Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | AUGUSTO DE CARVALHO | ||
Descritores: | DIVISIBILIDADE DE UM PRÉDIO INDIVISIBILIDADE DE UM PRÉDIO PROPRIEDADE HORIZONTAL ACORDO COMPROPRIETÁRIOS | ||
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Nº do Documento: | RP20120702261/09.0TBCHV.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/02/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O conceito de divisibilidade ou indivisibilidade de um prédio é um conceito jurídico, e não naturalístico ou físico, uma vez que, materialmente, todas as coisas são divisíveis. II - Para decidir da divisibilidade ou indivisibilidade de um prédio, tem que se atender ao que ele é e não ao que poderá vir a ser. III - Não é legitimo a um comproprietário de um prédio utilizar a acção de divisão de coisa comum para, com o concurso do tribunal, mas sem a concordância dos demais comproprietários, proceder à constituição da propriedade horizontal, sem o acordo de todos os comproprietários. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação nº 261/09.0TBCHV.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto B… e C… intentaram a presente acção de divisão de coisa comum contra D… e E…, relativamente a um prédio urbano, com o fundamento de que este pertence em comum e partes iguais a autores e réus, mas que não convém aos primeiros permanecer na indivisibilidade. Os réus contestaram e requereram que fosse determinada a divisão do prédio urbano, submetendo-o ao regime de propriedade horizontal, através da constituição de duas fracções, atribuindo-as a cada um dos comproprietários, de acordo com os critérios do artigo 1056º, nº 1, do C.P.C. Realizadas duas perícias, foi proferida decisão a declarar a divisibilidade em substância do prédio objecto da acção, nos termos propostos pelos peritos (uma fracção A) e uma fracção B)). Inconformados, os autores recorreram para esta relação, formulando as seguintes conclusões: 1) Nestes autos está em causa uma propriedade comum dos recorrentes e recorridos de um prédio urbano sito na Rua …, freguesia e concelho de Chaves, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o nº. 03361/110998 e inscrito na matriz predial urbana no artigo 2136, ou seja, um prédio, que possui apenas uma descrição na respectiva Conservatória do Registo Predial e apenas possui um artigo matricial, e que não está sujeito ao regime jurídico da propriedade horizontal; 2) O tribunal “a quo” entendeu, no âmbito da presente acção de divisão de coisa comum, “declarar-se a divisibilidade em substancia do prédio objecto desta acção nos termos propostos pelos Srs. Peritos (uma fracção A) e uma fracção B)”; 3) Para além do que é referido na decisão que se recorre, consta ainda, ou dos autos, ou resulta dos relatórios dos Srs. Peritos, os seguintes factos: - O rés-do-chão do prédio em causa destinado ao comercio está arrendado, pagando o inquilino uma renda mensal de € 200,00 (conforme requerimento junto aos autos em 28 de Fevereiro de 2011 pelos requerentes e que não foi impugnado). - O primeiro e o segundo andar do prédio aqui em causa estão devolutos (consta dos relatórios periciais). - O prédio não está sujeito ao regime jurídico da propriedade horizontal (consta das certidões juntas aos autos). - Os aqui recorrentes não aceitam e não estão de acordo a que o prédio objecto desta acção seja sujeito ao regime jurídico da propriedade horizontal (posição sempre assumida nos articulados e requerimentos). - Foi junto um documento em que consta que foi requerido apenas pelo requerido D… junto do Presidente da Câmara Municipal …, e “para efeitos judiciais, se o prédio de que é comproprietário, situado na Rua …, nº .., constituído por rés do chão, 1º e 2º andares, inscrito na respectiva matriz da freguesia de … sob o nº. 2136, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 3361/Chaves, reúne os requisitos necessários estabelecidos pelo código civil, para ser submetido ao regime de propriedade horizontal (…)” (documento juntos pelos requeridos). - Foi junta uma certidão emitida pela Câmara Municipal … em que constam o seguinte teor “(…) em cumprimento do despacho proferido em sete de Janeiro de 2010, pelo vice-presidente da Câmara Municipal, na ausência do Presidente, exarado no requerimento nº. …../09 de 22 de Dezembro do ano 2009, apresentado por E…, comproprietário de um prédio urbano sito na Rua … nº. .., freguesia de … nº. .., freguesia de …, concelho de Chaves, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o nº. 2136, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o nº. 2425/20090707, em que solicita que o imóvel seja submetido ao regime de propriedade horizontal. Certifica em conformidade com a informação produzida pela Divisão de salvaguarda do Património Arquitectónico e Arqueológico, datado de seis de Janeiro do corrente ano que o referido edifício cumpre os requisitos legais para ser constituído em propriedade horizontal, com duas fracções autónomas, com a seguinte composição (…)” (documento junto pelos requeridos). Não se encontra junto aos autos qualquer requerimento de todos os comproprietários do prédio a solicitarem junto das autoridades administrativas e para efeitos de constituição de propriedade horizontal que fosse certificado que o mesmo cumpria os requisitos legais para efeitos de constituição de propriedade horizontal, nem qualquer outro documento assinado por todos os comproprietários que manifeste tal vontade. Foi efectuada uma primeira perícia ao prédio por três peritos, cujo conteúdo e esclarecimentos se dão aqui por integralmente reproduzida. Foi efectuada uma segunda perícia ao prédio por três peritos, cujo conteúdo e esclarecimentos se dão aqui por integralmente reproduzida. Não consta dos relatórios dos Srs. Peritos, quer na primeira perícia que foi realizada ao prédio, quer na segunda, quer dos esclarecimentos prestados, que não ocorra uma diminuição do valor do prédio, em caso de divisão do prédio em substância. Na primeira perícia os senhores peritos entenderam que, a ser constituída a propriedade horizontal do prédio, a fracção a que corresponderia o espaço comercial situada ao nível do rés do chão, e caso não esteja devoluta, o seu valor seria de € 53.232,20 e a outra fracção seria do valor de € 66.850,00. Na segunda perícia os senhores peritos entenderam, após lhes ser solicitado esse esclarecimento, que a ser constituída a propriedade horizontal do prédio, a fracção a que corresponderia o espaço comercial situada ao nível do rés do chão e caso não esteja devoluta, o seu valor seria de € 13.500,00 e a outra fracção seria do valor de €42.975,00; 4) Em face de todos os elementos existentes nos autos, parece-nos que o prédio em causa, e pese ser inequívoco que reúne condições para ser transformado para o regime da propriedade horizontal, neste momento, não reúne condições para ser divido no âmbito de uma acção de divisão de coisa comum em substância, nomeadamente não é possível afirmar que é possível constituir dois quinhões de igual valor para serem adjudicados a cada um dos comproprietários, e que da divisão em substancia não resultará uma diminuição do valor do prédio; 5) Apesar de inócua, uma vez que da mesma não resulta que a divisão possa ser realizada sem perda de valor para a coisa, a segunda perícia não pode ser aceite, uma vez que não se encontra devidamente fundamentado o pedido para a sua realização – não tendo sido dado cumprimento pelos requerentes dessa perícia aos termos previstos no artigo 589º do C. P. C. – e não foi dado também cumprimento ao estabelecido no artigo 590º, alínea b) do C. P. C., ou seja, a segunda perícia foi realizada pelo mesmo número de peritos da primeira, o que é inadmissível; 6) De qualquer forma, quer se admita, ou não, a segunda perícia realizada, o resultado será sempre o mesmo, ou seja, o prédio objecto destes autos, com as características que actualmente possui, tendo em conta os vários resultados a que chegaram os Srs. Peritos, não reúne condições para no âmbito desta acção de divisão de coisa comum ser dividido pelos comproprietários em substância; 7) Assim, e uma vez que o prédio aqui em causa não se encontra sujeito ao regime da propriedade horizontal e consta abundantemente dos autos que os recorrente opõem-se à sua constituição, pelo que apenas se lhes for coercivamente imposto é que tal será possível, no entanto, tal será uma solução é juridicamente e moralmente inadmissível e que extravasa em absoluto os limites e os direitos impostos a cada um dos comproprietários, nos termos previstos nos artigos 1405º, 1406º e 1407º do C. C; 8) E mesmo que o prédio aqui em causa estivesse já sujeito ao regime da propriedade horizontal – ou a mesma fosse imposta (o que não se pode sequer admitir) – tendo em conta a disparidade de valores que são atribuídos às supostas fracções pelos Srs. Peritos, não é possível constituir duas fracções de igual valor, que ao serem adjudicadas, não faça ocorrer com que um dos comproprietários se enriqueça à custa do outro; 9) O prédio objecto da presente acção não é passível de – tendo em conta as quotas de cada um dos comproprietários e o valor de cada uma das hipotéticas fracções e ainda o estado jurídico actual do prédio, ser dividido em substância; 10) O artigo 209º do Código Civil estatui que “são divisíveis as coisas que podem ser fraccionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destina”, o que é um conceito jurídico e não naturalístico ou físico, já que, materialmente, todas as coisas são divisíveis. Assim a Lei, para fixar a indivisibilidade atende a três circunstâncias: Não se alterar a sua substância, não se diminuir o valor e não se prejudicar o uso da coisa, faltando qualquer delas a coisa é indivisível; 11) Nos presentes autos não resulta sequer dos elementos colhidos, das perícias realizadas e dos restantes elementos dos autos, que da sujeição do prédio comum ao regime da propriedade horizontal, não ocorra a diminuição do seu valor; 12) Não sendo legitimo a um comproprietário de um prédio utilizar uma acção de divisão de coisa comum para, com o concurso do Tribunal, mas sem a concordância dos demais comproprietários proceder à constituição dessa propriedade horizontal, quando para a mesma ser constituída como resulta da Lei, pressupõe o acordo de todos os comproprietários – vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça processo nº. 08B2121 de 23-09-2008, em que foi Relator a Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, que pode ser consultado em www.dgsi.pt, o qual entendeu, além do mais, “que excede manifestamente os poderes de um dos comproprietários, actuando por si só, alcançar o efeito decretado em primeira instancia, já que a alteração que supõe quanto à estrutura e natureza do prédio ultrapassa claramente o âmbito dos poderes de administração que a Lei lhe confere (artigos 1407º e 985º, nº 1º, do C. C.(…),” concluindo “como condição específica a concordância de todos os titulares (ou o recurso a algum mecanismo de resolução de eventuais divergências, de forma a que se alcance uma vontade juridicamente imputável ao conjunto dos comproprietários) na realização de tais operações”, não pode, como seria aqui o caso, ser imposta a alguns dos comproprietários o regime jurídico da propriedade horizontal, que eles não pretendem; 13) Os requisitos de fraccionamento de uma coisa, as características ou qualidades de fraccionamento devem ser actuais, ocorrendo no momento em que a divisão é requerida e se coloca a questão da divisibilidade, no presente caso, há elementos que permitem dizer que no momento em que se coloca a questão da divisibilidade o prédio não estava afecto ao regime da propriedade horizontal, nem existia a possibilidade de o sujeitar a tal regime uma vez que parte dos comproprietários – os recorrentes – se recusavam a realizar tal transformação; 14) E como já foi decidido, além do mais, no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido pelo Conselheiro Alves Velho, processo nº. 08A1372 de 05- 06-2008, e que pode ser consultado em www.dgsi.pt, “na falta de acordo, a divisibilidade, pressupõe que se possam inteirar em espécie todos os interessados, sem que haja lugar a tornas.”, ou no acórdão do STJ de 05.11.2002, Ver. Nº. 2594/02-6ª, 11/2002 “A divisibilidade que o artº. 1502º do C. P. C. prevê há-de ser de modo a inteirar em espécie todos os interessados sem que haja pois lugar a tornas”; 15) No caso presente, tendo em conta os valores apresentados pelos Srs. Peritos nas duas perícias realizadas e esclarecimentos, os valores a que atribuíram às duas hipotéticas fracções a constituir são por si tão díspares e distantes – e sujeitos a várias hipóteses e soluções – que não permitem compor ambos os interessados, de um modo minimamente justo, sem haja necessidade ao recurso ao pagamento de tornas; 16) Para além de que, atenta a subjectividade dos valores a que chegaram os senhores peritos, fosse qual fosse o valor fixado era sempre passível de imediatamente, ou num momento mediato, causar injustiças, já que o valor de um dos supostos quinhões poder-se-á alterar substancialmente caso essa parte do prédio se mantenha ocupada, ou fique devoluta, pelo que nem sequer se consegue perceber, atento os vários valores apresentados, qual é que o Tribunal a quo se socorre para fixar o valor de cada um dos quinhões, tanto mais que a realidade actual é a do rés do chão estar arrendado e ocupado e a restante área do prédio estar devoluta, o que criaria, segundo a ultima das perícia duas fracções com valores substancialmente diferentes; 17) A douta sentença recorrida violou assim, por erro de interpretação e aplicação, além do mais, o disposto nos artigos 209º, 1405º, 1406º e 1407º do C.C. e 589º, 591º, 1502º do C.P.C. 18) Deve assim ser modificada em conformidade com as conclusões anteriores, declarando-se que o prédio neste momento e para efeitos de desta acção de divisão de coisa comum não é divisível em substância. Os apelados apresentaram contra-alegações, concluindo pela confirmação da decisão recorrida. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Com interesse para a decisão do recurso, consideram-se assentes os seguintes factos: 1. Autores e réus são comproprietários de um prédio urbano, sito na Rua …, freguesia e concelho de Chaves, descrito na Conservatória do registo Predial sob o nº 03361/110998 e inscrito na matriz predial urbana no artigo 2136. 2. O rés-do-chão do prédio em causa, destinado ao comércio, está arrendado, pagando o inquilino uma renda mensal de €200,00. 3. O primeiro e o segundo andar do mesmo prédio estão devolutos. 4. O prédio referido nos números anteriores não está sujeito ao regime da propriedade horizontal, mas reúne condições para ser dividido segundo esse mesmo regime. 5. Na primeira perícia realizada, foi efectuada a avaliação do prédio pela forma seguinte: «Caso o prédio fosse transformado em regime de propriedade horizontal, com a criação das duas fracções e no estado actual, ou seja, o rés-do-chão ocupado e os dois pisos desocupados, o valor das fracções seria: fracção A-r/chão – espaço destinado a comércio, com a área de 35,00m2 e com o valor de €53.232,00 (221,80x12x20). Fracção B1º e 2º andares destinados a habitação, com a área de 95,50m2 e com o valor de €66.850,00 (95,50m2x€700,00/m2). Caso o prédio estivesse na sua totalidade devoluto, o valor das fracções seria: Fracção A-r/chão – espaço destinado a comércio, com a área de 35,00m2 e com o valor de €70.000,00 (35,00m2x€2000,00). Fracção B1º e 2º andares destinados a habitação, com a área de 95,50m2 e com o valor de €66.850,00 (95,50m2x€700,00/m2). 6.Na segunda perícia realizada, foi efectuada a avaliação do prédio pela forma seguinte: Fracção A – (35,2x€1.200,00) = €42.000,00; Fracção B – (95,5m2x€450,00) = €42.975,00. 7.Nesta segunda perícia, após lhes ter sido solicitado esclarecimento, os senhores peritos referiram que, a ser constituída a propriedade horizontal do prédio, a fracção a que corresponderia o espaço comercial situada ao nível do rés-do-chão e caso não esteja devoluta, o seu valor seria de €13.500,00 e a outra fracção teria o valor de €42.975,00. São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1, do C. P. Civil. A única questão a decidir consiste em saber se pode ser declarada a divisibilidade em substância do prédio urbano identificado na petição inicial. I. Autores e réus são comproprietários, em partes iguais, do prédio urbano, sito na Rua …, freguesia e concelho de Chaves, descrito na Conservatória do registo Predial sob o nº 03361/110998 e inscrito na matriz predial urbana no artigo 2136. Na decisão recorrida, declarou-se a divisibilidade em substância do prédio objecto desta acção, nos termos propostos pelos Srs. Peritos (uma fracção A) e uma fracção B)). Estabelece o artigo 209º do C.C. que «são divisíveis as coisas que podem ser fraccionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam». Para que se possa concluir, do ponto de vista jurídico, pela divisibilidade de um prédio é necessário que, cumulativamente: não se altere a sua substância; não haja diminuição do seu valor; não seja prejudicado o seu uso. O conceito de divisibilidade previsto neste preceito é jurídico, e não naturalístico ou físico, uma vez que, materialmente, todas as coisas são divisíveis. Por outro lado, para se decidir da divisibilidade ou indivisibilidade de um prédio, tem de se atender ao que ele é e não ao que poderá vir a ser. «Confirma-o a regra consagrada no nº 1 do artigo 1056º, nº 1, do C.P.C., ao determinar que, na falta de acordo, tem lugar a realização de sorteio, o que não pode significar senão que a divisibilidade, além de actual, há-de permitir inteirar em espécie todos os interessados, sem que haja lugar a tornas». Acórdão do STJ, de 5.6.2008, citando os de 5.11.2002 e de 14.10,2004, disponíveis em www.dgsi.pt. Naquele acórdão de 5.11.2002, refere-se que «a divisibilidade que a lei prevê há-de ser tal que permita inteirar em espécie todos os interessados, sem que haja lugar a tornas. E também, aliás, no caso de a divisão em substância não se revelar possível, o preenchimento do quinhão de alguns dos interessados, no todo ou em parte, em dinheiro no caso de não lhe caber parcela alguma ou de lhe vir a caber uma parcela não proporcional à sua quota-parte no direito de propriedade comum só, conforme o nº 2 do mesmo artigo 1056º, poderia ter lugar mediante acordo». E não é legítimo a um comproprietário de um prédio utilizar a acção de divisão de coisa comum para, com o concurso do tribunal, mas sem a concordância dos demais comproprietários, proceder à constituição da propriedade horizontal, quando para esta ser obtida, como resulta da lei, pressupõe o acordo de todos os comproprietários. «Excede manifestamente os poderes de um dos comproprietários, actuando por si só, alcançar o efeito decretado em primeira instância, já que a alteração que supõe quanto à estrutura e natureza do prédio ultrapassa claramente o âmbito dos poderes de administração que a lei lhe confere (artigos 1407º e 985º, nº 1, do C.C.). A circunstância de um prédio estar em regime de compropriedade não impede a constituição da propriedade horizontal, nem dispensa a intervenção das autoridades administrativas competentes; «apenas impõe, como condição específica, a concordância de todos os titulares (ou o recurso a algum mecanismo de resolução de eventuais divergências, de forma a que se alcance uma vontade juridicamente imputável ao conjunto dos comproprietários) na realização de tais operações». Acórdão do STJ, de 23.9.2008, in www.dgsi.pt. Ou seja, não pode ser imposto o regime da propriedade horizontal de um prédio contra a vontade de algum dos comproprietários. Tal imposição ultrapassaria, como se disse, o âmbito dos poderes de administração que o artigo 985º, nº 1, do C.C., aplicável ex vi do artigo 1407º do mesmo diploma legal, confere aos comproprietários. Os autores/apelantes opõem-se à constituição da propriedade horizontal e, por conseguinte, nesta acção, o prédio em causa, com as características actuais, não é divisível. Mas, como se referiu, a divisibilidade de um prédio há-de permitir inteirar em espécie todos os interessados, sem que haja lugar a tornas, o que, no caso, também não se demonstra possível, dada a disparidade de valores atribuídos pelos peritos nomeados. Tendo em conta as quotas de cada um dos comproprietários, o valor de cada uma das possíveis fracções, de acordo com o parecer de todos os peritos, e, ainda, o estado actual do prédio (não sujeito ao regime da propriedade horizontal), este não pode ser dividido em substância. Deste modo, impõe-se revogar a decisão recorrida que declarou a divisibilidade em substância do prédio em duas fracções e, consequentemente, determina-se o prosseguimento do processo com a realização da conferência a que se refere o nº 2 do artigo 1056º do C.P.C. Procedem, assim, as conclusões das alegações e o recurso dos autores B… e C…. Decisão: Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar procedente a apelação e, consequentemente, declarando a indivisibilidade do prédio, determina-se o prosseguimento do processo com a realização da conferência a que se refere o nº 2 do artigo 1056º do C.P.C. Custas pelos apelados. Sumário: I. Para se decidir da divisibilidade ou indivisibilidade de um prédio, tem de se atender ao que ele é e não ao que poderá vir a ser. II. A divisibilidade de um prédio há-de permitir inteirar em espécie todos os interessados, sem que haja lugar a tornas. III. Não pode ser imposto o regime da propriedade horizontal de um prédio contra a vontade de algum dos comproprietários. IV. Tal imposição ultrapassaria o âmbito dos poderes de administração que o artigo 985º, nº 1, do C.C., aplicável ex vi do artigo 1407º do mesmo diploma legal, confere aos comproprietários. Porto, 2.7.2012 António Augusto de Carvalho Anabela Figueiredo Luna de Carvalho Rui António Correia Moura |