Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1548/20.6T8MTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
MOTIVO JUSTIFICATIVO
VALIDADE
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP202106231548/20.6T8MTS-A.P1
Data do Acordão: 06/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Para que se possa afirmar a validade do termo resolutivo aposto ao contrato é necessário que se explicitem no seu texto os factos que possam reconduzir ao motivo justificativo indicado e que tais factos tenham correspondência com a realidade.
II – A invocação no contrato, para justificar a aposição do termo certo, de um “aumento efectivo de trabalho em novos mercados, conforme o previsto na alínea f) do n.º 2 do artigo 140, do Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro”, assume-se como uma justificação vaga e genérica que não permite ao tribunal efetuar um juízo de adequação da justificação à hipótese legal e à duração certa estipulada para o contrato.
III - Considera-se celebrado por tempo indeterminado o contrato a termo e respetivas renovações quando o respetivo texto não concretiza com factos os acréscimos temporários de trabalho que foram invocados.
IV - A invocação por parte da empregadora do abuso de direito na atuação do trabalhador, na modalidade de venire contra factum proprium, não se basta com a mera alegação de que este último tivesse conhecimento de um pretenso real motivo que justificasse a contratação ou que o mesmo tivesse recebido os valores que lhe foram entregues pela empregadora, pressupondo, noutros termos, que aquela alegue e demonstre que foi por decorrência de uma atuação do trabalhador que ocorreu a preterição do requisito formal a que se alude em I e II.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 1548/20.6T8MTS-A.P1

Autor: B…
: C…, Lda.

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Relator: Nélson Fernandes
1º Adjunto: Des. Rita Romeira
2º Adjunto: Des. Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. B… intentou ação, com processo comum emergente de contrato individual de trabalho, contra C…, Lda., peticionando que seja declarado nula a cláusula de termo do contrato entre ambos celebrado, que se declare a ilicitude do despedimento a que foi sujeito e que se condene a Ré no pagamento do montante global de 8.457,21€, sendo 2.250€ a título de indemnização por antiguidade, 4.500€ de retribuições intercalares (sem prejuízo do montante devido à data do trânsito em julgado) e 1.707,21€ a título de outros créditos laborais, para além dos legais juros de mora.
Para o efeito, em síntese, alega ter sido contratado pela Ré, para exercer funções de analista informático profissional, mediante uma remuneração mensal ilíquida de 1.250€, acrescida de 250€ a título de isenção de horário e de 6,43€ de subsídio de alimentação por cada dia efetivo de trabalho, funções essas que exerceu até 30/09/2019, data na qual o vínculo cessou por iniciativa da Ré, a qual comunicou a caducidade do contrato outorgado, sendo que, diz, contudo, o motivo justificativo do termo do contrato contém uma descrição genérica e abstrata (dessa forma violando o estatuído no artigo 141.º n.º 3 do CT), pelo que a comunicação da Ré configura um despedimento ilícito, já que não precedida de processo disciplinar.

1.1. Designado dia para realização de audiência de partes, não foi possível qualquer conciliação.

2.2. Regularmente citada, veio a Ré contestar, alegando, mais uma vez em síntese, que é válido o termo aposto no contrato celebrado entre ambos, mais referindo que, em data anterior, o Autor já havia trabalhado, também por contrato a termo renovável, para a empresa, entre 01/10/2013 e 27/05/2015, sendo que, nessa altura, o termo aposto no seu contrato foi justificado “pelo aumento efetivo de trabalho de execução de testes de novos produtos que estão em desenvolvimento, e que são fundamentais para o seu lançamento no mercado, (…)”, mais acrescentando que a sua validade não foi questionada, vindo esse a cessar por vontade do Autor, que depois também não questionou a justificação do contrato agora em causa aquando da sua contratação. Mais, refere que, posteriormente, a pedido do Autor, foi o mesmo novamente contratado, sendo que ela Ré tinha intenção de entrar no mercado das cenografias digitais / estúdios virtuais, razão pela qual o termo foi justificado pela menção “aumento efetivo de trabalho em novos mercados”, o que era do conhecimento do trabalhador e corresponde à realidade, mas que, contudo, tal linha de negócio foi descontinuada, sendo que o Autor também não cumpria com as suas obrigações, o que podia justificar a instauração de um processo disciplinar ao mesmo, razão pela qual optou por fazer cessar o vínculo existente entre ambos. Considera, ainda, que a invocação da nulidade do termo traduz um manifesto abuso de direito por parte do Autor, nada podendo o mesmo reclamar a título de indemnização ou retribuições intercalares (as quais estão indevidamente calculadas), impugna, igualmente, os demais créditos reclamados. Conclui pela improcedência da ação e a sua inerente absolvição dos pedidos, mais peticionando a condenação do Autor como litigante de má-fé, no pagamento de multa e indemnização não inferior a 1.500€.

1.3. Na audiência prévia, depois de as partes terem manifestado intenção de considerarem assentes factos que expressamente mencionaram, o Tribunal a quo, por ter considerado que os autos continham já elementos que lhe permitiam “conhecer parcialmente do mérito da causa, nomeadamente da validade do termo aposto no contrato de trabalho celebrado entre as partes e da forma de cessação deste último”, veio a proferir decisão, na qual fez constar nomeadamente o seguinte (transcrição):
“(…) Da cessação do contrato de trabalho entre as partes:
É pacífico que o vínculo laboral existente entre ambas as partes já cessou, bem como que tal cessação produziu efeitos a partir de 30/09/2019.
Subjacente à cessação do vínculo esteve a carta cuja cópia consta de fls. 15v – atente-se que a comunicação de cessação de um contrato de trabalho (independentemente da forma através da qual se concretiza) é uma declaração receptícia, pelo que a produção de efeitos ocorre quando o destinatário dela toma conhecimento – art. 224.º do CC.
Da alegada ilicitude do despedimento do autor e inerentes consequências jurídicas:
Uma vez que o contrato sempre se terá de considerar como tendo sido celebrado por tempo indeterminado, a supra descrita conduta da ré (em pôr fim ao vínculo laboral) configura uma situação de despedimento o qual, não tendo sido precedido do competente processo disciplinar e não assentando em qualquer motivo justificativo, ter-se-á de considerar ilícito – art. 381º, als. b) e c) do CT.
Urge, então, extrair as consequências jurídicas de tal ilicitude.
Nos termos do disposto no art. 390.º do CT, o autor tem direito às importâncias correspondentes ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da sentença proferida a final, deduzida dos montantes a que alude o n.º 2 do mesmo artigo.
Nessa medida, as retribuições que ao autor são devidas apenas poderão ser contabilizadas a partir do dia 18/02/2020 (e não desde 30/09/2019, como peticionado), uma vez que a presente acção apenas deu entrada em juízo no dia 18/03/2020.
Assiste, ainda, ao autor o direito a ser indemnizado por todos os danos sofridos (uma vez que o mesmo optou pela indemnização por antiguidade em detrimento da sua reintegração – cfr. art. 389.º n.º 1 do CT), sendo a indemnização fixada nos termos previstos pelo art. 391º do mesmo código, ou seja, fixada entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo ou fracção de antiguidade, sendo certo que tal indemnização não pode ser inferior a três meses de retribuição base (cfr. art. 391º n.º 3).
Considerando, no entanto, que os autos irão prosseguir para apuramento da demais matéria que se mostra controvertida, relega-se para decisão final os montantes que, nesta parte, tem o autor direito a receber (retribuições intercalares e indemnização por antiguidade).
Os autos prosseguirão para apuramento da restante matéria em discussão.”

2. Não se conformando com o assim decidido, apelou a Ré, apresentando, no final das alegações, as conclusões seguintes:
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2.1. Contra-alegou o Autor, formulando as seguintes conclusões:
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2.3. O recurso foi admitido em 1.ª instância como “apelação, com subida imediata, em separado, e efeito suspensivo - arts. 79.º, al. a), 79º-A n.º 1, al. b), 80.º n.º 1, 81.º, 83º nº 2 e 83º-A nº 2 do CPT”.
Fixou-se ainda o valor da ação em €20.400€.

3. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer que emitiu, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

3.1. Em resposta ao parecer, veio a Recorrente reafirmar as razões que invocou em sede do recurso que apresentou.
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Corridos os vistos legais, nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir:

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso – artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável “ex vi” do artigo 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, as questões a decidir prendem-se com saber: se a decisão recorrida aplicou adequadamente o direito ao ter considerado, com as consequências que afirmou, que a cláusula do contrato em que se justifica o motivo para a contratação a termo certo não é válida / aplicação do regime legal; se ocorre abuso de direito; se ocorre litigância de má fé.
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III – Fundamentação
A) Fundamentação de facto
O tribunal recorrido considerou que resultam provados, por acordo das partes e decorrentes dos documentos juntos, que não mereceram impugnação, os seguintes factos (transcrição):
“1 – A ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à actividade de desenvolvimento, produção, comercialização, importação, exportação e representação de software e hardware, bem como à consultadoria e gestão tecnológica, nomeadamente nas áreas de informática, multimédia e difusão.
2 - Por acordo reduzido a escrito e datado de 01/10/2018, celebrado pelo prazo de seis meses (com início nesse mesmo dia e termo a 31/03/2019), renovável por igual período, a ré admitiu o autor para sob as suas ordens, direcção e fiscalização exercer funções inerentes à categoria profissional de analista informático profissional – cfr. doc. de fls. 11v a 13.
3 – Mais ficou acordada uma remuneração mensal de 1.250€ ilíquidos, acrescida de 250€ a título de isenção de horário e de 6,83€ a título de subsídio de alimentação por cada dia efectivo de trabalho (sendo este pago em cartão refeição).
4 – Da Cláus. 3.ª do referido contrato consta o seguinte: “A celebração do presente contrato de trabalho a termo justifica-se pelo aumento efectivo de trabalho em novos mercados, conforme o previsto na alínea f) do n.º 2 do artigo 140, do Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro”.
5 – Posteriormente, autor e ré subscreveram um aditamento ao acordo referido nos factos anteriores, datado de 19/10/2018, no qual consignaram que o subsídio de alimentação passaria a ser de 6,43€ e pago em numerário – cfr. doc. de fls. 136v.
6 – A ré remeteu ao autor a carta datada de 06/09/2019, com o seguinte teor: “(…) nos termos do n.º 1 do art. 344º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, é vontade da empresa não renovar o contrato a termo certo de seis meses, que teve início a 01.10.2018, renovamos a 01.04.2018, pelo que o mesmo caducará no próximo dia 30.09.2019, data a partir da qual deixará de nos prestar a sua actividade. Nos termos do n.º 2 do art. 344º do citado diploma legal, com a caducidade do contrato, ser-lhe-á paga uma compensação de 18 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade, para além da retribuição e demais complementos a que tiver direito. (…)” – cfr. doc. de fls. 15v.
7 – A ré emitiu e remeteu ao autor a Declaração de Situação de Desemprego datada de 30/09/2019, na qual se indica como motivo para a cessação do vínculo aqui em causa, “caducidade do contrato”, “Fim do contrato a termo” – cfr. doc. de fls. 16.
8 – A partir de 30/09/2019, o autor não mais exerceu funções para a ré.
9 – Também nessa data, a ré pagou ao autor os créditos melhor descriminados no respectivo recibo de vencimento referente ao mês de Setembro de 2019, o qual se encontra junto aos autos a fls. 17v.”
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B) Discussão
1. Introito delimitativo e explicativo da intervenção
Resultando é certo das conclusões do recurso que neste se impugna também a matéria de facto, nomeadamente por se defender que outra factualidade deveria ter sido considerada provada – ou, mesmo que assim não fosse, que os autos não conteriam nesta fase os elementos necessários ao conhecimento –, importa desde já esclarecer, em contrário dessa pretensão, que, salvo o devido respeito, como melhor demonstraremos de seguida, não assiste razão à Recorrente.
Na verdade, em face da factualidade considerada provada nesta fase, sem necessidade de qualquer outra, assim aquela a que alude a Recorrente, os autos contêm, efetivamente, os elementos necessários e exigidos para o conhecimento, na parte em que este ocorreu.
Demonstrando o que se disse, estando em causa a apreciação da natureza e validade do contrato celebrado entre as partes e que é objeto da presente ação, diremos o seguinte:

2. Do regime aplicável.
Tendo sido celebrado o contrato no âmbito da sua vigência, é aplicável o Código do Trabalho de 2009 (CT/2009), assim o regime nesse estabelecido, no que ao caso importa a respeito dos requisitos de validade fornal para a celebração de contrato de trabalho a termo – que, diga-se, são no essencial similares ao que já constava do CT/2003.
Como aliás resulta da decisão recorrida, a contratação a termo tem no nosso ordenamento jurídico natureza excecional – como tinha anteriormente, seja no âmbito do pretérito DL 64-A/89 (LCCT), seja no âmbito do CT/2003 –, apenas sendo admissível desde que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos: um primeiro, de natureza formal, nos termos do qual o contrato terá de ser celebrado por escrito, dele devendo constar as indicações previstas no artigo 141.º, n.º 1, do CT/2009, entre as quais, no que aqui poderá interessar, a indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo [nº 1, al. e)], dispondo ainda o nº 3 que para efeitos da alínea e) do nº 1, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado; um segundo requisito, este de natureza material, nos termos do qual apenas é admissível a sua celebração se verificada alguma das situações previstas no artigo 140.º do CT/2009.
Também como é consabido, a lei atribui à inobservância dos requisitos de forma, bem como a celebração de contrato de trabalho a termo fora das situações legalmente previstas, a consequência de que esse contrato seja considerado como sem termo (artigo 147.º, n.º 1, als. b) e c), do CT/2009), importando ter presente, com relevância para o caso que se aprecia, o que no caso é esquecido pela Recorrente ao pretender fazer prova na ação de outros factos e/ ou fundamentos, que a fundamentação formal do contrato se constitui como formalidade de natureza ad substantiam, o que é reconhecido face a ratio que a ela preside, assim a de permitir que possam ser sindicadas as razões invocadas pela empregadora para justificar a contratação a termo(1).
A respeito da exigida menção do motivo justificativo no contrato, porque melhor não o faríamos, socorrendo-nos mais uma vez – como o fizemos em recente acórdão de 22 de fevereiro de 2021, desde mesmo Coletivo – do que a esse respeito se fez constar do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de fevereiro de 2017(2), pelo que diremos também, seguindo esse Aresto, que essa menção do motivo deve ser feita “com a menção expressa dos factos que o integram, por forma a estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, conforme estabelece o artigo 141º, nº 1, alínea e), e nº 3”, visando-se como este requisito “um duplo objectivo: a verificação externa da conformidade da situação concreta com a hipótese legal ao abrigo da qual se contratou, por um lado; e por outro, a averiguação acerca da realidade e adequação da justificação invocada face à duração estipulada, porquanto o contrato a termo – nas palavras de Monteiro Fernandes[1] – …só pode ser (validamente) celebrado para certos (tipos de) fins e na medida em que estes o justifiquem”. Daí que, como mais uma vez se refere no citado Acórdão, ocorra “a invalidade do termo se o documento escrito omite ou transcreve de forma insuficiente as referências respeitantes ao termo e ao seu motivo justificativo, face à prescrição do artigo 147º, nº 1, alínea c)”, para depois aí se concluir, no que ao caso importa, como veremos mais tarde, “que as fórmulas genéricas constantes das várias alíneas do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho têm de ser concretizadas em factos que permitam estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, por forma a permitir a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia legal e que é real a justificação invocada e adequada à duração convencionada para o contrato” – “Por isso, tal indicação deve ser feita de forma suficientemente circunstanciada para permitir o controlo da existência da necessidade temporária invocada pela empresa no contrato, possibilitando também, quanto àquelas necessidades temporárias, que se comprove que o contrato a termo é celebrado pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades[3], cabendo ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo, conforme prescreve o n.º 5 do mencionado artigo 140º”.
Do exposto decorre, pois, que qualquer contrato a termo em que não seja mencionado o motivo que o justifica do modo antes indicado, assim para dar cumprimento aos termos prescritos na lei, deva seja considerado sem termo, sendo absolutamente irrelevantes, como já se referiu anteriormente, em contrário do que pretende a Recorrente no presente recurso, os fundamentos que a entidade empregadora possa vir a invocar na ação judicial, assim como irrelevante será, do ponto de vista material, que pudesse ocorrer justificação bastante para a contratação a termo. De facto, reafirma-se, em conformidade com o regime legal estabelecido, apenas o que se fez constar como motivo justificativo no contrato, e só isso, poderá ser considerado, sendo assim irrelevante que, prove-se esse ou não, outro motivo possa ou pudesse existir, ainda que substantivamente pudesse justificar a contratação – ou seja, ainda que fosse esse o caso, não se poderia igualmente atender a esse motivo, havendo que concluir-se pela inexistência do fundamento que consta do contrato, com a consequente conversão do contrato a termo em contrato sem termo.
Em faze das razões que antes mencionámos, importando descer então ao caso concreto que se decide, dizendo que o saneador/sentença proferido pelo tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 141.º, nº 3, e 147.º, nº 1, alínea c), do Código do Trabalho, pelo que deve ser revogado, sustenta a Recorrente como argumentos, nas suas conclusões, nomeadamente o seguinte:
- O termo certo aposto no contrato descreve de forma clara e explícita e evidente, o motivo que o justifica e, dessa forma, permitia que, tanto o trabalhador, na qualidade de qualquer declaratário normal, como qualquer autoridade fiscalizadora e inspetiva, como o ACT, ou o tribunal, compreendessem e fiscalizassem as razões que motivaram a necessidade de firmar um contrato a termo certo;
- o motivo era verdadeiro e tratava-se de uma situação de natureza transitória, como se propôs provar, com toda a prova documental que carreou para os autos e a prova testemunhal e por declarações que esperava ter tido oportunidade de produzir, mas que o Tribunal a quo impediu;
- Apenas deve ser considerado sem termo o contrato de trabalho que, contendo uma motivação contemplada na Lei, não tenha qualquer correspondência com a realidade, tendo sido celebrado com essa justificação única e simplesmente para iludir as disposições legais que regulam o contrato sem prazo e impedir a integração do trabalhador nos quadros da empresa, o que não foi de todo o que se passou com o contrato em questão nos autos.
Pronunciando-se o Apelado pela improcedência do recurso, no que é acompanhado pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu, cumprindo-nos apreciar, constata-se que o Tribunal recorrido fez constar da decisão recorrida o seguinte (transcrição):
“(…) O contrato em apreço foi qualificado como sendo um contrato a termo uma vez que lhe foi aposta uma data para o seu término, possibilidade essa expressamente prevista pelo art. 140.º n.º 1 e 2, al. f), do CT (cfr., ainda, Cláus. 3ª do contrato junto aos autos).
O autor defende, no entanto, que tal termo é nulo.
Por respeito ao princípio constitucional da segurança no emprego (art. 53.º da CRP), só excepcionalmente a lei laboral admite a celebração de contratos a termo.
Tais excepções vêm expressamente previstas no já citado art. 140.º do CT, cuja al. f) do seu n.º 2 consagra o “acréscimo excecional de atividade da empresa”.
Exige igualmente a lei determinadas formalidades, a saber, as previstas no art. 141.º do mesmo código, das quais se destaca a obrigatoriedade de indicar o “termo estipulado” e o respectivo “motivo justificativo” – al. e) do n.º 1.
O mesmo artigo, no seu n.º 3, refere que ter-se-á de mencionar expressamente no contrato os factos que integram o motivo justificativo da aposição do termo, devendo, ainda, ser estabelecida a relação entre a justificação invocada e esse mesmo termo.
Caso tal não suceda, o contrato considerar-se-á sem termo – art. 147.º n.º 1, al. c), do CT.
A obrigatoriedade de indicar a razão justificativa do termo visa prevenir eventuais divergências entre as partes, permitir o exercício da actividade fiscalizadora por parte das entidades responsáveis nessa área e, ainda, permitir que o trabalhador fique esclarecido sobre as razões que determinam a precariedade do seu emprego, dando-lhe, assim, a possibilidade de aferir a validade dos mesmos e de os discutir em juízo.
A fixação do prazo nos contratos de trabalho, com a consequente instabilidade do emprego para o trabalhador, só encontrará justificação naqueles casos em que os serviços a prestar são de natureza transitória, destinando-se a dar satisfação a essa necessidade de ocupação temporária.
Nos presentes autos, na Cláus. 3ª do contrato celebrado entre as partes, invoca-se como justificação para a estipulação do termo o art. 140º n.º 2, al. al. f), do CT, mencionando-se que a contratação do autor teve subjacente o “aumento efectivo de trabalho em novos mercados”.
Ora, salvo o devido respeito por opinião diversa, não se nos afigura que, com a transcrita redacção, tenha sido dado cumprimento à supra mencionada exigência legal.
Na verdade, como bem defende o autor, tal redacção contém um teor genérico, não descrevendo os factos ou circunstâncias concretas que integram tal afirmação – que aumento de trabalho? quais mercados?
No ensinamento do Prof. Júlio Vieira Gomes, in Direito do Trabalho, Vol. I, Coimbra Editora, pg. 599, embora ao abrigo do CT/03, mas com plena validade face ao CT/09, a indicação do motivo justificativo no contrato de trabalho a termo deve ser “suficientemente circunstanciada para permitir o controlo da existência de uma necessidade temporária da empresa ou de uma das situações previstas no n.º 3“ [do art. 131º], “possibilitando também, quanto àquelas necessidades temporárias que se comprove que o contrato a termo é celebrado” pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades. Nunca será assim suficiente – regime que aliás já era tradicional entre nós - a mera referência ou remissão, designadamente para uma alínea do n.º 2 do art. 129.º (por exemplo o contrato limita-se a dizer “ao abrigo da alínea f) do n.º 2 do art. 129.º, contrata-se a termo…”), como também não será suficiente, como é óbvio, a mera repetição das palavras da Lei (estabelecendo por exemplo o contrato apenas que ”em virtude de acréscimo excepcional de actividade da empresa contrata-se a termo…”). A contratação a termo tem de ser justificada pelo empregador, indicando este expressamente os factos que o conduziram a contratar a termo, de moldo a permitir um controlo da veracidade desses factos tanto pelo trabalhador, num primeiro momento, como eventualmente pelo próprio Tribunal”.
E, para além de assim ser, também não colhe a alegação da ré segundo a qual o autor sempre teve conhecimento de quais seriam esses mercados (mercado das cenografias digitais / estúdios), já que sempre tal informação seria essencial e teria de constar do contrato para que fosse possível aferir da veracidade da justificação do termo.
Refira-se, por fim, que a falta de concretização do motivo justificativo, seja pelo recurso às fórmulas legais contidas nas alíneas do n.º 2 do art. 140.º, seja pelo recurso a expressões vagas, genéricas ou imprecisas, não pode – como se tem entendido – ser suprida pela alegação dos factos pertinentes na contestação da acção em que a questão se suscite – neste sentido, entre muitos, os acórdãos do STJ de 17/03/2016 e de 09/06/2010 e da RP de 17/11/2015 e de 23/04/2018, podendo ler-se, neste último: “(…) II - A indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade «ad substantiam», tendo que integrar, forçosamente, o texto do contrato, pelo que a insuficiência de tal justificação não pode ser suprida por outros meios de prova e tem como consequência considerar-se o contrato sem termo” - todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Nessa medida, mostra-se irrelevante o alegado nos arts. 24.º a 28.º da Contestação, tornando-se inútil a produção de prova sobre tal factualidade para preencher o conceito invocado no clausulado do contrato tendente à justificação da estipulação do termo.
Como igualmente é irrelevante o alegado nos arts. 12.º a 23.º - já que o vínculo que existiu entre as partes até 2015 cessou nesse ano e é distinto do que se estabeleceu em 2018, não se confundindo com este último –; nos arts. 34.º, 2.ª parte, 38.º, 39.º, 48.º a 52.º e 66.º - uma vez que não está aqui em causa qualquer processo disciplinar – e nos arts. 55.º a 64.º - já que nem o autor reclama o pagamento de quaisquer ajudas de custo, nem a ré deduziu qualquer pedido reconvencional por pagamentos indevidamente efectuados ao trabalhador -, todos da Contestação.
Dúvidas inexistem, pois, quanto à nulidade do termo aposto no contrato do autor pelo que o mesmo se converteu em contrato de trabalho por tempo indeterminado. (…)”
Cumprindo-nos apreciar, desde já adiantamos que, salvo o devido respeito pela divergência manifestada pela Apelante no presente recurso, a citada fundamentação e decisão acompanhamos, sendo que, assim o entendemos também, a mesma não careceria sequer, para justificar o julgado, na nossa ótica, de maiores considerações.
Não obstante, diremos ainda o seguinte:
A divergência da Recorrente assenta no seu entendimento de que o motivo da contratação que se fez constar do contrato descreve de forma clara e explícita e evidente, o motivo que o justifica e, dessa forma, permitia que, tanto o trabalhador, na qualidade de qualquer declaratário normal, como qualquer autoridade fiscalizadora e inspetiva, como o ACT, ou o tribunal, compreendessem e fiscalizassem as razões que motivaram a necessidade de firmar um contrato a termo certo, acrescentando ainda que esse motivo era verdadeiro e tratava-se de uma situação de natureza transitória, como se propôs provar, com toda a prova documental que carreou para os autos e a prova testemunhal e por declarações que esperava ter tido oportunidade de produzir, mas que o Tribunal a quo impediu.
Mas sem razão, assim o consideramos também.
É que, sendo exigido que a indicação desse motivo seja feita de forma suficientemente circunstanciada(3), sem esquecermos, ainda, conforme decorre do n.º 5 do artigo 140.º do CT/2009, que cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo, tal exigência não temos por cumprida no caso, desde logo por ser claramente genérico o que se fez constar, como bem o disse o Tribunal recorrido, o que acompanhamos como já o dissemos, assumindo-se pois como indicação insuficiente o que se fez constar do contrato, ou seja, que “A celebração do presente contrato de trabalho a termo justifica-se pelo aumento efectivo de trabalho em novos mercados, conforme o previsto na alínea f) do n.º 2 do artigo 140, do Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro”.
Na verdade, em face de uma mera referência genérica a um (pretenso) aumento de trabalho em novos mercados, sem estar tal invocação minimamente concretizada – repare-se que sequer se indicam quais serão os mercados que estarão em causa, bem como em que se evidencia o aumento efetivo do trabalho que se refere também –, não se pode ter por justificada a contratação temporária do Autor, sendo que, como o afirmámos anteriormente, tal como na decisão recorrida, diversamente do que é pretendido pela Ré / recorrente, são neste âmbito absolutamente irrelevantes os fundamentos que esta tenha invocado na ação para tentar justificar essa contratação, assim como irrelevante seria, do ponto de vista material, que pudesse ocorrer justificação bastante para a contratação a termo, mais uma vez a respeito do que invocou para o efeito na contestação. Como antes se disse e volta a reafirmar-se, em conformidade com o regime legal estabelecido, apenas o que se fez constar como motivo justificativo no contrato, e só isso, poderá ser considerado, sendo assim irrelevante que, prove-se esse ou não, outro motivo possa ou pudesse existir, ainda que substantivamente pudesse justificar a contratação – ou seja, ainda que fosse esse o caso, não se poderia igualmente atender a esse motivo, havendo que concluir-se pela inexistência do fundamento que consta do contrato, com a consequente conversão do contrato a termo em contrato sem termo. Carece pois de fundamento legal a posição defendida pela Recorrente em contrário nas suas conclusões, entre as quais a G), quando refere que “e não obstante tudo o alegado em sede de Contestação, bem como todo o acervo documental lá junto, que servia para demonstrar, quer a validade do termo certo aposto no contrato, bem como a sua correspondência com a realidade e o conhecimento do Autor”, pra sustentar que fosse no caso manifestamente prematura a decisão recorrida quando se fez constar “Considerando que os autos contêm já elementos que nos permitem conhecer parcialmente do mérito da causa, nomeadamente da validade do termo aposto no contrato de trabalho celebrado entre as partes e da forma de cessação deste último, passar-se-á de imediato a fazê-lo.”
Em face do exposto, carecem de sustentação bastante, por colidirem como se disse com o regime legal estabelecido e antes mencionado, a que se impõe atender, os argumentos avançados pela Recorrente em contrário nas conclusões que apresentou quanto a esta questão.

3. Do invocado abuso de direito
Invoca, porém, a Recorrente que a atuação do Autor se consubstancia em abuso de direito.
Fez-.se constar da decisão recorrida, a esse propósito, o seguinte (transcrição):
(…) Do alegado abuso de direito por parte do autor:
Mas estar-se-á perante uma situação de abuso de direito por parte do trabalhador (ao invocar agora a nulidade do termo)?
A ré defende tal teoria sob a alegação de sempre o mesmo ter tido conhecimento e ter estado consciente do motivo pelo qual foi contratado, pelo que, apesar de a redacção do motivo justificativo do termo poder não estar pormenorizado (por “lapso dos serviços administrativos da ré”), considerar tal justificação nula seria reverter o espírito da lei (o qual visa combater a celebração de contratos fictícios).
Porém, salvo melhor entendimento, não se poderá subscrever tal alegação.
Senão vejamos.
Dispõe o art. 334.º do CC que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Está aqui em jogo um princípio de ordem e interesse público, não dependendo da invocação das partes saber se, quem exercita o direito que se arroga, age motivado e sob condicionantes que tornem o seu exercício ilegítimo.
Manuel de Andrade, in Teoria Geral das Obrigações, pg. 63, ainda antes do actual CCivil, defendia a existência de abuso de direito quando este era exercido "em termos clamorosamente ofensivos da justiça", mostrando-se "gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalecente na colectividade" – nesse sentido, vide ainda Prof. Vaz Serra, BMJ, 85.º-253).
Para que possa funcionar o comando contido no citado art. 334.º tem, pois, de haver um excesso manifesto, o que significa que a existência do abuso de direito tem de ser facilmente apreensível.
Ou seja, haverá abuso de direito, segundo o critério proposto por Coutinho de Abreu, in Abuso de Direito, pg. 43, "quando um comportamento aparentando ser exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumental e na negação de interesses sensíveis de outrem". Há, assim, um comportamento antijurídico, que se caracteriza pelo exercício anormal do direito próprio, e não pela violação de um direito de outrém ou pela ofensa de uma norma tuteladora de um interesse alheio – cfr., ainda, Castanheira Neves, in Questão de Facto - Questão de Direito ou o Problema Metodológico da Juridicidade, pg. 518 e ss., e Orlando de Carvalho, in Teoria Geral do Direito Civil - Sumários Desenvolvidos, Coimbra, 1981, pg. 44.
Para que exista abuso de direito, não basta que o exercício do direito pelo seu titular cause prejuízo a alguém (dado que a atribuição de um direito traduz a supremacia de certos interesses sobre outros interesses com aqueles confluentes), sendo necessário que manifestamente exceda os limites que lhe cumpre observar, impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do próprio direito exercido.
A sua manifestação mais corrente é aquela que corresponde a condutas contraditórias, ou seja, de venire contra factum proprium.
In casu, na versão defendida pela ré, o autor conhecia e, nessa medida, terá aceitado a motivação pela qual o contrato foi celebrado a termo, motivação essa que é real. Daí invocar estar o mesmo a actuar em manifesto abuso de direito.
No entanto, impõe-se reafirmar que tal argumentação não colhe.
Por um lado, o autor mais não fez do que exercer um direito que a lei laboral lhe confere, direito esse que foi exercido tempestivamente (cfr. art. 337º n.º 1 do CT) e, como decorre do supra decidido, tem fundamento.
Por outro, mesmo que o autor tivesse conhecimento de tal motivação, o facto de vir agora invocar a nulidade do contrato nunca poderá ser entendido como correspondendo a um comportamento gravemente atentatório da boa fé.
Mesmo que o trabalhador tenha dado a sua aceitação/concordância aos termos do contrato (entenda-se à justificação para a cláusula referente ao termo), tal facto não acarreta, automaticamente, a admissibilidade/validade do mesmo, tanto mais que nunca àquele seria lícito abdicar do regime legalmente previsto em tal matéria. A não se entender assim, estar-se-ia a permitir que tal regime pudesse ser contornado e afastado, o que não foi, claramente, a intenção do legislador quando previu as exigências referentes à contratação a termo.
Tanto assim é que, mesmo que tal nulidade não tivesse sido suscitada pelo autor, sempre a mesma seria de conhecimento oficioso pelo tribunal.”
Concordamos no essencial com a decisão recorrida.
Na verdade, pressupondo o abuso de direito a existência do direito mas em que o seu exercício, porque excedendo os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, é considerado ilegítimo(4), no que ao caso importa, como se viu anteriormente, a lei é clara quanto à exigência dos requisitos formais, como se disse de natureza ad substantiam, acima mencionados, como ainda a respeito das consequências derivadas da sua inobservância.
Ora, no caso, mais uma vez como se referiu antes, o contrato celebrado entre as partes não dá, do ponto de vista formal, cumprimento à imposição legal de indicação dos concretos motivos que integram a justificação nele apresentada, limitando-se afinal o Autor, na presente ação, como se refere na decisão recorrida, a retirar desse facto as legais consequências, o que por si só, sendo esse o caso, muito menos manifestamente como é pressuposto, não colide contra os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, sendo que, esclareça-se ainda, seguindo-se de perto o Acórdão desta Secção de 18 de dezembro de 2018(5), diremos também que nem da circunstância de aquele “ter assinado o contrato a termo e/ou porventura de lhe ter sido verbalmente comunicada a alegada natureza transitória da necessidade da sua contratação consubstancia excesso de exercício do direito”, não o “impedindo de impugnar judicialmente a validade, designadamente formal, do termo aposto ao contrato”. Como se refere no mesmo Acórdão, “trata-se de direito que lhe assiste, que não atenta contra nenhum dos pressupostos do art. 334º, sendo de salientar que a Ré sabia, ou tinha obrigação de saber, as circunstâncias, designadamente de forma, que lhe eram exigíveis para a validade formal do contrato de trabalho” – “tendo a obrigação da justificação da aposição do termo ao contrato, com a indicação dos respetivos factos, natureza ad substantiam é perfeitamente irrelevante o que, verbalmente, a Ré haja ou possa ter comunicado”.
Como se refere também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de junho de 2007(6): “Anote-se que o Autor se limitou a assinar um texto vinculístico integralmente redigido pela Ré. E, não havendo embora notícia de que tivesse discordado ou, quando menos, questionado esse texto, também não está demonstrado que o Autor conhecesse, na altura, a nulidade da estipulação e que – pior ainda – pretendesse, mais tarde, reverter essa nulidade em seu benefício. Recorde-se, por outro lado, que estamos perante um negócio formal, sendo a própria ordem jurídica a determinar a nulidade que aqui vem aduzida de forma alegadamente abusiva. Neste contexto, não podemos deixar de vislumbrar alguma similitude entre a situação dos autos e aquelas em que a lei impõe a observância de determinada forma sob pena de nulidade do acto. E, como é sabido, a possibilidade da invocação do abuso de direito, por inobservância da forma legalmente prescrita, não tem merecido entendimento uniforme. Sem escalpelizar as teses, nomeadamente doutrinais, em redor dessa questão, sempre se adiantará que este Supremo Tribunal, inicialmente mais formalista e rejeitando, assim, essa possibilidade, tem vindo progressivamente a aceitar a admissibilidade dessa invocação, embora circunscrita às situações em que o abuso de direito seja a única válvula de escape para sancionar uma conduta clamorosamente ofensiva da boa fé e do sentimento geralmente perfilhado pela comunidade. Compreende-se essa acrescida exigência, num domínio em que a nulidade é imposta por regras imperativas, que visam, por norma, assegurar a certeza e a segurança do Comércio em geral.” No mesmo sentido, ainda, o Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 17 de março de 2016(7), quando, depois de relevantes considerações a propósito do abuso do direito, se conclui que “não se justifica a paralisação dos direitos que os AA pretendem exercitar nesta acção”, pois que “Efectivamente, foi a R com a sua conduta omissiva quem deu azo ao resultado desfavorável da presente acção, por não ter levado aos contratos aqui em causa (os sextos celebrados com os AA) a factualidade concreta que conduziu à sua contratação a termo e que constituísse uma justificação válida face às rigorosas exigências formais do artigo 141º, nº 3 do Código do Trabalho.”
Em face do exposto, voltando ao caso, a questão que se analisa apenas se poderia colocar caso a Ré / recorrente tivesse alegado, assim na contestação, factos demonstrativos de que a preterição do requisito formal em causa nos autos tivesse resultado de comportamento imputável ao Autor, caso esse em que, aí sim, provando-se esse comportamento, se poderia então equacionar o abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.
Isso mesmo resulta também, mais uma vez, do Acórdão desta Secção de 18 de dezembro de 2018, a que já nos referimos anteriormente, em que se faz também apelo ao Acórdão desta mesma Secção de 14 de julho de 2010, afirmando-se o seguinte (citação): “(…) parece claro que é da R. a autoria das cláusulas dele constante (…) e seu teor, sendo a intervenção da A. limitada à assinatura do documento. Tal significa que, competindo o ónus da prova do motivo justificativo do termo ao empregador, é ele que deve, em princípio, tomar as especiais cautelas na descrição do mesmo, nomeadamente, elencando os factos concretos que o integram. Já para o trabalhador, não tendo interesse no termo, pois a sua existência e validade tornam precário o contrato que poderia ter sido celebrado por tempo indeterminado, a invocação da sua nulidade corresponde ao exercício normal do seu direito ao trabalho, não configurando abuso do direito. Abuso de direito existiria se quem deu azo à inobservância de forma, viesse amanhã a invocá-la para obter os efeitos jurídicos correspondentes, (…). Porém, aqui, nestes casos citados, quem omite a forma é a mesma pessoa que invoca a sua falta, tendo a omissão de forma sido levada a cabo preordenadamente. Porém, na hipótese vertente dos autos, não sendo imputável à A., ora apelada, a inobservância de forma, a invocação da nulidade do termo e suas consequências não traduz o exercício anormal do seu direito ao trabalho, pelo que a A. – a nosso ver e com o devido respeito por diferente opinião – não agiu de má fé, nem com abuso do seu direito”.
Aplicando então ao caso os indicados critérios, pressuposto para que se pudesse equacionar a paralisação do direito do Autor por decorrência de esse exercício ser abusivo, importaria que a Ré tivesse alegado factos na sua contestação de onde pudesse resultar que fosse de imputar àquele a inobservância de forma que aqui está em causa, caso esse sim em que, no que ao caso importaria em termos de consequências, se resultassem desde já provados nesta fase tais factos, equacionar da possível aplicação do invocado abuso do direito, ou, sendo porventura tais factos ainda controvertidos, fosse então de considerar prematuro, por nos encontrarmos ainda na fase do saneador, o conhecimento do mérito.
Ora, salvo o devido respeito, não estamos perante um qualquer desse casos, sendo que, importa esclarecê-lo, a respeito do que se fez constar das conclusões C) – “C) Em sede de Contestação, veio a aqui Recorrente defender-se, alegando que o termo certo aposto no contrato é válido e encontra-se devida e suficientemente justificado, uma vez que nele consta, expressamente, que o motivo da contratação a termo se deve a “aumento efetivo de trabalho em novos mercados”, o que, aliás, era do conhecimento do trabalhador e corresponde à realidade, tanto que a Recorrente apenas o contratou, porque acedeu a um pedido seu de desenvolver um mercado novo, concretamente, o das cenografias digitais/estúdios virtuais, que não era, até então, explorado pela Recorrente e que acabou por ser descontinuado com a saída do Recorrido, que não o conseguiu fazer vingar” – e N – “N) Ademais, tendo em conta a forma como o A. foi contratado, a pedido seu e para tentar fazer vingar a comercialização de um novo produto, uma vez que se encontrava sem trabalho” –, que pode induzir pelo menos a ideia de que a aposição do motivo no contrato pela Recorrente teria decorrido de uma sua cedência a um pedido do Autor no sentido de desenvolver um mercado novo, ou seja que tivesse porventura ter sido da iniciativa deste o desenvolvimento desse mercado uma vez que se encontrava sem trabalho, no entanto, importa tê-lo em devida conta, sequer é claramente esse o sentido que resulta da alegação feita pela Ré na sua contestação (momento próprio em que o deveria fazer), assim nomeadamente em face do teor dos seus artigos 24.º e 25.º e 28.º, pois nesses alegou expressamente que “a Ré tinha intenção de entrar num novo mercado, concretamente o das cenografias digitais/estúdios virtuais …” e que “assim, juntou o “útil ao agradável” e deu mais uma oportunidade ao A. de desenvolver o negócio desses produtos e comercializá-los”. No mesmo âmbito se inclui, diga-se, pelas razões antes expostas, o argumento avançado pela Recorrente (assim nomeadamente na conclusão D) de que o Autor, ao ter recebido no momento da cessação do contrato por caducidade a indemnização devida pelo despedimento prevista no artigo 344º, nº 2 do Código de Trabalho, teria aceite que se tratava de um contrato de trabalho a termo certo.
Ou seja, sendo também esse o nosso entendimento, mesmo considerando-se todas as soluções plausíveis para apreciação do analisado abuso do direito, não resultam da contestação da Ré factos alegados, estando esses já provados ou que porventura carecessem ainda de prova, dos quais se pudesse retirar um comportamento, imputável ao Autor, que tivesse por qualquer forma justificado a omissão no contrato do cumprimento do requisito formal de indicação do motivo para a contratação nos termos que a lei exige, do que decorre, por direta consequência, não nos merecer censura a decisão recorrida, assim a este respeito também.
Por decorrência de tudo o que antes se expôs, porque como se disse as referências ao motivo justificativo para a contratação do Autor com termo certo são inegavelmente insuficientes, não ocorrendo ainda razão para considerar que ocorra abuso de direito, teremos também de concluir, tal como na sentença recorrida, sem que se imponha o prosseguimento do processo para julgamento nesta parte, que o contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré se tenha de considerar sem termo, e, como tal, que não poderia a Ré fazer cessar o mesmo, por comunicação escrita invocando a caducidade.
E dizemos sem que se justifique o prosseguimento do processo nesta parte, pois que, diversamente do que pretende a Recorrente, em termos que aliás já justificámos anteriormente, não assume relevância a pretensa factualidade a que a mesma faz referência nas suas conclusões, seja a respeito de uma qualquer demonstração da veracidade do motivo, seja do imputado abuso do direito, assim, nomeadamente, o que invoca das suas conclusões T) a JJ) e MM) a PP. Na verdade, pelas razões antes expostas, carece de sustentação o nessas invocado.
Por último, precisamente por se tratar da aplicação do regime legal que anteriormente mencionámos, que aliás foi também mencionado na sentença, carece ainda de fundamento a invocação que faz a Recorrente na conclusão LL) no sentido de que ocorra uma qualquer violação do “princípio da igualdade das partes na sua aceção substancial, violando-se desta forma o art.º 4º do CPC, sendo, por isso, nula a sentença por violação do princípio do contraditório e do inquisitório, dado que o Juiz a quo não fundamentou em despacho a recusa e/ou realizou todas as diligências úteis ao apuramento da verdade”. Na verdade, salvo o devido respeito, essa sua posição tem como pressuposto que lhe fosse possível (mas não é, como o dissemos, precisamente em face do regime legal vigente) suprir na ação judicial a falta de cumprimento da formalidade legal de indicação no contrato do motivo para a contratação a termo, sendo que, admitindo-se que possa discordar dessa opção legislativa, tal não se pode confundir como uma qualquer preterição dos invocados princípios.
Concluindo, como na decisão recorrida, teremos de considerar que a atuação da Ré “configura uma situação de despedimento o qual, não tendo sido precedido do competente processo disciplinar e não assentando em qualquer motivo justificativo, ter-se-á de considerar ilícito – art. 381º, als. b) e c) do CT.

4. Litigância de má fé
Na conclusão L), depois de dizer que se impunha uma decisão em sentido contrário à que foi proferida – “devendo, por isso, aquela ser anulada e revogada por outra que considere válido o termo certo aposto no contrato de trabalho em questão nos autos e, consequentemente, lícito o despedimento do A, absolvendo-se a Ré dos pedidos contra si formulados e que tenham como pressuposto a ilicitude do despedimento” –, refere a Recorrente que deve “mesmo tempo que deve o Recorrido ser condenado como litigante de má-fé no pagamento de multa e indemnização condigna a fixar pelo Tribunal, em valor não inferior a € 1.500,00”.
Ora, como resulta do que afirmámos anteriormente, não se verificando assim sequer o pressuposto de que parte a Recorrente para a pretendida condenação, carece sempre esta claramente de fundamento, nos quadros do artigo 542.º do CPC, assim em face do seu n.º 2, em cujas alíneas se encontram tipificadas as condutas que constituem violação do dever de agir de boa-fé processual a que as partes estão vinculadas (art.º 8.º, do CPC), dizendo-se “litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: [a] Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; [b] Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; [c] Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; [d] Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção de justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
Por decorrência, improcede o recurso também quanto a esta questão.
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Nos termos expostos, claudicando os argumentos da Recorrente, improcede o presente recurso na sua totalidade.

As custas do recurso são da responsabilidade da Recorrente (artigo 527.º do CPC)
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Sumário – artigo 663.º, n.º 7, do CPC –, da responsabilidade exclusiva do relator:
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IV - DECISÃO
Acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em declarar totalmente improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.

Porto, 23 de junho de 2021
(assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Des. Teresa Sá Lopes
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(1) Entre outros, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de fevereiro de 2017 – Processo n.º 2236/15.0T8AVR.P1.S1, Relator Conselheiro Gonçalves Rocha, disponível em www.dgsi.pt.:
“(…) Assim, e conforme se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 2/12/2013, Processo n.º 273/12.6T4AVR.C1.S1, 4ª Secção, consultável em www.dgsi.pt, a indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade “ad substantiam”, tendo que integrar, forçosamente, o texto do contrato, pelo que a insuficiência de tal justificação não pode ser suprida por outros meios de prova.[2]
(2) Já antes identificado.
(3) De modo a permitir, afinal, precisamente o controlo da existência ou não da necessidade temporária que é invocada pela empresa no contrato, possibilitando também, quanto àquelas necessidades temporárias, a comprovação de que o contrato a termo é celebrado pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades, sem esquecermos, ainda, conforme decorre do n.º 5 do artigo 140º do CT, que cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo - veja-se Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Vol. I, Coimbra Editora, 599.
(4) cfr. art. 334º do Cód. Civil
(5) Relatora Desembargadora Paula Leal de Carvalho, in www.dgsi.pt.
(6) Relator Conselheiro Sousa Grandão, in www.dgsi.pt.
(7) Relator Gonçalves Rocha, in www.dgsi.pt.