do regime regra dos recursos cíveis ao consagrar como devendo serem impugnadas em apelação autónoma (ou seja, recurso interposto logo após a notificação da decisão e para ser conhecido de imediato e não a final) todas as decisões que operem o (i) saneamento do processo, (ii) a determinação dos bens a partilhar ou (iii) a forma da partilha. Com a agravante de esses recursos poderem ter efeito suspensivo do processo se a questão a ser apreciada puder afectar a utilidade prática das diligências que devam ser realizadas na conferência de interessados e com eles deverem ser interpostos ainda os recursos em que se pretendam impugnar decisões proferidas até esse momento. Eis pois um sinal claro de que o legislador continua a sentir a necessidade de no processo de inventário resolver o mais cedo possível uma grande parte das questões, de modo a evitar posteriores anulações e a necessidade de repetição de actos processuais. Por último, cabe referir que a aplicação do regime regra dos recursos cíveis não só não resolveria o problema como acrescentaria outro. Com efeito, nesse regime conforme resulta do disposto no artigo 644.º do Código de Processo Civil, as decisões de que não cabe apelação autónoma só podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões de que cabe apelação autónoma. Por outras palavras, esses recursos pressupõem que tenha sido interposto recurso da decisão final. Se este recurso não for interposto as decisões interlocutórias só podem ser impugnadas (então numa apelação autónoma) se tiverem interesse para o apelante independentemente da decisão final. Por conseguinte, o recurso só pode ser interposto depois de ser notificada a decisão final em resultado da qual se verá como impugnar as demais decisões. Ora no processo de inventário o processo é remetido ao juiz do tribunal de Comarca para proferir sentença homologatória da partilha, sendo que dessa sentença cabe recurso de apelação para o Tribunal da Relação (artigo 66.º do RJPI). Por outras palavras, a aplicação sem mais do regime comum dos recursos cíveis iria levantar um novo e insolúvel problema, qual seja, o de na mesma peça processual o interessado ter de recorrer da sentença para o Tribunal da Relação e das decisões interlocutórias do Notário para o Tribunal de Comarca, o que obrigaria a perguntar como se tramitaria este recurso, como se cindiriam os objectos do recurso, como se definiriam qual dos tribunais conheceria primeiro do recurso para o qual é competente. Por todas estas razões, como já entendemos no aludido Acórdão, é nosso entendimento que a decisão proferida pelo Notário no incidente da reclamação da relação de bens em processo de inventário é passível de impugnação judicial, que o recurso deve ser interposto no prazo de 30 dias e acompanhado das respectivas alegações contendo conclusões (aplicação subsidiária do regime geral), que a competência para julgar o recurso é do tribunal de comarca, que esse recurso é de apelação, que a apelação é autónoma em relação ao recurso da sentença homologatória da partilha subindo por isso imediatamente, com efeito suspensivo e em separado. Nessa medida, procede o recurso, devendo revogar-se a decisão recorrida e ordenar-se o conhecimento do recurso pelo tribunal de comarca. V. Dispositivo: Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida, determinando-se o julgamento do recurso da decisão do Sr. Notário impugnada pela recorrente pelo tribunal de comarca.Custas do recurso pela recorrente, segundo o critério do proveito. * Porto, 27 de Junho de 2019.* Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 505)Os Juízes Desembargadores Inês Moura Francisca Mota Vieira [a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas] |