Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1588/19.8T8OVR-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM MOURA
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
PRAZO DE CADUCIDADE
CONTAGEM
INÍCIO DO PRAZO
Nº do Documento: RP202206271588/19.8T8OVR-B.P1
Data do Acordão: 06/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Os embargos de terceiro constituem o meio processual idóneo para a efectivação de qualquer direito do embargante incompatível com uma diligência de cariz executório, não tendo que ter, necessariamente, por fundamento a posse, mas a existência de qualquer direito incompatível com a diligência judicial ordenada;
II – Por isso o que releva é o direito que o embargante invoca como sendo incompatível com o acto de cariz executório judicialmente ordenado e, por conseguinte, susceptível de lhe ser oposto e prevalecer sobre o direito acautelado através do acto de apreensão/restituição de bens;
III - A data que importa para aferir da eventual caducidade dos embargos é aquela em que se concretizou (com a investidura dos exequentes na posse do imóvel, a mudança da fechadura da porta de entrada da casa e a saída da embargante, que deixou de a habitar) o acto alegadamente ofensivo daquele direito e do qual a embargante teve imediato conhecimento;
IV - O prazo para a instauração de embargos de terceiro é um prazo de caducidade, a que se aplicam as normas do artigo 138.º do CPC, mas não as do artigo 139.º do mesmo compêndio normativo, mormente o seu n.º 5 que estabelece um prazo de complacência para a prática de actos em processo já a correr termos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1588/19.8T8OVR-B.P1
Embargos de terceiro
Comarca de Aveiro
Juízo de Execução de Ovar

Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

IRelatório
Em 29.06.2020, AA, veio, por apenso aos autos de execução comum para entrega de coisa certa que, sob o n.º 1588/19.8T8OVR, correm termos pelo Juízo de Execução de Ovar, em que são exequentes BB e marido CC e executada DD, deduzir embargos, com os seguintes fundamentos:
Com a instauração da execução, os embargados vieram requerer a restituição, livre de pessoas e bens, do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... da União de freguesias ... e ..., concelho de Aveiro, e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ..., de que são proprietários, restituição que se consumou no dia 27.02.2020, em diligência presidida pela Sra. Agente de Execução.
Acontece que tinha «poder para usufruir do imóvel» porquanto, em 26.09.2014, celebrou com os embargados um contrato pelo qual estes prometeram vender-lhe e ela, embargante, prometeu comprar-lhes, 1/3 (uma terça parte) daquele prédio e no contrato-promessa ficou estipulado que ela teria «todos os direitos e obrigações como se tivesse escriturado e registado 1/3 (um terço) em seu nome, nomeadamente colhendo proveitos e liquidando 1/3 (um terço) das despesas e imposto inerentes a tal propriedade…».
Em 19 de janeiro de 2018, informou os Embargados que iria passar a habitar o imóvel e assim fez, tendo passado a habitar aquele prédio de forma pacifica e pública, sem nunca ter merecido qualquer oposição a essa ocupação por parte dos embargados.
Conclui que «a penhora efetuada ofende a posse» e por isso está justificado o recurso à oposição por embargos de terceiro.
Remata pedindo a restituição provisória da posse.
Em 09.09.2020, foi proferido despacho a admitir, liminarmente, os embargos e, do mesmo passo, foi ordenada a suspensão dos ulteriores termos da execução e a restituição provisória da posse à embargante, sem prestação de caução.
Notificados os embargados (exequentes e executada), vieram os primeiros apresentar contestação, alegando, no que para aqui releva, a sua extemporaneidade, que fundamentam assim:
O prédio foi-lhes entregue no dia 27/02/2020 através da agente de execução, tendo sido mudada a fechadura da porta na presença da PSP e da embargante.
Por isso foi nessa data que a embargante teve conhecimento do direito que considera violado.
Tinha o prazo de 30 dias para deduzir embargos, ou seja, até ao dia 28/03/2020 (que, coincidindo com um sábado, passou para a segunda-feira seguinte, 30/03/2020).
Porém, a petição de embargos deu entrada em Juízo no dia 29/06/2020.
Mesmo considerando que os prazos processuais estiveram suspensos entre 07/03/2020 e 02/06/2020, os embargos são extemporâneos.
Concluíram pela improcedência dos embargos.
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Em despacho proferido em 16.12.2020, o Sr. Juiz entendeu não haver razões para convocar a audiência prévia, fixou em € 5.000,01 o valor da causa, proferiu despacho saneador tabelar, fixou o objecto do processo e enunciou os temas de prova, admitiu a produção dos meios de prova indicados pelas partes e designou logo data para a audiência final.
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A audiência final iniciou-se em 15.09.2021 e, logo a abri-la, o Sr. Juiz proferiu o seguinte despacho:
«Partindo das premissas que os embargados exequentes alegaram no seu requerimento de 14/07/2021, verifica-se que, efetivamente, o prazo de caducidade para a propositura dos embargos de terceiro, previsto no art. 344.º, nº2 do CPC, se completou no dia 22/06/2020, e, por conseguinte, foi em momento anterior àquele em que os embargos foram deduzidos (29/06/2021).
Assim sendo, e para evitar a prática de atos inúteis - que são proibidos nos termos do art. 130.º do mesmo código -, sugiro aos Ilustres Mandatários que a audiência se inicie pelos enunciados relativos à exceção de caducidade dos embargos, tendo em conta a ordem de precedência lógica na apreciação das questões invocadas pelas partes (confrontar fls. 42 e despacho ali proferido quanto à fixação do objeto do litigio), nomeadamente ouvindo a Sr.ª Agente de Execução sobre a diligência ocorrida em 27/02/2020.»
Foi ouvida a Sra. Agente de Execução e, não tendo sido indicadas quaisquer outras provas, os ilustres mandatários das partes usaram da palavra para se pronunciarem sobre esta excepção, após o que o Sr. Juiz proferiu a seguinte decisão:
«Considerando que os Ilustres Mandatários aceitaram que fosse discutida como questão prévia a exceção de caducidade dos embargos de terceiro, e porque já foi produzida toda a prova quanto a esta questão, considero adequado, ao abrigo dos poderes/deveres de gestão processual, que o Tribunal se pronuncie sobre a indicada questão, dado que, sendo a mesma não favorável à embargante, isso significa que as demais questões por si alegadas terão de merecer pronunciamento judicial, e na hipótese de lhe ser favorável, o processo termina de imediato.
A questão a solucionar consiste em saber se procede a exceção de caducidade dos embargos de terceiro alegada pelos exequentes embargados nos art. 1º a 13º da contestação.
Factos relevantes para apreciação deste litígio:
a - A finalidade da execução consiste na restituição do prédio urbano descrito na CRP de Aveiro sob o nº ... da união de freguesias ... e ... aos autores e aqui exequentes e embargados CC BB, devoluto de pessoas e bens [cf. segmento da al. b) do dispositivo da sentença dada à execução];
b- Em 18/12/2019, a agente de execução designada nos autos principais, deslocou-se ao referido imóvel tendo advertido os ocupantes para entregar o imóvel livre de pessoas e bens, conforme auto de diligencia de 18/12/2019, cujos dizeres se dão por integralmente reproduzidos;
c- Em 27/02/2020, a mesma agente de execução deslocou-se ao referido imóvel, tendo elaborado auto de apreensão e de investidura de posse, praticando nomeadamente os atos de mudança de fechadura e arrolamento de bens existentes no interior do imóvel, tudo em conformidade com o auto de arrolamento e o auto de apreensão e investidura de posse, lavrados em 27/02/2020, cujos dizeres se dão por integralmente reproduzidos;
d- Em 22/06/2020, a mesma agente de execução deslocou-se ao mesmo imóvel, tendo praticado o seguinte ato: terminou a remoção dos bens móveis pertencentes à embargante e que existiam no interior do imóvel, tudo em conformidade com o auto de 22/06/2020, que se encontra assinado pela embargante, e cujos dizeres se dão por integralmente reproduzidos;
e- Em 29/07/2020, a mesma agente de execução declarou ter entregue as chaves do referido imóvel ao mandatário da exequente, conforme auto de entrega, com essa data, cujos dizeres se dão por integramente reproduzidos.
Estes enunciados encontram-se plenamente provados por força da aplicação das regras de prova legal relativas aos documentos autênticos, dado não terem sido impugnados nem arguida a sua falsidade pelas partes.
Direito:
Considerando que o ato processual que a Sr.ª Agente de Execução teria de praticar consistia na restituição do imóvel aos aqui exequentes embargados, devoluto de pessoas e bens, e resultando da matéria de facto plenamente provada que a Sr.ª Agente de Execução só terminou a remoção dos bens móveis pertencentes à embargante, e que existiam no interior daquele imóvel, no dia 22/06/2020, e mais considerando que os embargos deram entrada em juízo a 29/06/2020, há que concluir que o prazo de caducidade previsto no art. 344.º, nº 2 do CPC não havia ainda decorrido por completo nessa altura.
Note-se que o ato a praticar pelo agente de execução abrangia não só a desocupação do imóvel de pessoas, mas também a desocupação de bens, e, como resulta do auto de 22/06/2020, só nessa data a Sr.ª Agente de Execução terminou a remoção dos bens, como, aliás, expressamente fez constar nesse auto.
Assim sendo, conclui-se pela tempestividade dos presentes embargos, devendo a audiência final prosseguir para discussão, prova e pronunciamento judicial das demais questões relativas ao objeto do litígio já fixado e aos temas da prova também já enunciados.»
Inconformados com essa decisão, os embargados BB e CC dela interpuseram recurso de apelação, com os fundamentos explanados na respectiva alegação, que condensaram nas seguintes conclusões:
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Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso
São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo).
Como decorre, com meridiana clareza, das conclusões transcritas, as questões que os recorrentes submetem à sindicância deste tribunal de recurso são as seguintes:
- alteração da matéria de facto selecionada como assente e considerada relevante para a decisão sobre a excepção peremptória da caducidade dos embargos porque o decidido peca por omissão de factos relevantes;
- se o tribunal errou na interpretação e aplicação do direito, mormente da norma do artigo 344.º, n.º 2, do CPC.

IIFundamentação
1. Fundamentos de facto
Na decisão recorrida foram considerados assentes e relevantes para o conhecimento da excepção de caducidade dos embargos os factos enunciados sob as alíneas a) a e), supra reproduzidas, mas os recorrentes pugnam pela alteração do conteúdo das alíneas b) e c), que importa aqui destacar:
«b- Em 18/12/2019, a agente de execução designada nos autos principais, deslocou-se ao referido imóvel tendo advertido os ocupantes para entregar o imóvel livre de pessoas e bens, conforme auto de diligencia de 18/12/2019, cujos dizeres se dão por integralmente reproduzidos;
c- Em 27/02/2020, a mesma agente de execução deslocou-se ao referido imóvel, tendo elaborado auto de apreensão e de investidura de posse, praticando nomeadamente os atos de mudança de fechadura e arrolamento de bens existentes no interior do imóvel, tudo em conformidade com o auto de arrolamento e o auto de apreensão e investidura de posse, lavrados em 27/02/2020, cujos dizeres se dão por integralmente reproduzidos;»
Os recorrentes pretendem que se introduzam alterações no conteúdo destas alíneas, por forma a ficarem com a seguinte formulação:
«b- Em 18/12/2019, a agente de execução designada nos autos principais, deslocou-se ao referido imóvel tendo advertido a embargante AA para entregar o imóvel livre de pessoas e bens, conforme auto de diligencia de 18/12/2019, cujos dizeres se dão por integralmente reproduzidos;»
«c- Em 27/02/2020, a mesma agente de execução deslocou-se ao referido imóvel, tendo elaborado auto de apreensão e de investidura de posse, praticando nomeadamente os atos de mudança de fechadura e arrolamento de bens existentes no interior do imóvel, “não tendo a embargante aí continuado a permanecer”, tudo em conformidade com o auto de arrolamento e o auto de apreensão e investidura de posse, lavrados em 27/02/2020 e assinados pela embargante, cujos dizeres se dão por integralmente reproduzidos;»
As alterações propostas teriam suporte probatório nos referidos documentos da autoria da Sra. Agente de Execução e nas declarações por esta prestadas na audiência final e justificar-se-iam para que não fique a dúvida, que o tribunal quis deixar a pairar, sobre as datas em que a embargante tomou conhecimento do acto ofensivo do direito que invoca e em que a mesma abandonou o imóvel para não mais nele habitar.
Além de especificar os concretos pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados pelo tribunal recorrido e da indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe outra decisão, ao recorrente que impugne a decisão sobre matéria de facto impõe-se que explicite os motivos que impõem essa diferente decisão.
Podemos considerar satisfatoriamente cumpridos esses ónus pelos recorrentes e por isso resta saber do bem fundado da sua pretensão de ver acrescentados os mencionados segmentos factuais.
Qualquer decisão (sentença ou simples despacho) que tenha de assentar numa base factual deve conter todos os factos essenciais por forma a cobrir todas as soluções plausíveis da questão ou questões de direito.
Ora, no despacho recorrido manifesta-se o entendimento de que o acto a praticar pela Sra. Agente de Execução era a restituição do imóvel livre e devoluto, não só de pessoas, mas também de bens («Note-se que o ato a praticar pelo agente de execução abrangia não só a desocupação do imóvel de pessoas, mas também a desocupação de bens»), pelo que a data relevante para aferir da caducidade dos embargos de terceiro seria a de 22/06/2020, quando se concluiu a remoção dos bens móveis existentes no prédio restituído.
Não é esse o entendimento dos recorrentes, para quem o acto alegadamente ofensivo do direito da embargante é (apenas) a restituição do imóvel, pelo que a data relevante seria aquela em que se procedeu à sua efectiva entrega aos exequentes/embargados e a embargante deixou de o habitar.
Essa é, realmente, uma diferente perspectiva da questão de direito a decidir e, como adiante melhor se explicitará, é perfeitamente pertinente e plausível e por isso importa que na factualidade assente fique bem claro quando é que o imóvel ficou livre de pessoas.
Vejamos, pois, se a pretensão dos recorrentes tem o necessário suporte probatório.
Apesar do seu estatuto híbrido, mas com prevalência da vertente de profissional liberal independente, o agente de execução, no exercício da sua função, prossegue um notório interesse público e exerce poderes públicos.
Por isso, os actos processuais que pratica no âmbito das suas funções (actos próprios de oficial público) «constituem documentos autênticos com a força probatória plena inerente a essa sua natureza» (Ac. TRG de 01.03.2018, processo n.º 103/10.9TBGMR.G1; Des. Pedro Damião e Cunha).
Os documentos que alicerçam a pretensão dos recorrentes são o denominado “auto de diligência” elaborado em 18.12.2019 e o “auto de apreensão e de investidura de posse” elaborado em 27.02.2020.
No primeiro, a Sra. Agente de Execução consignou o seguinte:
«Para os devidos efeitos declaro que no dia 18/12/2019 pelas 9:00 horas estive presente na Travessa ..., Aveiro, morada a que se refere os presentes autos. Fui recebida pela Sra. AA residente no locado a quem adverti que a diligência para a tomada de posse do imóvel se encontra marcada para o dia 16/01/2020 pelas 9:00 horas e que deverá entregar o imóvel livre de pessoas e bens.
É quanto me cumpre certificar em face do exposto e ao que me reporto em caso de dúvida».
Por seu turno, o «auto de apreensão e de investidura de posse”, no que para aqui interessa, tem o seguinte conteúdo:
«Pelas 13:30 do dia 27 de Fevereiro de 2020, na Travessa ..., ... Aveiro, procedei à investidura do(a) exequente(s) na posse do imóvel objecto do presente processo, entregando-lhe as respectivas chaves do mesmo, nos termos abaixo indicados:
(…)
(07) Procedeu-se à mudança de fechaduras da porta de entrada do imóvel (…). As chaves ficaram na posse da signatária.
(08) Observações: Faço constar que todos os bens que constam do auto de arrolamento foram fotografados, sendo que a casa foi fechada na presença da polícia e houve mudança de fechaduras. Procedi a notificação a AA»
Do auto fez a Sra. Agente de Execução constar, ainda, o seguinte:
«A pessoa que assina o presente é a pessoa que habita/ocupa o imóvel sem habilitação para o efeito»
seguindo-se a assinatura atribuída a AA.
A autenticidade destes documentos não foi posta em causa pela embargante/recorrida, nem esta negou que seja do seu punho a assinatura aposta no segundo.
Do primeiro documento resulta, à evidência, que quem residia no imóvel era a embargante AA (a própria o alega na petição de embargos) e foi, necessariamente, a esta que a Sra. Agente de Execução advertiu que teria de entregar o imóvel livre de pessoas e bens.
Do segundo decorre, inequivocamente, que a restituição do imóvel e a sua entrega aos aqui recorrentes (mediante a investidura na posse) ocorreu no dia 27.02.2020 (como, aliás, admite a embargante na petição de embargos: «Restituição essa que ocorreu em 27/02/2020, através da diligência presidida pela Agente de Execução, Dra. EE»).
Tal como é incontroverso que, a partir dessa data, a casa ficou fechada e a embargante não mais foi habitá-la ou aí permaneceu, como assegurou a Sra. Agente de Execução no depoimento que prestou sobre esta matéria.
É, pois, de acolher a pretensão dos recorrentes, alterando-se o conteúdo das alíneas b) e c), que passará a ser o seguinte:
«b- Em 18/12/2019, a agente de execução designada nos autos principais, deslocou-se ao referido imóvel tendo advertido a embargante AA para entregar o imóvel livre de pessoas e bens, conforme auto de diligencia de 18/12/2019, cujos dizeres se dão por integralmente reproduzidos;»
«c- Em 27/02/2020, a mesma agente de execução deslocou-se ao referido imóvel, tendo elaborado auto de apreensão e de investidura de posse, praticando nomeadamente os atos de mudança de fechadura e arrolamento de bens existentes no interior do imóvel, não tendo a embargante aí permanecido, tudo em conformidade com o auto de apreensão e investidura de posse, lavrado em 27/02/2020 e assinado pela embargante, cujos dizeres se dão por integralmente reproduzidos;»

2. Fundamentos de direito
É muito simples a questão de direito a decidir nesta instância, que consiste em determinar o termo inicial do prazo, a partir de quando se conta o prazo de trinta dias para deduzir embargos de terceiro.
Importa frisar este ponto: não está aqui em causa saber se a diligência levada a cabo pela Sra. Agente de Execução ofende algum direito da embargante com ela incompatível, mas se está precludido o direito de oposição à diligência por intempestividade dos embargos.
Do n.º 2 do artigo 344.º do CPC decorre que aquele prazo se inicia no dia seguinte àquele em que foi efectuada a diligência ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa (mas nunca depois de os respectivos bens terem sido vendidos ou adjudicados).
Ultrapassada a fase introdutória dos embargos e recebidos estes, é sobre o embargado que recai o ónus de alegar e demonstrar a sua extemporaneidade, provando que o embargante teve conhecimento da diligência ofensiva há mais de 30 dias[1].
Os recorrentes sustentam que a embargante teve conhecimento do acto ofensivo do seu direito no dia 18 de Dezembro de 2019, pelo que, quando foram deduzidos os embargos, em 29.06.2020, há muito que estava precludido o direito de se lhe opor (conclusões 4.ª e 5.ª).
Ressalvado o devido respeito, é manifesto que não têm razão neste ponto.
Sendo o embargante um terceiro, é natural que não coincidam o momento do conhecimento do acto ofensivo e o momento da sua prática. Por isso a lei prevê as duas hipóteses para o termo inicial do prazo.
Ora, no dia 18.12.2019, a Sra. Agente de Execução limitou-se a deslocar-se ao prédio e a comunicar à embargante AA (que o habitava) que teria de o entregar livre de pessoas e bens e que a diligência para a sua “tomada de posse” estava designada para o dia 16.01.2020, o que é dizer que o acto ofensivo do invocado direito da embargante não foi praticado naquela primeira data, pelo que não se iniciou aí a contagem do prazo de 30 dias.
Mas também se nos afigura errada a decisão recorrida que considerou como termo inicial o dia 22.06.2020, data em que terminou a remoção dos bens que a embargante tinha no prédio a restituir.
Ali se argumenta que o ato processual a praticar pela Sra. Agente de Execução consistia na restituição do imóvel devoluto, não só de pessoas, mas também de bens e daí a ter-se considerado a data de 22.06.2020.
Porém, com todo o respeito devido, o argumento não é válido.
A restituição do prédio livre de pessoas e bens é o pedido formulado pelos exequentes na acção executiva que instauraram contra DD e em relação à qual a recorrida AA é terceira (só nesse pressuposto poderia deduzir embargos de terceiro).
Os embargos de terceiro constituem o meio processual idóneo para a efectivação de qualquer direito do embargante incompatível com uma diligência de cariz executório, não tendo que ter, necessariamente, por fundamento a posse, mas a existência de qualquer direito incompatível com a diligência judicial ordenada.
Por isso está bem de ver que o que releva é o direito que o embargante invoca como sendo incompatível com o acto de cariz executório judicialmente ordenado e, por conseguinte, susceptível de lhe ser oposto e prevalecer sobre o direito acautelado através do acto de apreensão/restituição de bens (inviabilizando-o na sua totalidade ou circunscrevendo-o a certo âmbito ou extensão).
Ora, o direito de que a embargante se arroga titular é um direito sobre o imóvel [que diz ser um direito a usufruí-lo e que lhe adviria do facto de ter prometido comprar aos embargados uma terça parte (1/3) e ter ficado estipulado no contrato-promessa que ela teria «todos os direitos e obrigações como se tivesse escriturado e registado 1/3 (um terço) em seu nome»], cuja entrega coerciva foi pedida pelos exequentes/embargados e não sobre os móveis que lá tinha.
A data que importa para aferir da eventual caducidade dos embargos é, decididamente, o dia 27.02.2020, pois foi nesta data que se concretizou (com a investidura dos exequentes na posse do imóvel, a mudança da fechadura da porta de entrada da casa e a saída da embargante, que deixou de a habitar) o acto alegadamente ofensivo daquele direito e do qual a embargante teve imediato conhecimento[2].
Tendo-se iniciado no dia 28.02.2020 a contagem do prazo de 30 dias, o seu termo final (levando em consideração o período em que os prazos de caducidade, por força da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, estiveram suspensos – entre 07.03.2020 e 02.06.2020) ocorreu em 24.06.2020[3].
Importa fazer notar que o prazo para a dedução de embargos de terceiro é um prazo de caducidade, a que se aplicam as normas do artigo 138.º do CPC (suspendendo-se nas férias judiciais e, se terminar em dia em que os tribunais estejam encerrados, o seu termo transfere-se para o primeiro dia útil seguinte), mas não as do artigo 139.º do mesmo Código, mormente o seu n.º 5 que estabelece um prazo de complacência para a prática de actos em processo já a correr termos, pois não se trata de um prazo processual. Foi, porventura, por não ter tido em consideração essa qualificação que a embargante deduziu os embargos no terceiro dia útil seguinte (29.06.2020), quando já se tinha esgotado o prazo de 30 dias.
Impõe-se, pois, concluir pela procedência da excepção de caducidade, pelo que não pode manter-se o despacho recorrido.

III - Dispositivo
Termos em que acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação dos embargados BB e CC e, em consequência, revogar a decisão recorrida, julgando-se procedente a excepção peremptória de caducidade e precludido o direito de oposição mediante embargos de terceiro.
Sem tributação.
(Processado e revisto pelo primeiro signatário).

Porto, 27/6/2022
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
_______________
[1] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, 4.ª edição, Almedina, pág. 681, onde estão enunciadas as posições (divergentes) da doutrina e da jurisprudência sobre esta questão.
[2] Cabe aqui salientar que estes são embargos com função repressiva.
[3] Importa lembrar que, em 2020, o mês de Fevereiro foi de 29 dias.