Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JOAQUIM GOMES | ||
| Descritores: | LIBERDADE CONDICIONAL DECISÃO FUNDAMENTAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP201207041751/10.7TXPRT-H.P1 | ||
| Data do Acordão: | 07/04/2012 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REC PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - As garantias de defesa do arguido, o direito a um processo equitativo e a primazia constitucional que se deve conceder à liberdade (art. 27º da CRP) impõem que as decisões judiciais que afetem a liberdade tenham um reforço de fundamentação, devendo estar ancoradas num procedimento que garanta uma efetiva e clara perceção da decisão e das razões que a sustentam, assegurando-se, assim, um apropriado grau de recurso jurisdicional. II - O vício da falta ou insuficiência da motivação da decisão de concessão ou recusa da liberdade condicional corresponde a uma mera irregularidade que, no que não for contrariado pelo Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade [CEPMPL], está sujeito ao regime do art. 123º do CPP – sem prejuízo de se entender que seria desejável que o legislador optasse por uma formalização específica, cominando com nulidade a de falta de fundamentação deste despacho. III – A apontada irregularidade tem de ser suscitada perante o tribunal que a praticou, sob pena de ficar sanada, não podendo ser fundamento de recurso. IV - O predomínio do CEPMPL e a sua autonomia em relação ao CPP [pois este é que tem aplicação subsidiária em relação àquele e não o contrário], levam a que se afaste o prazo de três (3) dias previsto no artigo 123º nº 1 do CPP e se acolha a regra geral do prazo de dez (10) dias prevista no art. 152º nº 1 do CEPMPL. V - Na avaliação das condições para a aplicação da liberdade condicional o que releva são os índices de ressocialização revelados pelo condenado (“ capacidade objetiva de readaptação”), de modo que as expetativas de reinserção sejam manifestamente superiores aos riscos que a comunidade deverá suportar com a antecipação da sua restituição à liberdade. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Recurso n.º 1751/10.7TXPRT-H.P1 Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunto: Carlos Espírito Santo Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO 1. No Processo n.º 1759/10.7TXPRT do 2.º Juízo do Tribunal de Execução de Penas do Porto, em que são: Recorrente/Arguido: B… Recorrido: Ministério Público foi proferida decisão em 2011/Nov./14, a fls. 2-5 (148-151 do original), que não concedeu a liberdade condicional ao arguido e cumpridos que estão 2/3 da sua pena de prisão. 2. O arguido insurgiu-se e interpôs recurso por fax expedido em 2011/Jan./04, a fls. 67 e ss., pugnando pela revogação desse despacho e pela concessão da liberdade condicional, acabando por concluir nos seguintes termos(1): conclusões 1.º) O arguido encontra-se a cumprir pena única, em cúmulo jurídico, de quatro anos e oito meses de prisão, pelos crime de homicídio tentado, detenção de arma proibida, injúrias, resistência e coacção sobre funcionários, tendo atingido metade da pena em 2010/Out./08 e os dois terços em 2011/Jul/08, estando aprazado o seu termo para 2013/Fev./08 [I-III]; 2.º) O despacho recorrido que recusou a concessão da liberdade condicional é nulo por não exibir as razões de facto e de direito que conduziram à recusa da liberdade condicional, conforme previsto no artigo 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal, já que o mesmo deve observar os requisitos das sentenças, nos termos dos artigos 485.º, n.º 6 e 486.º, n.º 4 do mesmo código [IV-VII; IX, XIII, XIV]; 3.º) São desconhecidos do recorrente, porque não constam do despacho recorrido, as posições assumidas pelos membros do Conselho Técnico, sendo tal despacho escasso na sua fundamentação, não se compreendendo as razões em que se baseou o tribunal “ad quo”, fazendo apenas uma breve referência ao seu trajecto prisional, tendo por base o relatório efectuado pelos serviços de reinserção social [VIII, X, XI, XII, XV-XXI]; 4.º) Os fundamentos invocados são, só por si, muito frágeis e facilmente contraditados, pois apesar do recorrente ter vários registos disciplinares, beneficiou de duas saídas jurisdicionais, uma em 2011/Mai./20 e outra em 2011/Set./24, tendo apoio afectivo-económico familiar e dos amigos, apresentando como seu projecto de vida imediato ir residir com os seus pais e irmão deficiente, bem como procurar ocupação profissional na área de decoração de interiores [XXII-XXX]; 5.º) O despacho recorrido interpretou de forma manifestamente errada a norma do artigo 61.º, n.º 3 do Código Penal violando os princípios constitucionais de adequação, proporcionalidade e necessidade [XXXI-XXXII]; 3. O Ministério Público respondeu a fls. 102 e ss., sustentando que se deve negar provimento ao recurso, porquanto: 1.º) a existir qualquer vício na falta de fundamentação da decisão recorrida, o mesmo seria uma mera irregularidade, que já estaria sanada, para além daquela se encontrar devidamente motivada; 2.º) São razões de prevenção especial, decorrentes da falta de um juízo autocrítico, da existência do registo de várias infracções disciplinares, para além de o arguido não ter apresentado perspectivas concretas de trabalho em meio livre que afastam a concessão da liberdade condicional. 4. Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer igualmente no sentido da improcedência do recurso. 5. Cumpriu-se o disposto no art. 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal e solicitaram--se elementos respeitantes ao processo disciplinar que já foi referido, tendo-se colhido de seguida os vistos legais, nada obstando a que se conheça do mérito deste recurso. * O objecto do presente recurso centra-se na nulidade da decisão recorrida [a)] e na existência ou não de fundamentos para a concessão da liberdade condicional [b)].* II. FUNDAMENTAÇÃO* * 1. Circunstâncias a considerar 1.1 O despacho recorrido “Corre o presente processo gracioso de liberdade condicional referente ao condenado B…, identificado nos autos. Foram elaborados os pertinentes relatórios. Reuniu o Conselho Técnico tendo o respectivo parecer sido no sentido da não concessão da liberdade condicional e procedeu-se à audição do recluso. O Ministério Público teve vista do processo sendo de parecer no sentido de não ser concedida a liberdade condicional. * O Tribunal é o competente.O processo é o próprio, sendo que se mantém a validade e regularidade da instância, não ocorrem quaisquer nulidades, excepções, questões prévias ou incidentes de que cumpra de momento apreciar, pelo que nada obsta ao conhecimento do mérito presente da causa * O instituto da liberdade condicional é regulado pelos artigos 61.º e 63.º do Código Penal e tem em vista a libertação antecipada, mas não definitiva, do recluso, após cumprimento de uma parte da pena de prisão em que foi condenado.Como escreve a propósito Anabela Rodrigues (in “A Fase de execução de Penas e medidas de segurança no Direito português, BMJ n.º 380, página 26), «a liberdade condicional tem como escopo criar um período de transição entre a reclusão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, de forma equilibrada, não brusca, recobrar o sentido de orientação social necessariamente enfraquecido por efeito do afastamento da vida em meio livre e, nesta medida, a sua finalidade primária é a reinserção social do cidadão recluso, sendo certo que até serem atingidos os dois terços da pena, esta finalidade está limitada pela exigência geral preventiva de defesa da sociedade» A aplicação da liberdade condicional facultativa assenta em vários pressupostos, de natureza formal e material. Constituem pressupostos de natureza formal os seguintes: a) O consentimento do condenado (artigo 61.º, n.º 1, do Código Penal; b) O cumprimento de pelo menos seis meses da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61.º, n.º 2 e 63.º, n.º 2, do Código Penal); c) O cumprimento de 1/2, 2/3 ou 5/6 da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61.º, números 2, 3 e 4 e 63.º, n.º2, do Código Penal. Por outro lado, constituem pressupostos materiais ou substanciais a 1/2 da pena: a) Um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade (alíneas a) e b), do artigo 61°, do Código Penal), o qual assenta numa apreciação sobre a evolução da personalidade do condenado durante o tempo de execução da prisão (juízo atinente à prevenção especial positiva ou de ressocialização); b) Um juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (juízo atinente à prevenção geral positiva), ou seja, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social. Quanto apreciada aos 2/3 a pena, os pressupostos para a concessão da liberdade condicional são apenas os referidos em a). Por fim, quando referida a 5/6 das penas superiores a seis anos, (liberdade condicional obrigatória), a liberdade condicional não está dependente daqueles pressupostos materiais, sendo indiferente que o juízo de prognose quanto ao comportamento futuro do condenado (apreciação relativa à prevenção especial positiva), seja positivo ou negativo. Isto posto e quanto ao caso em concreto: O condenado cumpre a pena única de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão, à ordem do Processo n.º 51/07.4PDVNG pela prática dos crimes de homicídio tentado, detenção de arma proibida, injúrias e resistência e coacção sobre funcionário. Atingiu o meio da pena em 08/10/2010, os 2/3 em 18/07/2011 e o seu termo em 08/02/2013. Há lugar assim a apreciação da liberdade condicional por referência aos 2/3 da pena. O recluso beneficiou de uma saída jurisdicional que decorreu sem anomalias. No meio prisional o recluso tem o registo de várias sanções disciplinares, sendo a última datada de 29/04/2011. Tem trabalhado no EP estando neste momento afecto à área do refeitório. O recluso não demonstrou motivação para investir na sua formação escolar. Resulta do relatório dos serviços de reinserção social (cfr. com folhas 69) que o condenado tem revelado no cumprimento da pena “oscilações comportamentais, caracterizadas pela impulsividade, imaturidade e instabilidade emocional”, sendo “detentor de uma personalidade frágil e influenciável, tendendo a estabelecer as suas relações de amizade com indivíduos também com condutas desviantes”. No meio livre o recluso perspectiva integrar viver para casa dos pais. Perspectiva ir trabalhar para a área da decoração de interiores, embora “não tenha nada em concreto” – cfr. com o auto de audição de folhas 143. Quanto aos factos cometidos, o condenado verbaliza arrependimento, mas desculpabiliza com a circunstância de se encontrar na altura alcoolizado. Ora há que dizer antes de mais que o percurso do recluso no meio prisional não se pode considerar como positivo tendo em conta o registo de punições disciplinares apresentados pelo recluso. Considerando também a sua personalidade frágil e o relacionamento com indivíduos com “condutas desviantes”, dúvidas não restam que nesta fase não é possível fazer um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado, no sentido de que uma vez em liberdade condicional, leve uma vida socialmente responsável e sem cometer mais crimes. Acresce que há que ponderar também a postura do condenado perante os factos uma vez que este não demonstra qualquer preocupação nas vítimas, centrando o discurso na sua pessoa e desculpabilizando-se dos factos cometidos com o consumo de álcool. Esta atitude do recluso evidencia de forma clara que ainda não interiorizou os efeitos da pena, não podendo justificar uma apreciação positiva quanto ao seu projecto de vida em meio livre. Conclui-se assim que não se mostra preenchido o requisito substancial da concessão da liberdade condicional, a que alude o artigo 61.º, n.º 2, a), do Código Penal, o que a impossibilita, porquanto não de pode afirmar, por mínimo que seja, que fundadamente é de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes. Uma última nota para referir que não se verificando os pressupostos para a concessão da liberdade condicional nesta fase, também se não verificam em consequência, os pressupostos que justificariam a antecipação da liberdade condicional como este havia requerido, pedido aliás que terá perdido a sua utilidade nesta altura (cfr. com folhas 101). * Decisão:Pelo exposto, tudo visto e ponderado, atentas as disposições legais citadas e as considerações expendidas, decide-se não colocar o condenado B…, com os demais sinais dos autos, em liberdade condicional e indeferir, do mesmo modo, a antecipação da liberdade condicional. Notifique e comunique ao Tribunal da pena em execução, à DGSP e à DGRS, aguardando os autos a renovação anual da instância, nos termos do artigo 180.º, n.º 1, do C.E.P.” 2.2 Os registos e o processo disciplinar do arguido 2.2.1 No processo disciplinar n.º 222/2009 a que se faz referência na decisão recorrida, consta que o arguido, por factos ocorridos em 2009/Mar./05 foi punido em 2009/Abr./30 – naquela faz-se referência ao dia 29 – com uma medida disciplinar de internamento por um período de 10 dias, por se ter envolvido em confrontos físicos com outro recluso, em virtude de uma disputa por divergências clubistas. 2.2.2 Para além deste registo disciplinar consta ainda da ficha biográfica do arguido a punição deste por outras três outras infracções disciplinares ocorridas em 30 de Junho, 11 de Outubro e 30 de Novembro, todas do ano de 2008, por atitude nociva relativamente a outros reclusos, que foram punidas com internamento em quarto individual. * 2. Fundamentos do recursoa) Nulidade da decisão recorrida O dever de fundamentação de uma decisão judicial é uma decorrência, em primeiro lugar, do disposto no art. 205.º, n.º 1 da Constituição, segundo o qual “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. No entanto, tal dever de fundamentação, no âmbito do processo penal e na perspectiva do arguido, surge, igualmente, como uma das suas garantias constitucionais de defesa (32.º, n.º 1 Constituição) e também como uma das dimensões do direito a um processo justo e equitativo (20.º, n.º 4 Constituição; 6.º, n.º 1 CEDH). Esse dever de fundamentação deve ser reforçado quando estejam em causa outros direitos fundamentais dos arguidos, como seja a sua liberdade ou a sua presunção de inocência, impondo-se aqui que qualquer leitura legal seja conforme a Constituição (16.º, 17.º, 18.º, 27.º e 32.º, n.º 2 Constituição). O Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEP – Lei n.º 115/2009, de 12/Out.) enuncia no seu artigo 146.º, n.º 1 que “Os actos decisórios do juiz de execução das penas são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”. Tal segmento normativo reproduz, quase ipsis verbis, o preceituado no artigo 97.º, n.º 4 Código de Processo Penal, segundo o qual “Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”. Tal implica que, ao proferir-se uma decisão judicial, se conheçam as razões que a sustentam e qual o caminho seguido pela seu discurso argumentativo, de modo a aferir se os mesmos estão fundados na lei e na validade do Direito. Por isso esta exigência é, simultaneamente, um acto de transparência democrática do exercício da função jurisdicional (i), que a legitima, e de manifestação das garantias de defesa (ii), ambas com assento constitucional, de forma a aferir a sua razoabilidade e a obstar a decisões arbitrárias. Daí que a fundamentação de um acto decisório deva estar devidamente exteriorizada no respectivo texto, de modo que se perceba qual o seu sentido, sendo certo que numa ou noutra decisão judicial se exigem certos e específicos requisitos formais, como sucede com os despachos que decretam uma medida de coacção ou de garantia patrimonial (194.º, n.º 4 C. P. P.), as decisões instrutórias de pronúncia (308.º, n.º 2, 283.º, n.º 3 C. P. P.) e as sentenças (379.º C. P. P.). Tudo isto para se conhecer, ao fim e ao cabo, o efectivo juízo decisório em que se alicerçou o correspondente despacho, designadamente os factos que se acolheram e a interpretação do direito perfilhada, permitindo o seu controlo pelos interessados e, se for caso disso, por uma instância jurisdicional distinta daquela. Assim e à partida, não cumprem estes requisitos os actos decisórios que não tenham fundamento algum, por mínimo que seja, e aqueles que se revelem insuficientemente motivados. Porém, também não se deve exigir que no acto decisório fiquem exauridos todos os possíveis posicionamentos que se colocam a quem decide, esgotando todas as questões que lhe foram suscitadas ou que o pudessem ser. O que importa é que a motivação seja necessariamente objectiva e clara, e suficientemente abrangente em relação às questões aí suscitadas, de modo que se perceba o raciocínio seguido. * Mas será que a decisão judicial de concessão ou de recusa da liberdade condicional é equiparável a uma sentença, por aplicação e integração analógica da disciplina processual desta, como certa jurisprudência tem vindo a sustentar [Ac. R. L. de 2011/Dez./15, 2011/Set./27, CJ V/163, IV/137; 2009/Nov./25, 2009/Out./14, 2009/Mai./19, 2008/Out./20](2) ou então configura uma mera irregularidade, que afecta o valor do acto praticado, a qual é, a todo o tempo e mesmo em sede recursiva, sujeita a reparação a realizar, por determinação oficiosa, pelo tribunal recorrido, como outra jurisprudência tem alinhado [Ac. R L. de 2011/Abr./06 e 2010/Fe./24](3)?Os argumentos avançados e decisivos para aquela equiparação consistem em que só através da formalização como sentença da decisão judicial de concessão ou não da liberdade condicional se possibilita uma ponderação adequada de cada caso (i), que a mesma seja verdadeiramente sindicável em sede de recurso (ii) [Ac. R. L. 2009/Out./14] e que essa decisão conhece a final do objecto do processo elaborado no TEP (iii) [Ac. R. L 2011/Set./27]. Já quanto àqueles que tratam esse vício da falta ou deficiência de motivação como uma irregularidade, o qual afectaria o valor do respectivo acto, o mesmo sempre poderia ser, a todo o tempo e oficiosamente, reparado (123.º, n.º 2 C. P. Penal). Para o efeito e para se chegar a uma narrativa constitucionalmente conformada, temos que fazer uma leitura do que é uma sentença e se esta tem lugar no âmbito do instituto de liberdade condicional, determinando para o efeito a sua natureza e características. A noção legal de sentença é dada pelo artigo 97.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal, cujas disposições são aplicáveis a título subsidiário (154.º do C. E. P.), aí se considerando que “Os actos decisórios dos juízes tomam a forma de: Sentenças, quando conhecerem a final do objecto do processo”. Existe aqui uma similitude de terminologia com o preceituado nos artigos 419.º, n.º 3, al. b) e 400.º, n.º 1, al. c), ambos do Código de Processo Penal, dizendo o primeiro respeito ao conhecimento dos recursos em conferência e reportando-se o segundo à irrecorribilidade dos “acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam a final do objecto do processo”. As redacções destes dois segmentos normativos foram introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29/Ago., que substituiu a menção “que não ponham termo à causa”. Tanto num caso, como no outro, passou-se a considerar que a menção a “objecto do processo” tinha um significado semelhante ao do “mérito do processo”, alargando-se, por isso, aquele conceito primitivo de pôr termo ou fim à causa. Anteriormente no regime processual decorrente do Código de Processo Penal, estipulava-se no seu artigo 485.º, sob a epígrafe “Decisão” que “Antes de proferir despacho sobre a concessão da liberdade condicional, o Tribunal de Execução das Penas ouve o condenado, nomeadamente para obter o seu consentimento”. Tal preceito foi revogado pela Lei n.º 115/2009, de 12/Out., através do seu artigo 8.º, n.º 2, al. a), que instituiu o Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade (CEP), mas o mesmo continua a fazer referência, no capitulo respeitante à liberdade condicional, a “decisão do juiz” (177.º, n.º 3), como de resto sucede em relação a outras decisões, distinguindo a mesma das “sentenças condenatórias” (v.g. 3.º, n.º 2; 181.º). A decisão proferida ao abrigo do artigo 485. do CEP era proferida pelo tribunal de execução de penas, no âmbito da fase jurisdicional do processo de concessão da liberdade condicional, que em tempos e nos seus primórdios chegou a ser uma concessão do Ministro da Justiça (Lei de 6 de Julho de 1893, regulada pelo Decreto-Lei n.º 26643, de 28 de Maio de 1936, artigo 393.º). Assim e desde que se procedeu à jurisdicionalização da execução das penas privativas da liberdade (Lei n.º 2000, de 1944/Mai./15; Decreto n.º 34.553, de 1945/Abr./30; Decreto-Lei n.º 783/76, de 27 de Out.; Lei n.º 115/2009, de 12/Out.), que o acto judicial de concessão ou recusa da liberdade condicional foi sempre considerado pelo legislador como uma decisão judicial distinta de uma sentença, mas integrado no âmbito da execução de uma sentença condenatória, transitada em julgado. Daí que a liberdade condicional ocorra no decurso da execução de uma pena de prisão, comportando um regime substantivo (61.º a 64.º Código Penal) e um regime processual (antes 484.º a 486.º C. P. P.; agora 155.º, 173.º e ss. C.E.P.), que actualmente integra uma fase de incidência técnico-administrativa, que culmina com o parecer do Conselho Técnico (175.º, n.º 2 CEP), a que se segue uma fase de incidência judicial, a qual se inicia com a audição do recluso e finda com a prolação da decisão judicial (176.º, 177.º CEP). Nesta conformidade, o instituto de liberdade condicional tem um carácter incidental e uma natureza híbrida [Ac. do TC 427/2009, fundamento 9.1; Ac. Uniformizador STJ 2/99, DR 35/99 I-A; Ac. TRP 10/Mar/2010](4). Daqui decorre que a decisão judicial de concessão ou recusa da liberdade condicional, pode marcar ou não o início de um período de liberdade provisória, mas certamente que essa antecipação da liberdade não tem, em momento algum, um carácter definitivo (antes 480.º, n.º 1, parte final e 481.º, n.º 1 C. P. P.; agora 23.º, n.º 1 e 24.º, n.º 1 CEP). Por isso, no incidente processual da liberdade condicional não se conhece nem do objecto final do processo de execução das penas de prisão e muito menos do objecto do processo penal. Por último, nem sempre a exigência de uma reflexão cuidada e a susceptibilidade da correspondente decisão judicial ser impugnável em sede recursiva conduz a que aquele acto decisório tenha de ser sempre uma sentença, como de resto sucede com o decretamento da prisão preventiva (194.º, n.º 4 C. P. Penal) ou a revogação da suspensão da execução da pena de prisão (56.º C. Penal). Daí que o estatuto formal de uma sentença, que pode marcar irremediavelmente a declaração de culpabilidade e a determinação de uma reacção penal, esteja confinado às decisões judiciais que apreciem o mérito de uma acusação ou de uma pronúncia (283.º, 284.º, 285.º, 308.º C. P. P.) e dos pedidos de indemnização cível que podem ser enxertados em processo penal (77.º C. P. P.). Em suma, se o processo penal tem essencialmente por objecto a declaração de culpabilidade do arguido e, quando for caso disso, a fixação de uma pena, a liberdade condicional representa um incidente da fase de execução desta última. A isto acresce e de forma determinante que a garantia dos direitos de defesa do arguido, assim como a salvaguarda de um processo justo e equitativo (32.º, 20.º, n.º 4 da Constituição; 6.º CEDH), não exigem, numa interpretação conforme a Constituição (verfassungskonforme Auslegung), que qualquer decisão judicial privativa da liberdade tenha uma estrutura idêntica ou semelhante a uma sentença, mas apenas que a mesma esteja fundamentada de facto e de direito. Nesta conformidade, o acto judicial decisório de concessão ou recusa da liberdade condicional não corresponde, nem sob o ponto de vista formal nem teleológico, a uma sentença, sendo totalmente desajustado fazer essa equiparação. * Por sua vez e de acordo com o artigo 118.º do Código de Processo Penal, que consagra o princípio da legalidade dos actos processuais, preceitua-se que “A violação ou a inobservância da disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”.Ora e ao contrário das sentenças (379.º C. P. P.), dos despachos que decretam uma medida de coacção ou de garantia patrimonial (194.º, n.º 4 C. P. P.), bem do despacho de pronúncia (308.º, n.º 2, 283.º, n.º 3 C. P. P.), não existe qualquer norma legal que comine de nulidade, por falta de motivação, o despacho que se pronuncie sobre a concessão ou não da liberdade provisória. A propósito convém recordar que o nosso Código de Processo Penal seguiu de perto o “Codice di Procedura Penale” Italiano, acompanhando os seu principais alinhamentos e opções de política processual penal. No entanto o nosso regime de nulidades processuais penais não contempla um normativo semelhante ao do artigo 125.º daquele código transalpino, relativo à “Forme dei provvedimenti del giudice”, segundo o qual a falta de motivação conduz sempre à nulidade do respectivo acto – aqui estabelece-se que “Le sentenze e le ordinanze sono motivate, a pena di nullitá [177, 604, 606 lette]. I decreti sono motivati, a pena di nulllitá [181], nei casi in cui la motivazione é espressamente prescrita dalla legge [127, 132, 244, 247, 253, 267, 321, 409, 414]”. Isto significa que neste âmbito as opções de política processual penal foram distintas. Daí que, seguindo o enunciado princípio da legalidade dos actos processuais, a falta ou a insuficiência de motivação de uma decisão que conceda ou não a liberdade condicional, não corresponde a uma nulidade antes tratando-se e apenas de uma irregularidade. Mais acresce e ao contrário do regime recursivo em processo penal, que permite invocar a nulidade de uma sentença como fundamento de recurso (379.º, n.º 2 C. P. P.), a impugnação da decisão da concessão ou recusa da liberdade condicional é limitado a esta questão (179.º, n.º 1 CEP), sendo este o conteúdo útil do direito ao recurso [Ac. TC 638/2006](5). Nesta conformidade, não é pelo facto de haver uma exigência constitucional e legal de fundamentação das decisões judiciais, que a sua falta ou insuficiência integra sempre uma nulidade. Por sua vez e de acordo com o artigo 123.º, n.º 1 do Código de Processo Penal “Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto”. Assim, a falta de invocação atempada de qualquer irregularidade como de resto de uma nulidade que não seja absoluta ou insanável, conduz à sua sanação (121.º, 123.º C. P Penal, por interpretação extensiva) – o contrário e a possibilidade de se conhecer a todo o tempo e oficiosamente uma mera irregularidade é, na prática, conferir-lhe o estatuto de uma nulidade insanável, o que se mostra legalmente desajustado. Resta saber qual é o prazo que o visado tem para invocar a respectiva irregularidade, já que o disposto no artigo 123.º, n.º 2 impõe que seja no acto, caso esteja presente, ou, no caso de estar ausente, no prazo de três (3) após qualquer comunicação ou intervenção processual. Temos de reconhecer que este prazo de três (3) é severamente exíguo e mostra-se desproporcional quando está em causa um vício que tem uma imposição constitucional, como sucede com o dever de fundamentação de uma decisão judicial, sendo certamente mais ajustado estabelecer um prazo mais dilatado, como seria o prazo regra dos dez (10) dias (105.º, n.º 1 C. P. P). Também o Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade veio estabelecer como regra geral para a prática de actos o prazo de dez (10) dias, preceituando no seu artigo 152.º, n.º 1 que “Salvo disposição legal – leia-se deste Código – em contrário, é de 10 dias o prazo para a prática de qualquer acto processual”. E quando quis regular um outro prazo veio fazê-lo expressamente, seja por referência interna (2 dias – 218.º, n.º 1; 5 dias – 160.º; 177.º, n.º 1; 203.º, n.º 1 parte final; 204.º, n.º 1; 205.º, n.º 1; 206.º, n.º 2 CEP; 8 dias – 203.º, n.º 1 I parte CEP), seja por remissão externa, como sucede no caso dos recursos (239.º CEP), cujo prazo de interposição regra é de 20 dias (411.º, n.º 1 C. P. P.). Isto significa que tendo o Código de Processo Penal apenas aplicação subsidiária em relação ao Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, conforme decorre do seu artigo 154.º e não havendo reenvio expresso para o prazo de invocação do vício processual de irregularidade, então será de observar o prazo regra do artigo 152. deste último diploma, cuja aplicação até se mostra mais conforme com as exigências constitucionais das garantias de defesa e do direito a um processo justo e equitativo. Aqui chegados podemos tirar quatro conclusões para a leitura do regime processual de concessão ou recusa da liberdade condicional e das exigências de fundamentação da respectiva decisão judicial. A primeira é que as já referidas garantias de defesa do arguido, o direito a um processo equitativo, assim como a primazia constitucional que se deve conceder à liberdade (27.º n.º 1, n.º 2, n.º 3 Constituição), incutem que as decisões judiciais que afectem esta última tenham um reforço de fundamentação, devendo as mesmas estar ancoradas num procedimento que garanta uma efectiva e clara percepção da decisão e quais as razões que a sustentam, assegurando-se um apropriado grau de recurso jurisdicional. A segunda conclusão é que o vício da falta ou insuficiência da motivação da decisão de concessão ou recusa da liberdade condicional, corresponde a uma mera irregularidade, que, sempre que não for contrariado pelo Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, está sujeito ao regime do art. 123.º do Código de Processo Penal – sem prejuízo de ser mais aconselhável que o legislador optasse por uma formalização específica do correspondente despacho, cominando o vício de falta de fundamentação como nulidade. A terceira conclusão é que essa irregularidade tem de ser suscitada perante o tribunal que a praticou, sob pena de ficar sanada, não podendo ser fundamento de recurso. A quarta conclusão é que o predomínio do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade e a sua autonomia em relação ao Código de Processo Penal, pois este é que tem aplicação subsidiária em relação àquele e não o contrário (154.º CEP), levam a que se afaste o prazo de três (3) dias previsto no artigo 123.º, n.º 1 deste último diploma, e se acolha a regra geral do prazo de dez (10) dias daquele código. Ora podemos efectivamente constatar, no caso em apreço, que em nenhum momento foi suscitada a presente irregularidade perante o tribunal que a terá cometido, pelo que improcede este fundamento de recurso. * b) A concessão da liberdade condicionali) Os princípios da intervenção mínima e da proporcionalidade das penas e a liberdade condicional A Constituição estabelece no seu artigo 18.º, n.º 2 que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. Por sua vez a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, enuncia vinculativamente para os Estados Membros no seu artigo 49.º, n.º 3 que “As penas não devem ser desproporcionadas em relação à infracção.” Decorre da conjugação destes preceitos o princípio da intervenção mínima do direito penal e da proporcionalidade das penas, não só na sua escolha e determinação, assim como na sua execução, mormente quando as reacções penais forem privativas da liberdade. A proporcionalidade tem sido perspectivada a partir de três sub-princípios: da idoneidade ou adequação (i), da necessidade ou exigibilidade (ii), ambos respeitantes à optimização relativa do que é factualmente possível, e da proporcionalidade em sentido estrito ou da justa medida (iii), o qual se reporta à optimização normativa, seja a propósito dos direitos, liberdades e garantias em geral [Ac. TC 11/83, 285/92, 17/84, 86/94, 99/99, 302/2006, 158/2008(6)], seja especificamente no que concerne às reacções penais [Ac. TC 370/94, 527/95, 958/96, 329/97]. Por sua vez, será de referir que tanto na determinação como na execução das penas, dever-se-á atender às finalidades destas, que segundo o art. 40.º do Código Penal, consistem na “protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Isto significa que a pena, enquanto instrumento político-criminal de protecção de bens jurídicos, tem, ao fim e ao cabo, uma função de paz jurídica ou social, típica da prevenção geral(7), seguindo-se as vertentes da prevenção especial. Por sua vez e de acordo com o artigo 42.º, n.º 1 do Código Penal “A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável”. Tudo isto reforça que a execução de uma pena de prisão tem essencialmente na sua base, sendo de resto a sua âncora, razões nítidas de prevenção geral, associadas à defesa da sociedade e à paz jurídica ou social, mas também orientações de prevenção especial, especialmente na vertente da ressocialização do arguido. Para o efeito, de modo escalonado e proporcionado, fixaram-se no artigo 61.º do Código Penal os requisitos de flexibilização da execução da pena de prisão, através da antecipação da liberdade, optando-se não só por uma diferenciação temporal dos pressupostos formais, como também por uma diferenciação material dos seus pressupostos discricionários. Assim e partindo-se sempre do pressuposto formal da existência de consentimento por parte do condenado (n.º 1), situaram-se os demais pressupostos formais para a liberdade condicional facultativa em 1/2 (n.º 2) e em 2/3 (n.º 3) do cumprimento da pena de prisão, enquanto se fixou a liberdade condicional de carácter obrigatório ou automático no cumprimento de 5/6 de pena de prisão (n.º 4), mas desde que esta seja superior a 6 anos. Do exposto decorre que a liberdade condicional corresponde a um instituto de natureza incidental que ocorre no decurso da execução da pena de prisão [Ac. do TC 427/2009, Ac. Uniformizador STJ 2/99, DR35/99 I-A; Ac. TRP 10/Mar/2010](8) e que é exclusivo desta, não sendo, por isso, extensível a outras reacções penais privativas da liberdade e substitutivas da pena de prisão [v. g. o regime de permanência na habitação; Ac. TRP 28/Jan./2009](9). Tratando-se, essencialmente, de um período de transição entre a prisão e a liberdade [Ac. TRP de 10/Fev./2010](10), o mesmo pode estar sujeitos a medidas prévias de adaptação e antecipação da liberdade condicional (62.º Código Penal), flexibilizando-se a execução da pena de prisão, ou então a restituição à liberdade provisória pode ficar condicionada a certas regras de conduta, que até pode implicar um regime de prova e um plano de reinserção social (64.º Código Penal). Importa no entanto reter que a concessão de liberdade condicional não tem subjacente qualquer “ideia de benefício penitenciário”, nem pode ser vista como uma “medida de clemência”, sendo antes, na perspectiva do recluso, um verdadeiro direito subjectivo (i), assente na sua responsabilização e no esforço da sua reinserção social [Ac. TRP de 08/Set./2010, 25/Mar./2010](11), e na perspectiva do tribunal, um autêntico poder-dever de concessão da liberdade condicional (ii), verificados que estejam os seus pressupostos formais e materiais [Ac. TC 427/2009]. Nestas últimas acentuam-se as finalidades preventivas na execução das penas, tanto na sua dimensão geral de integração e defesa do ordenamento jurídico, como na sua dimensão especial de ressocialização, [Ac. TRP 14/Abr./2010](12). Daí que a liberdade condicional só deva ser recusada, como se enunciou neste último aresto, “se a libertação afrontar as exigências mínimas de tutela do ordenamento jurídico ou na decorrência de motivo sério para duvidar da capacidade do recluso para, uma vez em liberdade, não repetir a prática de crimes”. * ii) A liberdade condicional facultativa na modalidade do cumprimento de 2/3 da pena de prisãoA propósito da segunda modalidade de concessão da liberdade condicional facultativa, estabeleceu-se no artigo 61.º, n.º 3 do Código Penal que “O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior”. Por sua vez, desta alínea a) resulta que só será concedida a liberdade condicional quando “For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”. Não se dá, nesta modalidade de liberdade condicional facultativa quando atingidos os 2/3 do cumprimento da pena de prisão, a mesma relevância que se confere à prevenção geral quando apenas se atinge metade desse cumprimento [Ac. TRP de 28/Set./2011, 21/Set./2011, 15/Set./2010, 14/Jul./2010, 20/Jan./2010 e 07/Out./2009](13). Nesta conformidade, na outorga da liberdade condicional facultativa quando estejam cumpridos 2/3 da pena de prisão passam-se quase exclusivamente a acentuar as razões de prevenção especial, seja negativa, de que o condenado não voltará a delinquir (i), seja positiva, conducente à sua reinserção social (ii). Por isso e como já se referiu no Acórdão desta Relação de 18/Fev./2009, “No momento de apreciação da liberdade condicional, quando o condenado já cumpriu dois terços da pena, deve entender-se que esse cumprimento parcial satisfaz plenamente as razões de prevenção geral, ficando a liberdade condicional, quando facultativa, apenas dependente do cumprimento das exigências de prevenção especial”.(14) Para o efeito dever-se-á ter em atenção as repercussões que o cumprimento da pena estão a ter na personalidade do arguido e podem vir a revelar-se na sua vida futura. Assim, para além da vontade subjectiva do condenado, o que releva é, como já se afirmou, a “capacidade objectiva de readaptação”(15), de modo que as expectativas de reinserção sejam manifestamente superiores aos riscos que a comunidade deverá suportar com a antecipação da sua restituição à liberdade. Tal só será possível mediante um prognóstico individualizado e favorável à reinserção social do condenado, assente, essencialmente, na probabilidade séria de que o mesmo em liberdade adopte um comportamento socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal. Daí que não seja tão decisivo o “bom comportamento prisional em si”, mas os índices de ressocialização revelados pelo condenado, que devem ser aferidos de acordo com as circunstâncias concretas de cada caso, mormente a sua conduta anterior e posterior à sua condenação, bem como a sua própria personalidade, designadamente a sua evolução ao longo do cumprimento da respectiva pena de prisão. A propósito convém relembrar que os relatórios emitidos pelas entidades competentes oferecem, naturalmente, um relevante “contributo informativo sobre aspectos relativos às condições pessoais do recluso, à sua personalidade, à evolução durante o período de reclusão, a projectos futuros de vida, etc., que habilita o tribunal a fazer uma avaliação global”, o mesmo sucedendo em relação ao parecer do Conselho Técnico, o qual é um órgão auxiliar do tribunal, com funções consultivas deste (142.º CEP), mas não são, obviamente, vinculativos [Ac. TRL de 21/Nov./2007; TRP de 22/Set./2010](16). No caso em apreço a decisão recorrida assentou nas exigências de prevenção especial, partindo das condenações disciplinares do recorrente, onde é patente a sua incapacidade de relacionamento com os seus pares, da sua falta de motivação para investir na formação escolar, nas oscilações do seu comportamento, registadas no relatório social de fls. 69, na desculpabilização, invocando a sua condição de alcoolizado, da sua conduta que levou à presente condenação, sem que tenha tido qualquer preocupação com as vítimas, quando está em causa a prática de crimes de homicídio na forma tentada, detenção de arma proibida, de crime de resistência e coação sobre funcionário, para além de um crime de injúrias Os únicos factores que tem a seu favor é de ter beneficiado de uma saída jurisdicional sem anomalias e de estar a trabalhar no Estabelecimento Prisional, afecto à área do refeitório, mas que são insuficientes para ponderar positivamente a existência de razões de prevenção especial, na vertente positiva de ressoacialização, conducentes à sua liberdade condicional, pelo que não existe nenhuma censura a fazer ao despacho recorrido. * III. DECISÃO* * Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao presente recurso interposto pelo arguido B… e, em consequência, confirma-se o despacho recorrido. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro (4) UCs – artigos 513.º n.º 1 e 514.º n.º 2 do Código de Processo Penal. Notifique. Porto, 04 de Julho de 2012 Joaquim Arménio Correia Gomes Carlos Manuel Paiva do Espírito Santo _________________ (1) O arguido apresentou conclusões em número de trinta e duas, nas quais reproduziu textualmente o que antes tinha expendido nas suas motivações, que igualmente alinhou em 32 §, o que nos levou a resumir as mesmas, em vez de convidar ao aperfeiçoamento (417.º, n.º 3 C. P P.), por três ordens de razão: a primeira é que o arguido tem um direito fundamental à existência de um processo justo e equitativo, o que implica a prolação de uma decisão em prazo razoável [20.º, n.º 4 Constituição; 6.º, n.º 1 CEDH]; a segunda é que a existência de um Estado de Direito Democrático, exige que a função jurisdicional de administração da justiça seja realizada em tempo útil [2.º, 202.º Constituição]; a terceira é que o convite ao aperfeiçoamento daquilo que não foram conclusões sempre poderia redundar na prática de um acto duplamente inútil, o qual é proibido por lei (137.º C.P. C. ex vi 4.º C.P.P., 154.º CEP), pois não só a argumentação motivatória expendida é perceptível, como se poderia correr o risco do recorrente “reincidir” em não formular novamente quaisquer conclusões, já que também não as soube fazer mum primeiro momento, não sendo isso motivo de rejeição do recurso, em virtude de tal direito a um processo equitativo e as garantias de defesa (32.º Constituição) não devem conceder primazia ao formalismo em detrimento de um efectivo direito ao recurso. (2) Relatados, respectivamente, pelos Des. Neto de Moura, Simões de Carvalho, Domingos Duarte, Morais Rocha, Margarida Blasco e Abrunhosa de Carvalho. (3) Relatados, respectivamente pelos Des. Carlos Almeida e Maria José Costa Pinto. (4) O primeiro acessível em www.tribunalconstitucional.pt como os demais a que se fizer referência do Tribunal Constitucional, enquanto o segundo também está disponível em www.stj.pt/jurisprudencia/fixada/criminal, relatados, respectivamente pelos Cons. Maria João Antunes e J. M. Nunes da Cruz. O terceiro aresto é acessível em www.dgsi.pt, sendo relatado pelo Des. Francisco Marcolino, como todos os demais desta Relação aos quais não se faça referência expressa quanto à sua origem. (5) Relatado pelo Cons. Paulo Mota Pinto. (6) Acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt assim como os demais a que se fizer referência do Tribunal Constitucional. (7) ROXIN, Claus, Culpabilidad y Prevencion en Derecho Penal, Editorial Réus, 1981, Madrid, p. 181; FIGUEIREDO DIAS, Jorge Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 73 e ss; “Sobre o estado actual da doutrina do crime”, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano I, 1991, p. 22; PALMA, Maria Fernanda, “As alterações da Parte Geral do Código Penal na revisão de 1995: Desmantelamento, reforço e paralisia da sociedade punitiva”, em Jornadas sobre a revisão do Código Penal, Almedina, Coimbra, 1998, p. 26, onde se traça as finalidades de punição deste artigo 40.º, com base no § 2 do projecto alternativo alemão (Alternativ-Entwurf). (8) O segundo também está disponível em www.stj.pt/jurisprudencia/fixada/criminal e o terceiro acessível em www.dgsi.pt, como todos os demais desta Relação relativamente aos quais não se faça referência expressa quanto à sua origem. Tais arestos foram respectivamente relatados pelos Cons. Maria João Antunes, J. M. Nunes da Cruz e pelo Des. Francisco Marcolino. (9) Relatado pelo Des. Paulo Valério. (10) Relatados pela Des. Adelina Barradas. (11) Relatados pelo Des. Melo Lima. (12) Relatados pelo Des. Artur Oliveira. (13) Relatados pelos Des. Artur Oliveira, José Carreto, Élia São Pedro, Artur Vargues, o presente relator e novamente o Des. José Carreto (14) Relatado pelo Des. Paulo Valério. (15) DIAS, Figueiredo, no seu Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 539. (16) Relatados, respectivamente, pelas Des. Margarida Ramos Almeida e Maria Leonor Esteves. |