Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2952/10.3TAMTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: DECLARAÇÃO DE CONTUMÁCIA
ARGUIDO
Nº do Documento: RP201611092952/10.3TAMTS-A.P1
Data do Acordão: 11/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 697, FLS 44-48)
Área Temática: .
Sumário: Para que o arguido possa ser declarado contumaz, não se torna necessário proceder à sua prévia constituição solene e formal, bastando que o denunciado tenha “assumido a qualidade de arguido” nos termos do artº 57º1 CPP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec. Penal n.º 2952/10.3TAMTS-A.P1
Comarca do Porto
Instância Local de Matosinhos

Acordam, em Conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I-Relatório.

No Processo Comum n.º 2952/10.3TAMTS da Instância Local de Matosinhos, secção criminal, juiz 3, da comarca do Porto, foi com data de 01.09.2010, deduzida acusação contra B…, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3º, n.º2 do DL 2/98, de 3 de Janeiro e pelos arts. 12º, 122º e 123º do C.E.
O arguido foi declarado contumaz, por despacho proferido a 25.02.2014.
A 8 de janeiro de 2016 o arguido veio aos autos arguir a nulidade processual consistente na falta de constituição como arguido, ao abrigo do artigo 120º, n.º 1 e 2 al d) e 3 do CPP, alegando ainda que para se poder declarar a referida contumácia seria sempre necessário que o exponente estivesse constituído como arguido, nos presentes autos, o que não acontece.
Invocou a prescrição do procedimento criminal, instaurado contra o requerente.
Após vista ao MP, foi proferido o seguinte despacho, que é o despacho recorrido:
«O (a) arguido (a) foi declarado contumaz por despacho proferido em 25/2/2014. fls. 203.
Veio o(a) arguido(a) invocar a nulidade da declaração de contumácia, por falta da constituição de arguido, nos termos conjugados dos artigos 57º, 58º e 61º do CPP, e a declaração de extinção do procedimento criminal pelo decurso do prazo da prescrição, a fls. 237.
O Ministério Público foi ouvido a fls. 238.
Cumpre decidir.
Nos termos do art. 57°, n. 1, do CPP, “Assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação”.
Tendo o Digno Ministério Público deduzido acusação contra o arguido, em 3/9/2010, por factos praticados no dia 29/8/2009, por um crime de condução ilegal, art. 3º, n.º 2, do DL 2/98, de 3/1, foi o mesmo, através deste acto e nesta data, constituído arguido, nos termos legais, como resulta de fls. 71 a 72.
No que tange à invocada prescrição do procedimento criminal, no caso em análise, o prazo de prescrição do procedimento criminal do(s) crime(s) em causa é de 5 anos - cfr. 118.º, n. 1, al. c), do CP.
Dispõe o art. 121.º, n. 1, que a prescrição do procedimento criminal interrompe-se (...) com a declaração de contumácia.
Acrescenta o n. 2, desta disposição legal, que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
Estipula o n. 3, da mesma disposição legal, que a prescrição tem lugar quando desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.
Com a entrada em vigor da Lei 19/2013, de 21/2, que deu nova redacção ao art. 120.º, n.º 3, do CP, o prazo de suspensão da prescrição do procedimento criminal por via da contumácia não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição correspondente ao ilícito em causa.
Considerando a causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, que ocorreu com a declaração de contumácia, em 25/2/2014, concluímos que desde a prática dos factos (29/8/2009) ainda não decorreu o prazo normal da prescrição, encontrando-se, nesta decorrência, suspenso.
Face ao exposto, por falta de fundamento legal indefiro o requerido.
Notifique.»
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Inconformado com este despacho dele veio o arguido interpor recurso conforme motivação de fls. 244 a 248 dos autos, que terminou com as seguintes conclusões:
«a).Por requerimento de 08-01-2016 de fls..., o arguido invocou a nulidade da sua não constituição de arguido nos presentes autos, e, em consequência, a anulação de todos os actos processuais praticados nos autos que não possam ser aproveitados, nomeadamente a ausência de notificação da acusação pública e a própria declaração de contumácia do arguido, bem como invocou a extinção do procedimento criminal contra o aqui arguido, e a consequente extinção dos presentes autos.
b).Por despacho de 29.01.2016 o tribunal a quo considerou que não assistia razão à invocada nulidade da sua não constituição de arguido nos presentes autos atento o facto de entender que o recorrente foi constituído arguido aquando da dedução de acusação pública com data de 3/9/2010, como resulta de fls. 71 a 72 (acusação publica).
c).Dispõe o artigo 57º n.º 1 do CPP que "Assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal."
d).Todavia, a norma não refere a "constituição" como arguido, mas sim que "assume" a qualidade de arguido aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida a abertura da instrução.
e). Já os artigos 58.º e 59.º do C.P. exigem, para a constituição de arguido, um acto formal, material e documentado, presidido por Magistrado ou órgão de polícia criminal no uso de competência delegada, no qual o suspeito ê confrontado com os factos que constituem o objecto da queixa ou da participação criminai e com a informação dos direitos e deveres que lhe assistem.
f) É necessário, sempre, que essa acusação pública seja notificada/comunicada ao visado, pois só assim se poderá considerar que o mesmo teve conhecimento de que contra si existe um procedimento criminal, e de que o mesmo, enquanto arguido, tem direitos e deveres.
g). Não bastando para tanto a mera prolação da acusação para que se considere o visado de um procedimento criminal constituído arguido.
h).Em suma, para que efectivamente o visado nos presentes autos se possa considerar arguido, com os direitos e deveres que daí advêm, tem o mesmo de ser notificado de que contra si foi deduzida uma acusação.
i).Consultados os autos verifica-se que em momento algum foi o ora recorrente notificado da acusação, que em momento algum foi inquirido, e muito menos constituído arguido.
j) Pelo que os presentes nunca foram do conhecimento do recorrente.
k) Nessa medida, não pode ser o recorrente considerado constituído arguido nos presentes autos, por na verdade não o ser, sendo tal uma nulidade processual.
l) Nulidade, que o recorrente invocou por requerimento com data de 08-01-2016, e que veio a ser indeferido pelo tribunal a quo pelo despacho de que ora se recorre.
m) Assim, deve, o despacho proferido pelo tribunal a quo, com data de 29-01-2016, ser revogado e substituído por um outro que de facto declare procedente a nulidade invocada pelo visado, ora recorrente, e, em consequência do mesmo seja decretado nula a constituição do arguido nos presentes autos, com a consequência legal de nulidade de todos os actos processuais praticados posteriormente quanto ao recorrente, que não possam ser aproveitados.
n) Nomeadamente, a ausência de notificação da acusação pública e a própria declaração de contumácia do recorrente B…, que teria que estar constituído arguido para que pudesse ser declarado contumaz.
o) No despacho do tribunal a quo de que ora se recorre foi igualmente considerado que não assistia qualquer razão ao recorrente quanto à prescrição do procedimento criminal invocada por este com o referido requerimento de 08-01-2016.
p) Contudo, e consequentemente á nulidade invocada, e que se pretende que seja reconhecida, entende o recorrente que também não assiste qualquer razão ao Tribunal a quo.
q) Na verdade, e atento ao facto de o eventual ilícito criminal constante nos presentes autos ter acontecido em 29-08-2009, o procedimento criminal, por aqueles factos, já prescreveu em 29-09-2014, pois não existe causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal em questão, pelas razão supra referidas.
r) Pelo que, deverá ser o despacho do tribunal a quo que ora se recorre, na parte que indefere a prescrição invocada pelo recorrente, ser substituída por um outro que reconheça a prescrição do procedimento criminal existente quanto ao aqui recorrente, o que desde já se requer, atento o artigo 118° n.°1 al. c) do Código Penal.
s) Em suma, deverá ser o despacho do tribunal a quo, que ora se recorre, ser anulado e substituído por um outro que, por um lado, reconheça a nulidade da falta de constituição de arguido do ora recorrente nos presentes autos, anulando-se todos os atóis que processuais praticados posteriormente quanto ao mesmo, e por outro lado, declare extintos os presentes autos, por prescrito o procedimento criminal contra o ora recorrente, o que desde já se requer.
Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente, por provado, e, consequentemente, ser o despacho do tribunal a quo de 29-01-2016 revogado, substituindo-se o mesmo por outro que reconheça a nulidade da falta de constituição de arguido do ora recorrente nos presentes autos, anulando-se todos os atos que processuais praticados posteriormente ao mesmo e se declare extinto os presentes autos, por prescrito o procedimento criminal contra o ora recorrente.
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O recurso foi admitido por despacho constante a fls. 26 deste apenso.
O Ministério Público junto do Tribunal a quo ofereceu a sua resposta, junta aos autos a fls. 28 a 33 que rematou com as seguintes conclusões:
«1. Não se verifica qualquer nulidade decorrente da falta de constituição como arguido no decurso do inquérito já que era totalmente desconhecido o paradeiro do arguido;
2. Foi solicitada a notificação pessoal da acusação e bem assim do despacho de recebimento de acusação e que designou data para realização do julgamento, tendo o resulta sido negativo;
3.Por esse motivo foi o arguido notificado por éditos e declarado contumaz;
4.Este procedimento revela-se ajustado em função da lei processual penal, não tendo sido violada qualquer regra, não se verificando, em consequência, qualquer nulidade processual;
5. Considerando a data da prática dos factos e a verificação de uma causa interruptiva e suspensiva da prescrição (declaração de contumácia), o procedimento criminal não se mostra prescrito - art. 118.º, n.º 1 al. c), 120.º, n.º l, al. c) e 3 e 121.º, n.º1 1, al. c) todos do Código Penal.
Sufraga que o despacho recorrido não merece censura, devendo ser mantido na íntegra.»
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Nesta Relação, o Excelentíssimo PGA emitiu douto Parecer, no sentido do recurso dever ser julgado improcedente.
Foi cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, sem resposta.
Colhidos os vistos, e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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II- Fundamentação.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido - artigo 412.º, n.º 1, do CPP -, que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
1.-Questões a decidir.
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, são as seguintes as questões a decidir.
- Nulidade da falta de constituição de arguido durante o inquérito.
- Prescrição do procedimento criminal.
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2. Marcha processual relevante para a decisão do recurso [a numeração indicada parece não fazer sentido, mas é a que consta do processo principal].
- Resulta dos autos que o presente processo teve origem na certidão extraída do processo n.º 681/09.0GBMTS onde, a fls. 48 daqueles autos (fls. 18 dos presentes), existe informação de que o arguido se encontrava a trabalhar em parte incerta de França.
- Foi designada data para constituição e interrogatório como arguido conforme despacho de fls. 44 datado de 18.02.2010.
- Do teor de fls. 46, 47 e 48 decorre que a notificação desse despacho não foi possível, pois o B… não foi encontrado na área de jurisdição do posto. E contactados os pais do visado, os mesmos afirmaram que o filho encontrava-se a trabalhar em parte incerta de França, desconhecendo a data do seu eventual regresso a Portugal. A certidão elaborada pelo Guarda C… é de15.03.2010. A Diligência não teve lugar porquanto no dia 16.03.2010 se desconhecia ainda se o denunciado tinha sido notificado.
- A fls. 71 (datada de 03.09.2010) foi deduzida acusação sem a prévia constituição e interrogatório do arguido.
- Foi tentada a notificação pessoal do arguido do teor da acusação, notificação que não foi possível tal como resulta de fls. 74, 75, 79.
- Foi tentada nova notificação pessoal que obteve resultado negativo conforme fls. 86.
- Não tendo sido possível efetuar a notificação da acusação ao arguido, foram os autos remetidos à distribuição para julgamento.
- O Tribunal recebeu a acusação, designou dia para julgamento e ordenou nova notificação pessoal do arguido, conforme fls. 59 e 60.
- Essa notificação veio também a revelar-se negativa, nos termos que constam de fls. 65 porquanto não foi possível apurar o exato paradeiro do arguido.
- Sabendo o Tribunal que o arguido se poderia deslocar a Portugal na altura do Verão, foram designadas novas datas por forma a ser possível a notificação do arguido nas férias de Verão (Julho e Agosto) – vide fls. 79, 80.
- Conforme decorre de fls. 81 e 82 dos autos e especialmente da certidão (datada de 08.09.2011 - fls. 82 - o arguido não foi notificado no último domicílio conhecido, por não ter sido encontrado na área de jurisdição do posto e foi obtida informação junto do pai do arguido de que este tinha vindo a Portugal, mas já tinha regressado a França.
- Tendo havido informação de uma morada do arguido em França – vide fls. 91, foram expedidos pedidos de cooperação judiciária dirigidos à entidade judiciária francesa, tendo em vista a notificação pessoal do arguido, o que nunca foi conseguido.
- Posteriormente foi tentada a notificação da acusação por correio registado com aviso de recepção, não tendo sido possível.
- Foram afixados editais, para o arguido se apresentar em juízo no prazo de 20 dias sob pena de ser declarado contumaz, nos termos do artigo 335º, n.º1 e 2 do CPP – vide fls. 197 a 200.
- Por despacho datado de 25 de Fevereiro de 2014 foi o arguido declarado contumaz.
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3- Apreciação.
3.1. - Nulidade da falta de constituição de arguido durante o inquérito.
Dispõe o artigo 120º, n.º 2 al d) do CPP que:
2 - Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais:
d) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios…
Por sua vez, dispõe o artigo 272º, nº 1 do CPP que:
Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime é obrigatório interroga-la como arguido, salvo se não for possível notificá-la”.
No acórdão de fixação de jurisprudência n.º 1/2006, publicado no DR, Iª série de 20.01.2006 “A falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal. (sublinhado nosso)
Da marcha processual que acima deixamos reproduzida resulta que o arguido se encontrava ausente em parte incerta antes da dedução da acusação e assim continuou, não obstante as diligências encetadas para o ouvir e constituir arguido, sendo que tais circunstâncias, continuaram a verificar-se depois da acusação, depois da designação de data para julgamento e mesmo depois da declaração de contumácia, visto que o arguido nunca se apresentou para prestar termo de identidade e residência.
Atentas as referidas circunstâncias entendemos verificada a impossibilidade de notificação do arguido para vir aos autos ser interrogado e constituído arguido, tanto basta para que não tenhamos por verificada a nulidade invocada.
Improcede, assim, a questão posta.
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3.2.- Prescrição do procedimento criminal.
Sustenta o recorrente que o arguido teria de estar constituído arguido, para que pudesse ser declarado contumaz e tal nunca aconteceu; defende que estar constituído arguido não é a mesma coisa que “assumir” a qualidade de arguido decorrente do art. 57º, n.º1 do CPP; pelo que entende que não existe qualquer causa de suspensão do procedimento criminal e, por isso, o procedimento criminal prescreveu em 29.09.2014.
Vejamos.

Com bem percepciona o Exmo. PGA no seu Parecer “a questão do presente recurso não é de saber se o recorrente foi ou não constituído como arguido [não está em causa a constituição de arguida como factor interruptivo da prescrição do procedimento], mas a de saber se é arguido e, como tal podia ser declarado contumaz.”
Dispõe o art. 57º, do CPP, sob a epígrafe “qualidade de arguido”
1 - Assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal.
2 - A qualidade de arguido conserva-se durante todo o decurso do processo.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 2 a 6 do artigo seguinte.
Por sua vez, estatui o artigo 335º do CPP, epigrafado de “declaração de contumácia”
1 - Fora dos casos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo anterior, se, depois de realizadas as diligências necessárias à notificação a que se refere o n.º 2 e a primeira parte do n.º 3 do artigo 313.º, não for possível notificar o arguido do despacho que designa o dia para a audiência, ou executar a detenção ou a prisão preventiva referidas no n.º 2 do artigo 116.º e no artigo 254.º, ou consequentes a uma evasão, o arguido é notificado por editais para se apresentar em juízo, num prazo até 30 dias, sob pena de ser declarado contumaz.
2 - Os editais contêm as indicações tendentes à identificação do arguido, do crime que lhe é imputado e das disposições legais que o punem e a comunicação de que, não se apresentando no prazo assinado, será declarado contumaz.
3 - A declaração de contumácia é da competência do presidente e implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido, sem prejuízo da realização de actos urgentes nos termos do artigo 320.º

Não resulta dos autos que o arguido tenha sido constituído arguido, em consequência da ocorrência de alguma das situações processuais referidas nos arts. 58º, n.º1 e 59º do CPP.
Embora, o Sr. Conselheiro Henriques Gaspar no Comentário do Código de Processo Penal, Almedina 2014, a págs. 204, fale de uma constituição de arguido ope legis que tem lugar nas hipóteses prevista no artigo 57º do CPP.
No entanto, atento o disposto no art. 57º, n.º 1 do CPP, não há dúvida que o recorrente “assumiu a qualidade de arguido” a partir do momento em que foi deduzida a acusação contra ele, mais precisamente a partir de 03.09.2010.
Afigura-se-nos incontroverso que não se torna necessário proceder à prévia constituição solene e formal de arguido em consequência da ocorrência de alguma das situações processuais referidas nos arts. 58º, n.º1 e 59º do CPP, para que o arguido possa ser declarado contumaz, basta para tanto que o denunciado tenha “assumido a qualidade de arguido”, nos termos do artigo 57º, n.º1 do CPP.
O arguido chama à colação a jurisprudência do Acórdão da Relação de Coimbra de 19.09.2012, proc. 370/08.2TACVL.C1. Entendemos que a jurisprudência ali expressa não é aplicável ao caso dos autos. A exigência que é feita no acórdão esgrimido sobre as formalidades da constituição de arguido, visa a constituição de arguido como causa de interrupção da prescrição do procedimento criminal, como decorre do seu sumário «A referência expressa do artigo 121º, n.º 1, al. a), do Código Penal, à “constituição de arguido” só pode ser entendida no sentido rigoroso definido nos artigos 58º e 59º, do Código de Processo Penal».
No caso em apreço a causa de interrupção esgrimida pelo despacho em apreciação não é a constituição de arguido mas a declaração de contumácia.
Como resulta do disposto no artigo 335º, n.º1 do CPP, depois de recebida a acusação e designada data para julgamento [como resulta da remissão do n.º1 do artigo 335, atenta a expressão “depois de realizadas as diligências necessárias à notificação a que se refere o n.º2 e a 1ª parte do n.º3 do artigo 313”] e depois de resultarem infrutíferas as tentativas de notificar o arguido do referido despacho… o arguido é notificado por editais para se apresentar em juízo, num prazo de 30 dias, sob pena de ser declarado contumaz – vide Ac. TRL de 22-11-2012, CJ, 2012, T5, pág.126, onde se conclui que “ Não pode haver declaração de contumácia sem a prévia designação de data para julgamento e a realização das diligências exequíveis para conhecimento do paradeiro do arguido.
Atenta a marcha processual de que acima demos nota, nos presentes autos a declaração de contumácia – a 25.02.2014 - do arguido decorreu de uma tramitação processual em conformidade com o prescrito no art. 335º do CPP.
Concluímos, assim, que o arguido foi validamente declarado contumaz.
Posta a anterior conclusão, urge verificar se o procedimento criminal instaurado contra o arguido pelo crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, n.º 2 do DL 2/98 de 03.01, se encontra prescrito.
O crime em causa é punível com pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias.
Nos termos do artigo 118º, n.º1 al. c) o prazo de prescrição é de cinco anos, visto que a pena de prisão tem limite máximo superior a 1 ano, mas inferior a cinco anos.
Os factos pelos quais o arguido está acusado datam de 29.08.2009, sendo desde essa data que se conta o prazo de prescrição (art.118º-1 CP).
A declaração de contumácia data de 25.02.2014.
A interrupção da prescrição operou com a declaração de contumácia nos termos do artigo 121º, n.º1 al. c) do CP.
E, por força da mesma declaração operou também a suspensão da prescrição, nos termos do artigo 120º, n.º1 al. c) do C.P., sendo que no caso desta alínea a suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição, ou seja, 5 anos.
Entre a data dos factos e a declaração de contumácia não decorreram 5 anos, prazo normal de prescrição.
Nos termos das disposições combinadas dos artigos (art. 121º, n.º 1 c) e art. 120º, n.º1 al. c) e 3, do CP) a manter-se o estado de coisas actual o crime só prescreve decorridos que sejam (5+5+2,5 anos] 12 anos e 6 meses depois da data da prática dos factos
Pelo exposto não está prescrito o procedimento criminal instaurado contra o arguido, aqui recorrente.
Improcede, assim, o recurso.
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III- Decisão.

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto com a consequente manutenção do despacho recorrido, embora, por razões em parte diversas.
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Custas pelo recorrente, nos termos dos artigos 513.º e 514º do Código de Processo Penal (e artigo 8º do Regulamento das custas processuais e, bem assim, tabela anexa n.º III), fixando-se a taxa em 3 [três] UC.
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Notifique.
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Elaborado e revisto pela relatora – artigo 94º, n.º 2, do CP.P.

Porto, 09 de Novembro de 2016
Maria Dolores Silva e Sousa
Manuel Soares