Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
382410/09.6YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: HENRIQUE ARAÚJO
Descritores: INJUNÇÃO
TRANSACÇÃO JUDICIAL
PROFISSIONAIS LIBERAIS
TÉCNICO OFICIAL DE CONTAS
Nº do Documento: RP20101012382410/09.6YIPRT.P1
Data do Acordão: 10/12/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: DL 32/2003 DE 17 DE FEVEREIRO
Sumário: I - Para os efeitos do DL 32/2003, os conceitos “transacção comercial” e “empresa”, tal como nele definidos, estão utilizados em sentido amplo.
II - O termo “empresa” engloba, para esse efeito, as empresas privadas em geral, as pessoas colectivas públicas e os profissionais liberais.
III - Assim, sendo a Requerente é uma profissional liberal (técnica oficial de contas) e nessa qualidade tendo sido incumbida pela Requerida da gestão e organização da sua contabilidade, mediante o pagamento de uma quantia mensal, estamos perante um contrato de prestação de serviços que constitui, para os efeitos do diploma em causa, urna transacção comercial.
IV - Por conseguinte, não podem restar dúvidas de que a quantia em dívida pode ser cobrada através do procedimento de injunção, impondo-se o prosseguimento dos respectivos termos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º 382410/09.6YIPRT.P1
REL. N.º 602
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. RELATÓRIO

B………. requereu contra “C………., Lda.” e D………., procedimento de injunção destinado a exigir o pagamento de serviços por si prestados na área da contabilidade, desde Junho de 2006, num total de 21.983,51 €.

Na oposição que apresentaram, os Requeridos defendem que a injunção não é o meio próprio para exigir as quantias reclamadas.

O Mmº Juiz a quo, considerando existir erro na forma do processo, absolveu os Requeridos da instância.

A Requerente recorreu desta decisão.
O recurso de apelação subiu imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – v. fls. 75.

Nas respectivas alegações, pede a apelante que se revogue o despacho recorrido e que se determine o prosseguimento dos autos, concluindo do seguinte modo:
A. Na verdade, não pode o Tribunal a quo decidir como decidiu, uma vez que, claramente, faz uma interpretação errónea das normas legais aplicáveis ao caso sub judicie.
B. O procedimento de injunção encontra-se actualmente previsto para exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato de valor não superior a 15.000,00 € - art. 1º do diploma preambular do DL n.º 296/98, de 1 de Setembro (na redacção do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto).
C. E, segundo o n.º 1 do artigo 7º do DL n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, estabelece que o atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos do presente diploma, confere ao credor o direito de recorrer ao procedimento de injunção, independentemente do valor da dívida.
D. Ora, dúvidas não haverá que tais diplomas abrangem o incumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de quaisquer contratos, neles se incluindo o contrato de prestação de serviços.
E. Sucede que, o que está aqui em causa é saber se a prestação de serviços da Requerente se enquadra dentro do espírito consagrado no DL n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro.
F. Ora, como é consabido, quanto ao âmbito de aplicação do citado DL, o mesmo reporta-se ao seu artigo 2º.
G. Dispositivo que no artigo 3º define que “transacção comercial” é qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração.
H. Mais define o supra referenciado preceito que “empresa” é qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular.
I. Ora, in casu, a Requerente claramente se enquadra no conceito de empresa exposto.
J. Acresce que, no requerimento de injunção, a Requerente alega expressamente a sua qualidade de comerciante e o consequente exercício da sua actividade comercial, na área da prestação de serviços como técnica oficial de contas.
K. Paralelamente, resultando claro que a qualidade da Requerente, como comerciante, como organização, se encontra abrangida na concepção de empresa.
L. Assim, dúvidas não restam que a Requerente se enquadra no conceito de empresa, utilizando de forma devida a providência de injunção prevista no artigo 7º do DL n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro.
M. Pelo que, ao ter decidido como decidiu, o despacho apelado violou as normas dos artigos 1º e 7º do DL n.º 269/98, de 1 de Setembro, e os artigos 2º, 3º e 7º do DL n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro.

Não houve contra-alegações.

Deu-se cumprimento ao disposto no art. 707º, n.º 2, do CPC.
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Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente – arts. 684º, n.º 3, e 685º-A, n.º 1, do CPC – a questão a decidir resume-se a saber se existe ou não erro na forma de processo.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

Os factos que interessam à decisão do recurso são os que se mostram descritos na primeira parte do antecedente relatório.

O DIREITO

O DL 32/2003[1], de 17 de Fevereiro, transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, que estabeleceu medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais.
Esse diploma propôs-se alargar o âmbito de aplicação do procedimento de injunção, instituído pelo DL 404/03 e redimensionado pelo DL 269/98, fazendo-o aplicar às obrigações emergentes de transacções comerciais, independentemente do valor em dívida. Nesse sentido, foi introduzida a necessária alteração ao primitivo art. 7º do DL 269/98, que passou a ter a seguinte redacção:
“Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro”.
Do seu âmbito de aplicação foram excluídos os contratos celebrados com consumidores, os juros relativos a outros pagamentos que não os efectuados para remunerar transacções comerciais, e os pagamentos efectuados a título de indemnização por responsabilidade civil, incluindo os realizados por companhias de seguros – art. 2º, n.º 2, als. a) a c).
A sentença recorrida considerou haver erro na forma do processo com o fundamento de que o novo artigo 7º do DL 269/98, de 1 de Setembro, restringe o âmbito de aplicação do procedimento de injunção às obrigações comerciais abrangidas pelo DL 32/2003, tal como estas são aí definidas no artigo 2º, conjugado com o artigo 3º, sendo que, do alegado no requerimento inicial, resulta que “o que está em causa nos autos é um contrato de prestação de serviços celebrado por um particular e não uma empresa”.
Será assim?
O art. 3º, al. a), do DL 32/2003, define “transacção comercial”, para os efeitos desse diploma, como qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração.
Na alínea b) do mesmo artigo, é definida como “empresa” qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular.
Como decorre do texto legal, ambos os conceitos estão utilizados em sentido amplo[2], dando-se hoje por adquirido que o termo “empresa” engloba as empresas privadas em geral, as pessoas colectivas públicas e os profissionais liberais[3].
Ora, segundo o alegado no requerimento inicial, a Requerente é uma profissional liberal (técnica oficial de contas) e nessa qualidade foi incumbida pela 1ª Requerida da gestão e organização da sua contabilidade, mediante o pagamento da quantia mensal de 500,00 €.
Esse contrato de prestação de serviços constitui, para os efeitos do diploma em causa, uma transacção comercial.
Por conseguinte, não podem restar dúvidas de que a quantia em dívida pode ser cobrada através do procedimento de injunção, impondo-se o prosseguimento dos respectivos termos.
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III. DECISÃO

De acordo com o exposto, julga-se procedente a apelação e revoga-se a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos.
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Custas pelos apelados.
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PORTO, 12 de Outubro de 2010
Henrique Luís de Brito Araújo
Fernando Augusto Samões
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha

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[1] O DL 107/2005, de 1 de Julho, produziu, entretanto, algumas alterações, as quais não têm qualquer interferência na hipótese dos autos.
[2] Salvador da Costa, “A Injunção e as Conexas Acção e Execução”, 5ª edição, págs. 155/156.
[3] Salvador da Costa, ob. e loc. citados, e acórdão desta Relação do Porto de 22.06.2006, no processo n.º 0632709.