Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3718/15.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DE JESUS PEREIRA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
DESPEJO IMEDIATO
Nº do Documento: RP201703283718/15.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 03/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTO N.º761, FLS.71-75)
Área Temática: .
Sumário: Não há lugar a despejo imediato por falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da acção quando é convertido o direito a receber essas rendas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pc.3718/15.0T8PRT.P1
(Apelação)
Relatora Maria de Jesus Pereira
Adjuntos: Des. José Igreja Matos
Des. Rui Moreira
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
1 - Relatório.
Massa Insolvente de B… intentou acção de despejo contra C…, residente na Rua … nº ..., …, Guimarães pedindo a resolução do contrato de arrendamento e a condenação do réu a pagar à autora a quantia de 18.000,00 euros a título de rendas vencidas e as vincendas até entrega efectiva da fracção à autora.
Para tanto, e em síntese, alega que o insolvente celebrou com o réu o contrato de arrendamento destinado a habitação em 01-05-2011, cedendo o uso e fruição da fracção ao réu, mediante contrapartida monetária pelo prazo de um ano a contar de 1 de Maio de 2011 e renovável automaticamente por períodos de um ano, se nenhuma das partes o denunciasse, que a renda mensal acordada era de 400,00 euros, mas o réu nunca cumpriu com as suas obrigações, estão por liquidar 45 rendas.

Regularmente citado o réu contestou e reconveio.
Em contestação, alega que pagou a renda até ao mês de Março de 2013, mas porque o imóvel carecia urgentemente de obras foi acordado, verbalmente, com o senhorio que ao valor das rendas vincendas, a pagar na vigência do contrato, seriam deduzidas ao montante da dívida, obras que foram executadas no início de Março de 2013 e que haviam sido orçadas em 26.400,00 euros, pelo que não deve ao réu qualquer quantia.
Em reconvenção pede que lhe seja reconhecido o crédito sobre a autora no valor de 13.600,00 euros e operada a compensação com referência à data de entrada da contestação/reconvenção.

Na resposta, a autora defendeu-se por impugnação concluindo pela condenação do réu como litigante de má fé.

A Massa insolvente veio requerer o despejo imediato.
O réu veio opor-se alegando, fundamentalmente, que não pode decretar-se o despejo quando está em discussão a obrigação de pagar as rendas.

O réu, devidamente notificado, não procedeu ao depósito.
Decorrido algum tempo, foi proferida decisão que deferiu o requerimento de despejo imediato, nos termos do artigo 14,nº5, do NRAU.
Inconformado o réu interpôs recurso de apelação ora em apreciação com as seguintes conclusões:
1º Vem o presente recurso de Apelação, interposto pelo ora recorrente do despacho com a referência nº 373614131, proferido em 12/09/2016 pelo Tribunal de Primeira Instância (ao adiante também Tribunal “a quo”), nos presentes autos de despejo, que julgou e decidiu: “(…)que não tendo o Réu comprovado nos autos, no prazo de 10 dias que dispunha para o efeito, o cumprimento do disposto no nº 4 do artigo 14º do NRAU, impõe-se o deferimento do requerimento de despejo imediato do Réu apresentado pela Autora, nos termos do nº 5 do citado artigo 14º do NRAU, o que se determina. Custas do incidente pelo Réu.”
2º Tal despacho foi proferido e fundamentado com base no entendimento, que “a única forma de o arrendatário obstar ao despejo imediato nos termos do nº 5 do artigo 14º do NRAU, uma vez notificado para dar cumprimento ao disposto no nº 4 do citado art. 14º, é fazendo o depósito á ordem do tribunal nos termos do art. 17º e ss. do NRAU, podendo fazê-lo condicionalmente, como supra referido, informando isso mesmo nos autos, face à excepção de compensação pelo mesmo invocada, sendo que no seguimento da acção seriam apreciados, a seu tempo, os fundamentos invocados”.
3º A Meritíssima Juiz “a quo” proferiu o despacho recorrido, considerando e concluindo que a única forma de o arrendatário obstar ao despejo imediato é fazendo o depósito das rendas vencidas na pendência da ação de despejo, e a não comprovação do depósito das rendas fundamentam, no entender do Tribunal de primeira instância, a procedência deste incidente e, no caso em concreto, o pedido formulado pela Autora.
4º O recorrente não se conforma, nem se pode conformar, com este entendimento e, muito menos, com a decisão proferida, pondo-a em crise.
5º A massa insolvente de B… (Autora/Recorrida) instaurou contra o Réu/Recorrente a ação de processo comum de despejo, tendo por objeto da ação o despejo de prédio urbano destinado a habitação, por falta de pagamento de rendas entre os meses de Maio de 2011 e Dezembro de 2014.
6º O Réu contestou a ação reconhecendo o vínculo contratual proveniente do contrato de arrendamento em causa, bem como o montante da renda a que estaria obrigado a pagar, afirmando que pagou ao senhorio a totalidade das rendas vencidas até ao mês de março de 2013, inclusive.
7º Invocou a não exigibilidade do pagamento da renda após março de 2013, por via de um acordo verbal estabelecido com o então senhorio, uma vez que o imóvel carecia urgentemente de obras, que foram realizadas em inícios do ano de 2013.
8º Afirmou o Réu que, com as obras executadas e pagas por si, o imóvel locado ficou com condições mínimas de habitabilidade, dado que a habitação locada não estava apropriada para o fim a que se destinava, daí a exceção que legitimou a respetiva inexigibilidade das rendas e a ausência de interpelação por parte do senhorio para o seu pagamento.
9º Há data da propositura da ação e por via da compensação, teria a Autora a pagar ao Réu o valor de reembolso de €14.000,00 (catorze mil euros), resultado da dedução da totalidade das obras que o Réu realizou (€26.400,00) ao valor das rendas vencidas e não pagas (após março de 2013) no valor global de €12.400,00 (doze mil e quatrocentos euros), alegando não ser devedor à Autora de qualquer quantia, mas sim credor desta, concluindo pelo pedido de absolvição dos pedidos deduzidos pela Autora.
10º Em contrapartida, o Réu deduziu reconvenção contra a Autora, pedindo o reconhecimento do crédito que detinha sobre esta e, ainda, o respetivo direito de retenção sobre o imóvel locado.
11º A Autora apresentou defesa à reconvenção, contraditou os factos alegados pelo ora recorrente, negando a existência do crédito do reconvinte, alegando que este não efetuou quaisquer obras e como tal não pagou qualquer valor pela realização destas, concluindo no final pela improcedência da reconvenção.
12º Realizada a tentativa de conciliação das partes, foi o ora recorrente convidado a esclarecer qual o valor do crédito que invocou sobre a Autora e a liquidar o pedido formulado com referência à data da apresentação da contestação e, ainda, notificado para proceder ao depósito nos termos do artigo 14º, nº 4 da Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro.
13º Face à não comprovação nos autos do referido depósito, por despacho da Meritíssima Juiz “a quo”, foi o Réu/Recorrente notificado para se pronunciar sobre o pedido de despejo imediato deduzido pela Autora, nos termos e para os fins do disposto no artigo 14º, nº 5 do NRAU.
14º O ora Recorrente deu cumprimento ao ordenado pela Meritíssima Juiz “a quo” respondendo ao convite que lhe foi dirigido em sede de tentativa de conciliação esclarecendo e liquidando o pedido formulado com referência à data da apresentação da contestação e, ainda, respondeu ao pedido de despejo imediato deduzido pela Autora.
15º Na modesta opinião do recorrente, não poderá ser decretado o despejo imediato, visto que o Réu este possuí ainda um crédito de montante elevado contra o seu senhorio, ora representado pela Autora, e, ainda, o direito de retenção sobre o imóvel locado.
16º No despacho posto em crise, o Tribunal “a quo” reconhece que “já no âmbito do RAU, e a propósito do seu art. 58º, se colocava a questão de saber se o único meio ao dispor do arrendatário para evitar o despejo por falta de pagamento de rendas no decurso da acção de despejo era o do pagamento ou depósito previstos no art. 58º, nº 3, ou se ao arrendatário era lícito defender-se com quaisquer factos justificativos do não pagamento da renda ou da sua redução, não sendo a jurisprudência uniforme quanto à resposta a dar a tal questão”, todavia, o certo é que o Tribunal “a quo” perfilhou a primeira das teses.
17º No seguimento da resposta dada pelo Réu/Reconvinte ao pedido de despejo imediato deduzido pela Autora, teremos fundadamente de perfilhar a tese contrária à defendida pelo Tribunal “a quo”, nomeadamente a douta e recente jurisprudência sufragada no Acórdão do TRG, de 29.10.2015, Proc. Nº 969/14.8TBVCTA. G1, que sumariamente decidiu “Sempre que o inquilino excecione na ação de despejo uma causa legitima de incumprimento da sua obrigação do pagamento de rendas, como seja o prévio incumprimento pelo senhorio da obrigação de proporcionar o pleno gozo do locado, não pode àquele ser imposto o ónus de proceder ao referido pagamento ou depósito de tais rendas, no incidente de despejo imediato, sem estar dirimida aquela legitimidade”.
18º Da matéria fatual vertida na contestação e reconvenção deduzidas pelo Réu/Reconvinte, constata-se a existência de um acordo entre inquilino e senhorio, que determinou o não pagamento de rendas, a título de compensação por obras realizadas no locado, por este carecer urgentemente de obras necessárias e úteis a conferir as condições mínimas de habitabilidade ao imóvel que serve de habitação própria e permanente do Réu, obras essas realizadas e pagas por este.
19º Por força do acordo firmado e da realização das obras, resulta ser o Réu credor da Autora e não o contrário, crédito que é resultante das benfeitorias necessárias e úteis realizadas no locado e conferem ao ora Recorrente um direito de retenção sobre o imóvel em apreço.
20º Em conclusão, foi excecionada pelo ora recorrente na ação de despejo, uma causa legítima de incumprimento da sua obrigação de pagamento de rendas, pelo que, não poderá o Tribunal “a quo” impor o ónus ao Réu de proceder ao pagamento ou depósito de tais rendas, no incidente de despejo imediato, sem que aprecie e esteja dirimida aquela legitimidade.
21º O Tribunal “a quo”, ao assim não considerar, viola a Constituição da República Portuguesa, desde logo os princípios consagrados no artigo 13º, nº 1 e do artigo 20º, nº 3 da Lei Fundamental.
22º A decisão proferida pela Meritíssimo Juiz “a quo” não toma em consideração a invocada factualidade e, como tal, prevê-se que esta decisão não poderá deixar de ter influência direta na decisão da causa, através da prática de actos e tomada de decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final virão a revelar-se inúteis.
23º Atento tudo o que vai exposto, impõe-se reafirmar que merece censura e reparo a decisão sob recurso, daí decorrendo e impondo-se concluir que a decisão de revogar a mesma será, salvo melhor juízo, a única que melhor se ajusta ao fim do processo, dando-se assim provimento ao Recurso, com o que será feita sã e boa Justiça.
24º Ao dar-se provimento ao presente Recurso, revogando-se a decisão posta em crise, será feita sã, boa e costumada Justiça!
25º O Tribunal a quo violou, entre outras, as seguintes normas: art. 14º, nºs 3, 4 e 5 do NRAU, art. 216º, nºs 1, 2 e 3, artº 1036º, artº 1046º, artº 1074º, nº 5, artº 754º, artº 847º, nº 1 e artº 848º, nº 1 do Código Civil e, ainda, o art. 13º, nº 1 e artº 20º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que, Com a devida vénia e o douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância.
Fazendo-se assim JUSTIÇA!

Nas contra-alegações a recorrida pugna pela manutenção do decidido.
2 - Objecto do recurso.
Sabendo-se que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões a questão colocada a este Tribunal da Relação é a de saber se o pedido de despejo imediato deve ser deferido em face da defesa do réu.
3 - Fundamentação de facto.
Os factos a ter em consideração para o recurso são os constantes do relatório desta decisão.
4 - Fundamentação de direito.
Preceitua o artigo 14 do NRAU:
Na pendência da acção de despejo, as rendas que se forem vencendo devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais – nº 3-
Se as rendas, encargos ou despesas vencidos por um período igual ou superior a dois meses não forem pagos ou depositados, o arrendatário é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas do levantamento do depósito, que são contadas a final – nº4-
Em caso de incumprimento pelo arrendatário do disposto no número anterior, o senhorio pode requerer o despejo imediato, aplicando-se, em caso de deferimento do requerimento, com as necessárias adaptações, o disposto no nº 7 do artigo 15 e nos artigos 15 –J, 15-L e 15-M a 15 –Q – nº 5-
Este preceito corresponde, embora com alterações, ao artigo 979 do CPC e ao artigo 58 do RAU que “ visa compelir o arrendatário a pagar as rendas que se vão vencendo no decurso da acção e proteger o senhorio da ocupação do locado sem a remuneração correspondente durante o lapso de tempo da pendência da acção, obstando a que o arrendatário se aproveite do tempo de pendência para usufruir o locado sem pagar as rendas”- cfr. Acórdão do STJ de 05-12-2006, proc.06A2299, disponível em DGSI e António Pais de Sousa, in Anotações ao RAU, 2ª ed. pág. 131/132-
Na aplicação do preceito ao incidente deduzido pela autora, entendeu o Tribunal a quo que dada a sua forma expedita o arrendatário apenas pode obstar ao deferimento do despejo desde que faça prova do pagamento ou depósito da renda, ou seja, sempre que ocorra falta de pagamento de rendas na pendência da acção de despejo, seja qual for o seu fundamento, o arrendatário tem de provar o pagamento ou o depósito da renda para obstar ao despejo imediato- neste sentido vide Acórdão do STJ de 23-01-2001, proc. 01B1907 disponível em DGSI e de 05-12-2006 acima citado e, ainda, Acórdão desta Relação de 19-05-2014, proc. 1423/11.5, disponível em DGSI-
Algumas decisões jurisprudenciais têm rejeitado esta posição por considerarem que o preceito em causa só tem aplicação quando não está em causa nenhum dos deveres contratuais em relação ao pagamento da renda – Acórdão da RL de 08-03-2001, Relator Ferreira Mesquita, sumário, disponível em DGSI, Acórdão desta Relação de 14-02-1991, Relator Fernando Magalhães, sumário disponível em DGSI e do STJ de 12-05-1998, proc. 98A 197 onde se admite que a prova não seja necessariamente documental, Acórdão desta Relação de 23-06-2015, Relatado por Pedro Martins, disponível em outrosacordaostrp.com e Acórdão da Relação de Lisboa de 17-05-2007, Relator Jorge Leal onde se diz expressamente que” não pode decretar-se o despejo imediato, por falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da acção de despejo, quando nesta está ainda em discussão saber se o locatário tinha ou não a obrigação de pagar as rendas” (..)” e, por fim, sobre uma exposição da doutrina e da jurisprudência vide site abreuadvogados.com-
O Tribunal constitucional, sem tomar posição sobre as posições acima expostas, considerou que, havendo controvérsia quanto à exigibilidade e valor das rendas (entre outros fundamentos), tal preceito (artigo 58 do RAU) é inconstitucional por violação do princípio da proibição da indefesa- cfr. Acórdão nº673/2005, disponível em DGSI-
A defesa do réu assenta no acordo verbal celebrado entre ele e o senhorio/insolvente quanto ao valor das rendas vincendas a deduzir ao montante despendido na realização das obras acordadas entre ambas as partes.
Se assim é o deferimento do incidente imediato de despejo teria por consequência o deferimento da obrigação de proceder ao pagamento da renda quando precisamente está em causa essa obrigação em face do invocado acordo verbal e logo a renda não se considera vencida e exigível, nos termos do invocado normativo legal.
O crédito tal como a renda é uma questão controvertida.
Como nos diz o Professor Menezes Cordeiro nada pode impedir o arrendatário demandado de discutir o dever de pagamento das rendas – in Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Almedina, 2014, pág.404-
Ou dito de outro modo o despejo imediato, “ao ter por base a falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da acção, só tem sentido e razão de ser na hipótese de estar já assente o direito do autor a receber as rendas”- cfr. Rui Pinto Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 2013, pág. 1123- o que, como se deixou dito, não é manifestamente o caso dos autos e, por conseguinte, a decisão recorrida não pode ser mantida.
O recurso é, pois, procedente.
Decisão
Nestes termos, os Juízes desta secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar procedente o recurso e, em consequência, revogam a decisão proferida que deverá ser substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos.
Custas pela parte vencida a final.

Porto, 28-03-2017
Maria de Jesus Pereira
José Igreja Matos
Rui Moreira