Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3791/14.8TBMTS-Q.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
DISPENSA DE PAGAMENTO
Nº do Documento: RP201804263791/14.8TBMTS-Q.P1
Data do Acordão: 04/26/2018
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º131, FLS.133-141)
Área Temática: .
Sumário: I - Salvo situações excecionais e anómalas em que a parte seja surpreendida com a conta de custas e a quantia a pagar, sem que antes pudesse, razoavelmente, exigir-se-lhe que avaliasse os efeitos da condenação em custas, com desrespeito pela regra da proporcionalidade no acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva e com consequência intolerável para ela, a regra, na aplicação do mecanismo do nº 7 do art.º 6º do Regulamento das Custas Processuais é a de que, não se pronunciando o juiz oficiosamente sobre a dispensa do pagamento do remanescente de taxa de justiça no momento da condenação ou mesmo posteriormente, as partes, invocando os respetivos pressupostos, podem requerer aquela dispensa de pagamento, contanto que o façam antes da elaboração da conta de custas.
II - O pedido de reforma da condenação em custas ou o recurso, quando admissível, são meios idóneos à dedução do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do art.º 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 3791/14.8TBMTS-Q.P1 (apelação)
Comarca do Porto – Instância Central – 1ª Secção de Execução

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I.
No processo nº 3791/14.8TBMTS-Q, em que é exequente B… e OUTROS e executado o MUNICÍPIO C…, todos ali melhor identificados, foi requerida pelos primeiros a liquidação do valor do bem que aquele foi condenado a entregar e não entregou, bem como do prejuízo resultante da falta de entrega. Mais requereram a condenação do executado no pagamento da sanção pecuniária compulsória de €498,80 desde o reconhecimento definitivo da impossibilidade da entrega do terreno pelo executado até à entrega ou levantamento judicial do capital que o executado entender dever ser a contrapartida do terreno.
Para tanto, os exequentes alegaram que a parcela de terreno em causa se situa em área urbana de intensa expansão urbanística, muito valorizada e dotada de todas as infraestruturas urbanas, pelo que o valor dela deve ser fixado em €3.534.000,00.
O processo seguiu a sua tramitação até que, em 23 de outubro de 2014, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente o incidente de liquidação, condenando o executado a pagar aos exequentes a quantia de €1.390.248,98 (a quantia de €1.320.161,04 atualizada até fevereiro de 2014).
Mais se condenaram ali os exequentes e o executado nas custas do incidente, na proporção do decaimento.
Os autos foram remetidos à conta que apurou um saldo de custas no montante de €18.654,00 a cargo dos exequentes.[1]
Notificados da conta nos termos do art.º 31º do Regulamento das Custas Processuais, vieram conjuntamente os exequentes e o executado, no prazo legal da reclamação, pedir a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida por ambos na ação.
Argumentam as partes que o presente incidente, pese embora os valores envolvidos, não revestiu especial complexidade, estando em causa, essencialmente, questões técnicas relativas ao cálculo do valor de uma parcela de terreno, não se suscitaram quaisquer questões jurídicas de difícil resolução, o processo desenvolveu-se num âmbito primacialmente factual e técnico e a conduta processual das partes sempre se pautou no sentido da cooperação e da concorrência para a justa composição do litígio, pelo que, na sua perspetiva, devem as taxas de justiça já liquidadas pelas partes constituir contraprestação bastante e proporcional pela tramitação da ação.
Sobre requerimento fez o tribunal recorrido recair a seguinte decisão, ipsis verbis:
«Do pedido de dispensa de pagamento do remanescente taxa de justiça devida por ambas na presente ação:
Como resulta do disposto no art°. 607°. n°. 6 do Código de Processo Civil a responsabilidade pelas custas é fixada na sentença, sendo nesta sede que o Tribunal, oficiosamente ou a requerimento das partes, e ao abrigo do disposto no art°. 6.° n.° 7 do Regulamento das Custas Processuais, pode dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida causas de valor superior a €275.000 “se a especificidade da situação o justificar”.
E, na falta de decisão do juiz, entendendo as partes que se mostram verificados os referidos pressupostos de tal dispensa de pagamento, podem estas requerer, a reforma da decisão quanto a custas ou, se couber recurso da decisão que condene em custas, incluir tal matéria na alegação do recurso – cfr. Salvador da Costa, As Custas Processuais, 6ª. Ed. Pag. 135 - não sendo a reclamação da conta o momento adequado para as partes peticionarem a dispensa do remanescente da taxa de justiça em causa porquanto tal incidente destina-se tão-só à reforma da conta que enferme de erro, ou por não ter sido elaborada em conformidade com a condenação em custas ou por ter sido elaborada em desconformidade com as regras legais que que regulam a sua elaboração – neste sentido, por ver-se, Acórdão da Relação de Lisboa de 22 de junho de 2016, pub. in www.dgsi.pt - sendo, assim, extemporânea a pretensão dos requerentes.
Termos em que, por manifesta extemporaneidade, se indefere a requerida dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça de vida.
(…)»
*
Inconformados, apelaram também em conjunto os exequentes e o executado, produzindo alegações com as seguintes CONCLUSÕES:
«A) A decisão recorrida anda mal quando aprecia a pretensão dos Recorrentes como que consubstanciando uma reclamação ou pedido de reforma em relação â conta de custas, e não já como uma questão incidental, suscitada autonomamente.

B) Efectivamente, o por si requerido não imputa à conta de custas qualquer vício e/ou deficiência que pudesse subsumi-la à previsão do artigo 31.º do R.C.P.; ao invés, os Recorrentes procuraram suscitar a questão da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, aproveitando o prazo em curso para, querendo, reclamarem da conta de custas.

C) O n.° 7 do artigo 6.° do R.C.P. não prevê um prazo especifico para que o Julgador utilize ou exerça o poder-dever que ali lhe é conferido de apreciar da dispensabilidade das partes quanto ao pagamento do remanescente da taxa de justiça.

D) Atendendo a esse circunstancialismo, só após a elaboração da conta ficam a conhecer as partes se o Tribunal fez uso ou não desse poder, sendo que o seu não exercício não preclude o direito das partes em momento ulterior à elaboração e notificação da conta de custas, mas antes do termo do prazo legal para pagamento, de requerer a dispensa do pagamento, à luz do n.° 7 do artigo 6.° do R.C.P.

E) Nessa medida, é desajustada a conclusão do Tribunal recorrido, sendo atempado e tempestivo o pedido formulado.

F) De resto, a colher provimento a sua tese, sempre seríamos confrontados com a situação de às partes se impor a obrigação de presumirem a formação de decisões judiciais, no caso concreto, no sentido de indeferimento da dispensa ao abrigo do n.° 7 do artigo 6.° do R.C.P., o que é de todo impensável no nosso sistema judiciário e seria sobretudo atentatório do direito de acesso ao direito e aos tribunais e ao papel do juiz que, neste conspecto, vê sobre si impender um dever processual (artigos 2.° e 608.°, n.° 2 do C.P.C. e artigo 20.° da C.R.P.).

G) Conhecendo do peticionado, dizer que no caso concreto justifica-se o deferimento do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, verificados que se acham os pressupostos legalmente definidos.

H) Com efeito, considerando a conduta processual das partes, dizer que as mesmas apenas praticaram os actos para os quais a lei lhes reconhecia possibilidade, no legítimo exercício do direito ao contraditório, tendo actuado ademais em respeito ao dever de reciproca correcção, em vista da justa composição do litígio.

I) Por outro lado, falamos de um incidente de liquidação da decisão proferida nos autos principais, em que se visou quantificar uma indemnização, e no qual a prova pericial realizada, de resto, se revelou central na definição do iter desenvolvido pelo Senhor Juiz na formação da sua decisão.

J) A par disso, sempre se diga que a seguir aos articulados das partes, apenas se sucedeu a produção de prova pericial, com inerentes esclarecimentos, e audiência de julgamento, dando lugar à prolação da decisão final.

K) Ora, a tramitação mais ou menos demorada dos autos é independente da vontade dos Recorrentes, que para ela não contribuíram senão na medida do legítimo exercício dos seus direitos, e sempre com cumprimento dos prazos processuais de que para eles dispunha, e o seu volume advém da natureza inerente de um processo judicial, não sendo de per si condição para a complexidade.» (sic)
Terminam, assim, a apelação pedindo a substituição da decisão recorrida por outra que, deferindo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, determine a elaboração de nova conta de custas do processo.

O Ministério Público apresentou contra-alegações que sintetizou assim:
«l- Por despacho datado de 19/12/2017, o tribunal a quo indeferiu a pretensão de dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art.° 6.°, n.° 7, do RCP, por manifesta extemporaneidade.

2 - Para além da discussão contravertida sobre a extemporaneidade do pedido, no caso em apreço não se verificam os pressupostos a que alude o art.° 6.°, n.° 7, do RCP.

3- Nem a especificidade da situação, nem a complexidade da causa ou a conduta processual das partes é de molde a justificar a dispensa do pagamento da taxa de justiça.

4- Assim, o elevado número de documentos, as várias sessões da audiência de julgamento, o elevado número de testemunhas inquiridas, a complexidade das questões submetidas à prova pericial, os vários incidentes processuais, evidenciam de forma manifesta o enorme trabalho material submetido a apreciação do tribunal de l .ª instância e objecto de reapreciação pelo Tribunal da Relação.

5- O princípio da proporcionalidade e o direito de acesso à justiça, que funcionam como válvulas de segurança que permitem assegurar a equidade e a proporcionalidade entre o serviço prestado e o benefício recebido, não acusam qualquer desequilíbrio entre as taxas devidas e o serviço prestado.

6- A decisão recorrida não viola qualquer disposição legal, pelo que deverá ser mantida.» (sic)
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II.
Questões a apreciar
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido, e não matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 634º e 639º do Código de Processo Civil).

Considerando o despacho recorrido, está para decidir se o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça é extemporâneo.
Os recorrentes pretendem ainda que, reconhecida que seja a tempestividade daquele pedido, se defira o requerimento que apresentaram a 12.7.2017, concedendo-se-lhes a dispensa de pagamento das taxas de justiça no que excede os valores já liquidados pelas partes.
*
III.
Os factos, de índole processual, são os que constam do relatório que antecede, sem controvérsia.
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IV.
1. O pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça é extemporâneo?
O art.º 529º, nº 1, do Código de Processo Civil, estabelece que a taxa de justiça está abrangida nas custas do processo (nº 1) e corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente, sendo fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais (nº 2). Esta ideia é reproduzida no art.º 6º, nº 1, daquele Regulamento, de onde consta expresso que “a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento”, mas acrescentando-se ali que, na falta de disposição especial, se aplica a tabela I-A, que faz parte integrante daquele mesmo diploma legal.
Da referida tabela resulta que, quando a ação tenha valor superior a €275.000,00, ao valor da taxa de justiça que resulta da aplicação do art.º 6º, nº 1, acresce, a final, por cada €25.000,00 ou fração, 3 UC (€306,00).
Devendo naquelas ações (de valor superior a €275.000,00) o remanescente da taxa de justiça ser considerado na conta a final, o mesmo não será atendido se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento (nº 7 do art.º 6º do Regulamento das Custas Processuais).
O que decorre do art.º 6º são critérios de fixação de taxa de justiça e a sua variabilidade em função não só do valor da causa, mas também da sua efetiva complexidade, assim como o benefício nesta matéria a quem utilize os meios eletrónicos na entrega de peças processuais. O legislador previu e fixou a taxa de justiça que deve sempre ser paga pelo impulso processual relativamente a todas as causas de valor inferior ou igual a €275.000,00, ficando, todavia, o montante da taxa correspondente a valor superior a €275.000,00 dependente da verificação de determinados pressupostos legais.
De acordo com o art.º 530º, nº 7, do Código de Processo Civil, para feitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações (…) que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

A redação da citada norma do nº 7 do art.º 6º é clara no sentido da dispensa do pagamento pelo juiz em momento prévio à elaboração da conta, mas não impõe que o seu conhecimento ocorra na sentença, até porque depois dela podem ocorrer vicissitudes várias, designadamente em sede de recurso, que justifiquem a dispensa total ou parcial de pagamento do remanescente. Para o efeito, a pedido da parte ou por sua iniciativa, a secretaria deve abrir conclusão ao juiz antes da elaboração da conta de custas.
A conta é elaborada pela secretaria do tribunal que funcionou em 1ª instância no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão final (art.º 29º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais) e terá que levar em consideração todos os aspetos da condenação em custas, no que se inclui qualquer dispensa de pagamento e onde, designadamente, se discriminam as taxas de justiça devidas e as taxas pagas (art.º 30º, nº 1 e nº 3, al. a), do Regulamento das Custas Processuais).
Se ambas as partes forem responsáveis em virtude de ter havido decaimento (sucumbência) de cada uma, será elaborada uma conta para cada, na qual se imputará o valor referente ao remanescente, independentemente da proporção do decaimento, tendo em conta que o acerto dos valores será feito através do instituto de custas de parte.
O título executivo na execução por dívida de custas, misto, é o documento que insere a condenação no pagamento das custas juntamente com o documento que consubstancia o ato de contagem.
A reclamação da conta de custas, prevista no art.º 31º destina-se a permitir que a parte responsável pelo pagamento das custas, em dez dias, peça a reforma, reclame da conta ou efetue o pagamento.
A reclamação e as reforma da contam visam obter a correção de erro do contador na sua elaboração, face ao conteúdo da condenação no seu pagamento e às disposições legais em que se baseia diretamente, e não a alteração daquela decisão.
Em harmonia com o exposto, é atendendo aos termos da condenação em custas que as partes com direito a custas de parte, devem remeter para o tribunal e para a parte vencida a respetiva nota discriminativa até cinco dias após o trânsito em julgado da decisão (art.º 25º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais e art.º 31º da Portaria nº 419-A/2009, de 17 de abril, alterada pela Portaria nº 82/2012, de 29 de março).
Só depois de notificados da conta de custas, isto é, depois da condenação em custas, do trânsito em julgado da sentença e da elaboração da conta, é que os recorrentes manifestaram pretender que o tribunal use do mecanismo previsto no art.º 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais; aproveitaram para o efeito, o prazo de reclamação da conta, não reclamando dela propriamente.
A reclamação da conta de custas não é o meio processualmente adequado à dedução da pretensão de dispensa da taxa de justiça remanescente ao abrigo do n.º 7 do art.º 6.º do Regulamento das Custas Processuais.
O juiz não tratou da questão da dispensa excecional do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Não o fez na sentença, nem em momento posterior, em decisão final, até ser elaborada a conta.
As partes não requereram a reforma da decisão quanto a custas como poderiam ter feito, nem recorreram da decisão, onde então poderiam ter suscitado a questão da verificação dos pressupostos da dispensa excecional do remanescente da taxa de justiça (art.º 616º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil).
Poderia aventar-se o disposto no art.º 14º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais, segundo o qual, “nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do nº 7 do artigo 6.° e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efetuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo”. Porém, como ambas as partes foram condenadas em custas a final, nenhuma delas teria que ser notificada ao abrigo daquela norma legal para efetuar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, pois que iria ser, como terá sido, elaborada uma conta de custas para cada uma delas, a englobar o valor do remanescente devido, com notificação posterior de ambas para pagamento (art.ºs 6º, nº 7, 29º, nº 1 e 30º, do Regulamento das Custas Processuais).
A referida notificação encontra a sua justificação na necessidade que a parte vencedora - portanto, não devedora de custas - tem de apresentar a nota justificativa de custas de parte até cinco dias após o trânsito em julgado da decisão. Nessa nota justificativa tem que fazer incluir as quantias efetivamente pagas a título de taxas de justiça, no que se inclui o remanescente da taxa de justiça de que não foi dispensado (al. b) do nº 2 do citado art.º 25º).
Como assim, não foi cometida nulidade processual secundária por preterição da referida notificação, que, de resto, também não foi invocada nos autos.
Foi com a notificação da conta final para pagamento da quantia que foi considerada como sendo da responsabilidade de cada uma das partes que estas tomaram conhecimento do valor devido por cada uma delas.
Na realidade, não podia tal notificação constituir surpresa para elas, já que tinham de ter conhecimento do valor da ação e do valor das taxas de justiça pagas anteriormente, e da relevância, no caso, da aplicação do nº 7 do art.º 6º do Regulamento das Custas Processuais.
Quando foram notificadas da sentença, as partes podiam ainda e deviam ter percecionado as consequências da condenação em custas e não estavam impedidas de invocar então os pressupostos legais da dispensa do remanescente das taxas de justiça, sempre antes da elaboração a conta, deles devendo então o juiz conhecer. No entanto, nada disseram ou requereram.
A propósito, em consonância com o que dissemos já, escreve Salvador da Costa[2] que, na falta de decisão do juiz, entendendo as partes que se mostram verificados os referidos pressupostos de tal dispensa de pagamento, podem elas requerer a reforma da decisão quanto a custas ou, se couber recurso da decisão que condene em custas, incluir tal matéria na alegação do recurso.
Não enjeitamos em absoluto a concessão de relevância a um requerimento de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça após a notificação da conta, mas, neste caso, apenas num quadro em que a parte é confrontada surpreendentemente e pela primeira vez com a necessidade de proceder à entrega de tal remanescente, como acontece, por exemplo, com a parte vencedora que, devendo ser notificada nos termos do nº 9 do art.º 14º do Regulamento das Custas Processuais, por lapso do tribunal, não o foi e, por isso, não pôde incluir o valor do remanescente na sua nota justificativa e discriminativa das custas de parte. Nesta situação seria por demais injusto e gravemente atentatório do princípio do contraditório enunciado no art.º 3º do Código de Processo Civil, considerar que a parte surpreendida já nem sequer pudesse reagir porque o tribunal não disse nada sobre o assunto na sentença. Seria esta, também, uma forma acabada de denegar o direito à tutela jurisdicional efetiva, garantido no n.º 1 do art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no art.º 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, no art.º 20º da Constituição da República Portuguesa e no n.º 2 do art.º 2º do Código de Processo Civil. Caso em que há uma situação que cria uma aparência distinta da que motiva a reação e um subsequente lapso do Tribunal.[3]
Não assim no caso sub judice, em que ocorre um decaimento parcial de ambas as partes e ambas são condenadas em custas a final; não tem que ser cumprida a notificação prevista no nº 9 do art.º 14º do Regulamento das Custas Processuais, as partes conhecem o valor da ação, o seu decaimento, a condenação em custas de cada uma delas, sabem que o tribunal não fez uma ponderação oficiosa, na condenação, dos pressupostos legais da dispensa do remanescente da taxa de justiça e, ainda assim, não pediram a reforma da decisão quanto a custas, nem apresentaram qualquer requerimento de dispensa do remanescente no tempo devido, permitindo que a sentença transitasse em julgado, designadamente quanto a custas e que a conta fosse elaborada sem nada requererem.
O acórdão do Tribunal Constitucional nº 527/2016[4] decidiu não julgar inconstitucional a norma extraída do n.° 7 do artigo 6° do Regulamento das Custas Processuais (introduzida pela Lei n.° 7/2012, de 13 de fevereiro) na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas.
Escreveu-se naquele acórdão:
Centrando a atenção mais diretamente na imposição de ónus processuais, pode ler-se o seguinte no Acórdão n.º 620/2013:
“[…]
Apesar de vigorar, na definição da tramitação do processo civil, uma ampla discricionariedade legislativa que permite ao legislador ordinário, por razões de conveniência, oportunidade e celeridade, fazer incidir ónus processuais sobre as partes e prever quais as cominações ou preclusões que resultam do seu incumprimento, isso não significa que as soluções adotadas sejam imunes a um controle de constitucionalidade que verifique, nomeadamente, se esses ónus são funcionalmente adequados aos fins do processo, ou se as cominações ou preclusões que decorram do seu incumprimento se revelam totalmente desproporcionadas perante a gravidade e relevância da falta, ou ainda, se de uma forma inovatória e surpreendente, face ao texto legal em vigor, são impostas às partes exigências formais que elas não podiam razoavelmente antecipar, sendo o desculpável incumprimento sancionado em termos irremediáveis e definitivos (vide, neste sentido, Lopes do Rego, em “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade, dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, em “Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa”, pág. 839 e seg.).
[…]”.
Trata-se, em suma, de verificar se o ónus imposto à parte – ou seja, aqui, apresentar o requerimento de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do RCP – revela adequação funcional e respeito pela regra da proporcionalidade, uma vez que resultam “[…] constitucionalmente censuráveis os obstáculos que dificultam ou prejudicam, arbitrariamente ou de modo desproporcionado, o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva […]” (Acórdão n.º 774/2014). O requisito da adequação funcional visa, precisamente, evitar a imposição de exigências puramente formais, impostas arbitrariamente e destituídas de qualquer sentido útil e razoável (Acórdão n.º 275/1999; no mesmo sentido, v. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I – 2.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, pág. 440).
Para além dos aspetos assinalados, deve ponderar-se, ainda, se existem correntes jurisprudenciais que suportem a interpretação em causa, na medida em que “[…] não poderá considerar-se conforme aos princípios da segurança jurídica e do processo equitativo a imposição de ónus processuais com que a parte, agindo com a diligência devida e ponderando as correntes jurisprudenciais então vigentes, não pudesse razoavelmente antecipar” (Acórdão n.º 442/2015).
[…]
Ao contrário do que a Recorrente procurou sustentar, não se reconhece particular dificuldade na satisfação do ónus de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em momento anterior ao da elaboração da conta, nem a parte vê negado o acesso ao juiz, pois pode – em tempo – suscitar a apreciação jurisdicional da sua pretensão.
Não causa dúvida que a interpretação afirmada na decisão recorrida é, genericamente, coerente com a sucessão de atos do processo: a decisão final é proferida; depois transita em julgado; após o trânsito em julgado, o processo é contado; a conta é notificada às partes, que dela podem reclamar. Independentemente de qual seja a melhor interpretação do direito infraconstitucional (matéria sobre a qual não cabe ao Tribunal Constitucional emitir pronúncia), a fixação do apontado efeito preclusivo no momento em que o processo é contado tem coerência lógica com o processado (na medida em que a conta deverá refletir a referida dispensa), ou seja – para o que ora interessa apreciar – não se trata de um efeito que surpreenda pelo seu posicionamento na marcha processual.
Por outro lado, respeitando a interpretação afirmada na decisão recorrida, a parte dispõe de um prazo indiscutivelmente razoável para exercer a faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (que se exprime através de uma declaração que não carece de fundamentação complexa – v., in casu, fls. 78): desde a prolação da decisão final até ao respetivo trânsito em julgado, ou seja, e por referência ao processo civil, nunca menos do que quinze dias (artigo 638.º, n.º 1, do CPC). A este propósito – como, aliás, o Ministério Público sublinha – não é correto afirmar-se que a só após a notificação da conta a parte tem conhecimento dos montantes eventualmente excessivos que lhe são imputados a título de taxa de justiça. Na verdade, pelo menos após a prolação da decisão final, a parte dispõe de todos os dados de facto necessários ao exato conhecimento prévio das quantias em causa: sabe o valor da causa, a repartição das custas e o valor da taxa de justiça previsto na tabela I do RCP, por referência ao valor da ação. Assim, ressalvada a ocorrência de situações anómalas excecionais – que, no caso, não se verificaram e também não resultam do sentido normativo oportunamente enunciado como objeto do presente recurso –, a parte não pode afirmar-se surpreendida pelo valor da taxa de justiça refletido na conta: esta joga com dados quantitativos à partida conhecidos.
Acresce que a gravidade da consequência do incumprimento do ónus – que consiste na elaboração da conta sem a redução ou dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça – é ajustada ao comportamento omitido. Não se vê, aliás, que pudesse ser outra: se a parte não deduziu o pedido correspondente, a conta é elaborada nos termos gerais decorrentes da tabela legal.
[…]
Aliás, a orientação da decisão recorrida corresponde, precisamente, àquela que o próprio Tribunal Constitucional tem seguido, como, justamente, foi observado pelo Ministério Público nas suas contra-alegações. Assim, tem vindo a ser decidido, uniformemente, que a reclamação da conta não é meio adequado a fazer valer uma isenção, já que tal meio processual se destina unicamente a reagir à elaboração irregular da conta, não sendo esse o caso quando ela se mostra conforme à decisão condenatória e à lei (cfr. Acórdãos n.ºs 60/2016, 211/2013, 104/13 e 83/2013, entre muitos outros), raciocínio que, por identidade de razão, vale para o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.”

Nesta decorrência, formulado após a notificação da conta de custas, devemos concluir que é extemporâneo o pedido das partes de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, pelo que a decisão recorrida --- de indeferimento, por manifesta extemporaneidade, merece confirmação.
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2. Apreciação do requerimento apresentado a 12.7.2017, para concessão de dispensa de pagamento das taxas de justiça no que excede os valores já liquidados pelas partes
Este requerimento é precisamente aquele que as partes juntaram na expetativa de que se reconhecesse a verificação dos requisitos legais da dispensa de pagamento do remanescente das taxas de justiça a que se refere o art.º 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais.
Sendo extemporânea a apresentação de tal pedido e, tendo sido, por isso, indeferido, está prejudicada a sua apreciação.
Ainda que assim não fosse, cumpre lembrar que o objeto dos recursos é a decisão recorrida, como se extrai do art.º 627º, nº 1, do Código de Processo Civil, não podendo o recurso ter um âmbito mais alargado do que o da própria decisão impugnada.
Uma vez que a decisão recorrida se circunscreveu à questão da extemporaneidade da referida pretensão, não poderia a Relação ir além dessa questão, exceto com base na aplicação da regra da substituição ao tribunal recorrido, estabelecida no art.º 665º da mesma lei do processo, para o que sempre teria de dispor, e não dispõe, de elementos do processo que permitissem uma análise rigorosa relativa à eventual constatação dos pressupostos legais da referida dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Mas, como dissemos, o que releva aqui, absoluta e definitivamente, é o indeferimento da aludida pretensão dos requerentes, por extemporaneidade do respetivo requerimento e o efeito de prejudicialidade que daí emerge para a apreciação do objeto do mesmo requerimento.
Neste conspecto, a multo fortiori, é inevitável julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
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IV.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas da apelação pelos recorrentes.
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Porto, 26 de abril de 2018
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida (Junta em anexo declaração de voto)
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[1] Não foi junta ao recurso a conta do executado.
[2] Regulamento das Custas Processuais anotado, 5ª edição, pág. 201.
[3] Acórdão da Relação de Lisboa de 14.1.2016, proc. 7973-08.3TCLRS-A.L1-6, in www.dgsi.pt.
[4] Proferido no proc. nº 11/2016.
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Voto vencido.
Conforme escrevi no Acórdão da Relação do Porto de 07.11.2013 que relatei no proc. n.º 332/04.9TBVPA.P2, in www.dgsi.pt, e foi entendido por boa parte da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de que são exemplo os Acórdãos de 23.3.2016, 29.9.2016, 02.02.2017 e 14.02.2017, in www.dgsi.pt, continuo a entender que sendo embora o requerimento antes da prolação da sentença o modo e o tempo naturais de colocar a questão, o pedido de dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente pode ainda ser apresentado depois do trânsito em julgado da decisão final da causa e da notificação da conta de custas, neste caso através do incidente de reclamação da conta.
Não havendo na lei norma que defina em que momento tal deve ser requerido ou que fixe um limite temporal à dispensa oficiosa, nem, tão-pouco, norma que estabeleça um efeito preclusivo da não dedução do requerimento antes da prolação da decisão, nem ainda norma que fixe de modo taxativo o que pode servir de fundamento à reclamação da conta, afigura-se-nos que a proibição da prática de actos inúteis não é bastante para impedir que a questão possa ser suscitada apenas quando a parte ao ser confrontada com a conta se apercebe do respectivo montante e da sua desproporção em relação à tramitação e complexidade do processo, e afigura-se-nos outrossim que não havendo normas legais com o conteúdo atrás referido a preclusão da faculdade de o requerer só então pode privar o processo da sua indispensável natureza de processo equitativo.
Por isso, reconhecendo embora a solidez dos argumentos do presente Acórdão e o facto de o mesmo seguir a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça, somos levados a manter a nossa posição.

Aristides Rodrigues de Almeida