Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
938/10.7TYVNG-E.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: CASO JULGADO
USO ANORMAL DO PROCESSO
CONTRATO-PROMESSA
DIREITO DE RETENÇÃO
CONSUMIDOR
Nº do Documento: RP20191112938/10.7TYVNG-E.P1
Data do Acordão: 11/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Apercebendo-se o tribunal que as partes se serviram de um processo anterior para alcançarem, com a cobertura vinculativa da sentença, um objectivo contrário ao direito, não deverá o tribunal extrair da sentença proferida nesse processo quaisquer efeitos, nos quais se inclui o do caso julgado, por existir uso anormal do processo (612º do CPC).
II – O AUJ n.º 4/2019, na sequência do AUJ n.º 4/2014, veio esclarecer e consagrar um conceito restrito de consumidor, pelo que apenas tem essa qualidade o promitente-comprador que destina o imóvel, objecto de traditio, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afecta a uma actividade profissional ou lucrativa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROCESSO 938/10.7TYVNG-E.P1

SUMÁRIO:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
Na sequência de pedido formulado em 29.11.2010 pela própria devedora, foi proferida sentença em 17.12.2010, que transitou em julgado em 27.1.2011, no processo apenso de Insolvência, declarando-se em situação de insolvência a sociedade B…, S.A., sendo seus administradores C…, D… e E….
Decorrido o prazo da reclamação de créditos, veio o Sr. Administrador da insolvência, em 23.2.2012, ao abrigo do disposto no art. 129.º, n.º 1, do CIRE, apresentar a lista de todos os créditos por si reconhecidos
Da indicada lista de créditos reconhecidos constam além dos demais os seguintes credores, créditos e qualificações:
(…)
20. F… e G… - €108.347,53, comum
21. H… e I… - €30.500,00, comum;
(…)
A lista dos credores reconhecidos foi alvo de impugnações, entre as quais se encontra as seguintes:
-A fls. 79 e seguintes (original a fls. 140 e seguintes), F… e mulher G… defendem que o seu crédito, assente no incumprimento do contrato promessa que identificam, ascende a €248.347,53 e está garantido por direito de retenção sobre a fração constituída por loja com garagem prometida vender / comprar;
-A fls. 190 e seguintes, H… e mulher I… defendem que o seu crédito, assente no incumprimento do contrato promessa que identificam, ascende a €103.495,00 e está garantido por direito de retenção sobre a fração constituída por loja com garagem, prometida vender / comprar, apelando ainda à transação (onde a Ré reconhece a dívida e o direito de retenção) homologada por sentença constante da ação ordinária n.º 3319/10.9TBVCT.
Por despacho proferido em 09/10/2012, o Senhor Juiz designou o dia 07/11/2012, pelas 10h30m, para tentativa de conciliação, despacho que foi notificado a todas as partes interessadas, nomeadamente ao Sr. Administrador de Insolvência, à Insolvente e a todos os credores impugnantes, notificações que foram efetuadas pelo Tribunal por cartas registadas expedidas em 18/10/2012;
Foi realizada uma tentativa de conciliação no dia 07/11/2012, na qual estiveram presentes os ora Apelantes, representados pelos seus respetivos mandatários.
Veio mais tarde a ser realizada uma audiência de partes, em 24.4.2014 (fls. 501 e ss).
Foi elaborado despacho saneador, a fls. 788 e seguintes, seguido da realização da audiência de julgamento.
Findo o julgamento, veio a ser proferida sentença de verificação e de graduação de créditos, que decidiu da seguinte forma:
“I- Julga-se improcedente, por não provada, a impugnação apresentada por F… e mulher G… e, em consequência, verifica-se um crédito a estes credores no valor global de €108.347,53 (€100.000,00 + €2.520,43 + €5.827,10), de natureza comum.
a. Condenam-se os credores em apreço nas custas da impugnação, fixando-se a respetiva proporção em 4% da taxa de justiça devida a final.
II- Julga-se parcialmente procedente, por parcialmente provada, a impugnação apresentada por H… e mulher I… e, em consequência, verifica-se um crédito a estes credores no valor global de €61.000,00, de natureza comum, absolvendo-se os requeridos do demais peticionado.
a. Custas desta impugnação a cargo dos credores impugnantes e da Massa insolvente, na proporção do decaimento, fixando-se a taxa de justiça devida por esta impugnação em 3,4% da taxa de justiça devida a final para cada um.
III- Julga-se procedente, por provada, a impugnação apresentada pela J…, S.A. e, em consequência, qualifica-se como garantido, por hipoteca voluntária constituída sobre o imóvel apreendido sob a verba n.º 1 para a massa insolvente, o crédito que lhe foi reconhecido pelo Sr. Administrador da Insolvência nestes autos.
IV- Por via do referido em I, II, III e do despacho saneador, encontram-se verificados os seguintes créditos, com as seguintes qualificações:
1- K…, S.A. - €42.203,30, comum
2- L…, Lda. - €2.502,00, comum
3- M… e N… - €74.819,69, comum
4- O… e P… - €10.000,00, comum
5- Q…, Lda. - €58.033,27, comum
6- S…, S.A. - €567.170,00, comum
7- T…, PLC - €1.026.848,13, garantido por hipotecas voluntárias
8- U…, Lda. - €89.308,12, comum
9- V…, Lda. - €102.421,95, comum
10- J…, S.A. - €25.350,00, garantido por hipoteca, sob condição suspensiva
11- W… e X… - €17.500,00, comum
12- Y…, Lda. - €36.050,31, comum
13- Z…, Lda. - €174.123,11, comum
14- AB…, Lda. - €162,14, comum
15- AC…, LDA. - €1.761,91, comum
16- AD…, Lda. - €35.919,90, comum
17- AE… - €96.738,06, subordinado
18- AF… - €4.015,52, comum
19- AG… - €104.416,44, comum
20- F… e G… - €108.347,53, comum
21- H… e I… - €61.000,00, comum
22- AH…, Lda. - €23.104,80, comum
23- AI… - €167,00, comum
24- AJ… - €264,00, comum
25- AK… e AL… - €39.903,83, subordinado
26- Massa Insolvente de AM…, Lda. - €29.347,07, subordinado
27- Ministério Público / Fazenda Nacional - €1.583,95, comum, €104.978,94, comum, €58.868,33, privilegiado, €6.972,69, garantido por privilégio imobiliário especial
28- AN…, Lda. - €300,00, comum
29- AO…, Lda. - €11.710,15, comum
30- AP… e AQ… - €12.235,47, subordinado
31- AO…, Lda. - €6.000,00, comum
32- AP…, Lda. - €150.624,38, comum
33- AQ…, Lda. - €38.986,81, comum
34- AS… - €191,60, comum
35- AT…, Lda. - €150,00, comum
36- AU… - €741,60, comum.
V- Procede-se à graduação dos créditos verificados, relativamente aos bens apreendidos e integrantes da massa insolvente, sem prejuízo do disposto no art. 172º do CIRE, nos seguintes termos:
Do produto da venda do imóvel apreendido sob a verba n.º 1
1º Crédito relativo a IMI, reclamado pelo Ministério Público / Fazenda Nacional, reportado a este prédio e vencido no ano anterior ao início do processo de insolvência;
2º Crédito da J…, S.A., sob condição
3º Créditos Comuns, aqui se incluindo ainda os reconhecidos nos apensos C, D, F e G
4º Créditos Subordinados
Do produto da venda do imóvel apreendido sob a verba n.º 2
1º Crédito relativo a IMI, reclamado pelo Ministério Público / Fazenda Nacional, reportado a este prédio e vencido no ano anterior ao início do processo de insolvência;
2º Créditos Comuns, aqui se incluindo ainda os reconhecidos nos apensos C, D, F e G
3º Créditos Subordinados
Do produto da venda do imóvel apreendido sob a verba n.º 3
1º Crédito relativo a IMI, reclamado pelo Ministério Público / Fazenda Nacional, reportado a este prédio e vencido no ano anterior ao início do processo de insolvência;
2º Crédito do T…, PLC, sem prejuízo da habilitação de cessionário decidida no apenso M;
3º Créditos Comuns, aqui se incluindo ainda os reconhecidos nos apensos C, D, F e G
4º Créditos Subordinados
Do produto da venda do imóvel apreendido sob a verba n.º 4
1º Crédito relativo a IMI, reclamado pelo Ministério Público / Fazenda Nacional, reportado a este prédio e vencido no ano anterior ao início do processo de insolvência;
2º Créditos Comuns, aqui se incluindo ainda os reconhecidos nos apensos C, D, F e G
3º Créditos Subordinados
Do produto da venda dos bens móveis
1º Crédito Privilegiado do Estado, relativo a IVA, no valor de €58.868,33
2º Créditos Comuns, aqui se incluindo ainda os reconhecidos nos apensos C, D, F e G
3º Créditos Subordinados.
Sem prejuízo do decidido supra em I.a e II.a, as custas são da responsabilidade da Massa Insolvente (art. 303º e 304.º do CIRE).”
Inconformados com a sentença, F… e mulher G…, Credores Reclamantes/Impugnantes interpuseram o presente recurso de Apelação, apresentando as seguintes conclusões:
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24. A douta sentença recorrida violou e viola, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 131º, nº 3, e 136, nº 2, do CIRE, o caso julgado e a autoridade da força do caso julgado constituídos pela decisão (despacho) proferida na tentativa de conciliação realizada no dia 07/11/2012 (artigos 619º, 620º e 621º do Código de Processo Civil), o disposto no artigo 615, nº 1, al. d), do Código de Processo civil, bem como o disposto nos artigos 604º, nº 2, 755º, nº 1, al. f), e 759º, nº 2, do Código Civil.
NESTES TERMOS e mais de direito que V.s Exªs melhor e doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao recurso interposto pelos Impugnantes, revogando-se a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue a impugnação dos Recorrentes F… e Esposa provada e procedente e, em consequência: a) Reconheça o crédito dos Recorrentes F… e Esposa pelo montante de 248.347,53 €, que o mesmo tem natureza privilegiada e que goza do direito de retenção sobre a loja prometida transmitir;
Ainda que assim se não entenda, deve sempre:
b) Ser reconhecido que o crédito dos Recorrentes F… e Esposa, no montante de 108.347,53 €, tem natureza privilegiada e goza do direito de retenção sobre a loja prometida transmitir;
Sempre e em qualquer caso:
c) o crédito dos Recorrentes F… e Esposa (quer no montante de 248.347,53 €, quer no montante de 108.347,53 €) ser graduado sobre o prédio construído na parcela de terreno apreendida para a Massa Insolvente de B…, S.A. sob a verba nº 3 (parcela de terreno para construção, com área de 1.259,50 m2, sito em … – ..., da freguesia de Viana do Castelo (…), concelho de Viana do Castelo, descrita na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo, sob o n.º 2203 e inscrita na matriz urbana sob o art. 3961) em segundo lugar, antes do crédito do Crédito do T…, PLC, garantido por hipotecas voluntárias; e
d) condenar-se a Insolvente nas custas da impugnação apresentada pelos Credores F… e Esposa.
Também os Credores Reclamantes/Impugnantes H… e I…, interpuseram recurso, formulando as seguintes conclusões:
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XXV - A douta sentença recorrida violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 131º, n.º 3, e 136, n.º 2, do CIRE, a autoridade da força do caso julgado constituídos pelas decisões (despacho) proferidas na tentativa de conciliação realizada no dia 07/11/2012 e na audiência de partes de 24/04/2014, bem como da sentença homologatória da transação celebrada entre as partes, proferida no âmbito dos autos n.º 3319/10.9 TBVCT, que correram seus termos junto do Tribunal Judicial de Viana do Castelo - 1º Juízo Cível; ainda o disposto nos artigos 291º, n.º 3, 580º, 581º, 615º, nº 1, al. d), 619º, 620º, 621º, 627º, 696º e 697º, todos do Código de Processo Civil; no artigo 129º do C.I.R.E., bem como o disposto nos artigos 604º, n.º 2, 755º, n.º 1, al. f), 759º, n.º 2, 798º; 801º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil.
NESTES TERMOS e nos melhores de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, na sequência:
a) Ser declarada a nulidade da douta sentença recorrida por violação do preceituado no artigo 131º, n.º 3 do CIRE;
b) Ser declarada a nulidade da douta sentença recorrida por violação do preceituado no artigo 136º, n.º 2 do CIRE;
c) Ser declarada a nulidade da sentença recorrida por violação da autoridade do caso julgado da douta sentença homologatória da transação celebrada entre os recorrentes e a insolvente proferida no âmbito dos autos n.º 3319/10.9 TBVCT, que correram seus termos junto do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viana do Castelo;
Em qualquer dos casos e ainda que assim se não entenda,
d) revogar-se a douta sentença recorrida, por erro quanto à apreciação que a Meritíssima Juiz a quo retirou da factualidade que resultou assente e da subsunção dos factos ao direito aplicável e substituir-se por outra que julgue procedente a impugnação da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos apresentada pelos Recorrentes e, em consequência:
i) ser reconhecido aos recorrentes, para além do crédito de €61.000,00 (dobro do sinal), o crédito do montante de 42.495,00€, com a transição da alínea c) dos factos não provados para o elenco dos factos provados;
ii) ser reconhecido o direito de retenção dos recorrentes sobre a loja, situada no rés do chão, identificada com o nº 1, com garagem, do prédio denominado “AV…, sito no …, freguesia …, cidade de Viana do Castelo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o nº 2203/… e omisso à matriz predial respetiva, pelo crédito de € 61.000,00 (sessenta e um mil euros) e, na sequência,
iii) ser reconhecido que o crédito de que os recorrentes são titulares face à insolvente tem natureza privilegiada, devendo o mesmo ser devidamente graduado em conformidade e
iv) ser reconhecido o direito dos recorrentes se manterem no mesmo imóvel até ao recebimento da insolvente da quantia de € 103.495,00 (cento e três mil quatrocentos e noventa e cinco euros) e a usá-la como bem entender, para os fins a que se destina.”
Não foram juntas contra-alegações.
Admitidos os recursos, cumpre decidir.

II - OBJETO DOS RECURSOS
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto dos recursos.
As questões a dirimir, delimitadas pelas conclusões dos recursos, são as seguintes:
Questões suscitadas em ambos os recursos:
-violação do caso julgado e da autoridade da força do caso julgado constituídos pelas decisões proferidas na tentativa de conciliação realizada no dia 07/11/2012 e na audiência de partes realizada no dia 24/04/2014;
-nulidade da sentença por violação do art. 131º nº 3 do CIRE;
-saber se os Apelantes beneficiam, para efeitos de garantia e graduação dos créditos, de direito de retenção sobre as lojas objeto dos contratos promessa e se, consequentemente, esses créditos deve ser graduados com preferência aos créditos garantidos por hipoteca, por não lhes ser aplicável a jurisprudência resultante do AUJ n.º 4/2014 de 19/05/2014.
Questões suscitadas no 2º recurso:
-violação do caso julgado resultante da sentença proferida no processo comum sob o n.º 3319/10.9 TBVCT, 1º Juízo Cível;
-impugnação da matéria de facto.

III-IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
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De referir que no facto Q dos factos assentes (facto não impugnado), ficou assente tal factualidade, isto é:
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IV-FUNDAMENTAÇÃO
Realizada a audiência de julgamento e tendo em consideração o objeto do litígio e os temas de prova elencados no despacho saneador, consideram-se:
Provados os seguintes factos:
A. Por sentença proferida em 17 de Dezembro de 2010 foi declarada a insolvência da sociedade B…, S.A. nos autos principais.
B. Para a Massa Insolvente de B…, S.A. foram apreendidos os seguintes bens:
a. Uma fração autónoma designada pela letra “N”, destinada a habitação no terceiro andar direito, no Bloco Um, do tipo /-2, com uma garagem na cave, identificado na respetiva planta pela Letra “N”, sita em … – …, da freguesia de Viana do Castelo (…), concelho de Viana do Castelo, descrita na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º 2026/N/Viana do Castelo (…) e inscrita na matriz predial urbana sob o art. 3782/N/Viana do Castelo (…) – Verba n.º 1;
b. Uma fração autónoma designada pela letra “H”, sendo uma divisão no rés-do-chão, no Bloco Três, destinada a armazém, identificada na respetiva planta pela letra “H”, sita em … – …, da freguesia de Viana do Castelo (…), concelho de Viana do Castelo, descrita na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º 2026/H/Viana do Castelo (…) e inscrita na matriz predial urbana sob o art. 3782/H/Viana do Castelo (…) – Verba n.º 2;
c. Uma parcela de terreno para construção, com área de 1.259,50 m2, sito em … – …, da freguesia de Viana do Castelo (…), concelho de Viana do Castelo, descrita na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo, sob o n.º 2203 e inscrita na matriz urbana sob o art. 3961 – Verba n.º 3;
d. Fração autónoma designada pelas letras “AH”, destinada a arrumos, na cave, ala central, contígua à fração “AG”, sendo a central no sentido sul-norte, com 4,80m2, sita na Rua …, n.º …, da freguesia … (…), concelho de Arcos de Valdevez, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 53/AH/Arcos de Valdevez (…) e inscrita na matriz urbana sob o art. 468/AH/Arcos de Valdevez (…) – Verba n.º 4;
e. Dois contentores de obras, em ferro; um stand de vendas, em chapa – Verba n.º 5.
C. Sobre a fração autónoma referida em B. a. encontra-se registada hipoteca voluntária a favor da J…, S.A., para garantia do pagamento do crédito reclamado nestes autos, conforme decorre de fls. 346 e seguintes e de fls. 414 e seguintes, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os legais efeitos.
D. Os credores / impugnantes F… e mulher G… pagaram à Insolvente o montante de €100.000,00, correspondente a parte do preço acordado para a compra da loja com garagem fechada referidas no documento de fls. 568/570 e repetido a fls. 720 verso/722 verso, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, com base na “promessa recíproca de compra e venda” datada de 1.10.2009 retratada em tal documento, com vista a futura aquisição da loja e garagem aí melhor identificadas na cláusula segunda.
E. A Insolvente não concluiu o prédio nem a loja / garagem indicadas em D, não constituiu o prédio onde estas se localizam em regime de propriedade horizontal nem obteve a licença de utilização.
F. A Insolvente entregou aos credores / impugnantes F… e mulher G… a fração referida no documento de fls. 568/570 e repetido a fls. 720 verso/722 verso e respetivas chaves, em 23.7.2010.
G. Os credores / impugnantes F… e mulher G… passaram a ocupar a fração e garagem referidas no documento de fls. 568/570 e repetido a fls. 720 verso/722 verso desde a data referida em F, ai colocando e guardando móveis, materiais e objetos e dando autorização ao seu filho para também ocupar tais espaços, com vista à instalação de uma empresa de alarmes e vídeo vigilância, denominada AW…, o que este fez.
H. Por contrato promessa de compra e venda celebrado no dia 15 de Outubro de 2008, os credores / impugnantes H… e mulher I… prometeram comprar à insolvente, B…, S.A., que lhes prometeu vender, livre de ónus e encargos, uma loja, situada no rés-do-chão, identificada com o n.º 1, com garagem, do prédio denominado AV…, sito no …, freguesia …, cidade de Viana do Castelo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º 2203/… e omisso à matriz predial respetiva.
I. O preço convencionado pela referida aquisição foi de €122.000,00, a ser pago da seguinte forma: a) €12.200,00 a título de sinal e princípio de pagamento, montante que os credores / impugnantes entregaram à insolvente com a assinatura do aludido contrato promessa e de esta deu quitação; b) €18.300,00 no mês de Fevereiro de 2009, que os credores / impugnantes também entregaram atempadamente à insolvente; c) o remanescente do preço, ou seja, €91.500,00, no acto da outorga da escritura do contrato prometido.
J. A insolvente, B…, S.A., obrigou-se a outorgar a escritura de compra e venda da referida fração autónoma até ao final de Agosto de 2009.
K. Com a celebração do contrato promessa ajuizado, ou seja, em Outubro de 2008, a B…, S.A., entregou aos credores / impugnantes H… e mulher I… as chaves do imóvel prometido vender.
L. A partir daí, os credores / impugnantes H… e mulher I… entraram na posse da loja, com garagem, passando desde então a colocar aí objetos ligados à atividade da autora mulher, designadamente mobiliário, cadeiras, espelhos, mesas e bancos.
M. Posteriormente, colocaram nesse imóvel uma faixa publicitária com os seguintes dizeres: “AX…”.
N. Desde Outubro de 2008, os credores / impugnantes H… e mulher I… deslocaram-se à loja e garagem em questão por inúmeras vezes, quer para levar e levantar material quer para o disponibilizar a pessoas que iam proceder à sua adaptação aos fins pretendidos por eles e à sua decoração.
O. Por contrato, datado de 14 de Outubro de 2009, a credora / impugnante mulher celebrou com o IAPMEI (Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, IP) um Contrato de Concessão de Incentivos a Projetos de Modernização do Comércio (MODCOM).
P. Esse contrato destinava-se a instalar na loja prometida comprar um estabelecimento de cabeleireira e estética.
Q. Nos termos desse contrato, a credora / impugnante mulher receberia a fundo perdido (na modalidade de incentivo não reembolsável), para os referidos fins, a quantia de €42.495,00, sujeito, entre outras, às seguintes condições: a) execução do investimento no período de 12 meses a contar da data da notificação da aprovação do incentivo. Não estando o projeto totalmente executado no prazo acima indicado a credora / impugnante mulher disporia ainda de um prazo adicional de 3 meses, após o qual se consideraria o projeto como concluído sendo não comparticipáveis as despesas realizadas para além desse prazo.
R. Os representantes legais da B…, S.A. transmitiram aos credores / impugnantes H… e mulher I… que não tinham capacidade financeira para acabar a construção do imóvel e, por essa razão, tinham-no abandonado.
S. Os credores / impugnantes pediram então à B…, S.A. o dobro do sinal entregue, respondendo-lhe esta que não lhes entregariam o dobro do sinal nem sequer o próprio sinal, porque não tinha capacidade financeira para o fazer.
T. Os credores / impugnantes H… e mulher I… instauraram, no dia 29 de Novembro de 2010, contra a B…S, S.A., uma ação judicial que correu seus termos pelo 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viana do Castelo sob o n.º 3319/10.9TBVCT, onde peticionaram: a) Que se declarasse resolvido o contrato promessa de compra e venda referido nos artigos 5º a 7º, inclusive; b) Que se condenasse a B..., S.A. a entregar-lhes a quantia global de €103.495, acrescida de juros à taxa legal de 4% a contar da citação e até efetivo e integral pagamento; c) Que se declarasse que os autores gozam do direito de retenção sobre a loja, com garagem, a que se refere o aludido contrato-promessa, pelo crédito de
U. O processo de insolvência da B…, S.A. teve o seu início em 29 de Novembro de 2010 (processo n.º 938/10.7TYVNG – 3º Juízo – Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia).
V. Nesse mesmo dia, os credores / impugnantes H… e mulher I… instauraram contra a hoje insolvente a ação ordinária onde a transação sub judice foi feita. Esta foi celebrada três dias depois – 2 de Dezembro de 2010 – sendo que o dia 1 de Dezembro foi feriado nacional. Em tal transação, a insolvente foi representada pelo Sr. Dr. AY…, distinto advogado desta cidade, sem poderes para o acto.
W. Por sentença de 3 de Dezembro de 2010, foi homologada a transação condenando-se as partes nos seus precisos termos, e ordenada a notificação da insolvente, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 301º, n.º 3 do CPC (ratificação da transação). A carta de notificação foi enviada para a ré onde funcionavam os escritórios da insolvente. Desconhece-se quem recebeu tal carta. O que é certo é que a insolvente nada disse.
X. O Sr. Dr. AY… foi o mandatário subscritor da petição inicial de apresentação à insolvência pela B…, S.A. no Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, no dia 29 de Novembro de 2010.
Y. No âmbito do apenso K, H… e mulher I…, impugnaram a resolução em benefício da massa insolvente da transação celebrada em 2 de Dezembro de 2010, referida em V, transação onde a Ré confessou todos os pedidos referidos em T, conforme consta do indicado apenso.
Z. O prédio apreendido sob a verba n.º 3, supra referido em B. c., foi vendido em sede de liquidação do ativo por escritura pública celebrada em 23.5.2017.
E julgou não provados os seguintes factos:
a) Para além do referido em D., os credores / impugnantes F… e mulher G… pagaram ainda à Insolvente o montante de €20.000,00, completando a totalidade do preço aí referido.
b) Os credores / impugnantes pretendiam integrar no seu património pessoal a loja com garagem fechada referidas no documento de fls. 568/570 e repetido a fls. 720 verso/722 verso, permitindo e autorizando ainda que a ocupação da mesma pelo seu filho o fosse até à realização da escritura de compra e venda.
c) A credora / impugnante I… deixou de receber do IAPMEI a importância de €42.495,00, na sequência da não concretização da venda da fração referida em H) pela Insolvente.
d) Os credores / impugnantes H… e mulher I… foram insistindo com a Insolvente para que celebrasse a escritura pública de compra e venda da fração referida em H).

V-DO DIREITO APLICÁVEL
5.1 Da violação do caso julgado.
Em ambos os recursos, os Apelantes sustentam que ocorre violação do caso julgado, formado pelo despacho proferido na diligência de tentativa de conciliação realizada no dia 07/11/2012 e do acordo de credores quanto á existência dos créditos tal como foram impugnados pelos Apelantes, sendo a sentença nula por falta de conhecimento e/ou omissão de declaração do efeito cominatório pleno, estabelecido no nº 3 do artigo 131º e no nº 2 do artigo 136º, ambos do CIRE.
Dizem ambos os Apelantes que oportunamente impugnaram a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos com fundamento na incorreção do montante do crédito que lhes foi reconhecido pelo Sr. Administrador de Insolvência e ainda na incorreção da qualificação do mesmo (comum), no sentido de verem reconhecido que os respetivos créditos sobre a Insolvente são de montante superior ao reconhecido e que gozam do direito de retenção sobre as respetivas lojas prometidas transmitir.
Que por cartas registadas, o Tribunal notificou o Sr. Administrador de Insolvência, e a Devedora/Insolvente, esta na pessoa do seu mandatário judicial, das impugnações apresentadas para, querendo, no prazo de 10 dias, responderem à mesma, com a cominação expressa de, não o fazendo, a impugnação ser julgada procedente.
Que não foi deduzida qualquer resposta ou oposição às impugnações apresentadas pelos Credores ora Apelantes, quer pelo Sr. Administrador de Insolvência, nem por qualquer outro interessado.
Assim sendo, defendem os Recorrentes, por força do nº 3 do artigo 131º do CIRE a impugnação é julgada procedente, pois o legislador ao salientar expressamente que as impugnações são imediatamente consideradas procedentes, implementou o efeito cominatório pleno à falta de resposta, sendo, assim, a revelia operante.
Por despacho proferido na tentativa de conciliação, despacho que foi regular e devidamente notificado a todas as partes interessadas, nomeadamente ao Sr. Administrador de Insolvência, à Insolvente e a todos os credores impugnantes, notificações que foram efetuadas pelo Tribunal por cartas registadas expedidas em 18/10/2012, todos os presentes acordaram na aprovação das impugnações apresentadas, concretamente das impugnações apresentadas pelos ora Apelantes.
E na tentativa de conciliação do dia 07/11/2012, alegam os Apelantes, o Mmo Juiz a quo proferiu despacho, já transitado em julgado, a ordenar a notificação do Sr. Administrador de Insolvência para apresentar a lista definitiva dos créditos, considerando como admitidos os créditos impugnados, como reconhecidos.
Ora, o nº 2 do artigo 136º do CIRE preceitua que «Na tentativa de conciliação são considerados como reconhecidos os créditos que mereçam a aprovação de todos os presentes e nos precisos termos em que o forem.»
Ocorre assim violação do caso julgado relativamente aos despachos proferidos na tentativa de conciliação de 7.11.2012 e ao acordo de credores que teve lugar na audiência de partes realizada no dia 24/04/2014.
Em suma defendem em suma os Apelantes que:
-nas aludidas diligências o tribunal reconheceu os créditos impugnados pelos Apelantes, por falta de resposta do AI- art. 131º nº 3 do CIRE e que;
-Os créditos foram reconhecidos pro acordo dos credores, nos termos do artigo 136º nº 2 do CIRE.
Outro entendimento, implica violação do caso jugado.
Vejamos se é assim.
Para se apreciar esta questão, há que ter em consideração a seguinte factualidade que resulta da consulta do processo:
-Proferido o despacho de fls. 393, a determinar o cumprimento do disposto no art. 131º do CIRE, foram a devedora (na pessoa do Sr. Dr. AY…) e o Sr. Administrador da Insolvência notificados (em 7.5.2012) para se pronunciarem sobre as impugnações, onde se incluem as Impugnações dos ora Apelantes:
-Decorrido o prazo legal, não foi junta qualquer pronúncia, da devedora ou do Sr. Administrador da Insolvência;
-Designada tentativa de conciliação, foi a mesma realizada com a presença do credor J…, SA, representado pela Dra. AZ…, dos credores H… e mulher, representados pelo Dr. BA… (procuração com poderes especiais para transigir e os representar na tentativa de conciliação a fls. 437), do credor U…, representado por BB…, dos credores F… e esposa, representados pelo Dr. BC…, não estando presente o Sr. Administrador da insolvência, que havia comunicado estar doente e impossibilitado de comparecer.
-Da acta que consta a fls. 438/439, ficou consignado que os credores presentes “se encontram acordadas as impugnações por eles apresentadas”, na sequência do que foi proferido o seguinte despacho: “Atenta a posição assumida pelos impugnantes, defiro o requerido prazo de 10 dias para apresentação da lista definitiva de créditos. Notifique o Sr. Administrador da Insolvência para apresentação da listagem do art. 129º do CIRE dado que não faz posição às impugnações apresentadas, na qual se considerem como admitidas os créditos impugnados, como reconhecidos, com subsequente “cls” dos presentes autos tendo em vista a prolação da pertinente decisão “de jure””.
-Veio a ser designada uma “audiência de partes”, que teve lugar em 24.4.2014, com a presença do Sr. Administrador da Insolvência, dos credores H…, representado pela Dra. BD…, dos credores F… e esposa, representados pelo Dr. BC…, do credor J…, SA, representado pela Dra. AZ…, do mandatário BE…, do presidente da Comissão de Credores, BF… (fls. 501/502);
-Da correspondente acta, consta que “os credores atestam o seguinte de forma consensual: a) credor: H…, crédito com o valor de €103.495,00 e direito de retenção sob a fração de loja sita no R/C identificada com o n.º 1, com garagem do prédio denominado por BG… sito na …, Viana do Castelo, com os demais sinais dos autos (verba n.º 3); b) credor: F… esposa, reconhecido crédito de €248.247,53 e direito de retenção sobre a loja n.º . correspondente ao R/C e garagem do prédio denominado por BG… sito na …, Viana do Castelo, com os demais sinais dos autos (verba n.º 3); A este propósito foi atestado pelo representante do T… que relativamente a estas situações tomará posição mais tarde. C) mais foi por todos atestado que estão de acordo com o crédito da J…, garantido por hipoteca impendente sobre a verba n.º 1, fracção “N”, melhor identificada no auto de apreensão.”
-Desta mesma acta consta de imediato o seguinte despacho: “Pelo Exmº Senhor Administrador da Insolvência foi atestado que se compromete em 10 dias a remeter lista definitiva com as aqui referidas alterações, por forma a que seja prolatada a sentença no presente apenso”.
- A fls. 514 e seguintes, o T…, PLC, a Massa Insolvente e o Sr. Administrador da Insolvência (29.07.2014) defendem que resulta da relação de créditos do art. 129º que o Sr. Administrador da Insolvência nunca quis reconhecer a H… e mulher e a F… e mulher os créditos impugnados nem os direitos de retenção; apelam ainda ao apenso K, onde são autores H… e mulher e se pretende a impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, apenso onde se deve decidir tudo o que se relaciona com os créditos destes credores; e defendem que os créditos de F… e mulher são de €100.000,00, mais juros de mora e benfeitorias, tão só; defendem, ainda, que o produto da venda da verba n.º 3 deve ser graduado e distribuído pelos credores em proporção às percentagens correspondentes às áreas de cada fração, atendendo a que o prédio onde as mesmas existem não está constituído em propriedade horizontal;
-Veio a ser designada “nova” audiência prévia, que teve lugar em 20.12.2016 (fls. 644/645), altura em que foi concedido um prazo de cinco dias “relativamente à impugnação do Banco T…, PLC e a baixa do recurso do apenso K”.
-A fls. 646 e ss, o Sr. Administrador da Insolvência diz que mantém a relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos, e explica a razão pela qual não considera existir direito de retenção (apelando ao acórdão n.º 4/2014, de 19.5.);
- A fls. 650 e seguintes e a fls. 654 e seguintes, os credores H… e mulher e F… e mulher insistem na falta de razão do Sr. Administrador da Insolvência e na procedência das respetivas impugnações;
- Foi proferido despacho datado de 22.2.2018 (fls. 702 e ss) visando analisar “os autos com vista á elaboração do despacho saneador”, onde se decidiu o seguinte:
“Dispõe o art. 131º, n.º 3 do CIRE que a resposta às impugnações deve ser apresentada no prazo de dez dias, sob pena de a impugnação ser julgada procedente.
Não obstante o exposto, entende-se que ao Sr. Administrador da Insolvência, pelas funções que desempenha e pelo lugar que ocupa num processo de insolvência, nomeadamente no âmbito da reclamação de créditos (onde recebe as reclamações de créditos, as aprecia e, em conjunto com todos os elementos que possua, a que acede por força daquele cargo, decide reconhecer ou não reconhecer os créditos reclamados e/ou não reclamados – art. 129º do CIRE), não é permitido optar por não responder; seria o mesmo que permitir ao juiz do processo não decidir.
Pela tramitação dos autos, que supra se sumariou, é contudo manifesta a oposição do Sr. Administrador da Insolvência ao reconhecimento dos créditos e qualificação destes nos termos das impugnações apresentadas por F… e mulher (ponto IV) e H… e mulher (ponto V).
Em face do exposto, determina-se a notificação do Sr. Administrador da Insolvência para, em dez dias e expressamente, responder às impugnações supra referidas nos pontos II (Y…, Lda.), III (U…, Lda.), VII (AD…) e VII (AU…, S.A.), esclarecendo se está em condições de reconhecer os créditos nos termos impugnados ou não e razão da sua opção.”
Deste despacho não houve recurso, tendo os autos seguido com a prolação do despacho saneador proferido em 11.6.2018, tendo sido fixado o seguinte objeto do litígio:
“a) Se os credores / impugnantes F… e mulher G… são titulares de um crédito sobre a insolvência no montante global de €242.520,43,acrescido de juros de mora, que ascendem até 17.12.2010 ao montante de €5.827,10, e se este crédito é garantido, por beneficiar do direito de retenção sobre a loja identificada como loja n.º 2 na planta anexa à “promessa recíproca de compra e venda” junta por cópia com a reclamação de créditos, com garagem fechada, localizadas no prédio urbano denominado “AV…”, sito na …, na cidade de Viana do Castelo, omisso na matriz mas descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º 2203/… – Viana do Castelo, a que corresponde o processo de Obras n.º …/06 e a Licença de Construção n.º …/…, da Câmara Municipal de Viana do Castelo;
b) Se os credores / impugnantes H… e mulher I… são titulares de um crédito sobre a insolvência no montante global de €103.495,00 e se €61.000 deste valor é garantido, por beneficiar do direito de retenção sobre a loja identificada como loja n.º 1, situada no rés do chão, com garagem, localizadas no prédio urbano denominado “AV…”, sito na …, na cidade de Viana do Castelo, omisso na matriz mas descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º 2203/… – Viana do Castelo.”
Seguiu-se o julgamento e a prolação da sentença ora sob recurso.
Feito este resumo dos atos processuais que se mostram relevantes para a decisão a proferir, analisemos agora a questão sub judice de saber se ocorreu violação do caso julgado:
Está em causa em primeiro lugar saber se produziu ou não efeitos de caso julgado o despacho proferido na tentativa de conciliação que teve lugar no dia 07/11/2012, na qual estiveram presentes os ora Apelantes, representados pelos seus respetivos mandatários, ficou consignado o seguinte:
“Atenta a posição assumida pelos impugnantes, defiro o prazo de 10 dias para apresentação da lista definitiva dos créditos.
Notifique o Sr. Administrador da Insolvência para apresentação da listagem do 129º do CIRE dado que não faz oposição às impugnações apresentadas, na qual se consideram como admitidas os créditos impugnados, como reconhecidos, com subsequente “cls” dos presentes autos tendo em vista a prolação da pertinente decisão “de iure”.
Notifique”
Defendem os recorrentes que o despacho judicial proferido na tentativa de conciliação formou caso julgado e consequentemente colocou o processo na fase da apresentação da listagem do 129º do CIRE pelo Sr. Administrador de Insolvência, sendo que o tribunal por despacho aí proferido aplicou o efeito cominatório pleno, estabelecido no nº 3 do artigo 131º do CIRE por falta de resposta do AI às impugnações dos Apelantes, tendo ademais também aí ocorrido o acordo dos credores a que respeita o nº 2 do artigo 136º do CIRE, o que faz caso julgado, quanto ao reconhecimentos dos créditos dos Apelantes tal como foram por si alegados nas impugnações que apresentaram.
Vejamos.
Em termos de efeitos do caso julgado, as regras estruturantes do processo civil são as constantes dos artigos 619.º, n.º 1, e 621.º do CP Civil, nos termos das quais “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.”e “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.”
Estas normas processuais respeitam porém o chamado “caso julgado material”, isto é o caso julgado que se constitui sobre uma sentença ou despacho saneador que aprecie o mérito da causa (cfr. art. 619º do CPC), dele emergindo não apenas a eficácia intraprocessual, mas ainda extraprocessual.
Os artigos 619.º e 620.º do Código de Processo Civil distinguem entre as decisões que formam caso julgado material e as que apenas formam caso julgado formal.
As primeiras são a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa (artigo 619.º) as quais, uma vez transitadas, ficam a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.
As segundas são as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual (artigo 620.º), cujas decisões têm força obrigatória apenas dentro do processo.
Porém, o n.º 2 deste último preceito é expresso ao excluir das decisões que formam caso julgado formal «os despachos previstos no artigo 630.º». Entre estes despachos contam-se «os despachos de mero expediente» e «os proferidos no uso legal de um poder discricionário».
Nos termos do artigo 152.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, «os despachos de mero expediente destinam-se a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes; consideram-se proferidos no uso legal de um poder discricionário os despachos que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador».
Temos assim que os despachos em que o juiz se limita a ordenar a prática de actos processuais previstos na normal tramitação do processo, a fazer prosseguir o processo de acordo com a sua configuração legal, são despachos de mero expediente e não formam sequer caso julgado formal.
Ora, no caso em apreço, o despacho tem o seguinte teor:
“Atenta a posição assumida pelos impugnantes, defiro o prazo de 10 dias para apresentação da lista definitiva dos créditos.
Notifique o Sr. Administrador da Insolvência para apresentação da listagem do 129º do CIRE dado que não faz posição às impugnações apresentadas, na qual se consideram como admitidas os créditos impugnados, como reconhecidos, com subsequente “cls” dos presentes autos tendo em vista a prolação da pertinente decisão “de iure”.
Notifique”
No despacho o senhor juiz limita-se a mandar notificar o SR. Administrador para a prática de um ato- “apresentação da listagem do art. 129º do CIRE”, e manda abrir conclusão no processo “tendo em vista a prolação da pertinente decisão “de iure”.
Estamos assim perante um despacho de mero expediente, uma ato a ordenar a prática de atos processuais previstos na normal tramitação do processo, a fazer prosseguir o processo de acordo com a sua configuração legal, pelo que não forma sequer caso julgado formal.
É certo que o despacho foi proferido, tendo por pressuposto do sr. Juiz que o proferiu que, o AI “que não faz posição[1] às impugnações apresentadas, na qual se consideram como admitidas os créditos impugnados”, mas a verdade é que não houve aqui um julgamento, uma decisão cobre essa matéria dirigida às partes.
Ora, para formar caso julgado é pressuposto que haja uma decisão, um julgamento, porque o que fica abrangido pelos efeitos do caso julgado não é o despacho é o dispositivo que o mesmo contém.
Por isso entendemos que, ao invés do defendido pelos Recorrentes, o despacho em questão não podia formar caso julgado porque o mesmo não contém qualquer dispositivo sobre a relação material controvertida ou sequer sobre a relação processual.
E tanto é assim, que mais tarde o mesmo Sr. Juiz designa uma audiência de partes, que veio a ter lugar em 24.4.2014 (ata de fls. 501), submetendo á discussão das partes as mesmas questões.
Compulsados os autos, constata-se que o Sr. Juiz foi “adiando” a tomada de posição sobre as várias e concretas questões, (sendo certo que os aqui Apelantes foram insistindo através de requerimentos vários no sentido da aplicação do efeito cominatório pleno decorrente da falta de resposta do AI, por força do disposto no art. 131º nº 3 do CIRE), e á tentativa de conciliação seguiram-se outras marcações de diligências, não chegando o Sr. Juiz a tomar concreta posição sobre a matéria, o que apenas vem a ocorrer com a prolação do despacho que veio a ser proferido em 22.2.2018 de fls. 702 e ss, onde foi tomada uma posição expressa e clara do tribunal sobre a aplicação do no nº 3 do artigo 131º do CIRE, o qual não foi objeto de recurso, seguindo os autos com a prolação do despacho saneador onde no objeto do litígio consta o teor das impugnações dos créditos dos ora Apelantes, matéria que se considerou impugnada e posterior julgamento e sentença.
Em conclusão, em nosso entendimento, não foi proferido nos autos qualquer despacho que tenha formado caso julgado prévio á posição tomada expressa e claramente pelo tribunal em 22.2.2018, que não acolheu o entendimento de se considerarem verificados os créditos impugnados, por força do disposto no art. 131º nº 3 do CIRE, posição renovada posteriormente no despacho saneador.
Quanto á questão da existência de eventual acordo dos créditos, relativamente aos créditos impugnados pelos ora apelantes, na mesma ata da diligência de 7.11.2012, ficou a constar o seguinte:
“Aberta a audiência, pelas 11:05 horas, pelos Ilustre Mandatários aqui presentes, foi pedida a palavra, a qual lhe foi concedida e no uso da mesma, disseram que se encontram acordadas as impugnações por eles apresentadas.”.
Os recorrentes concluem daqui que, existiu aprovação de créditos por força do disposto no nº 2 do artigo 136º do CIRE que preceitua que «Na tentativa de conciliação são considerados como reconhecidos os créditos que mereçam a aprovação de todos os presentes e nos precisos termos em que o forem.»
Salvo porém o devido respeito o que ficou a constar na ata, não se mostra suficiente a tal conclusão e é ademais “contrariado” pelo processado subsequente.
Como vimos, o tribunal convocou por despacho de fls. 484 a audiência de partes, que vem a ter lugar em 24.4.2014 (ata de fl.s 501), onde submetida de novo a questão da aprovação dos créditos, os créditos dos ora Recorrentes não foram aprovados pelo credor T… (fs. 501 e 515 e ss ).
Da correspondente ata, consta que “os credores atestam o seguinte de forma consensual: a) credor: H…, crédito com o valor de €103.495,00 e direito de retenção sob a fração de loja sita no R/C identificada com o n.º 1, com garagem do prédio denominado por BG… sito na …, Viana do Castelo, com os demais sinais dos autos (verba n.º 3); b) credor: F… e esposa, reconhecido crédito de €248.247,53 e direito de retenção sobre a loja n.º . correspondente ao R/C e garagem do prédio denominado por BG… sito na …, Viana do Castelo, com os demais sinais dos autos (verba n.º 3); A este propósito foi atestado pelo representante do T… que relativamente a estas situações tomará posição mais tarde. C) mais foi por todos atestado que estão de acordo com o crédito da J…, garantido por hipoteca impendente sobre a verba n.º 1, fração “N”, melhor identificada no auto de apreensão.”
Daqui resulta que aquela questão não ficara definitivamente assente na primitiva tentativa de conciliação e o acordo não se mostra obtido na audiência de partes.
Daqui decorre que não assiste razão aos Recorrentes, nesta matéria, porquanto, não ocorre violação do caso julgado, nem ocorreu aprovação dos créditos, na tentativa de conciliação de 7.11.2012.
5.2Nulidade de sentença ocorrendo a nulidade da sentença da alínea d), do nº 1, do artigo 615º do Código de Processo Civil.
Defendem os Apelantes que a ausência de resposta do AI às impugnações de créditos que apresentaram implica a imediata procedência da impugnação apresentada pelo credor. - cfr. artigo 131º, n.º 3 do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresa e entendimento. Que ao não ter reconhecido imediatamente e ao ter ordenado o prosseguimento dos autos com a realização do julgamento para apurar o montante do crédito reclamado pelos recorrentes e a natureza do mesmo, o Mmo Juiz a quo violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 131º, n.º 3 do CIRE, o que leva à nulidade da douta sentença recorrida, por omissão de pronúncia.
Decorre do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do CP Civil que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…).”
Remetendo para a interpretação que vem sendo feita reiteradamente pelo Supremo Tribunal de Justiça, devem considerar-se “questões” para este efeito “os temas alegados pelas partes que constituem, de forma direta e imediata, dados integradores dos elementos constitutivos ou impeditivos dos direitos cuja tutela é procurada pelas partes na instância, na lógica e na perspetiva dos pedidos.”
Por outro lado, a doutrina e a jurisprudência têm decidido de forma reiterada e unânime que a falta de fundamentação só existe no caso de se verificar uma absoluta e total falta de fundamentação, quer ao nível do quadro factual apurado quer no que respeita ao respetivo enquadramento legal.
No Acórdão proferido neste processo não ocorrem as apontadas nulidades.
Improcedem também os recursos nesta parte.
5.3 Violação do caso julgado decorrente da sentença homologatória da transação celebrada entre os recorrentes e a insolvente no processo 3319/10.9TBVCT, que correu termos no 1º Juízo Cível do Tribunal de viana do Castelo.
Os recorrentes H… e mulher invocam que em ação judicial intentada contra a sociedade B…, SA, entretanto declarada insolvente foi homologada por sentença a transação aí realizada e que a mesma constitui caso julgado nos termos do art. 621º do C.P.C., caso julgado que o tribunal não atendeu, submetendo tal factualidade a julgamento e vindo a reconhecer um crédito aos aqui Apelantes de valor inferior ao admitido pela devedora/insolvente e destituído do direito de retenção, que a devedora expressamente reconhecera na transação devidamente homologada na sentença.
Vejamos.
Os aqui Apelantes intentaram ação com processo comum contra a sociedade B…, SA, tendo formulado os seguintes pedidos:
a) Que se declarasse resolvido o contrato promessa de compra e venda referido nos artigos 1º a 3º, inclusive, da indicada peça; b) Que se condenasse a B…, S.A. a entregar-lhes a quantia global de €103.495, acrescida de juros à taxa legal de 4% a contar da citação e até efetivo e integral pagamento; c) Que se declarasse que os autores gozam do direito de retenção sobre a loja, com garagem, a que se refere o aludido contrato-promessa, pelo crédito de €61.000,00 (sessenta e um mil euros), correspondente ao dobro do sinal que entregaram à B…, S.A.; d) Que se autorizasse os autores a manter-se gratuitamente na posse da loja, com garagem, objeto do contrato promessa até que lhe seja integralmente paga a quantia referida na al. b) deste petitório e a usá-las como bem entenderem, para os fins a que se destina”;
Como resulta da alínea W dos factos provados, emergiu provado o seguinte facto: Por sentença de 3 de Dezembro de 2010, foi homologada a transação condenando-se as partes nos seus precisos termos, e ordenada a notificação da insolvente, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 301º, n.º 3 do CPC (ratificação da transação). A carta de notificação foi enviada para a ré onde funcionavam os escritórios da insolvente. Desconhece-se quem recebeu tal carta. O que é certo é que a insolvente nada disse.
Mas também a respeito desta ação, o tribunal julgou ainda provados os seguintes factos que não se mostram impugnados:
U. O processo de insolvência da B…, S.A. teve o seu início em 29 de Novembro de 2010 (processo n.º 938/10.7TYVNG – 3º Juízo – Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia).
V. Nesse mesmo dia, os credores / impugnantes H… e mulher I… instauraram contra a hoje insolvente a ação ordinária onde a transação sub judice foi feita. Esta foi celebrada três dias depois – 2 de Dezembro de 2010 – sendo que o dia 1 de Dezembro foi feriado nacional. Em tal transação, a insolvente foi representada pelo Sr. Dr. AY…, distinto advogado desta cidade, sem poderes para o acto.
X. O Sr. Dr. AY… foi o mandatário subscritor da petição inicial de apresentação à insolvência pela B…, S.A. no Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, no dia 29 de Novembro de 2010.
Com base neles, o Tribunal a quo afastou, na sentença a autoridade do caso julgado, por entender o seguinte:
“(…)Todavia, entende-se que esta decisão judicial, mesmo transitada em julgado, não é oponível neste incidente, onde necessariamente são requeridos não só a insolvente / massa insolvente como todos os credores daquela, o que não sucede com a ação onde a indicada sentença foi proferida (cfr. art. 619º, n.º 1 do NCPC e art. 128º, n.º 3 do CPC).
Com efeito, mesmo que o credor disponha de decisão judicial favorável anterior, tem de reclamar o seu crédito no processo de insolvência e, caso seja aí impugnado por outro interessado (nos termos dos artigos 130º, n.º 1 e 131º, n.ºs 1 e 2, do CIRE) ou pelo administrador da insolvência, tem, ainda, de o provar, na medida em que o processo de insolvência constitui um concurso universal de credores e, por isso, os credores juridicamente interessados (na medida em que os direitos reconhecidos por aquela decisão podem abalar a consistência patrimonial dos direitos que estes se arrogam), terceiros em relação à ação em que foi proferida tal decisão definitiva, têm de ser convencidos da existência dos direitos concorrentes com aqueles que invocam neste processo.”
Ora, como refere Catrina Serra, in Lições de Insolvência, pg 272, “Em síntese, no processo de insolvência insta-se o credor reclamante a apresentar os meios de prova do crédito de que disponha, mas só com a sentença de verificação e de graduação de créditos se individualiza e se torna legitima a pretensão executiva do credor. O título que habilita o credor ao pagamento, forma-se assim, durante o processo, através do processo de verificação de créditos, ficando concluído no momento em que o crédito obtém reconhecimento judicial.”
Podiam, por isso os Apelantes que reclamaram oportunamente o seu crédito, com base na aludida sentença judicial invocar a autoridade do caso julgado, com vista á demonstração do mesmo.
Coloca-se a questão de saber, em concreto, quais os efeitos da sentença judicial proferida no processo que intentaram contra a devedora.
Nesta questão, o tribunal a quo entendeu o seguinte: “Não sendo pois a dita transação um verdadeiro contrato de transação mas a forma como se intitulou (se travestiu) a confissão do pedido efetuada pela ré da ação, é agora fácil concluir que não estamos afinal perante um negócio jurídico, mas somente perante um ato jurídico produtor de efeitos instantâneos, e consequentemente não nos deparamos com um qualquer negócio jurídico por cumprir em relação ao qual a resolução em benefício da massa insolvente pudesse ser arguida a todo o tempo e por via de exceção.” (cfr. acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 10.11.2016, no apenso K).
A indicada transação, que verdadeiramente é uma confissão do pedido pela insolvente (e não pela massa insolvente / administrador da insolvência) no processo instaurado pelos ora credores impugnantes, reconduz-se sim, como referido no supra indicado acórdão, a um golpe jurídico que visou inequivocamente dar àqueles vantagens que o regime jurídico do contrato promessa (v.g. no tocante ao acrescento ao valor da indemnização resultante do mecanismo do sinal ou de outra indemnização em manifesta violação do n.º 4 do art. 442º do Código Civil) e o CIRE (v.g. no tocante ao afastamento de o administrador poder decidir sobre o contrato-promessa nos termos do art. 106º e os direitos do promitente-comprador se fixarem no momento previsto no CIRE) não lhe proporcionavam”, o que não pode merecer o acolhimento da ordem jurídica, quanto mais não seja por se tratar de manifesto abuso de direito (art. 334º do Código Civil).”
Para concluir:
“Sendo assim, não podendo nem devendo a indicada transação (confissão do pedido), homologada por sentença, ser aqui aproveitada, nos termos acabados de expor, impõe-se a reapreciação, nesta sede, da verificação, ou não, dos pressupostos, de facto e de direito, dos direitos que estes credores impugnantes se arrogam titulares.”
Apenas se não concorda com a posição do tribunal quando entende que está em causa uma situação de “abuso de direito”, instituto previsto no 334º do Código Civil, porquanto a situação em apreço encaixa na previsão do “abuso processual”, ou seja, estamos perante uma situação de uso anormal do processo, a que alude o artigo 612º do CPC, que estabelece o seguinte:
“Quando a conduta das partes ou quaisquer circunstâncias da causa produzam a convicção segura de que o autor e o réu se serviram do processo para praticar um ato simulado ou para conseguir um fim proibido por lei, a decisão deve obstar ao objetivo anormal prosseguido pelas partes.”
O legislador expressamente previu a possibilidade das partes usarem o processo para um fim anormal.
“Trata-se dos casos em que as partes – autor e réu – se servem do processo, não para obter do tribunal uma decisão justa de um conflito sério entre elas, mas para alcançarem, com a cobertura vinculativa da sentença (julgando procedente ou improcedente a ação, consoante o sentido do conluio), um objetivo contrário ao direito”.[2]
Nestes casos, diz Manuel de Andrade, “O que o juiz tem a fazer – pelo menos como regra geral – é declarar sem efeito o processo, abstendo-se de proferir decisão sobre o mérito. É a solução mais de rigor, desde que a partes não litiguem a serio.”
No caso em apreço, o tribunal que homologou a sentença não se apercebeu do uso indevido que as partes (os credores e devedora insolvente) pretenderam fazer do processo.
Mas tornando-se tal fim percetível no âmbito do processo deste insolvência mostra-se justificada a postura do julgador, que apercebendo-se da situação ficcionada pelas partes, afastado o efeito normal que a sentença proferida produziria.
Com efeito, para usar as palavras do tribunal a quo, a transação efetuada na identificada ação, redundou num “golpe jurídico que visou inequivocamente dar àqueles vantagens que o regime jurídico do contrato promessa (v.g. no tocante ao acrescento ao valor da indemnização resultante do mecanismo do sinal ou de outra indemnização em manifesta violação do n.º 4 do art. 442º do Código Civil) e o CIRE (v.g. no tocante ao afastamento de o administrador poder decidir sobre o contrato-promessa nos termos do art. 106º e os direitos do promitente-comprador se fixarem no momento previsto no CIRE) não lhe proporcionavam”.
Reconhecido o uso anormal do processo 3319/10.9TBVCT pelas partes neles intervenientes, que ficcionaram um acordo de transação que visou conceder vantagens a um dos credores da insolvente em detrimento dos demais, impõe-se a este tribunal por força do disposto no art. 612º do CPC, afastar aqueles que seriam os normais efeitos da sentença aí proferida que homologou a transação, nomeadamente a autoridade do caso julgado.
Improcede pois também o recurso nesta parte.
5.4 Da existência do direito de retenção.
Defendem ambos os casais de Apelantes que, em todo o caso, sempre o tribunal teria de reconhecer o direito de retenção sobre a loja prometida vender pela Insolvente.
Que o crédito dos Recorrentes goza de direito de retenção sobre as lojas prometidas transmitir e do direito de serem pagos com preferência pelo produto da respetiva venda, devendo como tal serem reconhecidos e graduados os respetivos créditos
Que a sentença não reconheceu a existência de tal garantia, por considerar que os mesmos não têm a qualidade de consumidores, como exige o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2014 de 19/05/2014.
Ora, defendem estes, que sendo, como é, a interpretação restritiva dada ao artigo 755º, nº 1, al. f), do Código Civil através do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2014, de 19/05/2014, posterior à impugnação deduzida pelos Credores F… e Esposa em 2012 não pode, nem deve, a mesma ser considerada e aplicada no caso dos presentes autos;
E que, em todo o caso, a interpretação restritiva dada ao artigo 755º, nº 1, al. f), do Código Civil através do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2014, de 19/05/2014, segundo o qual a qualidade de consumidor refere-se ao utilizador final do imóvel, que faz deste um uso próprio, ao qual é alheio o escopo da revenda, não afeta o direito de retenção de que o crédito dos Credores Impugnantes goza sobre a loja prometida transmitir e do direito de ser pago com preferência pelo produto da respetiva venda, porque não resulta que os Credores Impugnantes exerçam, como não exercem, qualquer atividade profissional no ramo imobiliário, pelo que tem de se considerar que a loja que os Credores impugnantes prometeram adquirir à Insolvente destinava-se a seu uso próprio ou privado.
Defendem ainda que o conceito de consumidor final pode não ser aquele que foi utilizado na Uniformização de Jurisprudência nº 4/2014 de 19/05/2014.
Vejamos.
Neste circunspeto, o desacordo dos Recorrentes concerne apenas a questão do direito de retenção.
O tribunal julgou reconhecidos os créditos com a natureza de “créditos comuns”.
Quanto ao crédito dos Apelantes F… e mulher, o mesmo tem origem no contrato promessa a que se refere supra a matéria de facto D a G.
D. Os credores / impugnantes F… e mulher G… pagaram à Insolvente o montante de €100.000,00, correspondente a parte do preço acordado para a compra da loja com garagem fechada referidas no documento de fls. 568/570 e repetido a fls. 720 verso/722 verso, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, com base na “promessa recíproca de compra e venda” datada de 1.10.2009 retratada em tal documento, com vista a futura aquisição da loja e garagem aí melhor identificadas na cláusula segunda.
E. A Insolvente não concluiu o prédio nem a loja / garagem indicadas em D, não constituiu o prédio onde estas se localizam em regime de propriedade horizontal nem obteve a licença de utilização.
F. A Insolvente entregou aos credores / impugnantes F… e mulher G… a fração referida no documento de fls. 568/570 e repetido a fls. 720 verso/722 verso e respetivas chaves, em 23.7.2010.
G. Os credores / impugnantes F… e mulher G… passaram a ocupar a fração e garagem referidas no documento de fls. 568/570 e repetido a fls. 720 verso/722 verso desde a data referida em F, ai colocando e guardando móveis, materiais e objetos e dando autorização ao seu filho para também ocupar tais espaços, com vista à instalação de uma empresa de alarmes e vídeo vigilância, denominada AW…, o que este fez.
Quanto ao crédito dos Apelantes H… e mulher, o mesmo tem origem no contrato promessa a que se refere supra a matéria de facto H a X.
H. Por contrato promessa de compra e venda celebrado no dia 15 de Outubro de 2008, os credores / impugnantes H… e mulher I… prometeram comprar à insolvente, B…, S.A., que lhes prometeu vender, livre de ónus e encargos, uma loja, situada no rés-do-chão, identificada com o n.º 1, com garagem, do prédio denominado AV…, sito no …, freguesia …, cidade de Viana do Castelo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º 2203/… e omisso à matriz predial respetiva.
I. O preço convencionado pela referida aquisição foi de €122.000,00, a ser pago da seguinte forma: a) €12.200,00 a título de sinal e princípio de pagamento, montante que os credores / impugnantes entregaram à insolvente com a assinatura do aludido contrato promessa e de esta deu quitação; b) €18.300,00 no mês de Fevereiro de 2009, que os credores / impugnantes também entregaram atempadamente à insolvente; c) o remanescente do preço, ou seja, €91.500,00, no ato da outorga da escritura do contrato prometido.
J. A insolvente, B…, S.A., obrigou-se a outorgar a escritura de compra e venda da referida fração autónoma até ao final de Agosto de 2009.
K. Com a celebração do contrato promessa ajuizado, ou seja, em Outubro de 2008, a B…, S.A., entregou aos credores / impugnantes H… e mulher I… as chaves do imóvel prometido vender.
L. A partir daí, os credores / impugnantes H… e mulher I… entraram na posse da loja, com garagem, passando desde então a colocar aí objetos ligados à atividade da autora mulher, designadamente mobiliário, cadeiras, espelhos, mesas e bancos.
M. Posteriormente, colocaram nesse imóvel uma faixa publicitária com os seguintes dizeres: “AX…”.
N. Desde Outubro de 2008, os credores / impugnantes H… e mulher I… deslocaram-se à loja e garagem em questão por inúmeras vezes, quer para levar e levantar material quer para o disponibilizar a pessoas que iam proceder à sua adaptação aos fins pretendidos por eles e à sua decoração.
Vejamos.
O direito de retenção consiste na faculdade que tem o detentor de uma coisa de a não entregar a quem lha pode exigir, enquanto este não cumprir uma obrigação a que está adstrito para com aquele (artigo 754º do Cód. Civil). É um direito real de garantia que consiste na faculdade de uma pessoa reter ou não restituir uma coisa alheia que possui ou detém até ser paga do que lhe é devido por causa dessa coisa, pelo respetivo proprietário.
O artigo 755º do Cód. Civil por sua vez, prevê casos especiais de direito de retenção e nele inclui “o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º do mesmo Código” – vide artigo 755º, n.º 1 al. f) do Código Civil.
Verificados os ditos pressupostos e recaindo o direito de retenção sobre coisa imóvel, o respetivo titular, enquanto não entregar a coisa retida, tem a faculdade de a executar, nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário, e de ser pago com preferência aos demais credores do devedor (artigo 759º, n.º 1 do Cód. Civil). Neste caso, o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente.
A questão suscitada nos recursos em apreço, mostra-se circunscrita à interpretação do citado artigo 755º, n.º 1 al. f) do Cód. Civil, à luz do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2014, pois que, como é consabido, decorre deste Acórdão uma interpretação restritiva do citado normativo do Código Civil.
O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2014, publicado do DR, I série de 19.5.2014, tem o seguinte teor:
De harmonia com o preceituado no artigo 732º -A do Código de Processo Civil uniformiza -se Jurisprudência nos seguintes termos:
No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente -comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º nº 1 alínea f) do Código Civil.”
Este Acórdão Uniformizador, assentou na existência de uma controvérsia jurisprudencial e visou harmonizar o direito de retenção estatuído no artigo 755º nº 1 alínea f) do C.Civil, reconhecido ao promitente adquirente fiel à promessa em caso de incumprimento definitivo da mesma pelo promitente alienante (e atenta a confiança no cumprimento decorrente da traditio) com o direito do credor hipotecário, cuja garantia, apesar de constituída e registada em data anterior à promessa, se via ultrapassada pelo direito de retenção.
E veio acolher o entendimento que era já defendido então ao nível dalguma doutrina e da jurisprudência,[3] que pugnavam por uma interpretação restritiva do citado artigo 755º, n.º 1 al. f) do Código Civil.
Deste arresto resulta, para o caso que ora nos ocupa, que se reconhece apenas e só ao “promitente-comprador consumidor” o direito de retenção, previsto no art. 755º, n.º 1 al. f) do Cód. Civil, enquanto garantia real do crédito emergente do citado incumprimento da promessa.
Defendem porém, os aqui Apelantes não lhes ser aplicável a jurisprudência resultante deste AUJ porquanto o mesmo não havia ainda sido proferido, aquando da apresentação das Impugnações de créditos que fizeram no âmbito dos presentes autos.
Como é sabido, o acórdão uniformizador não é fonte de direito, nem tem força obrigatória geral como os antigos assentos, apesar de ser dotado de um particular poder de persuasão. Os acórdãos de uniformização de jurisprudência, apesar de não disporem de força obrigatória geral, criam um precedente qualificado de carácter persuasivo, a desconsiderar apenas com fundamentos em fortes razões ou especiais circunstâncias que não tenham sido suficientemente ponderadas o que, no caso dos autos, não ocorre.
Ora, se a questão da qualidade de consumidor não constituía, à data das impugnações, um requisito constitutivo do direito de retenção do promitente-comprador, o certo é que, ao contrário do que afirmam os Apelantes, no âmbito do processo de verificação e graduação e créditos o tribunal abriu a discussão aos factos integrantes do conceito “promitente-comprador consumidor”, uma vez que se mostra sujeita a discussão, a questão da finalidade ou do destino dos imóveis objeto das respetivas promessas de compra e venda, matéria factual que foi por isso incluída no julgamento e sentença que veio a ser proferida, tal como é revelado no teor dos factos julgados provados sob as alíneas G (relativo aos primeiros Recorrentes) e P relativamente aos segundos.
Não assiste pois razão aos Apelantes ao pretenderem afastar a jurisprudência resultante deste Arresto Uniformizador de Jurisprudência do STJ.
Posto isto, resta agora apreciar a última questão suscitada nas Apelações, que é a de saber se o Tribunal se mostra vinculado ao conceito de consumidor que foi utilizado no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2014, ou se tal conceito não lhes é aplicável.
Defendem os Apelantes que não trabalhando no ramo imobiliário e não tendo destinado as respetivas lojas prometidas comprar a revenda, devem se considerados “consumidores” para os efeitos da jurisprudência resultante do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2014, devendo por conseguinte ser-lhe reconhecido o direito de retenção sobre os imóveis em causa.
No AUJ n.º 4/2014 citado considerou-se que “A opção legislativa no conflito entre credores hipotecários e os particulares consumidores, concedendo -lhes o “direito de retenção” teve e continua a ter uma razão fundamental: a proteção destes últimos no mercado da habitação; na verdade, constituem a parte mais débil que por via de regra investem no imóvel as suas poupanças e contraem uma dívida por largos anos, estando muito menos protegidos do que o credor hipotecário (normalmente a banca) que dispõe regra geral de aconselhamento económico, jurídico e logístico que lhe permite prever com maior segurança os riscos que corre caso por caso e ponderar uma prudente seletividade na concessão de crédito. Justificou -se destarte que na linha de orientação que vinha já do DL 236/80, a que acima fizemos referência, o mais recente Diploma que alterou o regime do contrato -promessa, tenha vindo balizar o âmbito e o funcionamento do “direito de retenção” nestes casos.”
Ou seja, da orientação estabelecida no AUJ n.º 4/2014, decorre que a qualidade de consumidor é imprescindível para a qualificação do crédito como garantido pelo direito de retenção e o conceito que foi acolhido no mesmo foi o decorrente da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96 de 31.07) a qual consagra um conceito restrito de consumidor, segundo o qual é assim considerado o adquirente de bens que não se destinem a uso profissional mas antes a um fim pessoal ou privado, isto é, não integrado no exercício de uma atividade comercial, industrial, artesanal.
O conceito de consumidor acolhido pelo citado AUJ foi assim o conceito restrito, funcional, segundo o qual consumidor é a pessoa singular, destinatário final do bem transacionado, ou do serviço adquirido, sendo-lhe alheio qualquer propósito de revenda lucrativa».
Porém, se foi este o entendimento acolhido, o conceito em si de consumidor não foi objeto de uniformização pelo STJ através deste AUJ.
Daí que a questão de saber qual o conceito de consumidor que deve ser aplicado á jurisprudência decorrente do AUJ n.º 4/2014 tenha originado “nova” controvérsia jurisprudencial, surgindo a defesa da aplicação de um conceito “mais amplo”, em que só está excluído do conceito de consumidor aquele que adquire o bem no exercício da sua atividade profissional de comerciante de imóveis.
É esta a tese defendida pelos aqui Apelantes.
Este entendimento mostra-se acolhido, entre outros pelos acórdãos do STJ de 29/05/2014 (relatado por João Bernardo); de 16.2.2016 (relatado por Maria Clara Sottomayor e de 3.10.2017 (relatado por Júlio Gomes), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Em sentido diverso, os acórdãos do STJ de 25.11.2014 (relatado por Fernandes do Vale); de 17.11.2015 (relatado por Fonseca Ramos); de 14.02.2017, (relatado por João Camilo); de 11.5.2017 (relatado por Ana Paula Boulart) e de 13.07.2017 (relatado por Pinto de Almeida), todos disponíveis no mesmo local.
Significa isto que, na jurisprudência que se segue ao AUJ n.º 4/2014 passaram a ser utilizados, ora um conceito “mais restrito” de consumidor, segundo o qual estão excluídos todos os sujeitos que tenham a qualidade de comerciantes e aqueles que destinem o imóvel a revenda; ora um” conceito mais amplo”, em que só está excluído do conceito de consumidor aquele que adquire o bem no exercício da sua atividade profissional de comerciante de imóveis, mas aceitando que seja consumidor o promitente-comprador que exerce o comércio no imóvel.
Esta diversidade doutrinal acerca do conceito de consumidor levou muito recentemente, à prolação pelo Supremo Tribunal de Justiça, de um novo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência com o n.º 4/2019, publicado no Diário da República n.º 141/2019, Série I de 2019-07-25, o qual, face à oposição de decisões,[4] uniformizou, agora, jurisprudência no seguinte sentido:
Na graduação de créditos em insolvência, apenas tem a qualidade de consumidor, para os efeitos do disposto no Acórdão n.º 4 de 2014 do Supremo Tribunal de Justiça, o promitente-comprador que destina o imóvel, objeto de traditio, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma atividade profissional ou lucrativa.”
Dizendo, em suma que “Adotar um conceito de consumidor tão amplo que coincida com o de qualquer promitente-comprador que não destine o bem a revenda ou locação seria consagrar, por esta via interpretativa, um âmbito de aplicação do direito de retenção quase tão abrangente como aquele que não foi acolhido pelo Acórdão n.º 4/2014”, veio a acolher “o conceito restrito de "consumidor" que incorpora as notas tipológicas consagradas no art.2º, n.º 1, da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31-07).
Assim sendo, de acordo com a jurisprudência recente do STJ através do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2019, foi acolhido o conceito restrito de consumidor, de modo que será consumidor apenas o promitente-comprador de imóvel que destina o bem a uso particular (não profissional), o que, corresponde dominantemente ao sujeito que o pretende adquirir para habitação, ficando de fora todas aquelas situações em que o bem é destinado a revenda, a uso comercial ou a qualquer outra finalidade lucrativa ou profissional.
Significa isto que, tendo os Apelantes destinado as respetivas lojas prometidas vender a uma atividade profissional, como resulta da matéria de facto provada supra nas alíneas G (relativo aos primeiros Recorrentes) e P relativamente aos segundos, não beneficiam do invocado direito de retenção, não ocorrendo, pois, qualquer razão para dissentir do decidido pelo Tribunal a quo, que fez correta aplicação da doutrina do citado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2014, publicado do DR, I série de 19.5.2014.
Da mesma forma, tendo a sentença sub judice acolhido o conceito restrito de consumidor, tal mostra-se conforme á doutrina recentemente acolhida pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2019, conceito que se mostra assim juridicamente relevante para efeitos do preceituado no artigo 755º, n.º 1 al. f) do Cód. Civil.
Assim sendo, resta confirmar a douta sentença proferida.

VI-DECISÃO:
Pelo exposto e em conclusão acordam os Juízes que integram este Tribunal da Relação em julgar improcedentes os Recursos interpostos, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas dos respetivos recursos, pelos Apelantes.

Porto, 12.11.2019
Alexandra Pelayo
Vieira e Cunha
Maria Eiró
_________
[1] Ter-se-á certamente querido dizer “oposição”.
[2] Ver a este respeito, Antunes Varela in Manual de Processo Civil, 2º ed.pg 695 e Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, pg 302 e ss.
[3] Que se encontra devidamente referenciada no AUJ citado.
[4] Em oposição estavam o Acórdão recorrido, proferido em 24.10.2017, tendo como relator Júlio Gomes, e o Acórdão fundamento, proferido em 14.02.2017, tendo como relator João Camilo.