Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
949/13.0GCSTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARRETO
Descritores: CÚMULO JURÍDICO
PENAS DE PRISÃO
PENAS DE MULTA
Nº do Documento: RP20160427949/13.0GCSTS.P1
Data do Acordão: 04/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 998, FLS.225-232)
Área Temática: .
Sumário: Se as penas aplicadas são de prisão e multa, a diferente natureza de uma e outra mantém-se na pena única conjunta: cumulam-se as penas de multa numa única pena de multa e cumulam-se as penas de prisão numa única pena de prisão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec nº 949/13.0GCSTS P1
TRP 1ª Secção Criminal

Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto

No Proc. C.S. nº 949/13.0GCSTS do Tribunal da Comarca do Porto – Santo Tirso – Instancia Local – Secção Criminal – Juiz 2 foi julgado o arguido
B…

Os ofendidos C… e E… constituíram-se assistentes, aderiram à acusação pública e deduziram pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo a condenação do mesmo no pagamento:
- da quantia de €5.000,00 ao Guarda C…
- da quantia de €1.250,00 ao Guarda E….

A Guarda Nacional Republicana deduziu pedido de reembolso contra o arguido, invocando que em consequência da conduta daquele o Guarda C… esteve convalescente entre 10-12-2013 e 22-01-2014, tendo a GNR suportado o valor de €2.273,95 a título de vencimento e subsídios, sem que pudesse contar com o militar a seu serviço, €17,67 a título de despesas hospitalares pagas no Hospital Privado F…, €41,77 a título de despesas médicas e medicamentosas.

Por sentença de 15/07/2015 foi decidido:
Face ao exposto, decido:
A) Quanto à parte criminal
Julgar procedente a acusação deduzida e
i) Condenar o arguido B… nas seguintes penas parcelares:
- Pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo art.º 145.º, n.º 1 al. a) e n.º 2 do CP, em conjugação com o disposto no art. 132°, n° 2, al. l) do mesmo diploma legal, na pena de três meses de prisão;
- Pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347.º, n. º 1, do Código Penal, na pena de um ano de prisão;
- Pela prática de cada um dos dois crimes de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1, 184.º e 132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de €5,50;
- Pela prática de cada um dos dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea c) e 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de €5,50.
ii) Condenar o mesmo arguido B…, em cúmulo jurídico, pela prática, em autoria material e concurso efectivo, dos dois crimes de injúria agravada e dos dois crimes de ameaça agravada supra referidos, na pena única de 140 dias de multa, à taxa diária da pena de multa em €5,50, o que perfaz um total de €770,00 (setecentos e setenta euros).
iii) Condenar o mesmo arguido B…, em cúmulo jurídico, pela prática, em autoria material e concurso efectivo, dos crimes de ofensa à integridade física qualificada e de resistência e coacção sobre funcionário referidos, na pena única de um ano e um mês de prisão, substituída por 395 horas de trabalho a favor da comunidade, a prestar em instituição a determinar pela DGRS.
iv) Condenar o arguido B… no pagamento das custas do processo a que deu causa, fixando a taxa de justiça em 4UC’s.
B) Quanto à parte cível:
v) Julgam-se os pedidos de indemnização civil formulados por C… e E… parcialmente provados e, nessa medida procedente e, em consequência, condena-se o demandado B… a pagar ao demandante/assistente C… a título de danos não patrimoniais a quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), e ao demandante/assistente E… a título de danos não patrimoniais a quantia de €500,00 (quinhentos euros), absolvendo-se o demandado/arguido do demais peticionado.
vi) Às quantias referidas em v) acrescem juros, à taxa legal, devidos desde a data da sentença até integral pagamento.
vii) Demandantes e demandado suportarão as custas na proporção do decaimento, face à procedência parcial dos pedidos referidos em v) (cfr. artigo 527.º n.º 1 e 2, do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário concedido aos primeiros.
viii) Julga-se o pedido de indemnização civil formulado pela Guarda Nacional Republicana provado e, nessa medida procedente e, em consequência, condena-se o demandado/arguido B… a pagar à demandante a quantia de €2.333,39, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal dos juros civis, desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento.
ix) O demandado/arguido suportará as custas do decaimento, face à procedência do pedido referido em viii) (cfr. artigo 527.º n.º 1 do CPC).”

Recorre o arguido o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões:
1 - Na determinação in concreto da medida da pena, o tribunal recorrido não valorizou a falta de antecedentes do arguido e não valorizou suficientemente as atenuantes que, ao caso, cabem;
2 - O arguido é pessoa humilde, vive com companheira e tem um filho de 16 anos de idade e encontra-se desempregado há cerca de dois anos;
3 - A condenação, nas penas supra identificadas, não satisfaz em concreto a protecção dos valores jurídicos societários, assim como a punição e reintegração do arguido, preparando-o para conduzir a sua vida de forma socialmente responsável;
4 - As circunstâncias atenuantes devem ser consideradas com particular acuidade no caso, considerando o que a douta sentença é desproporcional e, por isso, não se pode considerar justa;
5 - A douta sentença, não procedeu à realização de cúmulo jurídico das duas penas aplicadas in concreto;”

O MºPº respondeu ao recurso pugnando pela improcedência do recurso;
O ilustre PGA emitiu parecer no sentido da rejeição do recurso;
Foi cumprido o artº 417º2 CPP
Cumpre apreciar.

Consta da sentença recorrida (transcrição):
“II. FUNDAMENTAÇÃO:
Dos factos Provados:
Com relevo para a boa decisão da causa, provou-se que:
(Da acusação pública)
1. No dia 10 de Dezembro de 2013, pelas 17h45, os elementos da GNR da Trofa Guarda C… e Guarda E…, devidamente uniformizados, encontravam-se em missão de fiscalização e às ocorrências quando se deslocaram à Avenida …, na cidade e concelho da Trofa.
2. Nesse local viram o arguido a conduzir o veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, com a matrícula OQ-..-.., na Rua …, mandaram-no parar e solicitaram-lhe os documentos referentes ao veículo.
3. No decurso desta fiscalização, aquando da solicitação dos documentos do veículo automóvel para procederem à autuação pela falta de cobertura da carga que transportava no veículo, o arguido B… exaltou-se e desferiu no Guarda C… vários empurrões e um murro com a mão direita na sua face esquerda.
4. De seguida, pelo Guarda C… foi dada voz detenção ao arguido, o que este não acatou, começando a esbracejar, tendo o Guarda E… que intervir, agarrando-o com força, caindo os três ao chão, onde rebolarem e o C…, nessa altura sentiu uma forte dor no dedo mindinho e só depois foi possível, deter e algemar o agarrar o arguido B….
5. Após, foi o arguido B… algemado introduzido dentro do Jipe da GNR e transportado por aqueles dois guardas para o posto territorial da Trofa.
6. Durante o percurso para o Posto, o arguido B… em tom sério e agressivo dirigindo-se a ambos os Guardas dizia-lhes, em tom sério e agressivo “vou-vos matar seus filhos da puta” enquanto dava cabeçadas na janela do veículo automóvel, o que lhes causou receio, face à repetida conduta agressiva deste que um dia lhes pudesse atentar contra as suas vidas e integridade físicas.
6. Chegados ao Posto o arguido B… foi pelo Guardas C… e Guarda E… encaminhado para a cela que se situa no mesmo piso a cerca de cinco metros de distância da sala do atendimento ao público, em lugar reservado exclusivamente a pessoas autorizadas.
7. Uma vez na cela e quando o Guarda C… e o Guarda E… se afastavam da mesma cela começaram a ouvi-lo gritar e a desferir cabeçadas nas paredes, motivo pelo qual o Guarda G… que estava de atendimento e o Guarda H… que o auxiliava foram ver o que se passava e os quatro confirmaram que este continuava exaltado e gritava nervoso e furioso batia com a cabeça nas paredes.
8. Em consequência das agressões descritas sofreu C… traumatismo da mão esquerda e costas, fratura do 5.º dedo, dores na mão esquerda e dorso, edema no 4.º dedo da mão esquerda, equimose peri-ungeal e 5.º dedo imobilizado com tala, com fratura sem desvio F3, limitação na flexão completa da articulação interfalângica distal do 5.º dedo.
Tais lesões determinaram 41 dias para a consolidação médico-legal, com afetação da capacidade de trabalho geral de 8 dias e com afetação da capacidade de trabalho profissional de 41 dias e resultaram as consequências permanentes descritas que se traduzem na limitação na flexão do 5.º dedo da mão esquerda.
9. Os referidos guardas da GNR C… e E… encontravam-se devidamente uniformizados e no exercício das funções que lhes haviam sido distribuídas no interior da corporação policial de que fazem parte.
10. Ao dirigir as ditas expressões aos guardas C… e E…, o arguido fê-lo com a consciência e conhecimento do significado objectivo das mesmas, de que eram ofensivas da honra e consideração, actuando com a intenção de atingir os referidos elementos da GNR, na sua auto-estima, dignidade, bom nome, respeito e imagem pública, nomeadamente como elementos daquela força policial.
11. As expressões proferidas relativamente aos guardas C… e E… pelo arguido são meio idóneo para provocar medo ou inquietação, o que aconteceu, na medida em que os mesmos, em consequência delas, ficaram a temer pela sua vida e integridade física.
12. O arguido proferiu as referidas expressões em tom sério e ameaçador e agiu, com o propósito concretizado de deixar aqueles guardas da GNR seriamente intimidados com o anúncio de um mal futuro na sua pessoa e, além do mais, conseguiu, deste modo, criar-lhes medo e inquietação, uma vez que estes receiam que o arguido venha a concretizar os seus intentos, sendo conhecedor que os mesmos pertencem a órgão de polícia criminal e que se encontravam no exercício das respectivas funções e por causa das mesmas.
13. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e conscientemente, exercendo força violenta sobre os elementos da GNR, Guarda C… e Guarda E… que que cumpriam as suas funções, por forma impedi-los de proceder à sua detenção e condução ao Posto da GNR da Trofa.
14. O arguido sabia que esses guardas da GNR ali se encontravam na sua tarefa de elementos das forças militarizadas, cuja qualidade bem conhecia, até pelo facto de se encontrarem devidamente uniformizados.
15. O arguido bem sabia que ao desferir os empurrões e um murro com a mão direita na sua face esquerda no Guarda C… lhe provocava as lesões e dores, supra descritas, o que quis e fez e procurou, o arguido, maltratar fisicamente este guarda, pese embora saber que estava na presença de um militar da GNR, no exercício das suas funções.
16. O arguido agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e constituíam infracções criminais.
(Do pedido de indemnização civil formulado pelos assistentes C… e E…)
17. Os agentes C… e E… sentiram-se vexados, humilhados e perturbados.
(Do pedido de indemnização civil formulado pela Guarda Nacional Republicana)
18. Em consequência do período de incapacidade de trabalho profissional de 41 dias de que foi afectado o Guarda C…, a Guarda Nacional Republicana suportou o valor de €2.273,95 a título de vencimento e subsídios devidos àquele agente, sem que estivesse ao serviço.
19. A Guarda Nacional Republicana suportou ainda a quantia de €17,67 a título de despesas hospitalares no Hospital F… e quantia de €41,77 a título de despesas médicas e medicamentosas.
(Da situação pessoal e económica:)
20. O arguido não tem antecedentes criminais.
21. O arguido é solteiro, tem uma companheira há cerca de 17 anos e um filho de 16 anos de idade, estudante.
22. O arguido está desempregado há cerca de 2 anos, não recebe qualquer subsídio ou pensão, e a sua companheira tem uma empresa de sucata, auferindo o salário mínimo.
23. O arguido e o seu agregado vivem numa casa arrendada, mediante o pagamento de uma renda mensal de cerca de €250,00.
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Dos factos Não Provados:
Com relevo para a boa decisão da causa, ficou por provar que:
(Do pedido de indemnização civil formulado pelos assistentes C… e E…)
a) Os agentes C… e E… sentiram, por causa da conduta do arguido, tensão nervosa, stress e abalo psicológico, com repercussões negativas no seio das respectivas famílias.

(A restante matéria referida nos pedidos de indemnização civil foi desconsiderada pelo Tribunal, por se tratar de matéria conclusiva e/ou de direito ou por já constar do elenco dos factos provados e não provados.)
*
III. Da motivação do Tribunal acerca dos factos:
Na formação da sua convicção o Tribunal analisou de forma livre crítica e conjugada a prova produzida em audiência de discussão e julgamento de acordo com o preceituado no artº 127º C.P.P. e em função das considerações que passam a expender.
Assim:
O arguido admitiu que nas circunstâncias de tempo, modo e lugar referidas na acusação pública foi fiscalizado por agentes da GNR. Negou, contudo, que tivesse injuriado, ameaçado ou agredido qualquer um dos agentes da GNR, bem como negou ter tentado impedir a sua detenção.
Em suma, o arguido referiu que quem foi maltratado foi ele, que um dos agentes lhe começou a dar caneladas por não encontrar os documentos e que a partir daí o insultaram, o agarraram, sem que tivesse oferecido qualquer resistência.
Mais, o arguido referiu que um dos agentes lhe tentou dar um murro na cara e que se conseguiu desviar, batendo o agente com a mão no jipe da GNR.
As declarações do arguido foram contrariadas, em grande parte, pela demais prova produzida, concretamente pelos agentes da autoridade inquiridos, nos termos que infra se analisarão.
O agente C… confrontado desde logo com o auto de notícia de fls. 3 a 5 corroborou-o integralmente. Sobre a conduta do arguido, o agente explicou que o mandaram parar porque transportava sucata numa carrinha sem a devida protecção e que o mesmo começou logo a adoptar um comportamento pouco correcto, a falar alto e a dizer que o estavam a perseguir. Sobre o que se seguiu, o agente C… relatou que foi empurrado pelo arguido e que este lhe desferiu um murro de raspão na cara, que tentou algemá-lo e que o arguido não deixava, acabando por ser ajudado pelo agente E…, caindo todos ao chão.
O assistente E… referiu ainda que o arguido após ter sido detido chamou aos agentes “filhos da puta” e ameaçou que os matava e que já no posto, no interior da cela, continuou a manifestar a sua fúria, dando cabeçadas nas paredes.
No mais, o agente C… explicou em audiência que durante a detenção do arguido partiu o dedo mindinho da mão esquerda e ficou magoado em mais dois dedos, ficando de baixa cerca de 6 semanas, num total de 41 dias, bem como que ainda hoje sofre de uma limitação de flexão do dedo.
Relativamente ao facto vertido em 8., o Tribunal valorou as declarações já referidas do ofendido/assistente C… conjugadas com os relatórios de perícia de avaliação do dano corporal juntos a fls. 33 a 35 e 81 a 84 dos autos, cujo valor probatório saiu incólume do julgamento, sem esquecer inclusivamente o seu carácter técnico e rigor científico – ut. Artº 163º C.P.P.
As declarações do agente e assistente E… foram ao encontro das declarações prestadas pela colega C…. Além de corroborar o teor do auto de notícia, com o qual foi confrontado, E… descreveu de forma suficientemente circunstanciada e isenta como ocorreram os factos, relatando que o arguido não entregava os documentos cuja exibição por pedida pelo agente C… e dizia que o perseguiram, que atingiu de raspão o seu colega na cara, que para o deterem chegaram a ficar todos no chão e que depois o arguido ainda lhes chamou “filhos da puta” e ameaçou que os matava.
Sobre a conduta do arguido no posto da GNR onde foi conduzido depois de ter sido detido, valoraram-se ainda os depoimentos dos agentes H… e G…. O primeiro foi alertado para o facto de o arguido estar a bater com a cabeça na parede da cela e chegou a vê-lo sentado com a cabeça aí encostada. O segundo agente confirmou que ouviu barulho na cela e viu o arguido a bater com a cabeça na parede.
Da análise probatória que vimos expendendo resulta descredibilizada a versão que o arguido trouxe à audiência. Na verdade, afigura-se-nos verosímil, tal como explicado pelos agentes C… e E…, que o arguido tenha reagido negativamente perante o facto de vir a ser autuado por transportar sucata indevidamente acondicionada e o estado de nervosismo e descontrolo do arguido não foi sequer momentâneo, tendo perdurado até à altura em que, depois de detido, se encontrava na cela do posto da GNR. Por outro lado, a afirmação do arguido de que o agente C… teria embatido com a mão no jipe ao tentar dar-lhe um murro não se coaduna com as exactas lesões na mão apresentadas por aquele nos exames médico periciais a que foi submetido.
No que respeita ao elemento subjectivo, este não é susceptível de apreensão directa por pertencer ao foro íntimo de cada um, pelo que só pode ser captado através de presunções legais, em conexão com o princípio da normalidade e as regras da experiência que permitam inferi-lo a partir de factos materiais comuns entre os quais avulta o preenchimento da materialidade da infracção.
Quanto à prova dos factos constantes do ponto 17., já respeitantes ao pedido de indemnização civil formulado pelos ofendidos/assistentes C… e E…, fundou-se o Tribunal na conjugação entre o que ditam as regras do normal acontecer e as declarações prestadas por aqueles, posto que não se duvida dos sentimentos vivenciados pelos assistentes quando confrontados, no exercício das suas funções, com condutas como aquela que foi assumida pelo arguido.
Também quanto ao pedido de indemnização civil formulado pela Guarda Nacional Republicana, foram valorados os documentos juntos a fls. 298 a 304, nos quais se inclui a declaração emitida pelo Chefe de Secção de Recursos Humanos do Comando Territorial do Porto da GNR sobre os abonos e vencimento referentes ao período de incapacidade para ao trabalho do agente C…, as facturas emitidas pelo Hospital Privado F… referentes à assistência hospitalar e consultas do mesmo agente e os recibos de medicamentos. Os documentos em causa não foram impugnados e o assistente C… atestou que foi totalmente ressarcido pela GNR dos valores despendidos com tratamentos e medicamentos bem como que os valores constantes da declaração lhe fls. 298 lhe foram pagos embora não de uma vez só.

A resposta positiva aos factos relacionados com a situação pessoal e económica do arguido, o tribunal assim lhes respondeu dado ter-se atendido às declarações do arguido, que nesta parte não foram infirmadas por qualquer outro meio de prova.
Quanto ao ponto 20., atendeu-se ao Certificado do Registo Criminal do arguido junto aos autos a fls. 330.
Relativamente aos factos não provados, não foi colhida em audiência prova susceptível de sustentar a sua demonstração.”
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São as seguintes as questões a apreciar:
- Medida da pena (se a pena é excessiva)
- Se foi efectuado o cumulo jurídico.
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O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), mas há que ponderar também os vícios e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 in DR I-A de 11/12/94 e 7/95 de 19/10 in Dr. I-A de 28/12 - tal como, mesmo sendo o fundamento de recurso só de Direito: a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou o erro notório na apreciação da prova (Ac. Pleno STJ nº 7/95 de 19/10/95 do seguinte teor :“ é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) mas que, terão de resultar “ do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “ não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo” in G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol. pág. 367, e Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 742, sendo tais vícios apenas os intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100 - e constitui a chamada “ revista alargada” como forma de sindicar a matéria de facto.
Tais vícios não são alegados e vista a decisão recorrida não se vislumbra nenhum deles.

Questiona o arguido a medida da pena alegando a sua excessividade porque não foi ponderada a sua falta de antecedentes criminais e não valorizou suficientemente as atenuantes.
Sem razão.
A ausência de antecedentes criminais é expressamente referido na sentença quanto à escolha da pena e para aquilatar das exigências de prevenção geral e especial, ali se dizendo: “Atendendo à natureza dos factos praticados, às necessidades de prevenção geral e especial, tendo em conta que o arguido é primário, o Tribunal entende …”, e quanto às atenuantes, que o recorrente não indica quais tenham sido postergadas, verifica-se que as mesmas foram ponderadas, mormente em vista da sua situação social e familiar, ali se referenciando que “o arguido encontra-se social e familiarmente inserido”
No mais se verifica que foram observados as regras legais e os critérios expressos no artº 71º CP em vista das finalidades da pena (artº 40º CP) de acordo com a moldura penal dos ilícitos em consideração.
Assim se manifesta de modo inequívoco que não se mostra postergado qual critério legal nem as penas se mostram excessivas na sua individualização, que aliás em face dos factos demonstram benevolência.

No que respeita à alegada ausência de cúmulo jurídico.
Na verdade não apenas a sentença é expressa quanto a esse cúmulo, em cuja operação/ explicação/ determinação gasta 4 páginas, como a nosso ver observa a lei sobre o modo de a tal proceder.
Na verdade sendo as penas aplicadas de prisão e multa, a diferente natureza de umas e outras mantem-se na pena única conjunta - artº 77º3 CP que expressa: “3 - Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.”, donde resulta, a nosso ver, que havendo penas de prisão e de multa a pena única será uma pena única compósita de prisão e de multa, o que é conforme com o regime dual previsto nos artºs 6º a 8º do DL 48/95 de 15/3 (crimes punidos a titulo principal com pena de multa e de prisão);
O que foi feito: o tribunal cumulou as penas de multa numa única pena de multa e cumulou as penas de prisão numa única pena de prisão, tudo em obediência ao citado comando do nº3 do artº 77º CP e nada mais havia a fazer, a nosso ver, não podendo, por via de qualquer ficção ou intempestiva operação substitutiva da pena de multa fixar uma única pena de prisão englobando aquelas penas de multa numa única pena de prisão.
Cf. neste sentido Ac RP12/3/2014 www.dgsi.pt Eduarda Lobo e posições doutrinais e jurisprudenciais sobre esta matéria ali referenciadas)
É certo que vozes doutrinárias se levantam contra tal modo de proceder, defendendo que a pena deve ser única (e de prisão) convertendo a pena de multa na prisão subsidiária e sobre ela e a pena de prisão (aplicada a titulo principal) fazer incidir o cumulo jurídico, fixando uma única pena de prisão, louvando-se para tanto nos trabalhos preparatórios da Comissão de Revisão do Código Penal de 1995, de que cremos ser expoente a Profª Maria João Antunes ( cf. RLJ, nº 3992, pág. 406 a 416 onde critica o ac. desta Relaçao de 12/3/2014 citado), e na defesa do entendimento do Prof. Figueiredo Dias sobre tal matéria de iure constituendo. Pese embora os ilustres defensores de tal entendimento (incluindo Prof Nuno Brandão, In RPCC, Ano 15º, nº 1, nota 26, pág. 135, e STJ ac de 06.03.2002 www.dgsi.pt entre outros), cremos não dever ser seguido tal entendimento, por não ser a nosso ver o mais consentâneo com a lei.
E isto porque desde logo a proposta de redacçao do artº 77º 3 da Comissão Revisora que era clara - “ se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e ouras de multa, á aplicável uma única pena de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos nos números anteriores, considerando-se as de multa convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços” - no sentido da pena única conjunta (multa e prisão cumuladas juridicamente numa única pena de prisão), não passou e a sua redacçao foi, a nosso ver completamente alterada - “Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.” – não podendo a nosso ver pretender-se que dizem a mesma coisa, e antes para nós apenas pode ser entendido como alterando o seu sentido (é incongruente alterar um normativo tão claro para uma redacção tão obscura (?) sem que daí se possam extrair significações interpretativas tendo presente que o legislador sabe exprimir perfeitamente o seu pensamento, a que acresce que se mantêm no ordenamento jurídico as penas compósitas de prisão e multa (orientadas para um diferente regime - artºs 5º a 9º DL 48/95).
É esta, a nosso ver, a maneira mais simples e menos complicada de solucionar a possibilidade de pagamento da multa a qualquer tempo e evitar a prisão emergente da falta de pagamento sem ter de andar a fazer e refazer cúmulos jurídicos de penas de prisão, sendo certo que a opção pela pena única conjunta de prisão também vais contra o espirito não apenas da reforma de 1995 (artº 70º CP) mas o espirito constitucional que emerge do artº 18º2 CRP, por a nosso ver transformando/ englobando uma pena de multa em pena de prisão (única) restringir desnecessariamente o direito à liberdade do arguido (contra o principio da necessidade), impondo a prisão quando fora condenado em pena de multa, postergando também o principio da preferência pelas penas não detentivas.
Cremos alias, que o nº3 do artº 77º CP ao estabelecer que “ a diferente natureza “ das penas de prisão e multa se mantem na pena única “resultante da aplicaçao dos critérios estabelecidos nos números anteriores” assume que cada uma delas tem como medida “ os factos e a personalidade do agente” – nº1 – e a de prisão tem como máximo os 25 anos e mínimo a mais elevada das penas de prisão aplicadas, e de multa tem como máximo 900 dias de muta e mínimo a mais elevada das penas de multa – nº2, pois são estes os critérios para que o nº3 remete;
No sentido da acumulação material das penas únicas de prisão e de multa, vai também ao que cremos a maioria da doutrina: cf. Maia Gonçalves, Cod Penal anotado, almedina, 1986, pág 374/375; Leal Henriques e Simas Santos, Cód. Penal Anotado, I Vol. Rei dos Livros,1995, anotação ao artº 77º, Paulo Mesquita, O concurso de Penas (…) Coimbra, 1997, Pinto Albuquerque, Comentário do Código Penal (…) 2010, comentário ao artº 77º;
Assim sendo a decisão recorrida observou este comando, pelo que nada há a criticar, improcedendo o recurso.
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Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:
Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido e em consequência mantém a sentença recorrida.
Condena o arguido no pagamento da taxa de justiça de 4 Uc e nas demais custas.
Notifique.
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Porto, 27/4/2016
José Carreto
Paula Guerreiro