Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | PEDRO VAZ PATO | ||
| Descritores: | INSTRUÇÃO VINCULAÇÃO TEMÁTICA IMPUTAÇÃO GENÉRICA DE FACTOS | ||
| Nº do Documento: | RP2013062557/11.9GAAFE.P1 | ||
| Data do Acordão: | 06/25/2013 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REC PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | Por exigência do princípio da vinculação temática, não pode o arguido ser pronunciado quando no requerimento de abertura de instrução não se delimita corretamente o objeto do processo por não se proceder à imputação de atos concretos a cada um dos arguidos (mas apenas a uma imputação genérica e indistinta de vários atos a vários arguidos), pretendendo o requerente proceder a tal imputação no âmbito da própria instrução. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. nº 57/11.9GAAFE.P1 Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – B…, assistente nos autos, veio interpor recurso do douto despacho da Mª Juíza afeta à Instrução Criminal no Tribunal Judicial de Mogadouro que não pronunciou os arguidos C…, D…, E…, F…, G…, H…, I…, e J… pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º e 145.º, nº 1, a), por referência à alínea m) do n.º 2 do art. 132.º, todos do Código Penal; um crime de coação agravada, p. e p. pelo artigo 154º, n.º 1, por referência à alínea d) do n.º 1 do artigo 155.º do mesmo Código; e ainda um crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158º, nº 1, também do mesmo Código. São as seguintes as conclusões da motivação do recurso: «1. O assistente foi abordado por dois arguidos, que se apresentavam como agentes de autoridade, tendo obedecido acompanhou-os ao Posto. 2. Enquanto se encontrava no posto da GNR o assistente foi agredido com recurso a objectos que não consegue concretizar. 3. Colocaram-lhe um saco de plástico na cabeça. 4. Apontaram-lhe uma arma de fogo à cabeça. 5. Partiram-lhe os óculos com as pancadas violentas e consecutivas na cabeça. 6. Foi algemado, foi levado para uma sala pequena e privada, com uma pequena janela, onde foi retido. 7. Foi insultado, humilhado, agredido violentamente e ninguém fez nada, ninguém se lembrou de interceder e mandar parar aqueles tratamentos indignos da espécie humana.» O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso. Os arguidos C…, I…, E…, G… e J… também apresentaram resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso. O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, reiterando a posição assumida pelo Ministério Público junto do Tribunal a primeira instância. Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir. II – A questão que importa decidir é, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, a de saber se os arguidos C…, D…, E…, F…, G…, H…, I…, e J…, devem, ou não, ser pronunciados pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º e 145.º, nº 1, a), por referência à alínea m) do n.º 2 do art. 132.º, todos do Código Penal; um crime de coação agravada, p. e p. pelo artigo 154º, n.º 1, por referência à alínea d) do n.º 1 do artigo 155.º do mesmo Código; e ainda um crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158º, nº 1, também do mesmo Código, que lhe são imputados no requerimento de abertura de instrução contra eles formulado pelo assistente e ora recorrente B…. III- É o seguinte o teor do douto despacho recorrido: «(…) * Declara-se encerrada a instrução.* O Ministério Público, proferiu despacho de arquivamento em que se mostrava indiciada a prática por oitos militares da GNR de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 1, al. a) por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. m), ambos do Código Penal.* Inconformado com o teor do despacho de arquivamento, veio o assistente B… requerer a abertura de instrução.* O assistente requereu a abertura de instrução por discordar em absoluto da decisão de arquivamento de que foram alvos os militares da GNR que no dia 22.04.11 procederam à sua identificação. Para tanto, alegou, em suma, que no mencionado dia, cerca das 22:00horas e quando se encontrava a experimentar uma carrinha de que era proprietário K…, encostou numa berma para descansar, altura em que terá sido abordado pelo Guarda F1… e pelo Guarda G1…, e que foi transportado para o Posto da GNR. Nessas circunstâncias, foi-lhe perguntado acerca de um alegado furto de gasóleo e quem eram as pessoas que o tinham feito e quem estaria com ele, perguntas essas intimidatórias. Nessa altura, chegaram outros militares e elevaram-no para uma sala, tendo-lhe colocado um saco na cabeça, ajoelharam-no, algemaram-no com os braços atrás das costas, sob ameaça de arma de fogo apontada tiraram-lhe os óculos e com umas esponjas duras e pretas bateram-lhe na cara de forma violenta alternada, ao mesmo tempo que faziam as referidas perguntas intimidatórias. Quando se aperceberam que o assistente não assumia a prática dos factos relativos ao furto do gasóleo libertaram-no, tendo com muita dificuldade saído do posto. O arguido solicitou as diligências de prova constantes de fls. 130 e 131 e juntou o auto de identificação de fls. 135. * Por despacho proferido a fls. 147 e 148, foi declarada aberta a instrução, tendo sido determinada a constituição como arguidos dos militares da GNR identificados no RAI e a respectiva prestação de TIR e determinada a inquirição das testemunhas arroladas.* Procedeu-se à inquirição das testemunhas L… e M…, à tomada de declarações ao assistente, ao reconhecimento e ao interrogatório dos arguidos, tendo sido indeferida a diligência de reconstituição de facto.Não foram realizados quaisquer outros actos instrutórios. * Procedeu-se a debate instrutório com observância do legal formalismo.* O Tribunal é o competente.O processo é próprio. O Ministério Público dispõe de legitimidade para o exercício da acção penal. Inexistem quaisquer nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer. * Cumpre proferir decisão instrutória, nos termos do artigo 308.º n.º 1 do Código de Processo Penal.A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em submeter ou não a causa a julgamento (artigo 286.º, n.º 1 do Código de Processo Penal). Esta fase tem carácter facultativo (artigo 286.º, n.º 2 do C.P.P.), sendo desencadeada se tal for requerido pelo arguido ou pelo assistente, nos termos prescritos pelo artigo 287.º, n.º 1 do CPP. Estabelece o artigo 308.º, n.º 1 do CPP que se, até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia. Critério semelhante está igualmente consagrado no artigo 283.º, n.º 2 do C.P.P. (para onde remete o artigo 308.º, n.º 2 do mesmo diploma legal) ao estabelecer que se consideram suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança. Assim, não se trata de realizar um novo inquérito, nem um verdadeiro julgamento, mas tendo em conta os mesmos critérios que levaram o Ministério Público a acusar ou arquivar, verifica-se se foram recolhidos indícios suficientes de que estão reunidos os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança. No entendimento sufragado por Figueiredo Dias, os indícios só são suficientes e a prova bastante quando, já em face deles, seja de considerar altamente possível a futura condenação do acusado ou quando esta seja mais provável do que a sua absolvição. De acordo com o Acórdão da Relação do Porto de 4 de Janeiro de 2006, no culminar da fase de instrução, o juízo de pronúncia deve, em regra, passar por três fases: (i) um juízo de indiciação da prática de um crime, ou seja, a indagação de todos os elementos probatórios produzidos; (ii) um juízo probatório de imputabilidade desse crime ao arguido (iii) e um juízo de prognose condenatório, mediante o qual se possa concluir que predomina uma razoável possibilidade de o arguido vir a ser condenado por esses factos ou vestígios probatórios, estabelecendo-se um juízo semelhante ao juízo condenatório a efectuar em julgamento[2]. Importa ainda, nesta sede, sublinhar que a simples sujeição de alguém a julgamento mesmo que a decisão final culmine numa absolvição, não é um acto neutro, quer do ponto de vista das suas consequências morais quer jurídicas. A submissão de uma pessoa a julgamento traduz-se não só num incómodo, como também numa humilhação. Daí que no juízo de quem acusa, como no de quem pronúncia, deverá estar sempre presente a defesa da dignidade da pessoa humana, nomeadamente a necessidade de protecção contra intromissões abusivas na sua esfera de direitos, mormente os salvaguardados no artigo 29.º, n.º 2 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e que entre nós se revestem de dignidade constitucional (cfr. artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa). Consequentemente, o juiz só deve pronunciar o arguido quando existam indícios suficientes que, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo vingar a convicção de que este virá a ser condenado pelo crime que lhe é imputado. * Cumpre agora verificar se resultam indícios suficientes quanto à prática pelos arguidos dos crimes de que vêm imputados.Ora, desde já se avança que resultou do inquérito e da instrução que relativamente aos arguidos não existem indícios suficientes da prática dos crimes imputados aos mesmos em sede de requerimento de abertura de instrução. Vejamos porquê. No auto de notícia de fls. 3, o ofendido B… queixou-se de no dia 22.04.11 (quatro dias antes), cerca das 01:30h, ter sido abordado por militares do Posto da GNR de Mogadouro que o interceptaram no … e o identificaram, tendo nessa altura sido mal tratado fisicamente e que os militares lhe meteram um saco na cabeça, agredindo-o de seguida em diversas partes do corpo . Posteriormente, a fls. 39, confirmando as suas declarações, referiu que no dia dos factos estava a experimentar uma carrinha e encostou para poder atender o telemóvel e como estava muito cansado dormiu um pouco. Nessa altura, foi acordado pela G.N.R. que o mandou sair da viatura, pediu os documentos e como no interior da viatura cheirava a gasóleo, pelo facto de o proprietário da viatura ter ali transportado uma bomba de gasóleo, os Guardas de imediato o algemaram e levaram para o posto de Mogadouro onde lhe disseram que era suspeito de ter furtado gasóleo, tendo negado tais factos. Do nada começaram a agredi-lo e perguntaram-lhe onde estava o outro e onde tinha escondido o gasóleo e sempre respondeu que não sabia o que estavam a dizer pois encontrava-se sozinho. Durante as agressões de que foi alvo esteve sempre algemado e com um saco na cabeça, muito apertado e agrediram-no com pontapés no corpo e bateram-lhe com algo na face que julga ter sido um pedaço de madeira. Como não conseguiram provar nada contra si, devolveram-lhe os documentos e as chaves da carrinha e mandaram-no embora. Um dos Guardas, o mais baixo e mais forte, vestido à civil ainda o injuriou várias vezes e chegou-lhe a apontar uma arma dizendo que o ia matar. Encontram-se juntos aos autos relatório médico-legal de fls.10 a 12, no qual consta que o examinando apresenta as seguintes lesões: (…); Face: Hematoma de cor vinosa, com quinze milímetros de largura, localizado na região palpebral superior esquerda; Hematoma de cor vinosa, com dois centímetros de comprimento por dois centímetros de largura, localizado na região palpebral superior direita, referindo-se no último que as lesões são compatíveis com traumatismo de natureza contundente, tal como relatado. Foi ainda junta certidão do proc. n.º 83/11.8GAMGD na qual se relatam os factos relativos à suspeita do furto de gasóleo e no âmbito do qual procederam à identificação do assistente. Nos autos de inquérito, foram ouvidos como testemunhas: C…, D…, E…, F…, G…, H…, I…, J… e N…. A única testemunha que não foi constituída arguido, o Guarda N…, não se encontrava presente à data dos factos, nem na patrulha nem no Posto, apesar de se encontrar a substituir o Sargento de férias, referiu que nesse dia, quando estava em casa, ligou-lhe o Cabo F1…, tendo-lhe comunicado que estavam no Posto com um indivíduo suspeito de ter praticado um furto de gasóleo nas obras do …. O depoente perguntou ao Cabo F1… se tinham apanhado o suspeito em flagrante delito, ao que o Cabo F1… respondeu que não, porque o suspeito estava num local bastante escuro, na nacional 221, já um bocado afastado do local onde possivelmente teria sido furtado o gasóleo, apesar de o suspeito e o próprio veículo em que se fazia transportar cheirarem a gasóleo. Em sede de instrução, foram ouvidas as seguintes testemunhas: L… e M…. A testemunha L…, cunhado do assistente, disse que aquele na sexta-feira de Páscoa do ano passado tinha a cara inchada e os óculos partidos. O assistente apresentava-se com os olhos inchados, arranhões na zona da barriga, tendo dificuldade em respirar, tendo permanecido dois dias na cama com vómitos e dores de cabeça. Mais disse a testemunha que o assistente não foi ao Hospital e à policia por medo e só depois de passar o stress foi apresentar queixa. O mais foi o que o cunhado lhe relatou. A testemunha M…, amigo do assistente, apenas referiu que o assistente no domingo de Páscoa tinha os olhos negros e que o mesmo lhe disse que tinha sido agredido pela polícia e que um dos polícias lhe disse que lhe partia os cornos, tendo-lhe exibido uma arma e que tendo-lhe colocado um saco na cabeça não sabia se lhe tinham batido com as mãos ou com os pés. A fim de cumprir os formalismos exigidos pelo disposto no artigo 147.º, n.º 1 do C.P.C., foram tomadas declarações ao assistente B…, o qual caracterizou os arguidos da seguinte forma: os dois GNR que o abordaram com farda, um tinha bigode, era mais velho (entre os 40 e 50 anos), cabelo comprido, ondulado e com brancas, o condutor era mais alto, cabelo curto preto (foi este quem colocou o saco); o que lhe mostrou a arma e lhe disse “vou-te foder, estás fodido, vou-te foder os cornos”, e que lhe dava pontapés enquanto tinha o saco na cabeça, tinha cerca de 1,65m, não é gordo mas é largo, cabelo curto, cara redonda; mais um pequeno magrinho com cabelo curto; um alto com cabelo curto e cara redonda; um alto de físico forte, com cerca de 1,90m. Por último, referiu que quando lhe deram a chama da carrinha para se ir embora pediu um cigarro ao militar de bigode que se encontrava acompanhado pelo militar que o injuriou e o agrediu e que, então dirigindo-se a eles lhes desejou boa Páscoa, dando um aperto de mão ao militar de bigode e quando ia dar ao outro militar este recusou. Em sede de reconhecimento, e cumprindo igualmente as formalidades constantes do n.º 2 do mencionado normativo legal, tal como consta da acta, numa primeira fase o assistente reconheceu o arguido D…, identificando como aquele militar que andava à volta dele e o O…, como sendo o militar que lhe bateu e que lhe mostrou a arma; depois reconheceu o arguido I…, mas não sendo capaz de afirmar com certeza qual a sua participação nos factos; quando confrontado com mais três pessoas, identifica o arguido H…, como sendo aquele que lhe bateu, referindo que se enganou quando identificou o O…; mais disse que parece reconhecer o arguido C…; igualmente sem grandes certezas identifica o arguido J…; mais reconheceu o arguido G…, como sendo o condutor do veículo; não reconhece o arguido E… e reconhece o arguido F…, como sendo o militar que estava ao lado do condutor. Em sede de interrogatórios os arguidos, fazendo uso da faculdado concedida pela lei, remeteram-se ao silêncio, declarando não quererem prestar declarações. Da análise da prova produzida em sede de inquérito e instrução resultam divergências e incongruências que importará salientar. Ora, desde logo as contradições são evidentes entre as declarações do ofendido, pois se inicialmente apenas refere ter sido agredido em diversas partes do corpo, em posteriores declarações refere que, além de pontapés o agrediram com algo que julga ser um pedaço de madeira, mas em sede de requerimento de abertura de instrução, em que imputa os factos, já refere que foi com duas esponjas duras, o que não se compreende. Além disso, a própria versão do assistente, à luz das mais elementares regras da experiência comum, choca e levanta grandes dúvidas sobre a sua credibilidade, pois que desde logo não faz sentido que andasse a experimentar uma carrinha, que por acaso tinha um cheiro a gasóleo, porque o seu proprietário havia ali transportado uma bomba de gasóleo e que, nessas circunstâncias o assistente se encontrasse perto do local onde tinha ocorrido furto de gasóleo, encostado à berma a descansar. A isto tudo acresce que igualmente resulta não crível que o assistente depois de ter sido agredido como disse que foi, com dificuldade de regressar a casa, ainda tenha pedido um cigarro aos agressores, lhes tenha desejado boa Páscoa e lhes tenha apresentado cumprimentos, com um aperto de mão! Não faz qualquer sentido, pois tal comportamento por parte do assistente é completamente incompatível com os factos que relata terem-se passado momentos antes. Os sentimentos normais e aceitáveis, seriam a revolta (por estar a ser agredido, por factos imputados injustamente), a raiva e a vontade de dali sair (como diria o provérbio “quem não se sente não pode ser filho de boa gente”) e não um qualquer comportamento de simpatia e até de à vontade, tendo pedido um cigarro aos agressores e tendo-se despedido com um aperto de mão. Além disso, o arguido apesar das lesões descritas, regressou a Viseu e não recorreu ao Hospital, tendo apresentado queixa apenas cinco dias depois, o que igualmente não se compreende se pensarmos na violência que foi descrita pelo assistente. Assim e apesar das lesões apresentadas, em sede de relatório pericial, hematomas nas pálpebras e das testemunhas inquiridas em sede de instrução terem confirmado tais lesões, a verdade é que a observação do perito ocorreu 6 dias depois e as testemunhas que o confirmaram, também não contactaram com o assistente em seguida. O cunhado do assistente, a testemunha L…, refere que o viu na sexta ou sábado de manhã, sendo que a ter visto o assistente na sexta de manhã, é porque o mesmo após ter saído do Posto de Mogadouro se dirigiu a Viseu o que não é de todo verosímil se pensarmos na lesões que diziam ter o mesmo apresentado. Mais referiu o assistente que o cunhado tinha os óculos partidos, facto que o assistente nunca referiu e que seria muito importante, se atendermos que o arguido apresentava-se com uns óculos com uma graduação visivelmente elevada. O amigo do assistente M…, só contactou com o assistente no domingo. Ora, esta prova das lesões, sem mais nada a corroborar e envolvida numa série de contradições, não permite imputar a ocorrência de tais lesões aos factos descritos e relatados pelo assistente, é que nem tampouco se consegue chegar à própria forma de agressão do assistente, pois se o mesmo afirma que aquando da ocorrência das agressões tinha um saco na cabeça, diverge no meio com que foi agredido e apesar de não conseguir ver, identifica o agressor. Ora, igualmente é certo que esta própria identificação não foi cabal, pois se por um lado o assistente identificou quase todos os arguidos, outra situação não se esperava, pois como já resultava do auto do proc. n.º 83/11.8GAMGD, os arguidos ou tinham procedido à abordagem do assistente ou tinham auxiliado a patrulha na procura dos suspeitos do furto do gasóleo e passaram naquela noite pelo Posto da GNR, por outro lado e no que se refere à pessoa a quem imputa as expressões ameaçadores e as agressões, primeiro identifica um individuo que não é arguido e posteriormente identifica o arguido H…. Assim sendo, não pode o Tribunal concluir, com base em fortes indícios, sendo que nesta fase é apenas o que se exige, pela imputação dos factos descritos no RAI, factos esses que com probabilidade levariam a uma condenação dos arguidos. O que resulta suficientemente indiciado é que no dia 22.04.2012 os arguidos F…, G… e H… terem abordado o assistente parado numa viatura na berma da EN…, a qual apresentava forte cheiro a gasóleo e por se encontrar perto do local onde havia ocorrido o furto do gasóleo, foi o assistente levado para o Posto e aí procederam a um inquérito sumário e informal ao mesmo. Nessas circunstâncias os arguidos referidos pediram auxilio à patrulha composta pelo arguido I…, J…, E… e C… e D…, que procederam ao transporte do gasóleo para o Posto de Mogadouro. Posto isto, não há outra conclusão que se imponha ao Tribunal que não seja a de concluir que a prova produzida em sede de inquérito que conduziu ao despacho de arquivamento, não se encontra abalada com a prova agora produzida. Ora, o assistente imputou aos arguidos a prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, prevista e punida pela al. a) do n.º 1 do artigo 145.º, por referência à al. m) do n.º 2 do artigo 132.º, e, concurso efectivo com o crime de coacção agravada, previsto e punido pelo artigo 154.º, n,º 1, por referência à alena d) do n.º 1 do art. 155.º e ainda um crime de sequestro, previsto e punido pela al. g) do n.º 1 do artigo 158.º, todos do Código Penal. Dispõe o n.° 1 do artigo 143.° do Código Penal, sob a epígrafe Ofensa à integridade física simples que quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. Os elementos objectivos deste tipo de crime verificam-se sempre que o bem jurídico protegido – a integridade física de uma pessoa – seja posta em causa. Não se exige uma forma específica de actuação ou uma causalidade especial – qualquer meio de ofender o corpo ou a saúde é admissível desde que se verifique o resultado lesão do corpo ou da saúde da vítima, independentemente da dor ou sofrimento causados. É um crime de realização instantânea, conforme explica PAULA RIBEIRO DE FARIA, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Vol. I, Coimbra, 1999, pág. 204, bastando para o seu preenchimento a verificação do resultado descrito (a gravidade dos efeitos ou a sua duração poderão conduzir à qualificação da lesão como ofensa à integridade física grave ou ser valorado no âmbito da determinação da medida da pena). Por sua vez o artigo 145, nº 1, al. a) da mesma fonte prevê a qualificação da referida conduta, quando as ofensas em causa revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, sendo susceptíveis de revelar tais características as circunstâncias previstas no nº 2 do artigo 132, “in casu” o facto de ser funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade (“vide” m)). Da factualidade indiciária, não se apurou suficientemente indiciado que tenham sido um dos arguidos, nomeadamente o arguido H… a provocar tais lesões, nem se tais lesões foram nessas circunstâncias provocadas, impõe-se concluir que não existem indícios suficientes de que os arguidos, sendo que em sede de identificação apenas a três imputou factos concretos, preencheu os elementos do tipo de ilícito do artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal. Relativamente à imputação de um crime de coacção, dispõe o artigo 154.º, n.º 1 do C.P. que quem por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. Este crime prevê agravação quando dispõe no artigo 155.º, n.º 1, al. d) que quando os factos previstos nos artigos 153.º e 154.º forem realizados por funcionário com grave abuso de autoridade o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias. Igualmente em relação à prática deste ilícito, consideramos não existir prova suficiente da ocorrência de factos que o possam integrar e ainda que se concluísse pela existência de tais factos, sempre se diria que pela forma (muito pouco consistente, tendo inclusivé indicado primeiro outra pessoa) como o assistente procedeu à identificação do arguido H…, pessoa que o assistente a final identificou como o principal agente do crime, não existiriam indícios fortes a quem caberia a autoria do ilícito em causa e ora em apreço. Por último, imputou o assistente aos arguidos, um crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158.º, n.º 1, do C.P., segundo o qual quem detiver, prender, mantiver presa ou detida outra pessoa ou de qualquer forma privar da liberdade é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. Estabelece o n.º 2, al. g) do mencionado normativo legal que o agente é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos se a privação da liberdade for praticada mediante simulação de autoridade pública ou por funcionário com grave abuso de autoridade. Nos presentes autos de instrução, a factualidade indiciada impõe a conclusão de que os arguidos procederam com normalidade perante um suspeito de furto de gasóleo, atentas as circunstâncias em que o abordaram e o local, bem como as horas, sendo aceitável que o tivessem conduzido ao Posto da GNR para aí procederem devidamente à sua identificação, lavrando auto da respectiva ocorrência. Ora, não resultando indiciada desde logo a versão do assistente de que os arguidos o algemaram e lhe colocaram um saco na cabeça, procedendo dessa forma ao interrogatório sobre os factos relativos ao furto do gasóleo, impõe-se também neste aspecto concluir que não existem indícios suficientes da ocorrência de factos suficientes para o preenchimento do ilícito em causa, nem tampouco seria possível chegar a autoria dos mesmos. Assim, entendemos que os indícios recolhidos em sede de instrução não permitiram infirmar factos e autorias que o inquérito igualmente não havia apurado, de tal forma que não podemos submeter a julgamento os arguidos, uma vez que não se nos afigura que da prova existente resulte uma forte probabilidade de condenação dos arguidos, requisito essencial, atendendo a todas as considerações tecidas, para que se decida por uma pronúncia dos mesmos. Pelo expendido e atendendo a todas as considerações legais e factuais supra tecidas, decide-se não pronunciar os arguidos C…, D…, E…, F…, G…, H…, I…, J… pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, prevista e punida pela al. a) do n.º 1 do artigo 145.º, por referência à al. m) do n.º 2 do artigo 132.º, e, concurso efectivo com o crime de coacção agravada, previsto e punido pelo artigo 154.º, n.º 1, por referência à alínea d) do n.º 1 do art. 155.º e ainda um crime de sequestro, previsto e punido pela al. g) do n.º 1 do artigo 158.º, todos do Código Penal. (…)» IV – Cumpre decidir. Vem o assistente e recorrente alegar que da prova produzida em inquérito e instrução resultam indícios suficientes da prática, pelos arguidos C…, D…, E…, F…, G…, H…, I…, e J…, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º e 145.º, nº 1, a), por referência à alínea m) do n.º 2 do art. 132.º, todos do Código Penal; um crime de coação agravada, p. e p. pelo artigo 154º, n.º 1, por referência à alínea d) do n.º 1 do artigo 155.º do mesmo Código; e ainda um crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158º, nº 1, também do mesmo Código, que a estes imputa no requerimento de abertura de instrução que apresentou. Há, porém, que considerar, previamente, o seguinte. No requerimento de abertura de instrução (ver fls. 122 a 131 e a denúncia a fls. 3 e verso, para a qual remete tal requerimento) o assistente imputa a todos os arguidos (como agentes da G.N.R. de serviço no posto de Mogadouro na data indicada), genericamente, os crimes referidos, e não identifica qual, ou quais deles, pratica ao atos concretos (agressões, ameaça com arma, interrogatório intimidatório, colocação de um saco na cabeça, colocação de joelhos e de algemas, etc.) que também imputa a todos os arguidos genericamente. Solicita que possa identificar os arguidos que terão praticado cada um desses atos através de reconhecimentos a efetuar no âmbito da própria instrução. Como decorre do artigo 257º, nº 2, in fine, do Código de Processo Penal, o requerimento de abertura de instrução tem uma função em tudo análoga à da acusação. Como esta, é esse requerimento que delimita o objeto do processo e é no âmbito desse objeto assim delimitado que há-de situar-se a eventual pronúncia (da mesma forma que, na fase do julgamento, a sentença há-de situar-se no âmbito do objeto delimitado pela acusação, ou pela pronúncia, se a houver). Não pode ser no âmbito da própria instrução que esse objeto é delimitado. Estamos perante uma exigência do princípio da vinculação temática, princípio que é corolário do princípio acusatório (é a acusação, que delimita o objeto do processo, não a iniciativa do juiz, quer o da pronúncia, quer o do julgamento), assim como das garantias de defesa do arguido (este, quer na fase da instrução, quer na fase do julgamento, tem de saber quais os factos e crimes que lhe são imputados na acusação, para que deles se possa defender, e não seja surpreendido com alguma imputação de factos ou crimes só na pronúncia ou só na sentença, sem conhecimento prévio da mesma). Reflexo destes princípios é o regime (relativos à alteração de factos ou qualificação jurídica) dos artigos 303º e 309º (quanto à instrução e pronúncia) e 358º, 359º e 379º, nº 1, b) (quanto ao julgamento e à sentença), do Código de Processo Penal. Ora, no requerimento de abertura de instrução o assistente não chega a imputar a cada um dos arguidos os atos concretos a que faz referência; faz uma imputação genérica dos mesmos, pretendendo que tal imputação individualizada desses atos venha a resultar da própria instrução. Deste modo, o objeto do processo não está corretamente delimitado nesse requerimento (que, como vimos, desempenha funções em tudo análogas às da acusação). Para que os arguidos pudessem defender-se cabalmente na fase da instrução, necessário se tornaria que conhecessem, antes da eventual pronúncia, os atos concretos que lhe são imputados (não basta uma imputação genérica e indistinta de uma série de atos a uma série de arguidos), não podendo ser eles surpreendidos com tal imputação apenas na pronúncia. E será assim mesmo que possamos estar perante eventuais crimes praticados em coautoria. Essa circunstância não dispensa uma imputação concreta e individualizada de factos, pois esta imputação (que. além do mais, faz distinguir a responsabilidade de cada um dos arguidos) será sempre relevante na perspetiva dos direitos de defesa de cada um destes. No caso em apreço, a imputação de factos genérica e indistinta que consta do requerimento de abertura de instrução não permite, sequer, perceber com clareza se estamos perante crimes de ofensa à integridade física, coação e sequestro imputados a todos os arguidos como coautores, ou não (isto é, se em relação a alguns desses crimes são autores apenas alguns dos arguidos). Ora, se o requerimento de abertura de instrução não delimita corretamente o objeto do processo (pois essa delimitação supõe a imputação de atos concretos a cada um dos arguidos, e de crimes individualizados a cada um destes), não pode ser, por exigências dos princípios da vinculação temática, do acusatório e das garantias de defesa dos arguidos, a pronúncia a fazer tal delimitação. Estaremos perante uma situação de inadmissibilidade legal de instrução, nos termos do artigo 287º, nº 3, do Código de Processo Penal (assim, o acórdão desta Relação de 23 de maio de 2001, in Colectânea de Jurisprudência, ano XXVI, t. III, pgs. 239 e segs.), ou de instrução sem objeto (assim o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de maio de 1993, in Colectânea de Jurisprudência, ano XVIII, t. III, pgs. 243 e segs., e Ravi Afonso Pereira in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 14º, nº 3, julho-setembro de 2004, em comentário ao acórdão da Relação de Lisboa de 14 de janeiro de 1993, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XVIII, t. III, pgs. 243 e segs.). De qualquer modo, não poderão os arguidos ser pronunciados. Essa pronúncia seria nula (assim, o acórdão da Relação de Coimbra de 24 de Novembro de 1993, in Colectânea de Jurisprudência, ano XVIII, t. V, pg. 61 e segs.) ou mesmo inexistente (assim, o referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de maio de 1993 e o acórdão da Relação de Lisboa de 20 de maio de 1997, in Colectânea de Jurisprudência, ano XXII, t. III, pgs. 143 e segs.). Quando o assistente pretenda solicitar diligências de prova em ordem a identificar o arguido, ou a averiguar com precisão factos ainda desconhecidos mas necessários à descrição que deve constar do requerimento de abertura de instrução, deve fazê-lo no âmbito do inquérito (recorrendo, se for caso disso, à intervenção hierárquica, nos termos do artigo 278º do Código de Processo Penal), não sendo a própria instrução a sede própria para tal (ver, neste sentido, os acórdãos da Relação de Lisboa de 9 de Fevereiro de 2000, in Colectânea de Jurisprudência, ano XXV, t. I, pgs. 153 e segs; de 20 de junho de 2002, in Colectânea de Jurisprudência, ano XXVII, t. IIII, pgs. 143 e segs; e de 16 de novembro de 2004, ano XXIX, pgs. 132 e segs.). No caso em apreço, também cabia ao assistente identificar os arguidos eventuais autores dos atos descritos no requerimento de abertura de instrução no âmbito do inquérito ou em diligências extra-judiciais (que não se afiguram impossíveis), e não pretender que tal resultasse da própria instrução. Impõe-se, assim, negar provimento ao recurso. O assistente deverá ser condenado em taxa de justiça (artigo 515º, nº 1, b), do Código de Processo Penal). V - Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, mantendo-se o douto despacho recorrido. Condenam o assistente em 3 U.C.s de taxa de justiça. Notifique. Porto, 25/6/2013 (processado em computador e revisto pelo signatário) Pedro Maria Godinho Vaz Pato Eduarda Maria de Pinto e Lobo _____________ [1] in Direito Processual Penal, página 133, [2] Proferido no Processo n.º 0513975, in www.dgsi.pt. |