Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
27170/17.6T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DEOLINDA VARÃO
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
ILEGITIMIDADE DO EXECUTADO
ADMINISTRAÇÃO DOS BENS DOS FILHOS MENORES
OPOSIÇÃO À PENHORA
AUTORIZAÇÃO PARA VENDA DE BEM
Nº do Documento: RP2021102827170/17.6T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A exclusão de um dos progenitores da administração de bens deixados ao filho pode ser feita pelo outro progenitor.
II - Essa exclusão pode ser feita mesmo nas situações em que não há fundamento para a inibição das responsabilidades parentais.
III - Não obstante antes da morte de um dos progenitores as responsabilidades parentais estivessem a ser exercida por ambas, essas responsabilidades ficam “amputadas” da administração dos bens que advieram ao filho por sucessão da sua mãe, por força da vontade expressa por ela no seu testamento.
IV - E, por isso, o executado não pode ser representado pelo seu pai, no que respeita aos actos relativo a tais bens, antes terá de ser representado na execução pela tutora que lhe foi nomeada no testamento.
V - A autorização a que se refere o art. 1889º, nº 1, al. a) do Cód. Civil, apenas se impõe nos casos de venda extrajudicial de bens a realizar pelos próprios pais do menor e não no caso de venda em processo judicial.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 27170/17.6T8PRT-A.P1 – 3ª Secção (Apelação) - 1376
Embargos de Executado – Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Execução do Porto – Juiz 7

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B… instaurou execução comum para pagamento de quantia certa contra a Herança Indivisa Aberta Por Óbito de C….
Em 15.01.18, foi proferido nos autos de execução o seguinte despacho:
A personalidade judiciária, nos termos do artigo 11º, nº 1, do Código de Processo Civil, traduz-se, essencialmente, na possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida alguma providência de tutela jurisdicional.
Em consonância com o princípio da coincidência entre a personalidade judiciária e a personalidade jurídica, a lei estabelece, no artigo 11º, nº 2, do citado diploma, que quem a última tiver também dispõe da primeira.
A lei atribui, excepcionalmente, personalidade judiciária a entidades que não têm personalidade jurídica.
Assim sucede, nos termos do artigo 12º, alínea a), do citado diploma, com a herança jacente e os patrimónios autónomos cujo titular não estiver determinado.
O referido normativo atribui, assim, excepcionalmente, personalidade judiciária, por um lado, à herança jacente e, por outro, aos patrimónios autónomos semelhantes cujo titular não esteja determinado.
O conceito de herança jacente, oriundo da lei civil, significa a herança aberta ainda não aceite nem declarada vaga para o Estado, ou seja, o património da pessoa falecida entre o chamamento dos sucessíveis e a sua aceitação, nos termos do artigo 2046º, do Código Civil.
Assim, enquanto os sucessores não aceitarem tácita ou expressamente a herança, ou esta não houver sido declarada vaga para o Estado, ocorre a referida situação de jacência.
Isso significa, a contrario sensu, que a herança ainda não partilhada, mas cujos titulares quinhoantes estejam determinados por a terem aceite expressa ou tacitamente, não tem personalidade judiciária.
Acresce que a herança indivisa não se subsume, para efeito de lhe ser atribuída personalidade judiciária, ao conceito legal de património autónomo semelhante cujo titular não esteja determinado.
Com efeito, embora a herança indivisa funcione para variados efeitos como património autónomo, este só tem personalidade judiciária se os respectivos titulares não estiverem determinados.
Ora, no caso dos autos é o próprio exequente quem identifica o titular, o filho menor da mutuária, que aliás identifica como executado.
Nestes termos, e antes de mais, venha o exequente esclarecer cabalmente quem é que demanda na presente execução, (…).”.
Na sequência de tal despacho, a exequente veio esclarecer que demanda nos autos o filho menor da mutuária, D…, herdeiro universal da Falecida, representado por seu pai, E….
Em 18.11.19, nos autos de execução, foi penhorada a fracção autónoma infra descrita no ponto 1. da factualidade provada.
O executado veio deduzir embargos de executado e oposição à penhora.
Como fundamento dos embargos de executado, invocou, além do mais, a excepção de ilegitimidade passiva.
Para tal, alegou, em síntese:
- F… foi nomeada tutora ao executado por testamento outorgado pela devedora originária, sua mãe, C…, ficando a tutora nomeada incumbida de administrar os bens que adviessem ao executado, no caso de o poder paternal ser exercido pelo seu pai, como sucede;
- Tendo o executado um tutor nomeado pela sua mãe, a presente execução deveria ser proposta também contra aquela, em litisconsórcio necessário.
Como fundamento da oposição à penhora, alegou que o bem penhorado é inalienável e, por isso, impenhorável.
A exequente contestou, pugnando pela improcedência dos embargos e da oposição à penhora.
Percorrida a tramitação subsequente, foi proferido despacho saneador, que julgou improcedentes os embargos de executado e a oposição à penhora.

O executado recorreu, formulando as seguintes

CONCLUSÕES
1ª – Decidiu o Tribunal a quo julgar improcedentes os embargos de executado pelo executado menor.
2ª – Essa decisão, de acordo com a sentença proferida, tem como fundamento o facto não ter sido instituído nenhum regime de administração dos bens do executado menor.
3ª – Tal situação não corresponde, porém, à verdade.
4ª – Como foi referido nos embargos deduzidos pelo executado menor, a sua mãe, C…, devedora originária da exequente, no dia 07.04.17 outorgou o seu testamento, nomeando como tutora do seu filho, a sua irmã, F….
5ª – Com a outorga do testamento, a mãe do menor executado instituiu que fosse a tutora incumbida de administrar os bens que adviessem ao seu filho, com a sua morte, no caso de o poder paternal ser exercido pelo pai, o que é o caso.
6ª – A nomeação de tutor pela mãe do executado/menor foi realizada nos termos do artigo 1928.º do CC.
7ª – Tendo sido designado um tutor ao executado menor, conforme aconteceu, é a esse tutor que compete a administração dos bens que lhe adviessem por herança da sua mãe, F…, o que é o caso da fracção autónoma penhorada neste processo executivo.
8ª – Tinham por isso, a tutora encarregada de administrar os bens do menor executado, que lhe advieram pela morte da sua mãe, de ser citada para a execução nos termos do artigo 16.º, n.º 3 do CPC para, querendo, se opor às mesmas.
9ª – Teria, pois, a exequente de propor a presente execução contra o executado menor, sendo o seu pai o seu representante legal e contra a tutora nomeada pela sua mãe, pois estamos perante um caso de litisconsórcio necessário, nos termos do artigo 33.º, n.º 1 do CPC.
10ª – Acresce, ainda, que tal situação era do conhecimento da exequente, uma vez que o testamento foi por este sujeito processual junto ao processo juntamente com o requerimento executivo.
11ª – A ilegitimidade passiva é, nos termos do artigo 729.º, al. c) do CPC, fundamento de oposição à execução, por remissão do artigo 731.º do mesmo Código.
Acresce que:
12ª – Prevê o artigo 1888.º, n.º 1, al. c) do CC, que os pais não têm a administração dos bens deixados ou doados aos filhos, se dessa administração tiverem sido excluídos, sendo que nos termos do n.º 2 do mesmo artigo isso também se aplica aos bens que caibam ao filho a título de legitima.
13ª – No caso da presente execução foi exactamente o que sucedeu. A mãe do menor executado, outorgou um testamento em excluiu o pai do executado menor, que exerce as responsabilidades parentais, de administrar os bens que lhe adviessem por herança, com a sua morte.
14ª – Esteve venerando Tribunal, no acórdão proferido em 24.01.19, no âmbito do processo 2100/18.1T8PRD.P1 e o Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão de 20.12.90, referem que um dos progenitores pode excluir o outro progenitor, por testamento, da administração dos bens que advenham ao filho menor de ambos por herança.
15ª – Resulta, por isso, de tudo o que foi descrito, que foi instituído ao executado menor um regime de administração dos bens que lhe adviessem com a morte da sua mãe, pelo que o fundamento por si invocado nos embargos que apresentou teria de ser atendido, o que não aconteceu.
16ª – Por último, importa referir que sendo questão decorrente de factos articulados na acção, apesar de aí não ter sido defendida sempre poderia – e deveria – ter sido decidida nos termos do artigo 5.º do CPC.
17ª – Até porque a legitimidade é de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 577.º, al. e) e 578.º, ambos do CPC.
18ª – Isso mesmo foi fixado pelo STJ, no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, de 03.05.00, em que foi decidido que o conhecimento tabular, no despacho de saneador, não impede o seu conhecimento posterior em termos de substância.
19ª – Assim, conforme resulta de tudo o exposto, deverá ser o presente recurso julgado procedente, julgando, com isso os embargos de executado apresentados pelo executado menor procedentes sendo determinada a extinção da execução e, consequentemente, o levantamento e cancelamento da penhora.

A exequente contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.
O Tribunal recorrido considerou assentes os seguintes factos, com base no teor dos documentos infra referidos e por acordo das partes:
1. Por força do título de Mútuo com Hipoteca outorgado em 16.12.14 no Cartório Notarial de Matosinhos, sito na Av. …, n.º …, salas …, … e …, em Matosinhos, G… casado com a aqui exequente B… concedeu um empréstimo a C…, para compra da fracção autónoma designada pela letra “H”, correspondente a uma habitação no terceiro andar direito com garagem no rés-do-chão, com entrada pela … n.º ….., inscrita na matriz sob o artigo 3807-H da União das freguesias …, que corresponde ao artigo 2573-H da extinta freguesia …, no montante de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), pelo prazo de trezentos e sessenta meses, à taxa anual de um por cento – nos termos e condições nele constantes e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
2. Para garantia de todas as responsabilidades assumidas nos termos supra referidos, nomeadamente juros que fossem devidos, foi constituída hipoteca voluntária em primeiro grau, a favor de G… sobre a identificada fracção.
3. No dia 02.09.15, o mutuante G… faleceu.
4. Ao mutuante sucedeu-lhe a sua mulher, aqui exequente, B…, sua herdeira universal.
5. Por acordo homologado na 3ª Conservatória do Registo Civil em 19.11.14 anexo ao processo de divórcio por mútuo consentimento com o n.º …./2014, foram reguladas as responsabilidades parentais relativas ao menor D…, tendo ficado entregue à guarda e cuidados da mãe, C…, com quem residia.
6. No dia 01.08.17, a mutuária C… faleceu.
7. A mutuária C… morreu no estado de divorciada, deixando como único herdeiro seu filho menor, D…, aqui representado por seu pai, E….
8. A mãe do D… deixou disposição das suas últimas vontades através de testamento lavrado no dia 07.04.17 no Cartório Notarial da Dra. H…, nomeando a sua irmã, F…, como tutora do seu filho, a quem incumbiu de administrar os bens que adviessem ao mesmo, com a sua morte e no caso do poder paternal ser exercido pelo pai[1].

Com interesse para a decisão do recurso, está ainda provado que, no acordo referido em 5., o exercício das responsabilidades parentais ficou a caber a ambos os pais.
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III.
As questões a decidir – delimitadas pelas conclusões da alegação do apelante (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do CPC) – são as seguintes:
- Ilegitimidade do executado;
- Impenhorabilidade do bem penhorado.

1. Ilegitimidade do executado
A ilegitimidade de qualquer das partes é uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição da instância (artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. e) e 578.º do CPC – Diploma a que pertencem todas as normas adiante citadas sem menção de origem).
Diz o artigo 30.º, n.º 1 que o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; e que o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer.
Segundo o n.º 2 do mesmo preceito, o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
Finalmente, estabelece o n.º 3 que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Os artigos 53.º a 56.º contêm disposições especiais sobre execuções em matéria de legitimidade.
Em regra, a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figura como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor (artigo 53.º, n.º 1).
O artigo 54.º prevê desvios àquela regra geral da determinação da legitimidade.
Um desses desvios é o que está previsto no seu n.º 1, ali se dizendo que, tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda; estipulando-se ainda que, no próprio requerimento para a execução, o exequente deduza os factos constitutivos da sucessão.
No caso de a sucessão no direito ou na obrigação plasmados no título executivo ocorrer por morte, a execução tem de ser instaurada contra a herança ilíquida e indivisa, no caso de se tratar de herança jacente, ou seja de herança ainda não aceite nem declarada vaga para o Estado (cfr. artigos 2046.º e 2050.º, n.º 1 do CC)
A herança jacente não tem personalidade jurídica, mas, enquanto património autónomo, tem personalidade judiciária (artigo 12.º, al. a)).
Esta situação cessa com a aceitação por parte dos sucessíveis chamados, passando a herança, mesmo que ainda não partilhada, a não dispor daquela prerrogativa processual.
Nessa situação, com os herdeiros já determinados, fora dos casos em que se poderá verificar a intervenção do cabeça-de-casal ou de qualquer herdeiros ou mesmo terceiro (artigos 2075.º, 2078.º, e 2087.º a 2089.º, todos do CC), as acções contendentes com interesses respeitantes ao acervo hereditário ainda por partilhar terão de ser intentadas por um ou contra a totalidade dos herdeiros, actuando estes em litisconsórcio necessário activo ou passivo (artº 2091º, nº 1).
Os herdeiros passam a ter legitimidade não como titulares individuais dos interesses da herança, mas como que “representantes” da herança indivisa e aceite (e não como seus verdadeiros representantes), legitimidade que lhes é atribuída pelo citado artigo 2091º.
Assim, na situação de a herança indivisa, já aceite, aberta por óbito da pessoa que figura como devedor no título executivo, a execução tem de ser instaurada contra o herdeiro ou herdeiros desse devedor.

No caso, o título dado à execução é o documento autêntico referido em 1., que titula um contrato de mútuo em que figura como mutuária, C…, falecida antes da instauração da execução.
Tendo-lhe sucedido como único herdeiro, devidamente habilitado, o seu filho D…, e não se verificando aqui nenhuma das excepções previstas nos citados artigos 2075., 2078.º e 2087.º a 2089.º do CC, aplica-se a regra geral do artigo 2091.º do CC, devendo a execução ser movida contra aquele herdeiro, conforme veio a ser.
Tal como, aliás, já bem se tinha decidido no despacho de 15.01.18, proferido nos autos principais, que transcrevemos no ponto I.
O executado é assim parte legítima, por força do disposto nas citadas normas dos artigos 54.º, n.º 1 e 30.º, n.ºs 1, 2 e 3, não se verificando, pois, a invocada excepção dilatória de ilegitimidade passiva.

A condição de menoridade do executado, à data da instauração da execução, não tem qualquer relevância para a decisão sobre a sua legitimidade, que se afere apenas pelas normas substantivas e processuais acima citadas.
Aquela condição de menoridade apenas tem relevância para a definição de um outro pressuposto processual, que é a capacidade judiciária.

Diz o artigo 15.º, n.º 1 que a capacidade judiciária consiste na susceptibilidade de estar, por si, em juízo.
E, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, a capacidade judiciária tem por base e por medida a capacidade do exercício de direitos.
A incapacidade judiciária é suprida de acordo com as regras estabelecidas no artigo 16.º.
No que respeita aos menores, estes só podem estar em juízo por intermédio dos seus representantes, excepto quanto aos actos que possam exercer pessoal e livremente (n.º 1 do preceito citado).
Por seu turno, diz o n.º 2 mesmo artigo 16.º que os menores cujo exercício das responsabilidades parentais compete a ambos os pais são por estes representados em juízo, sendo necessário o acordo de ambos para a propositura de acções.
Tal como a ilegitimidade, também a incapacidade judiciária é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, conducente à absolvição da instância (artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. c) e 578.º).
A incapacidade judiciária é sanada mediante a intervenção ou a citação do representante legítimo do incapaz, que deve ratificar os actos anteriormente praticados (artigo 27.º, n.ºs 1 e 2), por actividade oficiosa do juiz, como expressamente se prevê no artigo 28.º, n.ºs 1 e 2.
Apenas se a incapacidade não for suprida, deve o juiz absolver o réu da instância nos termos do citado artigo 576.º, n.º 2.

Diz o artigo 1878.º, n.º 1 do CC que compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.
O poder de representação previsto naquele preceito compreende o exercício de todos os direitos e o cumprimento de todas as obrigações do filho, exceptuados os actos puramente pessoais, aqueles que o menor tem o direito de praticar pessoal e livremente e os actos respeitantes a bens cuja administração não pertença aos pais (artigo 1881.º, n.º 1 do CC).
Segundo o artigo 1888.º, n.º 1 do CC, os pais não têm a administração, além do mais, dos bens deixados ou doados ao filho com exclusão da administração dos pais (al. c); dispondo o n.º 2 do mesmo preceito que a exclusão da administração, nos termos da alínea c) do n.º 1, é permitida mesmo relativamente a bens que caibam ao filho a título de legítima.
No acórdão da RL de 20.12.90[2], dá-se conta do alcance da aludida norma da al. c) do n.º 1 do artigo 1888.º, por referência à evolução do regime de administração dos bens dos filhos pelos pais desde o CC de 1867 até às alterações introduzidas no actual CC pelo DL 496/77, de 25.11.
Segundo aquele aresto, a doutrina dominante, no domínio do CC de 1867, era no sentido de que a legítima do menor não poderia ser excluída da administração dos progenitores, contra a posição de Cunha Gonçalves[3], que defendia que “(…) o pai poderá ser excluído pela mãe, e vice-versa, da administração dos bens que o filho vier a herdar, já porque o facto de existir o direito à legítima não obsta a que todos os bens do menor sejam deixados pelo testador, (…)”.
O CC actual veio consagrar aquela doutrina dominante no sentido da inadmissibilidade de excluir da administração dos progenitores os bens que houvessem de caber ao menor a título de legítima.
Mas o DL 496/77, ao introduzir o n.º 2 do actual 1888.º, acolheu a posição de Cunha Gonçalves no sentido daquela admissibilidade.
Daí que no citado aresto se conclua, nos mesmos termos que já tinha concluído Cunha Gonçalves, que “Por conseguinte, qualquer progenitor pode afastar o outro da administração dos bens que o filho venha a herdar, mesmo que o seja a título de legítima.”[4].
Nos termos do artigo 1904.º, n.º 1 do CC, por morte de um dos progenitores, o exercício das responsabilidades parentais pertence ao sobrevivo.
Por seu turno, diz o artigo 1922.º do CC que será instituído o regime de administração de bens do menor previsto nos artigos 1967.º e seguintes: a) Quando os pais tenham sido apenas excluídos, inibidos ou suspensos da administração de todos os bens do incapaz ou de alguns deles, se por outro título se não encontrar designado o administrador; b) Quando a entidade competente para designar o tutor confie a outrem, no todo ou em parte, a administração dos bens do menor.
Estabelecendo o aludido artigo 1967.º que, quando haja lugar à instituição da administração de bens do menor nos termos do artigo 1922.º, são aplicáveis à designação do administrador as disposições relativas à nomeação do tutor, salvo o preceituado nos artigos seguintes.
Em anotação ao artigo 1922.º, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela:
Há casos em que os pais são excluídos da administração de todos os bens do filho ou apenas de alguns deles, mas sem que sejam privados do poder paternal.
A essas situações se refere, de um modo geral, o artigo 1888.º, que considera excluídos da administração dos pais os bens nele enumerados, sem afastar o poder que aos pais compete, tanto em relação à pessoa do filho, como relativamente aos restantes bens.
Nalgumas das situações abrangidas pelas diversas alíneas do artigo 1922.º haverá a disposição da pessoa a quem a administração dos bens do filho fica entregue. E é só para os casos, em que a indicação não é feita noutro título, que a lei manda aplicar o regime da administração legal dos bens do menor, previsto e regulado nos artigos 1967.º e seguintes.
(…).
Chama-se entretanto a atenção do leitor para o facto de, (…), a administração legal dos bens do menor poder coexistir com o poder paternal (amputado da administração de todos ou de alguns dos bens do filho).”.
De todo o exposto, e da conjugação das normas dos artigos 1888.º, n.º 1, al. c) e 1922.º, al. a), podem retirar-se as seguintes conclusões:
- A exclusão de um dos progenitores da administração de bens deixados ao filho pode ser feita pelo outro progenitor;
- Essa exclusão pode ser feita mesmo nas situações em que não há fundamento para a inibição das responsabilidades parentais.

No caso dos autos, resulta da factualidade provada que, antes do falecimento da devedora, mãe do ora executado, as responsabilidades parentais estavam a ser exercidas por ambos os progenitores.
Falecida a mãe do executado, as responsabilidades parentais passaram a ser exercidas pelo seu pai.
Mas as responsabilidades parentais do pai do executado estão “amputadas” da administração dos bens que advieram a este por sucessão da sua mãe, por força da vontade expressa por ela no testamento referido em 8.
E, por isso, o executado não pode ser representado pelo seu pai, no que respeita aos actos relativo a tais bens.
Estando penhorado nos presentes autos um imóvel que adveio ao executado por sucessão da sua mãe, este terá de ser representado na execução pela tutora que lhe foi nomeada no testamento outorgado por aquela; mantendo-se também a representação do executado pelo seu pai.

Verifica-se, assim, a excepção dilatória de incapacidade judiciária do executado, que terá de ser suprida pela citação para a execução da tutora nomeada, F…, nos termos do artigo 27.º, n.º 1, seguindo-se a tramitação prevista no n.º 2 do mesmo preceito.

2. Oposição à penhora
Diz o artigo 784.º, n.º 1 que sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos: a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada; b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda; c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
O apelante invocou o fundamento da al. a) do n.º 1 do preceito citado.
Ora, como se escreveu no despacho recorrido, respondendo aos argumentos aduzidos pelo apelante no requerimento inicial dos embargos de executado:
(…).
O bem imóvel em causa não é impenhorável.
A autorização a que se refere o art. 1889º, nº 1, al. a) do Cód. Civil, apenas se impondo essa autorização nos casos de venda – extrajudicial - de bens a realizar pelos próprios pais do menor.
Nesta situação, porque se está perante uma venda a efetuar através de um processo judicial, não é exigível que se solicite autorização, nos termos do art. 1889º, nº 1, al. a) do Cód. Civil.”.

Concorda-se inteiramente com o acima transcrito, nada mais se nos oferecendo dizer, sendo que, nas conclusões de recurso, o apelante nem sequer apresentou qualquer fundamento para a oposição à penhora.
*
IV.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando-se, em parte, o despacho recorrido e, em consequência e, em substituição ao Tribunal recorrido:
- Ordena-se a citação de F…, na qualidade de representante legal do executado no que se refere aos actos respeitantes a bens que tenham advindo àquele por sucessão da sua mãe, C…, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 27.º, n.ºs 1 e 2 do CPC;
- Mantém-se o mais que foi decidido.
Custas pelo apelante e pela apelada na proporção de metade.
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Porto, 28 de Outubro de 2021
Deolinda Varão
Freitas Vieira
Isoleta de Almeida Costa
_________________
[1] Aditou-se a parte em itálico, de acordo com o teor do testamento em causa, uma vez que, por lapso, o Tribunal recorrido deixou o facto incompleto.
[2] Publicado em CJ-90-V-143 e sumariado em www.dgsi.pt.
[3] Tratado de Direito Civil, vol. 2.º, pág. 391, apud o citado acórdão da RL de 20.12.90.
[4] No mesmo sentido, se decidiu no acórdão desta Relação e Secção de 24.01.19 (Relator Des. Filipe Caroço), www.dgsi.pt (sendo que o segmento da fundamentação relativo a esta questão não consta do respectivo sumário).