Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
133/21.0GBPRD-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LILIANA DE PÁRIS DIAS
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PENA DE PRISÃO SUSPENSA
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RP20230517133/21.0GBPRD-B.P1
Data do Acordão: 05/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I – No sistema jurídico-penal vigente, desde as alterações introduzidas pelo D.L. nº 48/95, de 15 de Março, a revogação da suspensão da execução nunca é uma consequência automática da conduta do condenado, implicando obrigatoriamente que a decisão judicial proceda a uma apreciação sobre a eventual frustração das finalidades que estiveram na base da suspensão, nos termos do disposto no artigo 56.º do Código Penal.
II – Significa isto que a revogação da suspensão da pena por incumprimento do agente das obrigações impostas só pode ocorrer se o incumprimento se verificar com culpa grosseira, e só terá lugar como “ultima ratio”, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências contidas no artigo 55º do Código Penal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 133/21.0GBPRD-B.P1
Recurso Penal
Juízo Local Criminal de Paredes – Juiz 2


Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I – Relatório

No processo comum supra identificado, por sentença transitada em julgado em 24/11/2022, foi o arguido AA condenado, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152º, nº 1, alínea d), e nº 2, alínea a), do CP, na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, com obrigação da frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, nos termos dos artigos 50º, nºs 1 e 3 e 53º, nºs 1 e 2, do CP, e do disposto no artigo 34.º- B, da Lei 112/2009, de 16/9, e imposição do afastamento da vítima, sua mãe, da sua residência e local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio durante o período da suspensão; bem como, ao abrigo do disposto no art.º 52.º, n.º 1, al. b) e n.º 3, do CP, obtido o consentimento prévio, a sujeição a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, da sua dependência do consumo de estupefacientes.
Paralelamente, foi-lhe aplicada a pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo período de 9 meses, bem como a pena acessória de proibição de uso e porte de armas pelo período de 6 meses, ao abrigo do disposto no art.º 152º, nºs 4 e 5, do CP.
Por despacho de 13/2/2023, ao abrigo do disposto no art.º 56º, n.º 1, alínea a), do C. Penal, foi revogada a suspensão da execução da pena de 2 anos de prisão a que o arguido AA havia sido condenado.
Notificado de tal despacho, e com ele não se conformando, veio o arguido recorrer da revogação da suspensão que, consequentemente, após trânsito, determinava o cumprimento da pena de prisão.
Baseia-se o recurso nos fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem [1]:
«1) O presente recurso tem por objeto a matéria de facto e a matéria de direito constantes da sentença condenatória proferida nos autos em epígrafe a fls. ... .
2) No entanto não ficaram provados os seguintes factos, porque houve uma alteração superveniente no comportamento do Arguido AA desde a sua detenção, onde passou a noite nos calabouços da GNR antes ser presente ao JIC para o processo nº 38/23.0GBPRD.
3) Porquanto é necessário referir e em abono da verdade, por ser favorável ao Arguido Recorrente, que este assinou um contrato de trabalho a começar no próximo dia 1 de março, alterou a sua residência para a seguinte morada:
- Rua ..., ... ..., Paredes;
4) Encetou recentemente consultas de psicologia que lhe tem trazido bastantes benefícios psicológicos, também retornou às consultas conforme tinham já sido delineadas. Cf. documentos.
5) Efetivamente toda a situação não está favorável para o Arguido AA, no entanto sempre se haverá de dizer que a sua força de retornar do mundo infernal das drogas que tem vivido nestes últimos tempos, bem como a ameaça de ter de cumprir pena efetiva num estabelecimento prisional tem forçado ao Arguido a um comportamento totalmente diferente e com uma força interior até há pouco tempo inexistente mas hoje reforçada, também pelo acompanhamento psicológico do Dr. BB, que lhe está a proporcionar uma terapêutica essencial neste tipo de dependência de estupefacientes.
6) Não é novo que este tipo de violência doméstica é originária da dependência de estupefacientes que colocam os indivíduos em estado de alucinação, que sem os devidos tratamentos e sem antes a real necessidade por parte dos dependentes de quererem o devido tratamento.
7) Na verdade, só agora a real necessidade e a vontade de se querer tratar surgiu ao Arguido Recorrente muito recentemente (a partir do processo 38/23.0GBPRD), mas o importante é que surgiu essa vontade, e o propósito sério e comprometedor de se curar da sua dependência.
8) O Arguido Recorrente tem total consciência que o que fez é errado, imoral e não quer voltar a reproduzi-lo, por isso e pela primeira vez recorreu ao seu psicólogo para o ajudar nesse propósito e conjuntamente têm realizado terapêuticas que efetivamente tem ajudado o Arguido Recorrente.
9) Ora, nesse sentido, não será a pena de privação da liberdade que o irá ajudar neste processo muito pelo contrário poderá haver um retrocesso neste novo caminho que delineou para si, e que hoje já vê um futuro promissor, com a sua família, com o seu trabalho e está a esforçar-se para que socialmente seja aceite.
10) A sua mãe com as queixas que sempre realizou apenas pretendia ajuda para o seu filho (como testemunhou no JIC neste mesmo processo), pretendia ajuda médica e/ou internamento e NUNCA a sua privação de liberdade, pedia uma cura para as drogas do seu filho, no entanto também se conformou com esta possibilidade, no entanto nunca foi esse o seu propósito antes um tratamento médico e digno para o seu filho.
11) Assim, a ressocialização do agente do crime é o abandono da ideia de punir pelo punir, retirando-se à pena uma ideia de instrumento de vingança por o agente do crime fazer parte de quem não estabiliza a norma jurídica.
“A ideia de ressocialização do agente, ou seja, de orientação pela via da pena para a aproximação à liberdade, (…) mantém-se (...) fiel à ideia de que a pena tem uma função pragmática de proteção dos bens jurídicos e de reinserção social do agente (art.º 40.º, n.º 1 do CP), nele não se desenvolvendo um hiperpunitivismo” (cf. André Lamas Leite, in Execução da Pena Privativa de Liberdade e a Ressocialização em Portugal, Revista de Criminologia e Ciências Penitenciárias, págs. 5, 6 e 7).
12) Deste modo, a pena terá por fundamento um juízo de censura sobre uma determinada conduta tipificada como crime (art.º 70.º do C.P.), mas, para ter um efeito dissuasor e simultaneamente moralizador e cumpridor da sua finalidade, terá ainda de ser adequada, proporcional e equilibrada (art.º 40.º do C.P.), só assim garantindo a completa reintegração do agente na sociedade.
13) Ressalvado o respeito devido, não pode hoje o arguido Recorrente conformar-se com esta condenação
14) As necessidades de prevenção geral afiguram-se compreensivelmente elevadas, contudo, as exigências de prevenção especial serão, in casu, forçosamente diminutas.
15) Com efeito, o arguido encontra-se inserido profissional e socialmente.
16) Ante tudo quanto se expôs, mormente, a culpa, o grau de ilicitude e as condições pessoais do arguido, bem como à conduta anterior e posterior à conduta criminógena, excederam as necessidades de prevenção geral e especial, prejudicando as perspetivas de manutenção da boa inserção social do Recorrente.
18) Deste modo, no caso concreto é possível formular um juízo não apenas de prognose favorável, mas também já de certeza quanto ao futuro comportamento do arguido, razão pela qual a simples censura do facto e, muito especialmente, a ameaça daquela pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, desde que acompanhadas de regime de prova (n.ºs 1, 2 e 5 do art.º 50.º do C.P.).
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, sempre com o douto suprimento de V.as Ex.as, e, por via dele, ser o despacho recorrido substituído por outra pena que não seja privativa da sua, ou, assim não se entendendo, ser-lhe aplicada pena com pulseira eletrónica, nos termos e com os fundamentos sobreditos, como é de Direito e de JUSTIÇA!»
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O recurso foi admitido para subir de imediato, em separado dos autos principais, tendo efeito suspensivo da decisão recorrida.
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O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta, defendendo a manutenção do despacho recorrido, com os fundamentos constantes do respetivo articulado e, que em síntese, aqui se reproduzem:
“É manifesto que o arguido demonstrou que não ter interiorizado o desvalor das suas condutas, tendo frustrado as expectativas que o Tribunal nele depositou e ignorado a solene advertência bem expressa ao suspender-se-lhe a pena, sinal mais que evidente de que poderia não lhe ser concedida outra oportunidade se não cumprisse o regime de prova.
20. Nesta conformidade, afigura-se-nos manifesto que não obstante a presente condenação em pena de prisão suspensa, com condições, o arguido persiste na sua conduta delituosa, não tendo a intervenção do tribunal servido para o levar a uma vida conforme o direito, violando grosseira e repetidamente o núcleo essencial da condição de suspensão da pena que lhe foi aplicada.
21. Assim sendo, afigura-se-nos que as finalidades que estiveram na base da suspensão da pena de prisão não foram, de todo, alcançadas, uma vez que o prognóstico relativamente ao comportamento do arguido é bastante desfavorável.
22. Assim, atendendo às circunstâncias do facto, o juízo de prognose mostra-se, como se referiu, negativo, havendo sérias razões para crer que o condenado não interiorizou de forma adequada as finalidades subjacentes à punição, não adotando um comportamento conforme ao direito.
23. A douta decisão recorrida fez, pois, uma correta interpretação dos normativos legais, não tendo violado qualquer disposição legal. […]”.
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Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no qual defendeu a improcedência do recurso, concluindo nos seguintes moldes: «De tudo o que se vem de expor, podemos concluir sem margem para dúvidas que se mostra infirmado definitivamente o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão, quer pelo incumprimento dos deveres fixados e do plano de reinserção social, quer porque não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão daquela suspensão. De resto, a conduta adotada pelo arguido revela que o mesmo não quer entender o desvalor do crime pelo qual foi condenado, a danosidade social do perigo que representa e muito menos o significado da oportunidade em que se traduziu a opção por uma pena substitutiva de prisão. Aliás, no plano das circunstâncias pessoais do arguido não encontramos nada de significativo que dê confiança e fundamente uma previsão de êxito para uma ressocialização em liberdade.
Desta sorte, somos de parecer que o recurso do arguido não merece provimento, devendo manter-se a decisão recorrida».
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Cumprido o disposto no art.º 417º, nº 2, do Código do Processo Penal, não foi apresentada resposta pelo arguido/recorrente.
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Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II - Fundamentação
É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigos 412.º, n.º 1 e 417.º, nº 3, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente, como sucede com os vícios a que alude o art.º 410º, nº 2 ou o art.º 379º, nº 1, do CPP (cf., por todos, os acórdãos do STJ de 11/4/2007 e de 11/7/2019, disponíveis em www.dgsi.pt).
No presente caso, o objeto do recurso prende-se com a aferição do despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido AA e pode ser condensado na questão de saber se, à data da prolação do despacho recorrido, estavam verificados os pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
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O despacho recorrido tem o seguinte teor:
«I – Da revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
O arguido AA foi condenado, por douta sentença de 25.10.2022, transitada em julgado em 24.11.2022, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152º, nº 1, alínea d), e nº 2, alínea a), do CP, na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, com obrigação da frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, nos termos do art.º 50º, nºs 1 e 3, e art.º 53º, nºs 1 e 2, do CP, e do disposto no artigo 34.º- B, da Lei 112/2009, de 16.09, e imposição do afastamento da vítima, sua mãe, da sua residência e local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio durante o período da suspensão; bem como, ao abrigo do disposto no art.º 52.º, n.º1, al. b) e n.º 3, do CP, obtido o consentimento prévio, a sujeição a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, da sua dependência do consumo de estupefacientes.
Paralelamente, foi-lhe aplicada a pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo período de 9 meses, bem como a pena acessória de proibição de uso e porte de armas pelo período de 6 meses, ao abrigo do disposto no art.º 152º, nºs 4 e 5, do CP.
Uma vez que não foram atingidas as finalidades que a suspensão da pena visou alcançar, ao abrigo do art.º 56.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, promoveu o Ministério Público que se revogue a suspensão da pena decretada nos autos.
Cumpre apreciar e decidir.
Os motivos que podem levar à revogação da suspensão da execução da pena de prisão vêm previstos no art.º 56.º, do Código Penal.
Nos termos do art.º 56.º, n.º 1, do Código Penal, “A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.”
Nos termos do n.º 2, “A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado.”
Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 57.º, nº 1 do Código Penal, a pena só é declarada extinta se findo o prazo de suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação.
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O arguido AA foi condenado, por douta sentença de 25.10.2022, transitada em julgado em 24.11.2022, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152º, nº 1, alínea d), e nº 2, alínea a), do CP, na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, com obrigação da frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, nos termos do art.º 50º, nºs 1 e 3, e art.º 53º, nºs 1 e 2, do CP, e do disposto no artigo 34.º- B, da Lei 112/2009, de 16.09, e imposição do afastamento da vítima, sua mãe, da sua residência e local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio durante o período da suspensão; bem como, ao abrigo do disposto no art.º 52.º, n.º1, al. b) e n.º 3, do CP, obtido o consentimento prévio, a sujeição a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, da sua dependência do consumo de estupefacientes.
Paralelamente, foi-lhe aplicada a pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo período de 9 meses, bem como a pena acessória de proibição de uso e porte de armas pelo período de 6 meses, ao abrigo do disposto no art.º 152º, nºs 4 e 5, do CP.
Elaborado o PRS, em 18.01.23, a DGRSP veio informar não ter podido contactar o arguido, sequer para a entrevista, acrescentando que o arguido continua a viver no piso inferior da casa da vítima, que continua os consumos e que, decorrente da SPP neste processo tinha consultas no CRI, que abandonou, estando a ser equacionada, porém, a possibilidade de internamento para tratamento.
Em 17.01.2023, a vítima apresentou uma denúncia na GNR, que deu origem a novo inquérito, 38/23.0GBPRD, como resulta da comunicação aos autos da DGRSP, efetuada no mesmo dia 18.01.2023 e reiterada em 20.01.2023.
O DIAP, em 20.01.2023, juntou a estes autos a denúncia de tais factos na GNR ..., Paredes, efetuada pela vítima.
Dos factos aí descritos, continua a verificar-se a frontal violação da imposição de afastamento e proibição de contactos do arguido com a vítima.
Por tal, foi designada data para audição do arguido, ao abrigo do disposto no art.º 495º, nº 2, do CPP, para o dia 26.01.2023, a que o arguido faltou, tendo comparecido sobre detenção no dia 31.01.2023.
Na audição, o arguido assumiu os contactos e a interação com sua mãe, descritos na denúncia do inquérito 38/23.0GBPRD, em violação da obrigação imposta de afastamento e proibição de contactos, justificando que o seu propósito era que a mãe lhe desse o dinheiro que é seu, que iria destinar à compra de estupefacientes, como sucedeu naquele dia 17.01.2023.
Em 03.01.2023, a DGRSP veio dar conta de que o arguido afastou a possibilidade de internamento, mas admitiu o tratamento.
O arguido sabe, igualmente, que não pode residir na casa de sua mãe, em consequência da proibição imposta.
Na atuação sobre a sua mãe no dia 17.01.2023, o arguido sabia que violava, entre o mais que será apurado em tal inquérito, a obrigação judicialmente imposta de afastamento e de proibição de contactos com sua mãe, que são condições da suspensão da pena de prisão, o que fez em desrespeito frontal e deliberado da condenação criminal, num contexto de violência física e psicológica sobre a vítima.
Acresce que novamente no dia 08/02/2023, foi acionado botão de pânico pela vítima, devido a nova discussão, e com a inerente violação da proibição de contactos pelo arguido, conforme informação do CIG que antecede.
O arguido não cumpriu a obrigação de afastamento, sendo que revelou, em sede de audição, um desinteresse pelas consequências da prática de crimes no decurso de suspensão da pena, evidenciando, de modo exacerbado, o confronto com as regras, quer as que lhe foram impostas no plano de reinserção social, quer as decorrentes da suspensão da prisão, desvalorizando o juízo de prognose favorável então realizado.
O arguido não cumpriu o plano de reinserção social e toda a sua conduta, no seguimento do seu percurso criminal, se pauta por manifesto desinteresse na sua reintegração na sociedade (art.º 40º do CP), que foi o pressuposto e finalidade da suspensão da pena.
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Ora, tendo tal factualidade por subjacente, cumpre então aferir se está já, irremediavelmente, posto em causa o juízo de prognose favorável que esteve subjacente à suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos.
E, na afirmativa, se tal circunstância justifica e permite proceder à revogação da aludida suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao condenado nestes autos ou, ao invés, tão só adotar uma das possibilidades consignadas no artigo 55.º, do Código Penal.
Sendo certo que, antes de se optar pela opção de revogação da suspensão, se torna necessário aferir se, alguma das outras possibilidades previstas no artigo 55.º do Código Penal se perspetiva como sendo suficiente para, no caso concreto, assegurar a manutenção do juízo de prognose favorável relativo ao comportamento que o condenado irá, de futuro, adotar, bem como, quanto ao cumprimento das condições para a suspensão determinada.
Ora, tal como bem se considerou no douto aresto da Relação do Porto de 17 de Abril de 2013, “como emerge do artigo 56°, n.º 1, al. a) do C. Penal, não basta o incumprimento da regra de conduta/deveres impostos para levar à revogação da suspensão da pena, exigindo-se ainda que essa violação ocorra de modo grosseiro ou repetido, ou seja, que estejamos perante uma conduta dolosa (violação conscientemente querida) ou perante uma atuação temerária, que se traduz no fundo numa ação indesculpável, ou numa “... atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade”. – Acórdão da Relação do Porto de 17/04/2013, processo n.º 171/01.9IDPRT.P1, em www.dgsi.pt
Ora, “as causas de revogação da suspensão da execução da pena de prisão não devem ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão.
Impõe-se, por isso, uma especial exigência na indagação e apreciação de todos os factos e circunstâncias suscetíveis de relevar na aferição da possibilidade de manutenção ou não do juízo de prognose favorável relativo ao comportamento que o condenado irá de futuro adotar”. - Acórdão da Relação do Porto de 25 de Março de 2009, processo n.º 0818090, da autoria da Desembargadora Maria Leonor Esteves.
Sendo que, a infração grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos, “…não tem de ser dolosa, sendo bastante a infração que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade. A colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir as condições de suspensão constitui violação grosseira dessas condições”. – Albuquerque, Paulo Pinto, Comentário do Código Penal à luz da C.R.P. e da C.E.D.H., Universidade Católica Editora, pág. 201.
Ora, tal como bem se considerou no douto aresto da Relação do Porto de 17 de Abril de 2013, “como emerge do artigo 56°, n.º 1, al. a) do C. Penal, não basta o incumprimento da regra de conduta/deveres impostos, para levar á revogação da suspensão da pena, exigindo-se ainda que essa violação ocorra de modo grosseiro ou repetido, ou seja, que estejamos perante uma conduta dolosa (violação conscientemente querida) ou perante uma atuação temerária, que se traduz no fundo numa ação indesculpável, ou numa “... atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade”. – Acórdão da Relação do Porto de 17/04/2013, processo n.º 171/01.9IDPRT.P1, em www.dgsi.pt.
Sendo que, a infração grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos, ou plano de reinserção social, “…não tem de ser dolosa, sendo bastante a infração que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade. A colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir as condições de suspensão constitui violação grosseira dessas condições”. – Albuquerque, Paulo Pinto, Comentário do Código Penal à luz da C.R.P. e da C.E.D.H., Universidade Católica Editora, pág. 201.
Sendo que, a infração repetida dos deveres, das regras de conduta ou do Plano de Reinserção Social corresponde “…aquela que resulta de uma atitude de descuido e leviandade prolongada no tempo, isto é, que não se esgota num ato isolado da vida do condenado, mas revela uma postura de menosprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória”. – Albuquerque, Paulo Pinto, Comentário do Código Penal à luz da C.R.P. e da C.E.D.H., Universidade Católica Editora, pág. 201.
Ora, conforme bem salientado no douto aresto da Relação de Coimbra de 8 de Julho de 2015, “quando, durante mais de um ano depois do trânsito o arguido incumpriu todas as regras de conduta que o tribunal lhe impôs, mau grado os esforços que as entidades oficiais encetaram nesse sentido e, o fez de uma forma tão manifesta que só pode ser entendida como uma vontade de menosprezar a pena que lhe fora aplicada e por conseguinte, afastar a esperança do tribunal quando lhe suspendeu a execução da pena, estamos claramente perante a situação prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 56.º do Código Penal”. – Acórdão da Relação de Coimbra de 8 de Julho de 2015, processo n.º 91/13.4GTCBR.-A.C1, em www.dgsi.pt
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Ora, conjugando todos os elementos/factos supra aduzidos, consideramos que, efetivamente, dos mesmos resulta infirmado/posto em causa o juízo de prognose favorável que esteve subjacente à suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos.
Isto porquanto dos mesmos resulta, a nosso ver, que o comportamento do condenado correspondeu efetivamente, a um incumprimento grosseiro, repetido dos deveres e regras de conduta impostos em sentença, já que resulta do teor dos supra aludidos elementos e informações prestadas nos autos por parte dos serviços da DGRSP, que veio dar conta da constante violação da proibição de contactos com a vítima sua mãe, com total alheamento do arguido aos deveres e regras de conduta impostos na sentença.
Concluímos que o arguido agiu de forma que reputamos leviana e denotadora da não interiorização dos deveres que sobre si impendiam e impendem enquanto condenado, assumindo, como tal, o seu comportamento de manifesto desleixo e desinteresse o cariz de violação grosseira e reiterada dos deveres/obrigações a que estava adstrito.
Deste modo, o arguido conhecedor de que a suspensão da pena envolvia proibição de contactos com a vítima, desinteressou-se pelo seu cumprimento, sendo que da diligência de audição de arguido, nada resultou que demonstrasse a vontade bem estabelecida de aderir a qualquer intervenção do sistema judicial, apesar do crime cometido e por que foi condenado, bem pelo contrário, apresentando justificações que não convenceram, e que se prendem com a sua dependência aditiva, sendo que é previsível que para fazer face às necessidades de obtenção de meios para efetivar o consumo de droga, continue a importunar a sua mãe, como de resto tem vindo a fazer de forma reiterada, e cada vez mais frequente, o que ocorreu no dia 08/02/2023, não obstante a sua audição em 31/01/2023.
Face ao quadro global traçado é notório que o mesmo demonstrou que não interiorizou o desvalor das suas condutas, tendo frustrado as expectativas que o Tribunal nele depositou e ignorado a solene advertência bem expressa ao suspender-se-lhe a pena, sinal mais que evidente de que poderia não lhe ser concedida outra oportunidade se não cumprisse o regime de prova.
Tendo manifestamente desprezado aquela advertência e as oportunidades que lhe foram dadas, infringiu de forma grosseira e repetida os deveres a que estava sujeito, como bem sabia, pelo que só dele se pode queixar por não aproveitar a possibilidade de, em liberdade, cumprir a pena de substituição que lhe foi imposta.
Razão pela qual, mais não resta que concluir que a censura do facto e a ameaça da pena de prisão não realizaram de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, atento todo o exposto.
Ora o arguido sabia bem quais as consequências do seu inadimplemento que persistiu até ao momento como se viu.
Compulsados os presentes autos, entendemos que estamos perante um flagrante desrespeito e alheamento pela advertência ínsita na condenação dos presentes autos e que esta não teve nenhum eco na propensão para o desrespeito da condição a que ficou sujeita a suspensão da execução da pena de prisão.
A insuficiência da prevenção é, pois, manifesta e o arguido merece censura por a condenação não lhe ter servido de suficiente advertência. É que tudo propendia (daí ter beneficiado da suspensão da execução da pena de prisão) para que o arguido tivesse querido abandonar a senda do crime, o que não veio a acontecer, sem que esta nos ofereça razões de compreensão para o seu desvio.
É assim correto afirmar que o juízo de prognose não se mostra alcançado, sendo correta a conclusão de que a simples censura do facto não realizou de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, uma vez que o arguido demonstrou, com o seu comportamento, quer anterior, quer posterior aos factos pelos quais foi condenado nos presentes autos, que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena.
Face às considerações já expendidas pelo M.P., verificado se mostra o circunstancialismo de que depende a aplicação do art.º 56.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
Ora, com a sua conduta o arguido frustrou as expectativas do tribunal e as finalidades que estiveram subjacentes à aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão, pois que a ameaça de prisão não surtiu qualquer efeito, de tal modo que o arguido, indiferente a tal condenação, infringiu grosseiramente o dever que fora imposto, o que demonstra uma total ausência de capacidade de interiorização do desvalor da sua conduta anterior.
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Nestes termos e face ao exposto, declaro revogada a suspensão da execução da pena de prisão imposta ao arguido AA devendo este cumprir a pena a que foi condenado nos presentes autos, fixada na sentença, a pena de pena 2 (dois) anos de prisão.
Notifique.
Comunique ao TEP e ao E.P.
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Após trânsito em julgado do presente despacho, remeta boletins ao registo criminal, em conformidade com prescrito no art.º 5, nº1, alínea a) e n.º 3 da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto. […]”.
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Síntese dos dados processuais relevantes para a decisão do presente recurso:
1) O arguido AA foi condenado, por sentença transitada em julgado em 24/11/2022, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152º, nº 1, alínea d), e nº 2, alínea a), do CP, na pena de 2 anos de prisão, cuja execução ficou suspensa por igual período, com regime de prova, com obrigação da frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, nos termos do art.º 50º, nºs 1 e 3, e art.º 53º, nºs 1 e 2, do CP, e do disposto no artigo 34.º- B, da Lei 112/2009, de 16/9, e imposição do afastamento da vítima, sua mãe, da sua residência e local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio, durante o período da suspensão; bem como, ao abrigo do disposto no art.º 52.º, n.º1, al. b) e n.º 3, do CP, obtido o consentimento prévio, a sujeição a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, da sua dependência do consumo de estupefacientes.
2) Paralelamente, foi-lhe aplicada a pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo período de 9 meses, bem como a pena acessória de proibição de uso e porte de armas pelo período de 6 meses, ao abrigo do disposto no art.º 152º, nºs 4 e 5, do CP.
3) Elaborado o plano de reinserção social, em 18/1/23, a DGRSP veio informar não ter podido contactar o arguido, sequer para a entrevista, acrescentando que o arguido continuava a viver no piso inferior da casa da vítima, que continuava os consumos e que tinha consultas no CRI, que abandonou, estando a ser equacionada, porém, a possibilidade de internamento para tratamento.
4) Em 17/1/2023, a vítima apresentou uma denúncia na GNR, que deu origem a novo inquérito (38/23.0GBPRD), como resulta da comunicação aos autos da DGRSP, efetuada no dia 18/1/2023 e reiterada em 20/1/2023.
5) O DIAP, em 20/1/2023, juntou a estes autos a denúncia de tais factos na GNR ..., Paredes, efetuada pela vítima.
6) Dos factos aí descritos, verifica-se a violação da imposição de afastamento e proibição de contactos do arguido com a vítima.
7) Por tal, foi designada data para audição do arguido, ao abrigo do disposto no art.º 495º, nº 2, do CPP, para o dia 26/1/2023, a que o arguido faltou, tendo comparecido sobre detenção no dia 31/1/2023.
8) Na audição, o arguido assumiu os contactos e a interação com sua mãe, descritos na denúncia do inquérito 38/23.0GBPRD, em violação da obrigação imposta de afastamento e proibição de contactos, justificando que o seu propósito era que a mãe lhe desse dinheiro, que iria destinar à compra de estupefacientes, como sucedeu naquele dia 17/1/2023.
9) Em 3/1/2023, a DGRSP veio dar conta de que o arguido afastou a possibilidade de internamento, mas admitiu o tratamento.
10) O arguido sabia que não podia residir na casa de sua mãe, em consequência da proibição imposta.
11) Na atuação sobre a sua mãe, no dia 17/1/2023, o arguido sabia que violava, entre o mais que será apurado em tal inquérito, a obrigação judicialmente imposta de afastamento e de proibição de contactos com sua mãe, que são condições da suspensão da pena de prisão.
12) Acresce que novamente no dia 8/2/2023, foi acionado botão de pânico pela vítima, devido a nova discussão, e com a inerente violação da proibição de contactos pelo arguido, conforme informação do CIG.
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Narrados os elementos e atos processuais fundamentais para compreensão do despacho recorrido, analisemos os fundamentos do recurso.
Decorre do disposto no art.º 56º, nº 1, do Código Penal que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso:
1º O condenado infringir de forma grosseira ou repetida os deveres ou regras de conduta impostas ou o plano de reinserção social ou;
2º Cometer crime pelo qual venha a ser condenado expondo o comprometimento da finalidades que a suspensão visava alcançar.
Por seu turno, estipula o nº 2 do mesmo normativo legal, que “a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado”.
No sistema jurídico-penal vigente, desde as alterações introduzidas pelo D.L. nº 48/95, de 15 de Março, a revogação da suspensão da execução nunca é uma consequência automática da conduta do condenado. A decisão sobre a questão implica obrigatoriamente uma apreciação judicial sobre a eventual frustração das finalidades que estiveram na base da suspensão, nos termos do disposto no artigo 56.º do Código Penal.
Como é salientado nos acórdãos deste Tribunal da Relação do Porto, de 21/2/2018 e de 10/10/2018 [2], as causas de revogação da suspensão não devem ser entendidas como um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período de suspensão. Neste sentido, o arguido deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena.
O primeiro dos pressupostos justificativos da revogação da suspensão é a “infração grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostas ou do plano de readaptação social”. Tal violação dos deveres ou regras de conduta há de constituir uma atuação indesculpável e insuportável para a comunidade e deve demonstrar inequivocamente que as finalidades da punição não puderam ser alcançadas através da simples ameaça de pena de prisão. Trata-se, como resulta da lei, de uma situação-limite, a denunciar linearmente que o condenado assumiu uma conduta significativamente culposa, destruindo a esperança que se depositou na sua recuperação e a cujo projeto tinha aderido (Manuel de Oliveira Leal-Henriques e Manuel José Carrilho de Simas Santos in “Código Penal Anotado”, 1.º Volume, p. 712, 3.ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2002, citado no acórdão do TRP, de 21/2/2018).
Procurando densificar estes conceitos, aponta Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 201) que “A infração grosseira dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção social não tem de ser dolosa, sendo bastante a infração que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade”, acrescentando ainda o mesmo autor (ob. cit., pág. 202) que “A infração repetida dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção social é aquela que resulta de uma atitude de descuido e leviandade prolongada no tempo, isto é, que não se esgota num ato isolado da vida do condenado, mas revela uma postura de menosprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória”.
Contudo, e como se assinala no acórdão desta Relação do Porto, de 20/12/2017 [3], a revogação só será justificável se o tribunal, fundamentadamente, formular a convicção no sentido de que o juízo de prognose que esteve na base da suspensão da execução da prisão não será já viável.
Como expendido por M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio (in “Código Penal Parte geral e especial”, 2015, 2ª edição, comentário ao artigo 56º, pág. 347), «(…) Não bastará a violação de um dos deveres impostos, a menos que tal violação faça recear que a conduta criminosa se vai renovar, mas para tanto é necessário uma apreciação global da personalidade do sujeito, do seu entorno social e da forma como a violação se processou, de modo a contrariar o prognóstico anteriormente favorável.».
No mesmo sentido se pronunciam Leal Henriques e Simas Santos (in “Código de Processo Penal Anotado”, 2ª edição, 1995, Vol I, pág. 478), salientando que «O não cumprimento das obrigações impostas não deve desencadear necessariamente a revogação da condenação condicional. Na verdade, se se quer lutar contra a pena de prisão, e se a revogação inelutavelmente a envolve, daí resulta que tal revogação só deverá ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências (…)». E, mais à frente, referem: «Aliás, como se viu, o Tribunal goza de uma ampla faculdade de prescindir da revogação, mesmo que exista mau comportamento durante o período de suspensão.».
Em suma, a revogação da suspensão da pena por incumprimento do agente das obrigações impostas, só pode ocorrer se o incumprimento se verificar com culpa grosseira, e só terá lugar como “ultima ratio”, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências contidas no artigo 55º do Código Penal.
No caso em análise, considerou o tribunal a quo, conclusão com a qual concordamos, que o juízo de prognose favorável que determinou a suspensão da execução da pena de prisão encontrava-se, à data da prolação da decisão recorrida, irremediavelmente comprometido, perante o comportamento gravemente culposo do arguido, traduzido na violação reiterada das obrigações impostas como condição da suspensão da execução da pena de prisão.
Na verdade, e como observou o tribunal de primeira instância na decisão recorrida, o arguido, conhecedor de que a suspensão da pena envolvia proibição de contactos com a vítima, desinteressou-se pelo seu cumprimento, apresentando explicações na diligência de audição que se prendem com a sua dependência aditiva, assim legitimando a conclusão a que chegou o tribunal de que era previsível que, para fazer face às necessidades de obtenção de meios para efetivar o consumo de droga, continuasse a importunar a sua mãe, como de resto vinha a fazer de forma reiterada, e cada vez mais frequente, o que ocorreu no dia 8/2/2023, não obstante a sua audição em 31/1/2023.
Tendo manifestamente desprezado a solene advertência contida na suspensão da execução da pena de prisão e as oportunidades que lhe foram dadas, infringiu de forma grosseira e repetida os deveres a que estava sujeito, frustrando as expetativas que o Tribunal nele depositou e revelando, com o seu comportamento, que o juízo de prognose favorável então formulado se mostrava, afinal, infundado.
É certo que o arguido, no recurso interposto, invoca ter alterado o seu comportamento, celebrando um contrato de trabalho, retomando as consultas e submetendo-se a acompanhamento psicoterapêutico com vista ao tratamento da sua dependência de estupefacientes. Alega, ainda, ter alterado a sua residência.
Contudo, este circunstancialismo, a comprovar-se, é sempre posterior ao quadro existente à data da prolação da decisão recorrida e analisado pelo tribunal, não podendo, assim, relevar nesta fase de recurso.
Com efeito, no nosso sistema, os recursos têm a função de “remédio jurídico”, pelo que não se destinam a apreciar matéria ou questões novas que não tenham sido previamente postas à consideração do Tribunal de 1ª instância. Visando modificar as decisões impugnadas e não criar decisões sobre matéria nova, não é lícito alegar ou invocar questões que não tenham sido objeto das decisões recorridas.[4]
Improcede, por conseguinte, o presente recurso, nenhuma censura merecendo a decisão recorrida – sem prejuízo de o tribunal de primeira instância dever ponderar a possibilidade de execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, caso se encontrem, entretanto, reunidos os respetivos pressupostos (cf. o art.º 43.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal).
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III – Dispositivo
Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso do arguido, confirmando-se a decisão recorrida, sem prejuízo, porém, de o tribunal de primeira instância dever indagar e decidir se é adequada a execução da pena privativa da liberdade em regime de permanência na habitação (art.º 43.º, n.º 1, alínea c), do CP).
Custas do presente recurso pelo arguido, fixando-se a respetiva taxa de justiça em 3 UC.

Notifique.
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(Elaborado e revisto pela relatora – art.º 94º, nº 2, do CPP)
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Porto, 17 de maio de 2023.
Liliana de Páris Dias
Cláudia Rodrigues
João Pedro Pereira Cardoso
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[1] Mantendo-se a ortografia original do texto, sem prejuízo da correção de manifestos erros de escrita, caso existam.
[2] Respetivamente relatados pelos Desembargadores Cravo Roxo e Elsa Paixão, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[3] Relatado pela Desembargadora Maria Ermelinda Carneiro e disponível em www.dgsi.pt.
[4] Sobre o assunto, cf. o acórdão do TRL de 15/4/2020 (Vasco Freitas, em www.dgsi.pt).
Verificados que se mostrem os fundamentos para recorrer (pressupostos da admissibilidade do recurso), o objeto do conhecimento do recurso delimita-se pelas questões identificadas pelo recorrente que digam respeito a questões que tenham sido conhecidas pelo tribunal recorrido ou que devessem sê-lo, com as necessárias consequências ao nível da validade da própria decisão, assim se circunscrevendo os poderes do tribunal de recurso, sem prejuízo do exercício, neste âmbito, dos poderes de conhecimento oficioso necessários e legalmente conferidos em vista da justa decisão do recurso. Como se tem afirmado nas decisões dos tribunais superiores, o recurso constitui apenas um “remédio processual” que permite a reapreciação, em outra instância, de decisões expressas sobre matérias e questões já submetidas e objeto de decisão do tribunal de que se recorre (assim, também, o acórdão do STJ de 26/6/2019, proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt).