Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00035349 | ||
Relator: | EMÍDIO COSTA | ||
Descritores: | PENHORA INVENTÁRIO PARTILHA | ||
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Nº do Documento: | RP200404270421355 | ||
Data do Acordão: | 04/27/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Penhorado o "direito e acção" à herança, tal não significa que os restantes interessados na partilha tenham de permanecer na indivisão. II - Nada obsta, pois, a que se proceda à partilha, se adjudique todos os bens a um dos interessados e se depositem as tornas pertencentes ao penhorado, nos autos. III - A penhora passa do direito e acção às tornas depositadas. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO B..... intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de....., a presente acção com processo sumário contra: - C.....; - D..... e mulher, E.....; - F..... e marido, G.....; - H..... e mulher, I.....; e - L..... e mulher, M....., pedindo se declare ineficaz a partilha da herança aberta por óbito de L..... operada através do processo de inventário n.º 188/98 do -.º Juízo do referido tribunal, em relação ao bem penhorado direito e acção a essa herança de L....., devendo considerar-se essa herança como não partilhada, de modo que a penhora daquele direito se mantenha eficaz e a execução possa prosseguir com a venda desse direito; se assim não se entender deve ser anulada tal partilha; mais deve ser ordenado o cancelamento de qualquer registo efectuado com base naquela partilha. Alegou, para tanto, em resumo, que, no âmbito de uma execução em que figura como exequente a Autora e como executado L....., foi penhorado o direito e acção do executado à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de X.....; no inventário a que se procedeu por óbito de L..... e no qual eram únicos interessados os aqui Réus, procedeu-se à conferência de interessados, tendo sido acordado que todos os bens da herança fossem adjudicados à cabeça de casal C.....; os Réus sabiam da existência da efectuada penhora, mas procederam à partilha com o único objectivo de impedir a venda do direito e acção penhorado. Contestaram os Réus C....., D..... e mulher e L..... e mulher, alegando, em síntese, que as dívidas referidas nos artigos 1.º a 5.º da petição inicial são-no de um dos herdeiros chamados à partilha dos bens pertencentes ao inventariado X....., defendendo que a existência de dívidas de um dos herdeiros não obsta à partilha dos bens do inventariado; terminam, por isso, pedindo a improcedência da acção. Respondeu a Autora, concluindo como na petição. Realizada uma tentativa de conciliação, que se frustrou, veio a ser vertido nos autos saneador em que, conhecendo-se do mérito da causa, se decidiu julgar a acção improcedente, absolvendo-se os Réus do pedido. Inconformada com o assim decidido, interpôs a Autora recurso para este Tribunal, o qual foi admitido como de apelação e efeito meramente devolutivo. Alegou, oportunamente, a apelante, a qual finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões: 1.ª - “A douta sentença recorrida decidiu pela improcedência da presente acção por ter entendido que não foram ofendidos os interesses da execução, pois, o disposto no artigo 819.º do Código Civil não opera automaticamente; 2.ª - Na douta sentença não foi tido em consideração a existência de outros intervenientes para além da exequente ora apelante, nomeadamente os credores reclamantes, cujos interesses também são dignos de tutela e foram prejudicados, prejudicando-se os fins da execução; 3.ª - De facto, por existirem outras penhoras sobre o mesmo direito e acção à herança, por apenso aos autos principais foram deduzidas reclamações de crédito, as mesmas admitidas e os créditos graduados, e também merecedoras de tutela; 4.ª - Apenas foi considerado o interesse individual da ora apelante, como sendo o único fim a tutelar pela execução, pois, porque depositado o valor de tornas em montante suficiente para satisfazer a quantia exequenda, entendeu-se não existirem quaisquer outros interesses a salvaguardar; 5.ª - Pela penhora, o direito do executado é esvaziado dos poderes de gozo que o integram e que passam para o Tribunal – que passa a ter a posse do bem penhorado – pelo que os actos de disposição ou oneração desses bens são ineficazes em relação ao exequente e outros intervenientes; 6.ª - Pelas características próprias da presente acção a mesma foi registada incidindo o registo os bens registáveis que integravam a herança. A aquisição daqueles bens por força da partilha está sujeita a registo, o que no caso sub judice ainda não se verificou, devendo prevalecer o registo da presente acção pela sua anterioridade; 7.ª - Também, porque existiu o inventário, deveria ter sido garantido ao exequente (ou outro credor reclamante) o direito de reclamação previsto pelo disposto no número 1 do artigo 1406.º, alínea c) do Código de Processo Civil (a aplicar analogicamente), e consequentemente deveria ter existido a citação dos credores para os termos do inventário, o que não se verificou; 8.ª - A penhora sobre o direito e acção à herança faz com que este direito fique afectado aos fins da execução, e por isso, subtraído à disponibilidade do executado, pelo que qualquer acto de disposição do direito penhorado, bem como a transmissão dos bens da herança operada através da partilha são ineficazes relativamente ao exequente; 9.ª - A douta sentença recorrida fez uma incorrecta interpretação do artigo 819.º do Código Civil, violou o disposto nos artigos 6.º e 7.º do Código de Registo Predial”. Contra-alegaram apenas os apelados L..... e mulher, pugnando pela manutenção do julgado. ............... O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, nos termos do disposto nos artºs 684º, n.º3, e 690º, n.º 1, do C. de Proc. Civil. De acordo com as apresentadas conclusões, a questão fulcral posta pela apelante à consideração deste Tribunal é a de saber se a partilha dos bens da herança aberta por óbito de X..... é ineficaz em relação à apelante. Foram colhidos os vistos legais. Cumpre decidir. ............... OS FACTOS No saneador-sentença recorrido, foram dados como provados os seguintes factos, que não foram impugnados: 1.º - Nos autos de execução sumária n.º 269/1995, que corre termos no Tribunal recorrido, no qual a ora Autora é exequente e os ora Réus L..... e mulher, M....., são executados, foi penhorado o direito e acção do mencionado executado à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de X.....; 2.º - Tal penhora foi efectuada em 1997; 3.º - Nos autos de reclamação de créditos apensos aos mencionados autos de acção executiva, foram graduados vários créditos, sendo que o crédito da ora Autora ali exequente foi graduado em 1.º lugar, no montante de 124.496$00 e respectivos juros; 4.º - Em 30 de Março de 1998, a Ré C..... instaurou, no Tribunal recorrido, um processo de inventário para partilha da herança aberta por óbito de X....., que correu termos pelo -.º Juízo do Tribunal recorrido com o n.º 188/98, no qual os ora Réus foram os únicos interessados; 5.º - Em 25 de Novembro de 1998, procedeu-se, no referido inventário, à conferência de interessados, tendo os interessados, ora Réus, acordado que todos os bens da herança fossem adjudicados à cabeça de casal C.....; 6.º - Na acta de conferência de interessados ficou consignado o seguinte: “Neste acto por todos os interessados, com excepção do interessado L....., foi dito que já receberam as tornas em mão, devendo quanto a este serem as mesmas depositadas nos autos, em virtude da existência de penhoras sob(re) o direito e acção desta herança, relativamente a este interessado. Os credores são B....., residente em..... – ..., ....., N....., residente em..... e P....., proprietário da Q....., sita em.....”; 7.º - Quando a Ré C..... requereu que fosse instaurado inventário, sabia que o direito e acção do Réu L..... estava penhorado; 8.º - Todos os restantes Réus também sabiam dessa penhora; 9.º - Nos referidos autos de inventário o valor das tornas devidas ao mencionado executado encontra-se depositado, no valor de 472.699$00; 10.º - Nos mencionados autos de acção executiva o direito e acção do executado foi penhorado e posto à venda, pelo valor de 300.000$00, valor esse ali indicado pela própria exequente, ora Autora, e não obteve qualquer proposta, nem na venda judicial, realizada em 22 de Abril de 1998, nem na venda extrajudicial, naquela data determinada, não tendo o encarregado da venda encontrado qualquer interessado nem perspectivado alguém com interesse, mediante informação ao processo de 11/01/1999. ......... Permitem ainda os autos que se dê como provado que, no inventário referido no item 4.º, foi elaborado mapa de partilha, o qual foi homologado por sentença de 12/03/99, a qual transitou em julgado (certidão de fls. 172). ............... O DIREITO A questão básica a decidir no presente recurso consiste em saber se deve ser declarada ineficaz ou anulada a partilha da herança aberta por óbito de X....., em virtude de se encontrar penhorado o direito e acção àquela herança, em relação a um dos respectivos interessados, ou seja, o L...... O saneador-sentença recorrido considerou não existirem razões para declarar tal anulabilidade ou ineficácia. E também nós assim o entendemos. Vejamos. Nos termos do disposto no art.º 1388.º, n.º 1, do C. de Proc. Civil, salvos os casos de recurso extraordinário, a anulação da partilha judicial confirmada por sentença passada em julgado só pode ser decretada quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada. São requisitos cumulativos da anulação da partilha: a) preterição ou falta de intervenção de algum co-herdeiro; b) os outros tenham procedido com dolo ou má fé quanto à preterição ou à preparação da partilha (Ac. do S.T.J. de 4/5/93, C.J., S.T.J., 1993, 2.º, 76). A Autora/apelante não invocou qualquer destes fundamentos como causa de pedir da acção, pelo que a pedida anulação da partilha dos bens da referida herança tinha de improceder, como improcedeu. Resta, por isso, apreciar se existem motivos para considerar ineficaz em relação à ora apelante a efectuada partilha. De acordo com o preceituado no art.º 819.º do Código Civil, “sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis em relação à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados” (redacção do Dec. Lei n.º 38/2003, de 8/3, que em relação à redacção anterior se limitou a substituir a expressão «ineficazes» por «inoponíveis» e a acrescentar o termo «arrendamento»). Consagra-se neste artigo o princípio da ineficácia em relação ao credor dos actos de disposição ou oneração dos bens penhorados, ressalvadas as regras do registo. Deste princípio resulta que o devedor pode livremente alienar ou onerar os bens penhorados. Simplesmente, a execução prossegue, como se esses bens pertencessem ao executado (Pires de Lima e Antunes Varela, C.C. Anotado, 3.ª ed., vol. 2.º, 93). “Parece, escreve Vaz Serra (Realização coactiva da prestação, n.º 23; Bol., n.º 73), que a alienação voluntária dos bens penhorados só deve considerar-se inadmissível enquanto ofender os interesses da execução. Se os bens penhorados ficam afectados aos fins de uma execução e a sua indisponibilidade se destina a garantir tal afectação, não deve ela ir mais longe do que o que é aconselhado pela sua razão de ser. Para tanto, basta que a alienação dos bens penhorados seja havida como ineficaz em relação, ao penhorante e aos demais credores intervenientes na execução. Quanto ao resto, nenhum motivo existe para que se lhe negue eficácia”. No caso presente, como decorre dos factos provados, na conferência de interessados realizada no inventário em que se procedeu à partilha dos bens deixados por óbito de X....., foi deliberado que as tornas devidas ao interessado L..... deveriam ser depositadas nos autos, em virtude da existência de penhoras sobre o direito e acção que aquele interessado tinha na referida herança (item 6.º). E o certo é que as tornas, no valor de Esc. 472.699$00, que cabiam ao interessado L....., vieram a ser efectivamente depositadas naquele inventário (item 9.º), ao invés do que sucedeu com aquelas que couberam aos demais interessados. Deste modo, encontram-se salvaguardados os interesses dos credores do interessado L....., podendo as execuções que contra este corriam prosseguir, como se esses bens pertencessem ao executado. Quer isto dizer que o objecto da penhora deixou de ser o direito e acção na herança ilíquida e indivisa de X..... para passar a ser aquilo que ao interessado devedor, L....., por efeito da partilha da herança, coube naquela partilha, ou seja, o valor das tornas. É de realçar que, no âmbito da execução que a ora apelante move ao L....., o direito e acção deste na herança aberta por óbito de X..... foi posto à venda por apenas Esc. 300.000$00, valor este ali indicado pela própria exequente, sendo certo que esse valor não obteve nenhuma proposta de aquisição, na venda judicial, realizada em 22 de Abri de 1998. E, na venda por negociação que se lhe seguiu, a pessoa encarregada da venda informou nos autos que não encontrou qualquer interessado na aquisição do direito e acção penhorado (item 10.º). Não se mostra, pois, ter havido prejuízo para os credores do interessado L..... com a realização da ajuizada partilha. Bem pelo contrário, a apelante ofereceu como valor do direito penhorado apenas 300.000$00, que não teve interessados, sendo certo que o valor das tornas depositado é 472.699$00. De resto, não foi alegado nem provado que os Réus, interessados na aludida partilha de bens, procederam com dolo ou má fé no modo como a partilha foi preparada. No caso presente, não chegou a efectivar-se a venda do direito e acção à herança em causa. Caso essa venda tivesse sido efectuada, adjudicando-se a terceiros o direito e acção que os executados tinham na herança do X....., então, seria de considerar ineficaz a partilha em relação a esses terceiros adquirentes. Mas, como se decidiu no acórdão desta Relação de 30/5/95 (C.J., 1995, 3.º, 232), essa ineficácia não permite que os terceiros requeiram novo inventário para partilha do mesmo acervo hereditário. A lei admite outras vias de defesa do direito daqueles terceiros, quer através da acção de anulação de partilha, se se mostrar que houve dolo dos outros interessados, quer do incidente de composição da quota do herdeiro preterido, a requerer e processar nos autos de inventário. Ora, não tendo havido, no caso em apreço, venda do direito e acção à herança, o montante das tornas depositado no inventário a que se procedeu continua a ser pertença do interessado L....., podendo a execução em que este figura como executado prosseguir sobre aquele montante. E não altera o que quer que seja em relação ao que acaba de dizer-se a circunstância de, para além da ora apelante, existirem, na execução movida ao executado L....., credores reclamantes. Aliás, fenece à ora apelante qualquer legitimidade para vir defender aqui pretensos direitos dos reclamantes dos créditos em causa. De igual modo, o registo da acção não confere à apelante o direito invocado na presente acção. O registo predial destina-se, como é sabido, essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário (art.º 1.º do C. do Registo Predial). Ademais, não estamos em presença de qualquer prioridade de registo, já que em causa está o direito e acção a determinada herança e não a bens concretos. Além disso, o registo da acção tem natureza provisória e por dúvidas (v. fls. 103 a 107), pelo que o registo respectivo não consubstancia a presunção derivada do registo a que alude o art.º 7.º do C. do Reg. Predial. Finalmente, não tem a apelante a menor razão quando refere que deveria ter sido garantido ao exequente e aos credores reclamantes o direito de reclamação, pelo que deveriam ter sido citados os credores para os termos do inventário. Esta questão, apenas levantada em sede de alegação de recurso, não tem cabimento no âmbito desta acção. A ter-se verificado aquela omissão de citação, o que desconhecemos, por os autos não darem conta de tal facto, a mesma teria de ser arguida em sede de inventário e não nesta acção. Assim, sem de necessidade de mais longas considerações, improcedem as conclusões da apelante, pelo que a sentença recorrida terá de manter-se. ............... DECISÃO Nos termos expostos, decide-se julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida. Custas pela apelante, sem prejuízo do apoio judiciário concedido. Porto, 27 de Abril de 2004 Emídio José da Costa Henrique Luís de Brito Araújo Alziro Antunes Cardoso |