Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
956/10.5PJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MOREIRA RAMOS
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PROVA DOCUMENTAL
SMS [SHORT MESSAGE SERVICE]
Nº do Documento: RP20141008956/10.5PJPRT.P1
Data do Acordão: 10/08/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não é obrigatória, para ser valorada, a leitura ou exame em audiência de julgamento, da prova documental ou pericial existente nos autos, do conhecimento dos sujeitos processuais;
II - No âmbito do crime de violência doméstica, cabem as condutas e comportamentos que causam, inclusive através do envio de sms, maus tratos psíquicos configurados como stalking;
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 956/10.5 PJPRT.P1

Tribunal da Relação do Porto
(2ª Secção Criminal – 4ª Secção Judicial)

Origem: Juízos Criminais do Porto
(1º Juízo – 1ª Secção)

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO:

No processo supra identificado, por sentença datada de 28/03/2014, depositada em 14/04/2014, e no que ora importa salientar, decidiu-se julgar a acusação pública procedente, por provada, e, em consequência, condenar o arguido B…, como autor de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, al. a), do Código Penal, na pena de dezoito meses de prisão, substituídos pela prestação de quatrocentas e oitenta horas de trabalho a favor da comunidade, a cumprir de acordo com o plano a elaborar pela DGRS, sujeita a regras de conduta, consubstanciadas na frequência de acções que incidam sobre as suas dificuldades de auto-responsabilização, desenvolvendo competências de análise crítica das situações e de respeito pela ofendida e a comparência a entrevistas com regularidade a determinar por aquela entidade.

Inconformado com a sobredita decisão, dela veio o mesmo interpor recurso nos termos constantes de fls. 640 a 682 (via fax, com remessa electrónica documentada a fls. 686 a 728 e com original a fls. 729 a 771), aqui tidos como especificados, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (transcrição):

A. Atenta a prova produzida nestes autos, o Venerando Tribunal ad quo errou, não apenas na apreciação material da prova produzida em audiência, assim como e principalmente, na sua apreciação jurídica, julgando erradamente estarem preenchidos os pressupostos jurídicos e materiais do crime em questão.

B. Para além disso, ainda que os pressupostos materiais do crime de violência doméstica se encontrassem preenchidos, o que não se concede, sempre se diga que a pena em que o Arguido foi condenado é escandalosamente desproporcional às necessidades de punição que poderiam estão em questão neste caso, designadamente, ao nível da prevenção geral e especial.

C. Sendo que o arguido foi condenado, repare-se, sem ter quaisquer antecedentes criminais e sendo portanto primário, em 18 meses de prisão!

D. Quanto à matéria de facto considerada provada pelo Tribunal ad quo, julgamos que a mesma foi incorrectamente apreciada atenta a prova produzida em audiência, designadamente, no que concerne aos pontos da fundamentação de facto d), f), g), h), i), j), l), m), n), o), p), q), t), u), v) e x) e z).

E. Os quais, atenta a prova produzida em audiência, designadamente, testemunhal, deverão ser dados como não provados ou, pelo menos, alterados.

F. Para além disso, na apreciação da matéria de facto, o Tribunal ad quo não incluiu a forma como os actos imputados ao Arguido afectaram ou não a Assistente C…, designadamente, cada um dos factos que lhe foram imputados, sendo que resulta por demais perverso incluí-los todos no mesmo “bolo” quando os factos descritos na fundamentação de facto de C) a O) ocorreram até ao momento em que Arguida encerrou o estabelecimento comercial de restauração “D…” em 28 de Agosto de 2010, e os factos assentes constantes das alíneas P) a U) ocorreram a partir do divórcio do casal, decretado em 26.06.2012 até data que ficou por determinar.

G. Tudo conforme a prova produzida em audiência e os factos constantes da acusação, nos quais, os dois momentos temporais foram bem separados, havendo um hiato temporal de quase dois anos em que nenhuma conduta é censurada ao Arguido, nem pela acusação nem pelo Tribunal ad quo.

H. Ora, será admissível que o Tribunal ad quo condene o arguido por tais actos, os quais configuram dois crimes diversos, sem considerar, separadamente, a forma como cada um desses conjuntos de actos imputados ao Arguido afectaram ou não a Assistente C….

I. Ou seja falhou o tribunal ad quo ao não considerar que o arguido praticou diferentes crimes, como também na análise das circunstâncias e pressupostos de cada,

J. Isto sendo certo que, se relativamente ao primeiro período temporal, ou crime, o Tribunal ad quo condena o arguido por comportamentos activos de ofensa física e verbal da Assistente, que considera de vexatórios e humilhantes da Assistente, pelo segundo momento, ou crime, em que o Tribunal condena o Arguido por uma atitude de perseguição, de stalking, de incómodo.

K. Ora, na nossa modesta opinião, cremos decisivo para o preenchimento da factispécie legal do crime previsto no artigo 152.º do Código Penal que o Tribunal considere a forma como tais actos de violência doméstica afectaram ou não a sua vítima, sendo que tal dispositivo estabelece que “quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais…”

L. Deveria pois o Tribunal ad quo ter-se pronunciado sobre o maior ou menor sofrimento vivido pela vítima em cada um dos crimes de que foi acusado o Arguido e em que o veio a condenar, até para determinar o grau de culpa e a censurabilidade da conduta do arguido.

M. Isto porque se os actos do arguido no primeiro momento temporal considerados, crime, podem ter sido motivados por uma atitude, que apenas se conjectura mas não se admite, por desgaste da relação, no segundo momento temporal ou crime, a sua atitude para com a Assistente é claramente diversa, conforme plasmado nos escritos do Arguido, até porque nesse segundo momento não tem qualquer contacto com a Assistente.

N. Sendo certo que no segundo momento temporal ou crime estão em questão 20 (vinte bilhetes, notas ou cartas), repare-se 20, que o Arguido endereçou à ofendida, as quais, do nosso modesto ponto de vista, não podem de maneira nenhuma merecer a censura que mereceram do Tribunal ad quo.

O. Isto porque são apenas a mais pura demonstração de um comportamento humano, misturando racionalidade e emotividade, raciocínio e comoção.

P: O que não pode ser confundido com actos de violência doméstica.

Q. Ora, o que podemos ver nas cartas enviadas pelo Arguido à Ofendida é que nunca houve por parte do arguido um qualquer intuito de magoar a ofendida, o que de facto nunca aconteceu.

R. Qualquer destas mensagens, pelo seu carácter íntimo, à luz de uma secretária de um qualquer julgador, longe de todas e quaisquer circunstâncias em que posam ter sido escritos, sempre poderão parecer estranhas, difíceis, despertando em nós um sentimento de vergonha alheia.

S. Mas estes bilhetes não só não foram escritas por um jurista que muito procura cuidar pelas suas palavras, como também não foram escritas para serem lidas por terceiros.

T. Bem como, repare-se, não foram escritas, sequer, para serem lidas pela Assistente, anos após.

U. Tais palavras foram usadas num determinado momento desconhecendo nós, de todo as circunstâncias que rodearam as mesmas.

V. Pelo que, ainda que se faça um exercício académico de que o arguido venha condenado pelos restantes factos pelos quais vem acusado, o que não se admite mas que poderá eventualmente decorrer das infelicidades de um julgamento viciado por testemunhos mais ou menos verdadeiros, nunca cremos que o arguido deverá ser condenado pelo teor das cartas que endereçou à Assistente.

W. Ao que acresce que alguns dos tais 20 bilhetes foram recolhidos pela própria ofendida da casa da mãe do arguido, sem que nada a obrigasse a pegar neles e lê-los, bem sabendo que os mesmos pertenciam ao arguido e lhe eram dirigidos.

X. Ou seja, havia uma disposição da ofendida para receber as cartas, sendo que a ofendida podia simplesmente rejeitá-las.

Y. Por fim, ainda sobre as cartas e bilhetes supra referidas, sempre se refira que o conteúdo das mesmas não foi de qualquer modo reproduzido em audiência, tendo simplesmente transitado dos autos para a sentença recorrida, em violação do princípio de que toda a prova em processo penal é produzida em audiência.

Z. É notória em toda a sentença a tendência do Tribunal ad quo de interpretar todos e quaisquer depoimentos a favor da ofendida, descredibilizar ou considerar tendenciosos os depoimentos que narravam factos a favor da defesa, bem como considerar da pior forma os escritos do arguido dirigidos à ofendida.

AA. Sendo que neste caso tal não pode admitir-se, designadamente, por comparação à maioria dos julgamentos por violência doméstica, sendo que os factos sub judice ocorreram todos fora de portas, à luz de todos, e não entre paredes, num espaço recôndito, secreto e confidente.

BB. Pelo que à acusação, nestes casos, devem ser exigidos muito mais elementos de prova de cada facto, não se ficando pela duvidosa segurança de um depoimento e, acima de tudo, pela maior margem de manobra na sua interpretação.

CC. Pelo que cremos que de forma inegável o Tribunal ad quo falhou na apreciação da prova produzida, incorrendo no vício da insuficiência, para a decisão da matéria de facto provada, no vício do erro notório na apreciação da prova (cfr. art. 410º nº 2, al. c), do CPP), da violação do princípio da livre apreciação da prova, e do princípio In Dubio Pro Reu.

DD. Por fim, diga-se que ainda que se dessem como provados os factos que o Tribunal ad quo considerou como provados, o que não se concede, a questão que aqui se coloca prende-se com a justeza de uma sentença que, face aos mesmos, condene o arguido a 18 meses de prisão.

EE. Nesta matéria, cremos que o critério legal a seguir é o de que o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa (de multa) sempre que verificados os respectivos pressupostos de aplicação, isto é, que a pena alternativa se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição.

FF. Sendo certo que a aplicação de uma pena alternativa à pena de prisão, no caso a pena de multa, depende tão-somente de considerações de prevenção especial, sobretudo de prevenção especial de socialização, e de prevenção geral sob a forma de satisfação do «sentimento jurídico da comunidade».

GG. Ora, o quadro factológico provado, exposto na própria sentença recorrida, não aponta minimamente no sentido do arguido estar carecido de socialização, a concretizar através da aplicação de pena privativa de liberdade.

HH. A ausência de antecedentes penais leva à conclusão de a conduta do arguido ter radicado numa situação de mera ocasionalidade, num contexto de conflitualidade entre esta e a sua ex-mulher.

II. Crê-se, por isso, que a pena de multa realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

JJ. Assim ponderado:
- A não despicienda gravidade do crime aqui em questão;
- a reduzida gravidade das lesões sofridas pela Ofendida, sendo certo que a própria declara já se ter recomposto;
- O motivo determinante das condutas, designadamente, no que se refere às cartas e bilhetes enviados pelo Arguido;
- O reduzido conhecimento e baixa intensidade no dolo (directo) revelado;
- A ausência de antecedentes penais por parte do Arguido;
- A condição pessoal do arguido e a sua situação económica, julgamos que a pena de 18 meses que foi aplicada ao Arguida não é de qualquer modo adequada, razoável, proporcional e deverá ser revogada por este Venerando Tribunal de Recurso.

O recurso foi regularmente admitido (cfr. fls. 773).

O Ministério Público veio responder nos termos constantes de fls. 778 a 797, aqui tidos como reproduzidos, tendo concluído no sentido da manutenção da decisão recorrida por esta não merecer qualquer censura.

Não há outras respostas.

Nesta instância, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer junto a fls. 804 a 807, aqui tido como especificado, através do qual propôs também a improcedência do recurso.

No cumprimento do artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, nada mais foi aduzido.

Após exame preliminar, colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir, nada obstando a tal.
II – FUNDAMENTAÇÃO:

a) a decisão recorrida:

No que ora importa destacar, a sentença recorrida é do teor seguinte (transcrição):

Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
A) O arguido B… e a assistente C... contraíram casamento entre si no dia 11/4/2001; desse casamento nasceram dois filhos: E…, nascido a 24/1/02, e F…, nascido a 10/7/08;
B) O arguido e a ofendida encontram-se divorciados desde 26/6/012;
C) Durante a constância do matrimónio, o arguido e a ofendida exploraram, desde data não concretamente apurada, um estabelecimento comercial de restaurante, denominado D…, sito na Rua …, .., nesta cidade;
D) Nesse contexto, por diversas vezes o arguido, dirigindo-se aos clientes do estabelecimento, dizia que a arguida queria o restaurante para receber os amigos e apelidava-a de “puta”, “vaca”, dizendo que a mesma tinha muitos amantes;
E) Por acordo firmado em 25/1/010, o arguido e a ofendida acordaram entre si que aquele renunciava a todas e quaisquer funções de gestão relativas ao referido restaurante e que esta ficava obrigada a entregar-lhe a quantia mensal de €750,00, desobrigando-o, ainda, de qualquer responsabilidade ou prejuízo decorrentes de má gestão;
F) Em Maio/010, o arguido e a ofendida separaram-se de facto, altura em que esta manifestou àquele a sua intenção de se divorciar, factos que o arguido nunca aceitou;
G) Após tal data, por diversas vezes, o arguido procurou a ofendida no referido restaurante, local onde provocou desacatos, sempre com o intuito de perturbar e atormentar a ofendida; concretamente:
H) No dia 30.Maio.2010, cerca das 22h30m, o arguido dirigiu-se ao referido restaurante; uma vez que aparentava estar sob efeito do álcool, a ofendida recusou servir-lhe bebidas alcoólicas, tendo então o arguido, desagradado com tal facto, na presença de vários clientes, atirado o seu telemóvel ao chão e de seguida, em tom audível, acusado a ofendida de lho ter furtado;
I) Durante essa sua permanência no local, o arguido fez afirmações várias, todas com o intuito de atormentar a ofendida e denegrir a imagem da mesma perante os clientes e funcionários que se encontravam presentes, dizendo-lhe que “não queria saber dos filhos, que andava metida com os funcionários do restaurante, que quis ficar com o restaurante para receber os amigos”;
J) Decorrido algum tempo, a ofendida logrou que o arguido abandonasse o estabelecimento, tendo este, posteriormente, voltado ao local, nessa mesma noite, altura em que desferiu pancadas na porta e nos vidros do estabelecimento, partindo-os;
L) No dia 4.Julho.2010, cerca das 22h30m, o arguido dirigiu-se, mais uma vez, para o referido estabelecimento de restauração; uma vez aí, dirigiu-se à ofendida e disse-lhe, em tom audível por todos os presentes “ vou-te incendiar a casa, vou-vos partir a todos, vou partir o carro”;
M) No dia 28.Agosto.2010, cerca das 21h30, mais uma vez, o arguido se dirigiu ao referido restaurante; uma vez aí, após ter entrado em conflito com a ofendida, agarrou-a de forma violenta e desferiu-lhe arranhões, ao mesmo tempo que lhe dizia “mato-te, já não tenho nada a perder, andas metida com a funcionária, só gostas de gajas”;
N) Em consequência da conduta do arguido, a ofendida sofreu escoriação com 2cm por 3mm de maiores dimensões localizada na face posterior do hemi-tórax esquerdo, lesão essa que demandou, para a respectiva cura clínica, 3 dias de doença sem afectação da capacidade de trabalho;
O) A partir dessa data, e na sequência dos desacatos provocados pelo arguido, a ofendida viu-se obrigada a encerrar o referido restaurante;
P) Na altura em que a ofendida iniciou uma nova relação amorosa e após ter sido decretado o divórcio do casal, o arguido por algumas vezes se deslocou ao estabelecimento comercial “G…”, sito na zona …, nesta cidade, local onde a ofendida trabalhava, à data, procurando-a sem qualquer motivo e, desse modo, a perturbando;
Q) Também nesse período de tempo, por diversas vezes o arguido dirigiu à ofendida várias expressões insultuosas, entre elas: “ vaca, traidora, puta, és uma mãe de merda, não sabes tratar dos teus filhos”;
R) Também nesse período de tempo, o arguido escrevia bilhetes dirigidos à ofendida, os quais deixava colocados no pára-brisas do veículo automóvel da mesma, estacionado nas proximidades do referido estabelecimento G…, do seguinte teor:
- “Estimada: pensei em ir dar-te um beijo ao teu local de trabalho. Mas continuo a respeitar-te e a ter bons sentimentos por ti. Só pergunto se me permites de quando em vez ir ter contigo ao carro para te dar um xi-coração. Este que não queres teu, B…”;
- “Gostava de te ver para te abraçar e dar um beijo. Mas com tristeza minha não me dás um indício de que o possa fazer com os lábios do 1º dia. Mil beijos”;
- “A timidez isola-me. Já não sei que modo usar para ver o teu rosto. Não me permites coragem. Morri de vez, ou é só o coração que te impede de seres a flor que me desejou. Não sou o que tentas dizer ao coração: mau!”
- “Mas amar é respirar o inexorável”;
S) Também nesse período de tempo, o arguido escrevia cartas dirigidas à ofendida, as quais lhe fazia chegar por intermédio dos filhos ou de sua mãe, das mesmas constando, entre outras:
- “Como vais estimada C…? Espero que bem! Devemos levar os nossos instintos até ao limite, as nossas emoções e sentimentos até que nos matem, mas desistir é não ser essência! Pergunto-te se ir visitar-te de vez em quando é uma afronta aos teus sentimentos? Como homem que sou esqueço e anulo outro que possa existir …”;
- Ó Fulana: C… quê? És feliz com o teu amante e não comigo mas o teu filho E1… (meu filho) tu só o pariste sem saber como, está profundamente afectado psicologicamente e vai de imediato a um psicólogo! É bom que tragas Broncoliber para o meu F1… que veio ao mundo para tapar as tua f…O pai!”
- “Estimada ex companheira: um fraterno abraço! Mais uma vez te escrevo no desencontro da tua presença, essa que ainda hoje, por mais que o tente negar ao meu coração, te traz próxima do meu sentir. Nunca te quis, fiz ou farei mal! Fomos os dois educados, penso ainda hoje, para um grande amor em conjunto, esse que penso termos sabido construir. É tão bom e grandioso dizermos a verdade dos sentimentos – Não quero tirar-te os teus afectos por outro. Pelo que tentes o futuro e assumas a culpa a dois. Daquele que nunca te sujeitou por dinheiro, imposições, mas pode ter agido mal por amor”;
- “Como vais grata amiga, ou, se tudo for sentimento, prezada e sempre … Decide tu, mais uma vez!”;
- “Prezada e estimada C…: Deixo este bilhete à minha mãe pois tentei que me ligasses ontem mas ou não pudeste ou não queres. Dizes para ser eu a falar contigo mas não é fácil. Não posso ficar à tua espera encostado ao teu carro já que ir ao teu emprego nunca fui, nunca irei. Só quero estar contigo por saudades!”;
- “Tu não queres, eu não posso! Mas triste é que não te veja mais feliz, te veja acorrentada a uma submissão que jamais eu te sujeitaria … Se ao menos a felicidade se revelasse nos teus olhos a minha morte teria algum significado. Mas eu sou um paciente atormentado por não poder sequer falar do que por tolice foi um erro e te desmoronou um pouco o amor e te fez verter, não posso afirmar, algumas lágrimas. Mas tu, amada, odeias-me e não permites que também tu me mataste e matas, junto com meus filhos, ao viveres uma vida que não é vida, ao partilhares uma habitação em que és sujeita a coisas nunca na vida te faria e serei capaz de fazer. Que as noites não matem a ternura que acredito ainda termos um pelo outro. Sinto, grandemente, um amor que é absoluto e grande entre ambos: um amor humano”;
- “Eu não escrevi para te magoar! Estou perdido e queria ir à porta do emprego dar-te um beijo no rosto.”;
- “Olá minha preciosa “companheira” e mãe! Perdoa por não resistir à tentação de te oferecer estas palavras que são, para mim, como um beijo e um abraço que não sente o corpo nem o perfume do teu rosto. Que o medo e o orgulho morram e me convides para te olhar e ouvir”;
- “Vim agora do centro de emprego: “sempre a mesma merda”. Só eu, minha querida, ando a pagar por um crime que não cometi. Houve devaneios de parte a parte, mais nada. Nunca fui capaz de te magoar e talvez por isso digas que sou um homem sensível e carinhoso … Mas estou aqui, à espera que acordes para voltares a ser a C… que conheci, só que mais madura, esse maduro que permita ver e perceber o que distingue um homem silencioso, cruel e castrador, de um que só é tolo porque sonha que o amor e o carinho podem ser eternos. Continuo a pensar que nossos filhos estão a apodrecer de tristeza e tu a afastá-los e a afastares-te daqueles que ainda te querem e pensam em ti: eu e a minha família”;
- “Estimada! Um afecto muito grande para ti! É terrível ter de comunicar contigo desta forma quase clandestina mas, mesmo desta, não sei se será do teu agrado. É doloroso não ver nenhum sinal de compreensão pelas minhas palavras e os meus pedidos. Não são nada de mais, são apenas desejo de estar contigo e com nossos meninos pelo menos uma hora ou duas ao fim de semana! Sei que não é fácil para ti, ou porque estás impedida, de alguma forma, ou porque o amor que tens é de facto só para o homem que te cede casa e, como poucos são como eu, querem algo em troca!”
- “Estimada C…: um abraço! Sexta, ontem, não te deixei o bilhete que se segue. Não faz mal, mudaste de local. Não te permites ser honesta com o teu coração e teres uma atitude de mãe, mulher e pessoa que me disse sempre, mesmo nos últimos anos, amar-me! Tu lá sabes do que é feito o teu sangue e o teu coração! Mas o principal, e repito, é que os nossos filhos estão muito mal emocionalmente e tu, querendo ou não vais ser apontada a breve tempo por eles. Vives feliz e os outros são, desde que sejam oportunistas, os únicos a quem cedes pão, corpo, habitação! Podes ir ao DIAP e mostrar o que escrevo!”;
- “Não se trata, C…, de repensar o passado, nem tampouco fazê-lo referência do que é futuro. Amo os meus filhos e eles, inocentes, amam-me. Também a ti te devam mar mas não com a prisão que lhes é imposta. Vivem numa casa que não é deles e que sentem que também não é tua. E não é senão uma troca! Estou errado? Tu não tens que amar porque esse que te deseja não ama … usufrui da necessidade de te ter quase como imposição … Daí o resultado de não conseguires ser dona dos valores que tanto apregoas. Só peço que não incidas sobre mim o que em ti mesma recriminas. Nunca te maltratei, nem menti, e porque o novelo é cheio de pontas e está podre atiras para o ar a questão do passado e a tua glória do divórcio. Só queres lembrar a glória do divórcio esquecendo o teu casamento, a vida a dois e os nossos belos e únicos filhos.”
- “Minha sempre adorada C…: mil ternuras! Estar contigo é uma urgência que já não suportas neste que tanto te deseja e perfuma pelos caminhos solitários dos meus dias … Poderia ter o atrevimento de te ir beijar à saída do teu árduo trabalho, mas dizes que só te faço mal, que te desencorajo da vida, que sou um caso sem sentido e um homem a quem só tens de falar por obrigação de termos dois filhos. Lamento, meu amor, que eu não entre na floresta dos teus dias e me condenes à impotência de não saber se posso ou não amar o que é impensável deixar de amar. Amas um homem que não te respeita e não tinhas necessidade disso … Se eu tivesse ao menos o teu pouco ganha-pão nem que tivesse de viver num quarto … Mas se és feliz assim só posso desejar que não sofras como apesar de tudo sei que sofres. Os nossos filhos sofrem e não queres perceber! Se te amas, ama-os e eles terão um dia uma mãe que foi honrosa mesmo que nunca tenha sido capaz de aceitar os erros a meias com o pai deles. Desejo-te muito e tu só me queres longe. Só termino a perguntar se te posso ir levar flores e dar-te um beijo à saída do emprego? Mais que ninguém amo-te mas não tenho uma casa nem dinheiro para te dar …Há quem viva no escuro sem querer admitir o que ama na verdade. Mil ternuras do teu amigo e amante!”
- “Já te disse várias vezes que pensei que um dos meus erros foi ver em ti o esteio da minha vida e que serias capaz de aguentar tudo sozinha porque eu andava cansado de muitos anos de trabalho e confiava o mundo no teu amor por mim e na tua dedicação. Não sei se ainda tens amor por mim, ou se de facto o grande amor é esse que habita a tua casa, Talvez a coisa seja muito mais complicada e estejas encostada contra a parede. Por vezes temos de nos sujeitar a coisas terríveis e nem as podemos dizer. Mas seja o que for não tenho moral para te condenar nem apontar. Tudo tem remédio e neste meu peito sem maldade, e tu sabes que o tenho, com este meu sexto sentido que tantas vezes dizias que era assertivo, algo ainda me diz que apesar de tudo que tendo medo de dizer ou fazer, ainda gostas de mim. Mas se estiver errado e eu não passar de um fracasso trágico na tua vida terei de ficar só com o meu amor por ti. Porque não estou nem consigo ter empatia por ninguém. Só em necessidade extrema, por medo de ir para a rua com os meus filhos seria capaz de fingir entregar-me a quem de vez em quando me vai dizendo que me deseja. Amo-te como mãe dos meus filhos e como mulher, como companheira! Acredita. Sei, no entanto, o quanto é difícil darmos um passo, mesmo quando se quer dar, no caminho que no íntimo desejamos. Só posso dizer-te o que digo para mim: que se fodam os outros”;
- “Perdoa estas palavras trémulas de um homem que já foi teu e que ainda respira o teu odor e sonha com teus cabelos que de novo selvagens crescem e dão ar de seda ao teu corpo que mais que ninguém eu contemplo mesmo estando tu ausente. Um simples café para te contemplar, sem pedir nada, sem exigir amor ou carinho já que estou morto para ti. Seria algum crime encontrarmo-nos mesmo que eu de pavor chorasse e tremesse? É terrível que me tenhas esquecido!”;
- “Errámos os dois. Eu senti que tu te afastavas de mim, que me estavas a trocar pelos amigos, que eu já não te era útil no amor, nas palavras. Com medo de ter perder para as outras pessoas comecei o processo de auto-liquidação e, desse modo, enquanto o amor que te tinha me torturava, sem palavras para te questionar, comecei a criar o cerco à tua vida, comecei através do amor a enganar-me e a enganar-te, a fazer-te sofrer e a sofrer. Eu sei o quão difícil é teres a minha presença, o quanto a dor se manifesta quando me vês, mas não é ódio, é amor com muito desespero e medo. Eu sempre trabalhei, dei tudo por nós! Não me trates como o homem que só queria o corpo. Esse homem que te subjuga a troco de tostões é que merece ódio”;
T) Acresce que o arguido enviou do telemóvel com o nº ……… para o telemóvel da ofendida com o nº ……… diversos SMS, com intuito de a ofender, perturbar e humilhar; assim:
- no dia 3/2/013, às 16h15m10s: “ Tu não gostas dos teus filhos! E como perdeste toda a razão que pensavas ter vais matando-”;
- no dia 3/2/013, às 16h21m35s: “Mas eles estão a crescer e os relatórios do psicólogo e as queixas no trib. De família vão em breve provar quem os troca por animais de consolo”;
- no dia 3/2/013, às 21h24m26s: “É diabólica a mente que se vinga do amor que nunca teve no ex-marido e martiriza os filhos na perversão da mentira! Mas o teu calvário ainda está no adro”;
- no dia 6/2/013, às 4h02m45s: “Consegues ser pior que aquilo que a H… diz de ti nas dezenas de cartas e fotos que me fizeram chegar!”;
- no dia 6/2/013, às 4h02m52s: “e ir porcamente dar calor com drogas p esquecer! Tudo se paga!!”;
- no dia 9/2/013, às 19h50m05s: “Lamento que queiras matar os meus filhos com a raiva que me destruíste”;
- no dia 10/2/013, às 18h50m46s: “ Lamento q estejas convencida ter o rei na barriga! Não tenho $ mas tenho um grande advogado para te provar que os filhos são meus também e que nunca os levarás c teu chulo para q os trates como deficientes! A carta que vai chegar ao procurador geral do cpcj vai mostrar o mau desempenho da funcionária q não houve o psicólogo nem meus filhos”;
U) Para além das referidas SMS, o arguido enviou outras à ofendida, do telemóvel com o nº ……… para o telemóvel da ofendida com o nº ………:
- no dia 29/1/013, às 17h09m05s: “pede ao E1… para me ligar do teu tlm para este n. Que é duma amigo e é tag ou atende quando estiveres ao lado dele! Bjs”;
- no dia 5/2/013, às 3h26m40s: “Que elemento te leva a que dês teu corpo e serventia a um fulano que te usou num tempo de fraqueza económica e emocional dizendo ser só o amigo e depois quis troco! Esse não é o teu amor mas 1 bomba relógio! Quando encontrares 1 homem talvez te lembres d mim! Mto amor p ti e meninos! Bjs”;
- no dia 6/2/013, às 3h17m54s: “Estimo de bom grado que a noite seja o que eu não dei! Lava o rosto e quebra o espelho, só depois serás a mulher q idolatrei aos 25 anos! Bj para ti e todo o mundo p nossos filhos”;
- no dia 6/2/013, às 22h21m53s: “Por muito q te custe somos almas gémeas: tu pelo silêncio que ama e destrói, eu pelas palavras sinceras um dia de revolta, outro de paixão! Mil afectos para os três! Bjs”
- no dia 7/2/013, às 20h50m54s: “Porque desligam o tlm do E1… e tu não atendes? Gostavas q te venha a privar do mesmo? Bjs p os três!”
- no dia 7/2/013, às 20h55m09s: “Não gostas de quem tem para dar o que jamais vais encontrar? Bjs”;
- no dia 8/2/013, às 3h13m10s: “Mal acordes dá um beijo aos meninos e outro p ti! Já agora: o destino não quebrou o amor, apenas o pôs à prova e ambos nos deixámos enganar! Os sentimentos não têm destino, existem para além da raiva ou do medo! Bj”;
- no dia 8/2/013, às 15h34m09s: “Eu gostaua mto de te ver e dar 1 abraço! Hoje não sei se te verei pois tenho de ir cumprir horas para o diap! Se amanhã fores trabalhar a que horas saia e posso lá ir? Não precisamos de falar, é só um afecto que quero dar! Posso? Bj”;
V) Com as condutas supra descritas quis o arguido atingir, insultar e fazer temer pela integridade física a ofendida, sua ex-mulher e mãe dos seus filhos, com expressões insultuosas e agressões que lhe dirigiu, bem como atingi-la no seu corpo e provocar-lhe dores e mau estar;
X) Com as condutas adoptadas, quis o arguido causar inquietação à ofendida, pretendendo que a mesma se sentisse menorizada, humilhada e psicologicamente desgastada, perturbando-a assim de forma reiterada no seu bem estar e sossego, atingindo-a psíquica e emocionalmente, o que conseguiu, bem sabendo que a afectava na sua saúde física e psíquica, querendo ainda atingi-la na sua dignidade enquanto ser humano, o que conseguiu;
Z) O arguido agiu livre e conscientemente, sabendo a sua conduta proibida e punida por lei;
AA) A ofendida encontra-se desempregada, auferindo subsídio de desemprego no montante de €500,00, que teve início em Maio/013 e com duração de dois anos; tem a seu cargo os dois filhos do casal, que frequentam escolas públicas, recebendo o abono de família no montante global de €84,00; não tem despesas com a habitação, porquanto vive em casa de sua mãe;
BB) O arguido ama os seus filhos como as pessoas mais importantes que tem na sua vida, mantendo com os mesmos uma óptima relação de ternura, de confiança e de respeito;
CC) O arguido é e sempre foi escritor, sendo a sua fora de expressão natural a escrita;
DD) Os filhos do casal encontram-se entregues à guarda da progenitora, sendo que o pai passa com os mesmos o fim-de-semana, de 15 em 15 dias;
EE) O arguido é o único descendente de uma relação ocasional da mãe, tendo o processo educativo sido assumido por esta, coadjuvada em momento posterior pelo padrasto do arguido; este viveu com a mãe até aos 10 anos de idade, altura em que passou a viver com o tio, com quem permaneceu até aos 17 anos, altura em que se autonomizou; a subsistência do agregado era garantida pelos proventos do padrasto, operário fabril, não referindo problemas a nível económico; a dinâmica familiar foi positivamente referenciada, contudo o arguido sempre nutriu um sentimento de grande proximidade com o tio, tendo, por esse motivo, optado por ir viver com este com o consentimento da mãe; o percurso escolar decorreu sem registo de incidentes, até à conclusão do 3º ciclo, cerca dos 16 anos de idade, altura em que optou por se autonomizar do agregado familiar de origem, dando início ao desempenho de actividade laboral; mais tarde candidatou-se ao ensino superior através da realização do exame, à altura denominado “ad-hoc” (exame de acesso ao ensino superior), tendo frequentado a licenciatura de Jornalismo, que não concluiu; cerca dos 17 anos, o arguido iniciou actividade laboral como técnico de informática, tendo desenvolvido actividade laboral regular nesta área até cerca dos 30 anos, altura em passou a trabalhar como jornalista, tendo colaborado em vários jornais e revistas, actividade que abandonou em 2003, para se estabelecer, por conta própria, na área da restauração, juntamente com a ofendida; aos 21 anos ocorreu o primeiro casamento do arguido, relação que descreve como positiva e da qual nasceu um descendente, actualmente com 25 anos de idade; esta relação terminou quando o arguido tinha 34 anos de idade, altura em que conheceu a ofendida; o arguido e ofendida casaram em Abril/2001, relação da qual nasceram dois descendentes, actualmente com 11 e 5 anos de idade; a relação foi descrita como positiva até à data da separação, segundo referido, por desgaste da relação, embora existisse afectividade entre ambos; esta situação caracterizou-se como factor de instabilidade psico-emocional do arguido, passando a adoptar comportamentos que o próprio caracteriza como desajustados; o arguido consome bebidas alcoólicas, em contexto de convívio social, referindo não ter problemática aditiva ao álcool, informação confirmada pela médica psiquiátrica da Unidade de Alcoologia do Norte através de declaração emitida em 23/04/2012, cujo teor foi consta do relatório de acompanhamento elaborado e remetido ao processo em 31/05/2012; o arguido mantém vivência no agregado familiar da progenitora, do qual faz parte para além desta, um irmão mais novo do arguido; a subsistência do agregado é garantida pela mãe, reformada, tendo o arguido uma situação de dependência económica e habitacional; o arguido avalia a situação económica como deficitária e dependente; o arguido não desenvolve actividade laboral, referindo efectuar diligências no sentido de encontrar respostas laborais, encontrando dificuldades a este nível; o quotidiano do arguido não apresenta ocupações estruturantes, passando os dias em casa, referindo realizar diligências no sentido de encontrar respostas laborais; o arguido refere não integrar um grupo de pares organizado, mantendo relações de convívio com amigos cujos comportamentos caracteriza como adaptados; segundo referiu, mantém consumo regular de bebidas alcoólicas, às refeições, não avaliando necessidade de intervenção clínica a este nível; no meio sócio-residencial o arguido projecta uma imagem positiva, não lhe sendo reconhecidos comportamentos agressivos para com os demais residentes; abstractamente o arguido reconhece a ilicitude do comportamento agressivo e é capaz de elaborar avaliação crítica face ao mesmo, bem como a existência de vítimas, não se revendo em condutas agressivas, fazendo atribuição externa de responsabilização;
FF) No âmbito dos presentes autos, durante a fase de inquérito, foi determinada a suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta; no decorrer do acompanhamento de tal medida, o arguido manteve atitude de minimização e mesmo de negação de comportamento violento, não conseguindo efectuar uma reflexão crítica relativamente às dificuldades de auto-controlo; compareceu regularmente às entrevistas individuais, verbalizando a desnecessidade de acompanhamento, não reconhecendo quaisquer dificuldades de ordem emocional; foi orientado para consulta de avaliação alcoológica na Unidade de Alcoologia do Norte, tendo sido emitida declaração médica na qual conta que “o utente não apresenta indicações clínicas para ser seguido em alcoologia.
GG) No âmbito do proc. 934/10.4PJPRT, do 1º Juízo do Tribunal de Pequena instância Criminal do Porto, foi o arguido condenado, por sentença de 20/9/012, transitada em julgado em 25/2/013, pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €7,00, por factos cometidos em 27/5/010;
HH) O arguido não trabalha e não recebe qualquer tipo de subsídio; vive com a mãe e irmão, sendo aquela que o auxilia monetariamente.
*
Produzida a prova e discutida a causa, não resultaram provados os seguintes factos:
1) Que nas circunstâncias supra referidas em L) o arguido tenha proferido as referidas expressões na presença do filho E…;
2) Que nas circunstâncias supra referidas em P) o arguido provocasse desacatos na presença de quem estivesse no local de trabalho da ofendida, nomeadamente, os patrões desta;
3) Que o arguido tenha enviado do telemóvel com o nº ……… para o telemóvel da ofendida as seguintes SMS:
- no dia 12.01.2013, pela 01h02m: “Descobriste que sei que a I… é tua amiga de lamber e o melhor virá! Ter filhos com nojo de nós e que nos dize o nojo de uma pessoa o gemer a meio da noite… acorda ó infeliz”;
No dia 13.01.2013, pelas 08h25m: “levanta-te, lava-te, que agora é hora de pagares com trabalho o leite biológico do chulo…”
- no dia 13.01.2013, pelas 20h07m: “Só lamento que tenhas planeado tudo durante nove anos para me foderes uma vida de 27 anos de trabalho e tenhas posto no mundo duas crianças sem nunca dizeres só para cumprires a tua lesbicidade e alimentares um drogado que te trata em todo o lado como vaca!”
- no dia 13.01.2013, pelas 20h17: “Acabamos de vir da PSP onde o E1… disse mais uma vez ser com o irmão vitima de maus tratos teus e do teu chulo e tu também, mas como diz o agente: és daquelas que gosta.”
- no dia 14.01.2013, pelas 17h02m: “ Só tenho a certeza de que me amas, q não és feliz física e mentalmente, és coagida a viver e a dormir com quem te maltrata e que o E1… sofre tanto que diz a toda a gente que vai fugir com o F1… …”
- no dia 16.01.2013, pelas 16h14m: “ Eu acho incrível a facilidade com que me esqueceste e se já tinhas um amante quando o F1… nasceu porque não me disseste! Agora estás a matar o amor dos nossos filhos por maldade e amar um chulo que só quer o sexo e uma casa! Não tens pena de viver sem vida?”;
4) Que o arguido não se inibisse de adoptar as condutas descritas mesmo na presença dos filhos menores;
5) Que a ofendida sempre tenha tratado o arguido abaixo da dignidade que este merece enquanto ser humano;
6) Que a ofendida tenha chegado a agredir fisicamente o arguido;
7) Que a ofendida pretenda prejudicar e sujar o bom nome do arguido, seja aos olhos da comunidade, seja aos olhos da justiça, para com isso o afastar dos filhos;
8) Que sempre que o arguido procurou a ofendida fosse portador de uma atitude pacífica, calma, de paz, procurando apenas saber dos seus filhos ou ajustar qualquer aspecto relativo a decisões a tomar sobre o futuro dos mesmos;
9) Que a ofendida tenha fechado o referido restaurante por não ter conseguido assegurar uma gestão saudável daquele espaço;
10) Que o arguido tenha ganho diversos prémios na área da escrita;
11) Que as cartas e bilhetes supra referidos em Q) e R) tenham sido escritos pelo arguido quando o casal ainda se encontrava junto;
12) Que o telemóvel com o nº ……… nunca tenha pertencido ou estado na disponibilidade do arguido;
13) Que com o presente processo a ofendida pretenda a retirada total do regime de visitas ao arguido;
14) Que a ofendida tenha um ódio visceral ao arguido e se encontre disposta a fazer tudo para o prejudicar;
15) Que a ofendida se encontre numa situação preocupante do ponto de vista social, económico e financeiro por força dos danos por si sofridos em consequência da conduta do arguido, necessitando de especiais cuidados de protecção.
*
III - Motivação:

A convicção do tribunal apoia-se no conjunto da prova produzida em julgamento:
- nas declarações do arguido, que afirmou que a relação do casal se começou a deteriorar a partir do momento que deram início à exploração do referido estabelecimento de restauração, sendo que tal negócio implicava muita pressão, além de o casal se encontrar junto 24horas sobre 24horas; referiu que a relação conjugal já se encontrava deteriorada quando nasceu o filho F… (F1…); referiu que, nesse contexto, a ofendida muitas vezes expressava a sua vontade de estar sozinha, de querer a sua liberdade e independência, sendo que, por vezes, não dormia em casa, referindo que não tinha nada para lhe dizer, o que o deixava muito triste e o fazia supor coisas, sendo que nunca reagiu violentamente; assumiu que, por virtude desse desgaste da relação, havia entre ambos palavras agressivas, não chegando a haver discussões, uma vez que a ofendida lhe virava as costas; afirmou ter sido acordado entre ambos que a ofendida passaria a gerir sozinha o restaurante e, em contrapartida, entregava-lhe a quantia mensal de €750,00, sendo que, a partir desse acordo, deixou a gestão do restaurante; afirmou que a ofendida manifestou o desejo de dele se divorciar em Maio/010; afirmou que, a partir do momento em que deixou a gestão do estabelecimento, por vezes lá se dirigia, dizendo que queria aí trabalhar, uma vez que a ofendida não lhe entregava a mensalidade que havia ficado acordada entre ambos, referindo que, numa dessas ocasiões, bateu no vidro, sendo que a ofendida, quando abriu a outra portada, bateu com a mesma no pulso; afirmou que em certa ocasião, em data que não recorda, por volta das 23h30m, viu que seu filho E… (E1…) se encontrava à porta do restaurante, tendo este lhe dito que ainda não havia jantado, motivo pelo que interpelou a ofendida, perguntando-lhe a razão pela qual o filho ainda não tinha jantado e se encontrava no restaurante, em vez de estar em casa da avó paterna; assumiu que, nessa ocasião, possa ter dito que a ofendida não sabia cuidar dos filhos, negando ter proferido as expressões “vou-te incendiar a casa, vou-vos partir a todos, vou partir o carro, sempre armada em boa”; negou ter alguma vez partido os vidros do restaurante; afirmou não usar de vocabulário vernáculo, negando ter usado a expressão “mãe de merda”; afirmou que a ofendida, por várias vezes, o agrediu na presença de sua mãe, e que lhe dizia que era “um banana”, que “não és homem, não és nada”, afirmando, igualmente que, em certa ocasião, a ofendida lhe atirou uma fritadeira à cabeça, afirmando, ainda que, noutra ocasião, a ofendida lhe desferiu duas bofetadas à frente da funcionária do restaurante, altura em que lhe agarrou num braço, dizendo-lhe que nunca mais lhe iria bater; afirmou que a vida da ofendida era orientada por essa funcionária do restaurante; afirmou que a ofendida fez desaparecer o seu telemóvel e documentos relativos ao restaurante; afirmou que sempre teve o hábito de escrever e de se expressar por esse meio, referindo que as cartas que se encontram juntas aos autos foram sendo escritas ao longo do tempo e que algumas delas eram por si deixadas a sua mãe para as entregar à ofendida; afirmou que a ofendida iniciou um relacionamento amoroso, referindo que a mesma era espancada constantemente pelo companheiro, situação que o preocupava por causa de seus filhos, que assistiam a tais atitudes, motivo pelo qual questionava a ofendida nesse sentido, negando que a apelidasse de “vaca”, traidora”, “puta”, e referindo que, quando a questionava sobre o que o companheiro fazia a seus filhos, a mesma lhe dizia “não tenha nada para te dizer”; negou ter enviado qualquer SMS à ofendida, referindo que não tem telemóvel, não carregando o cartão que possuía desde 2011; afirmou que, após o divórcio, a ofendida foi morar para o …, próximo da casa de sua mãe, e que trabalhava no estabelecimento G…, local onde só foi uma vez para levar o filho E1…, tendo permanecido no exterior; referiu que a zona onde a ofendida então trabalhava fazia parte do seu percurso quando se dirigia à Segurança Social, afirmando ter deixado ficar no pára-brisas do carro daquela três ou quatro bilhetes, cujo teor se prendia com o facto de não ver os filhos; referiu que, há cerca de dois anos, e em virtude do comportamento da ofendida, pensou ser possível reatarem o relacionamento; afirmou estar convencido que a ofendida lhe imputa estes factos com o objectivo de lhe retirar os filhos; afirmou que tem muita estima pela ofendida e que contra a mesma não tem nenhum ressentimento;
- nas declarações da assistente C…, que afirmou que o casal se separou de facto há cerca de quatro anos, por sua iniciativa e não obstante continuar a gostar do arguido, pelo facto de querer ter uma vida melhor, ao que este punha sempre entraves, referindo que o mesmo exigia constantes provas de amor e expressava ciúmes doentios, referindo que, para além de trabalhar imenso na exploração do restaurante, era ela que cuidava das crianças; afirmou que tomou tal decisão quando o comportamento obsessivo do arguido atingiu os seus filhos; afirmou que, quando ambos exploravam o restaurante, o arguido fazia cenas de ciúmes por sorrir para os clientes, dizendo que tinha o restaurante para receber os amigos, apelidando-a de “puta” e “vaca” e dizendo que tinha muitos amantes, fazendo-o à frente dos clientes; referiu que havia sempre um clima de grande tensão provocada pelo arguido; afirmou que, perante tal comportamento do arguido, ao princípio confrontava-o, discutia, “perdia a cabeça”, acabando por concluir que não valia a pena falar, o que foi pior, uma vez que o arguido se tornou mais agressivo para consigo por não lhe responder; afirmou ser corrente o arguido a apelidar de “vaca”, “puta”, “traidora”, “mãe de merda”, dizendo que não sabia tratar dos filhos; referiu que o arguido ingeria bastante álcool, o que acompanhava com a ingestão de medicação para a depressão; referiu-se aos episódios ocorridos nas datas constantes da acusação (no dia 30/5/010, o arguido, por não o ter deixado beber, atirou o seu telemóvel para o chão e disse que ela lho tinha roubado, sendo que, enquanto aí permaneceu, dizia que era uma má mãe, que queria andar com os funcionários do restaurante, tendo partido os vidros quando regressou momentos depois; no dia 4/7/010, o arguido afirmou “vou-te incendiar a casa, vou-vos partir a todos, vou partir o carro”; no dia 28/8/010, o arguido agarrou-a e arrastou-a, dizendo que a matava e que andava metida com a funcionária e que só gostava de gajas, tendo sido este o último dia em que o restaurante abriu ao público), assim como a outros episódios, nomeadamente, a uma ocasião, quando estava nos últimos tempos de gravidez do filho mais novo o arguido lhe ter desferido um estalo, a uma ocasião em que o arguido a empurrou contra os copos, a uma ocasião em que o arguido lhe puxou os cabelos enquanto a sua aliança se encontrava presa no ferrolho da porta do estabelecimento, a uma ocasião em que o arguido lhe desferiu um estalo quando tinha o filho ao colo e lhe estava a dar mimos; afirmou que, após o divórcio, tentou refazer a sua vida, tendo iniciado uma relação amorosa e começado a trabalhar no estabelecimento G…, situado nas proximidades da casa da mãe do arguido, referindo que seus filhos continuavam a frequentar a casa da avó paterna, a qual lhe continuava a dar todo o apoio em relação às crianças; afirmou que, nessa altura, o arguido a procurava no seu local de trabalho, rondando pela zona, deixando bilhetes e flores no pára-brisas da sua viatura, enviando-lhe SMS do referido nº ………, fazendo-lhe chegar as cartas juntas aos autos, tudo numa perseguição constante com o objectivo de reatar a relação; afirmou que, devido a todo o comportamento que descreveu do arguido, se sentia envergonhada, manipulada, ficava “de rastos”, intimidada, com medo e pavor, “tremendo por dentro”, humilhada, apenas se tenha sentido “libertada” desde há cerca de seis meses, após ter feito terapia; afirmou que, actualmente, reside em casa de sua mãe em Alcobaça, juntamente com seus filhos, auferindo subsídio de desemprego no montante de €500,00, que começou a receber em Maio e que terá a duração de dois anos, recebendo ainda o abono de família no montante global de €84,00, referindo que seus filhos frequentam escolas públicas;
- no depoimento da testemunha J…, que foi colega de trabalho da ofendida no restaurante G…, tendo afirmado que o arguido por alguma vezes lá se dirigia, perguntando pela ofendida, nunca o tendo visto a ter qualquer atitude menos correcta, referindo que, pela expressão da ofendida nessas ocasiões, mostrando-se nervosa e incomodada, se apercebia que a mesma não gostava que o arguido a procurasse; afirmou ter visto, uma vez, que no pára-brisas do carro da ofendida se encontrava um bilhete, desconhecendo o seu teor;
- no depoimento da testemunha K…, que foi colega de trabalho da ofendida no restaurante G…, tendo afirmado ter aí visto o arguido apenas uma vez, numa altura em que foi levar o filho mais velho à mãe, tendo permanecido à porta do estabelecimento até a ofendida aparecer, após o que foi embora; afirmou que, por a ofendida lhe “dar boleia” viu, por 5 ou 6 vezes, que no pára-brisas do carro se encontravam flores e bilhetes, cujo teor desconhece; afirmou que a ofendida se apresentava desanimada e cansada;
- no depoimento da testemunha I…, assistente social que fez o acompanhamento dos menores em 2010 e 2011, tendo o processo sido reaberto em 2012, sendo que, por esse motivo, tinha reuniões com os progenitores, sempre em separado; referiu que a ofendida lhe dizia que se sentia perseguida e psicologicamente em baixo, mostrando-se abatida e triste e notando-a fragilizada; afirmou que o arguido sempre mostrou muita preocupação com os filhos, achando que não se encontravam protegidos com a mãe, referindo que esta tinha relações extra-conjugais com homens e mulheres;
- no depoimento da testemunha L…, psicólogo que tem acompanhado a ofendida há cerca de um ano e meio, referindo que a mesma se apresentava com a auto-estima e auto-confiança em baixo, com medos e ansiedade, revelando-se autêntica nos seus sentimentos;
- no depoimento da testemunha M…, assistente social que efectua atendimento ao público na Junta de Freguesia …, tendo tido intervenção com o arguido quando o mesmo passou a viver em casa da mãe, tendo este solicitado apoio económico, uma vez que não tinha qualquer tipo de rendimentos; afirmou que o arguido foi beneficiário de rendimento social de inserção por um curto período de tempo, sendo que, actualmente, não recebe qualquer subsídio; afirmou que, no contacto com o arguido, este sempre revelou gostar muito dos filhos e se mostrou preocupado com os mesmos, referindo-lhe que não tinha contacto com os mesmos, e lhe pareceu uma pessoa sofrida pela separação, denotando não ser uma pessoa violenta;
- no depoimento da testemunha N…, mãe do arguido, que afirmou ter sempre convivido com o casal e ter tido um bom relacionamento com a ofendida, relacionamento esse que esfriou há cerca de dois anos; afirmou ter sempre cuidado de seus netos; referiu que o casal tinha um bom relacionamento, mas que a situação se complicou quando abriram o restaurante, desconhecendo os motivos para tal; afirmou nunca ter visto seu filho a agredir a ofendida, referindo que, por duas ocasiões, antes da separação, a ofendida agrediu o arguido na sua presença: uma vez em sua casa, tendo a ofendida lhe posto as mãos no pescoço e arranhado a cara, não tendo o arguido reagido, outra no restaurante, referindo apenas ter-se apercebido de uma discussão acesa entre ambos; afirmou que o arguido procurava falar com a ofendida por causa dos filhos, sendo que esta não lhe respondia e virava as costas, não tendo aquele qualquer tipo de reacção; afirmou que seu neto mais velho lhe contava que o companheiro da mãe a maltratava e maltratava as crianças; afirmou que seu filho não tem telemóvel; afirmou que, muitas vezes, o arguido deixava ficar em sua casa cartas para a ofendida, que esta levava; afirmou que, há uns meses atrás, seu filho acalentava a esperança de reatar a relação com a ofendida; afirmou que seu filho não é uma pessoa violenta;
- no depoimento da testemunha O…, irmão do arguido, que afirmou que o relacionamento entre o casal esfriou, não havendo entre ambos diálogo, referindo que a ofendida não permitia que o arguido com ela conversasse, porquanto lhe virava as costas, evitando as conversas: afirmou nunca ter assistido a qualquer tipo de violência e que seu irmão não é uma pessoa violenta; afirmou que o arguido deixava ficar em casa da mãe cartas para a ofendida, que esta levava consigo; afirmou que seu irmão não tem telemóvel há cerca de três anos; referiu ter trabalhado alguns meses no restaurante do casal, quando o mesmo abriu;
- no depoimento da testemunha P…, agente da PSP que, no exercício das suas funções, se deslocou ao restaurante D… no dia 4/7/010, referindo que, nessa altura, o arguido se encontrava nas imediações, completamente embriagado, não conseguindo sequer se expressar; referiu que a ofendida se mostrava transtornada, não se recordando de qualquer menor envolvido na situação;
- no depoimento da testemunha Q…, que trabalhou no restaurante explorado pelo arguido e pela testemunha em 2007 e 2008, fazendo-o mais durante o fim-de-semana, referindo ter assistido a algumas discussões normais entre o casal, relacionadas com o restaurante, ouvindo palavras mais fortes de ambas as partes (que referiu como sendo “vai-te lixar” ou piores, não concretizando); afirmou que, em certa ocasião, já depois de o restaurante ter fechado ao público, houve uma discussão entre o arguido e a ofendida, após o que o arguido fechou a porta do estabelecimento, agarrando o braço da ofendida para não a deixar sair, impedindo também os funcionários de sair; confrontado com o seu depoimento em inquérito, afirmou que sempre tentava separar o arguido e a ofendida quando os mesmos discutiam, referindo que assistiu a discussões por duas ou três vezes; afirmou conhecer o arguido há cerca de doze anos, não sendo o mesmo pessoa violenta;
- no depoimento da testemunha S…, que trabalhou no restaurante explorado pelo arguido e pela ofendida durante três ou quatro anos, tendo ido para lá trabalhar quando tinha 20 anos (sendo que actualmente conta com 28 anos), tendo afirmado que, no último dia em que o restaurante esteve aberto ao público, o arguido aí apareceu, insultando a ofendida de “filha da puta”, “cabra”, mentirosa”, fazendo-o à frente dos clientes que aí se encontravam, após o que levantou a mão para a ofendida e tentou agarrá-la, tendo a testemunha se metido de permeio, sendo empurrada pelo arguido, o qual mas uma vez se aproximou da ofendida, referindo que o arguido proferia as expressões “andas metida com a funcionária, só gostas de gajas”, parecendo alcoolizado; afirmou não ter ouvido o arguido a proferir expressões ameaçadoras; afirmou que o arguido rebaixava a ofendida à frente dos clientes, insultando-a com os epítetos já referidos quando a mesma se encontrava calma e serena; afirmou que, mesmo depois de o casal já estar separado, o arguido aparecia no restaurante e provocava desacatos; afirmou que o arguido, quando não se embriagava, era uma pessoa afável, referindo que o mesmo aparecia alcoolizado quase todos os dias, criando um cima de grande tensão; afirmou que a ofendida, devido ao comportamento do arguido, ficava muito nervosa, chorava e tremia, mostrava-se assustada e temerosa; afirmou que, após o restaurante ter fechado, o contacto com a ofendida foi de longe em longe, evitando falar de tais acontecimentos, por ser uma situação constrangedora para a ofendida, referiu-se a uma situação em que acompanhou a ofendida à polícia e ao IML, no seguimento de o arguido lhe ter puxado os cabelos e a ter calcado, situações que não presenciou;
- no depoimento da testemunha U…, psicólogo que, em articulação com a CPCJ, acompanhou o filho mais velho do casal no período de Outubro/012 a Junho/013, tendo referido que o E1… é uma criança com bom rendimento escolar, preocupada e reflexiva, referindo que, no âmbito desse acompanhamento, o mesmo referiu ter assistido a uma discussão entre a mãe e o companheiro desta, situação que foi referida como pontual; referiu que o menor sempre manteve o contacto com ambos os progenitores, sendo que a ida para Alcobaça foi para si complicada; referiu ter o menor expresso reconhecer que sua mãe passou por uma situação difícil por causa de comportamentos menos correctos por parte do pai;
- no doc. de fls. 2 a 4 (auto de notícia referente ao episódio ocorrido no dia 30/5/010);
- no doc. de fls. 57 a 59 (auto de notícia referente ao episódio ocorrido no dia 4/7/0109;
- no doc. de fls. 76 a 78 (auto de notícia referente ao episódio ocorrido no dia 28/8/010);
- no doc. de fls. 87 a 89 (relatório de exame médico efectuado pelo IML à ofendida no dia 30/8/010, do mesmo constando as lesões por esta apresentadas);
- nos doc. de fls. 147 a 152 (certidões de assento de nascimento dos menores);
- no doc. de fls. 165 (cópia do acordo celebrado entre o arguido e a ofendida relativamente ao restaurante que exploravam, supra referido em E), datado de 25/1/010;
- nos doc. de fls. 251 a 269, 278 e 279 (cartas e bilhetes escritos pelo arguido);
- no doc. de fls. 283 a 304 (relatório de exame pericial ao telemóvel da ofendida, constando, a fls. 291 a 298 e a fls. 302 a transcrição das SMS recebidas nesse telemóvel, enviadas pelo telemóvel com o nº ………);
- no doc. de fls. 364 a 366 (certidão de assento de nascimento da ofendida);
- nos doc. de fls. 205 a 207, 215 a 217, 239 e 240 (relatórios de acompanhamento da DGRS no âmbito da suspensão provisória do processo);
- no doc. de fls. 477 (informação prestada, on-line, pela operadora V…, da mesma constando que o telemóvel com o nº ……… foi activado em 8/10/09, desactivado em 3/10/011, reactivado em 14/3/012 e novamente desactivado em 5/6/013);
- no doc. de fls. 494 a 498 (relatório social elaborado pela DGRS);
- reveste-se sempre de alguma complexidade apurar os factos que consubstanciam a prática do crime de violência doméstica, sabido que, as mais das vezes, os mesmos não são presenciados por terceiros, confinando-se ao que se passa entre o casal; neste aspecto é fundamental a credibilidade que a vítima empresta ao seu depoimento, credibilidade que passa, quer pela coerência do depoimento, quer pela atitude que revela ao relatar os episódios, quer pelo sentimento que demonstra relativamente ao arguido;
- no caso em apreço, a ofendida depôs de forma consistente e pormenorizada sobre os diversos episódios que na acusação são imputados ao arguido, denotando o estado de perturbação e de humilhação sentido em consequência de tais condutas;
- do seu depoimento não transparece, no entanto, qualquer hostilidade para com o arguido, mas sim apenas um sentimento de mágoa;
- por outro lado, o seu depoimento é corroborado por testemunhas que assistiram aos factos: a testemunha S…, cujo depoimento, assertivo, se centrou sobre as condutas do arguido para com a ofendida no período de tempo em que o referido estabelecimento ainda laborava, referindo-se, de forma segura, aos comentários proferidos pelo arguido mesmo à frente dos clientes, visando a ofendida, rebaixando-a e insultando-a com as expressões referidas, e concretamente ao episódio relatado pela ofendida ocorrido no dia 28/8/010, bem como ao estado de perturbação e nervosismo que assim era criado na ofendida, a qual ficava a tremer e a chorar;
- a testemunha Q… assistiu a discussões entre o casal, motivadas por questões de trabalho, e a um episódio em que o arguido agarrou o braço da ofendida, não a deixando sair do estabelecimento – no entanto o seu depoimento não versou sobre situações ocorridas em 2010, já que na altura aí não trabalhava;
- a testemunha J… confirmou que, no período de tempo em que trabalhou com a ofendida no estabelecimento G…, por diversas vezes viu aí o arguido, procurando pela ofendida, o que não era do agrado desta, mostrando-se nervosa e incomodada com tal facto mas nunca o viu a provocar desacatos, o que é confirmado pela ofendida, que afirma que o arguido a procurava no local de trabalho, não referindo que o mesmo provocasse desacatos; esta testemunha, bem como a testemunha K…, viram bilhetes no pára-brisas do veículo da ofendida, embora desconheçam o seu teor – aliás, o arguido assume que colocava bilhetes no veículo da ofendida;
- o depoimento das testemunhas I… e U…, porque não assistiram aos factos, nem dos mesmos são contemporâneos, apenas se referiram aos estados em que a ofendida e o arguido se encontravam quando com eles tiveram intervenção;
- o depoimento das testemunhas N… e O…, mãe e irmão do arguido, mostram-se tendenciosos e demonstram não ter conhecimento de toda a envolvência do casal;
- o teor dos escritos elaborados pelo arguido demonstram a sua insistência numa relação que já havia terminado, o lembrar e relembrar à ofendida sentimentos passados, o querer impor a sua visão no que se refere ao relacionamento da ofendida com um terceiro, o seu paternalismo em relação à ofendida e a sua ascendência sobre a mesma, pressionando-a, de forma insistente, a reatar a relação – as palavras falam por si; ao fim e ao cabo, o arguido persegue a ofendida, perturbando-a, afectando-a no seu bem estar e sossego, na sua saúde física e psíquica;
- apesar de o arguido negar que o referido telemóvel lhe pertencesse, não se tendo logrado apurar a titularidade de tal telemóvel, certo é que as SMS enviadas dizem respeito a situações concretas que só ao arguido e à ofendida dizem respeito, onde é feita a alusão ao filho do casal, sendo que o teor de algumas delas estão em consonância com os bilhetes e cartas que o arguido assume ter escrito;
- do teor das referidas cartas resulta que as mesmas foram escritas no período em que o arguido e a ofendida já se encontravam divorciados e que esta tinha um outro relacionamento amoroso, pelo que não colhe a alegação do arguido de que as mesmas foram escritas enquanto ainda estavam juntos;
- o tribunal não deu como provado que as restantes SMS tenham sido enviadas pelo arguido à ofendida, uma vez que as mesmas não constam do auto de transcrição efectuado pela PJ;
- por último, o tribunal não formou uma convicção segura que o filho do casal tenha assistido ao episódio ocorrido no dia 4/7/010, uma vez que o depoimento da ofendida, nesse aspecto, não foi cabal, sendo que a testemunha P…, agente da PSP, afirma não se recordar de o menor se encontrar envolvido;
- de igual modo, da conjugação de toda a prova produzida, não logrou o tribunal formar a convicção segura de que o arguido praticasse os factos na presença dos filhos menores do casal;
- no doc. de fls. 501 a 504 (CRC do arguido).
*
IV - Fundamentação de Direito:

O arguido vem acusado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artº 152, nº1, al.a) e nº2 do CP.
Dispõe este normativo: “quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais, ao cônjuge ou ex-cônjuge é punido (…)”.
A função do tipo de ilícito de violência doméstica é prevenir as frequentes, e por vezes subtis, formas de violência no âmbito da família. Resultou de uma dupla ordem de razões: o crime de ofensas corporais simples deixa de fora comportamentos censuráveis; por outro lado a consciencialização ético-social dos tempos recentes acerca da gravidade destes comportamentos. A ratio do tipo não está na protecção da comunidade familiar, mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana. O âmbito punitivo deste tipo de crime inclui os comportamentos que, de forma reiterada ou não, lesam esta dignidade. Em última instância, o bem jurídico protegido é a saúde, bem jurídico complexo, que abrange a saúde física, psíquica e mental (cf. Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense).
Pretende-se, assim, combater o fenómeno da violência conjugal, fenómeno esse que ofende um bem jurídico – a saúde física e psíquica do cônjuge ou equiparado – e denota, relativamente ao crime de ofensa à integridade física simples, uma maior ilicitude, pela violação dos deveres inerentes ao contrato conjugal ou ao relacionamento marital, para além de normalmente beneficiar do segredo e da intimidade do lar para a sua consumação.
A maior gravidade do ilícito reside, desde logo, na circunstância de os maus tratos ao cônjuge ou equiparado traduzirem uma marca visível de sinal contrário aos deveres específicos, legalmente descritos de forma igualitária, para ambos os membros do casal.
Assim, a especificidade deste tipo encontra o seu fundamento no especial desvalor da acção e na particular danosidade do facto.
No fundo, é a vivência em comum e a subjugação de um membro do casal ao outro que torna os maus tratos especialmente gravosos.
É hoje inequívoco que a tutela da violência doméstica se projecta, não apenas sobre os casos de reiteração ou habitualidade de comportamentos violentos, mas é também aplicável a uma única conduta violenta.
Por outro lado, o legislador de 2007 alargou o âmbito de aplicação do crime de violência doméstica aos maus tratos sobre ex-cônjuges ou ex-companheiros, pela necessidade político-criminal de reagir aos comportamentos retaliatórios e fortemente perturbadores da paz do ex-parceiro perpetrados por aquele que não se conforma com o fim da relação ou não o suporta ver assumir um novo projecto de vida autónomo (fenómeno esse apelidado de stalking pela criminologia).
Perfilhando as considerações de Nuno Brandão, in “A Tutela penal especial reforçada da violência doméstica”, Julgar, 12 (Especial), pág. 9-24, entendemos que o crime de violência doméstica assume “não a natureza de crime de dano mas de crime de perigo, nomeadamente de crime de perigo abstracto. É, com efeito, o perigo para a saúde do objecto de acção alvo da conduta agressora que constitui motivo de criminalização, pretendendo-se deste modo oferecer uma tutela antecipada ao bem jurídico em apreço, própria dos crimes de perigo abstracto (…) Sendo dado o devido relevo a este último aspecto justificativo da criminalização da violência doméstica, poderão superar-se eventuais objecções opostas a esta concepção fundadas na dificuldade em explicar por que razão a violência doméstica é punida mais severamente que a ofensa à integridade física se ambas protegem o mesmo bem jurídico e esta constitui crime de dano e aquela mero crime de perigo abstracto, com a concomitante pos­sibilidade de por esta razão a ofensa à integridade física ter prevalência sobre a aplicação da violência doméstica em caso de concurso. Reservas que todavia se mostrarão infundadas se os maus tratos forem encarados na perspectiva da ameaça de prejuízo sério e frequentemente irreversível que os mesmos em regra comportam para a paz e o bem-estar espirituais da vítima. Acresce que, aqui sim e para este efeito, deve entrar em cena a desconsideração pela dignidade pessoal da vítima imanente ao comportamento violento próprio dos maus tratos. Esse desprezo do agressor pela sua dignidade revela um pesado desvalor de acção que agrava a ilicitude material do facto. Tudo o que empresta à violência doméstica um grau de antijuridicidade que transcende o da mera ofensa à integridade física e assim justifica a sua punição mais severa e a sua prevalência em sede de concurso”.
A conduta típica do crime de violência doméstica inclui, para além da agressão física (mais ou menos violenta, reiterada ou não), a agressão verbal, a agressão emocional (p. ex., coagindo a vítima a praticar actos contra a sua vontade), a agressão sexual, a agressão económica (p. ex., impedindo-a de gerir os seus proventos) e a agressão às liberdades (de decisão, de acção, de movimentação, etc.), as quais, analisadas no contexto específico em que são produzidas e face ao tipo de relacionamento concreto estabelecido entre o agressor e a vítima, indiciam uma situação de maus tratos, ou seja, um tratamento cruel, degradante ou desumano da vítima.
“Sendo assim, podemos assentar, no que concerne ao crime de violência doméstica da previsão do art. 152.º do Código Penal, que a acção típica aí enquadrada tanto se pode revestir de maus tratos físicos, como sejam as ofensas corporais, como de maus tratos psíquicos, nomeadamente humilhações, provocações, molestações, ameaças ou outros maus tratos, com sejam as ofensas sexuais e as privações da liberdade, desde que os mesmos correspondam a actos, isolada ou reiteradamente praticados, reveladores de um tratamento insensível ou degradante da condição humana da sua vítima” – cf. ac. RP de 26/5/010, in www.dgsi.pt.
O que conta é saber se a conduta do agente, pelo seu carácter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, é susceptível de ser classificada como “maus tratos”.
No caso em apreço, podemos distinguir três situações no que se refere ao comportamento do arguido para com a ofendida:
- a que ocorre no período em que o arguido e a ofendida exploram o referido estabelecimento de restauração, quando, por diversas vezes, aquele, dirigindo-se aos clientes do estabelecimento, dizia que a arguida queria o restaurante para receber os amigos e apelidava-a de “puta”, “vaca”, dizendo que a mesma tinha muitos amantes;
- a que se desenha a partir do momento em que a ofendida e o arguido se separam de facto e em que aquela manifesta a sua intenção de se divorciar: após tal data, por diversas vezes, o arguido procurou a ofendida no referido restaurante, local onde provocou desacatos, sempre com o intuito de perturbar e atormentar a ofendida, tendo protagonizado os episódios ocorridos nos referidos dias 30/5/010, 4/7/010 e 28/8/010, nos quais a acusa de não querer saber dos filhos, de andar metida com os funcionários do restaurante, que quis ficar com o restaurante para receber os amigos; a ameaça, dizendo que vai incendiar a casa e partir o carro; a agride, agarrando-a de forma violenta e desferindo-lhe arranhões, ameaçando que a mata e dizendo que anda metida com a funcionária e que só gosta de gajas;
- a que se desenha a partir do momento em que a ofendida inicia uma nova relação amorosa e em que é decretado o divórcio do casal: o arguido dirige à ofendida, por diversas vezes, insultos, apelidando-a de “vaca”, “traidora”, “puta”, “és uma mãe de merda, não sabes tratar dos teus filhos”; o arguido procura por diversas vezes a ofendida no seu local de trabalho, sem qualquer motivo, desse modo a perturbando; o arguido escreve bilhetes dirigidos à ofendida, deixando-os colocados no pára-brisas do seu veículo automóvel; o arguido escreve diversas cartas dirigidas à ofendida; o arguido envia diversas SMS para o telemóvel da ofendida, ofendendo-a, perturbando-a e humilhando-a.
Como já referido, o teor dos escritos elaborados pelo arguido demonstram a sua insistência numa relação que já havia terminado, o lembrar e relembrar à ofendida sentimentos passados, o querer impor a sua visão no que se refere ao relacionamento da ofendida com um terceiro, o seu paternalismo em relação à ofendida e a sua ascendência sobre a mesma, pressionando-a, de forma insistente, a reatar a relação.
Na verdade, o comportamento do arguido, nesta fase, é susceptível de se enquadrar numa situação de stalking, forma de violência já criminalizada autonomamente em vários países, e que no nosso ordenamento jurídico encontra previsão, com mais acuidade, no crime de violência doméstica, em que o sujeito activo invade repetidamente a esfera de privacidade da vítima, empregando tácticas de perseguição e diversos meios, tais como ligações telefónicas, envio de mensagens, espera nos locais de maior frequência, dos quais podem resultar danos à integridade psicológica e emocional da vítima e restrições à sua liberdade de locomoção, face à angustia e temor que tais comportamentos provocam.
Em todas as situações, o arguido quis atingir, insultar e fazer temer pela integridade física a ofendida, sua ex-mulher e mãe dos seus filhos, com expressões insultuosas e agressões que lhe dirigiu, bem como atingi-la no seu corpo e provocar-lhe dores e mau estar, querendo, com as condutas adoptadas, causar inquietação à ofendida, pretendendo que a mesma se sentisse menorizada, humilhada e psicologicamente desgastada, perturbando-a assim de forma reiterada no seu bem estar e sossego, atingindo-a psíquica e emocionalmente, o que conseguiu, bem sabendo que a afectava na sua saúde física e psíquica, querendo ainda atingi-la na sua dignidade enquanto ser humano, o que conseguiu, tendo agido livre e conscientemente e sabendo a sua conduta proibida e punida por lei.
Verificados se encontram, assim, os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal do crime de violência doméstica imputado ao arguido, pelo que se impõe a sua condenação.
*
O crime de violência doméstica é punido com pena de prisão de um a cinco anos (cf. artº 152, nº1 do CP).
Conforme se encontra plasmado no artº 40, nº1 do CP, a aplicação de penas visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes por outros cidadãos (prevenção geral positiva), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos em geral.
A reintegração do agente na sociedade é um dos meios de realizar o fim do direito penal, que é a protecção dos bens jurídicos (ao contribuir esta reinserção social para evitar a reincidência – prevenção especial positiva), sendo certo que a intimidação do condenado constitui também uma função da pena, que não é incompatível com a função positiva de ressocialização, procurando dissuadir através das privações que a pena naturalmente contém, a fim de reforçar no condenado o sentimento da necessidade de não reincidir.
Por sua vez, nos termos do artº 71, nºs 1 e 2 do CP, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele.
O dolo (directo) é intenso, mas comum ao tipo de crime; a ilicitude situa-se na mediania comum ao tipo de crime.
As exigências de prevenção geral são muito elevadas, tendo-se em consideração que, relativamente ao crime de violência doméstica, estamos perante um tipo legal de crime que pretende dar tutela a uma das formas talvez mais subliminares de escravatura humana, em que alguém é subjugado a uma vida de violência e humilhação, forçado a aceitar as opiniões e condições de outrem mais forte, devendo, por conseguinte, ser convenientemente sublinhada, perante a sociedade, a validade da norma que pune tal conduta e protege aqueles bens jurídicos fundamentais.
Também são prementes as exigências de prevenção especial, tendo em consideração que o arguido revela reduzido juízo de censurabilidade e ilicitude relativamente aos factos praticados.
Ter-se-à em consideração a sua situação pessoal e económica.
Tudo ponderado, tem o Tribunal por ajustada a pena de dezoito meses de prisão.
Dispõe o artº 58, nº1 do CP, que “se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a 2 anos, o tribunal substitui-a por prestação a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
No caso em apreciação, o arguido, no meio sócio-residencial, projecta uma imagem positiva, não lhe sendo reconhecidos comportamentos agressivos; o arguido conta com o apoio de sua mãe e irmão; nutre pelos filhos amor e é preocupado pelo seu bem-estar.
Por outro lado, não existe contacto entre o arguido e a ofendida, uma vez que esta reside em Alcobaça, sendo que os contactos apenas terão de ser aqueles que dizem respeito aos filhos comuns.
Acresce que o arguido não exerce qualquer actividade profissional, encontrando-se inactivo, pelo que a imposição da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade trará benefícios em termos de ressocialização.
Assim, tendo em consideração as finalidades exclusivamente preventivas subjacentes às penas de substituição, consideramos que a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, penalizando e consciencializando o arguido da necessidade de conformar a sua actuação às regras legais vigentes. A prestação de trabalho a favor da comunidade promove a assimilação da censura do acto ilícito mediante a construção de um trabalho socialmente positivo, a favor da comunidade, assente na adesão do próprio arguido, ao mesmo tempo que apela a um forte sentido de co-responsabilização social e de reparação simbólica.
Pelo exposto, uma vez que o arguido aceitou a sua aplicação, nos termos do artº 58 do CP, substitui-se a pena de prisão ora imposta pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, que se fixa em 480 horas, a ser cumprida em entidade e em condições a indicar pela DGRS.
Tal pena de prestação de trabalho a favor da comunidade fica sujeita a regras de conduta, nos termos dos artºs 58, nº6 e 52, nº1, al.b) e nº3 do CP, consubstanciadas na frequência de acções que incidam sobre as suas dificuldades de auto-responsabilização, desenvolvendo competências de análise crítica das situações e de respeito pela ofendida e a comparência a entrevistas com regularidade a determinar pela DGRS.
*
b) apreciação do mérito:

Antes de mais, convirá recordar que, conforme jurisprudência pacífica[1], de resto, na melhor interpretação do artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso deve ater-se às conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo, obviamente, e apenas relativamente às sentenças/acórdãos, da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal[2].
Anote-se, em sede de conclusões, que importa apreciar apenas as questões concretas que resultem das conclusões trazidas à discussão, o que não significa que cada destacada conclusão encerre uma individualizada questão a tratar, tal como sucede no caso vertente, sendo vulgar constatar a confusão existente entre os argumentos utilizados e as concretas questões a apreciar, realidades bem diversas e do que nos dá conta imensa jurisprudência publicitada.

Neste contexto, e em face daquilo que se apreende das efectivas conclusões trazidas à discussão pelo recorrente, importa saber:

1 – se a sentença recorrida padece de nulidade insanável decorrente do facto de não ter sido reproduzido em audiência o conteúdo das cartas e bilhetes constantes dos autos.

2 – se existiu erro de julgamento (prova a rever), associado a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, erro notório na apreciação da prova e preterição do princípio “in dubio pro reo”;

3 – se não estão preenchidos os pressupostos jurídicos e materiais do imputado crime;

4 – se a pena aplicada não é adequada, razoável e proporcional, impondo-se a aplicação de pena não privativa da liberdade.

Vejamos, pois.

1 – da nulidade insanável:

No decurso da discussão da análise da matéria de facto, o recorrente alega que o conteúdo das cartas e bilhetes a que antes se referira não foi de qualquer modo reproduzido em audiência, tendo simplesmente transitado dos autos para a sentença recorrida, em violação do princípio de que toda a prova em processo penal é produzida em audiência, o que, na sua óptica, constitui uma nulidade insanável da sentença recorrida.

Não se descortina que o Ministério Público, em qualquer das instâncias, tivesse tratado esta específica questão, resultando, contudo, da argumentação estruturalmente comum que entendem não existir qualquer vício que inquine a decisão recorrida.

Apreciando.

O recorrente invoca, na prática, que o tribunal recorrido valorou prova documental, mais concretamente as referenciadas cartas e bilhetes, mas indevidamente, já que não examinados em sede de audiência, à revelia do artigo 355º, do Código de Processo Penal.
Neste aspecto convém recordar já que estipula o referido preceito que “Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência” (nº 1), mas que “Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes” (nº 2).
Conforme anota Vinício Ribeiro, “A jurisprudência e, desde o início, claramente maioritária – e, actualmente, nem surpreendemos jurisprudência em sentido divergente – no sentido de que os documentos que se encontram juntos aos autos não serem de leitura obrigatória na audiência de julgamento, considerando-se examinados e produzidos em audiência, independentemente de nesta ter sido feita a respectiva leitura e menção em acta”[4].
Anote-se que nesta obra dá-se conta de doutrina e jurisprudência no referenciado sentido, da qual resulta ainda que a igual regime estão sujeitas as transcrições das escutas telefónicas, cujo conteúdo, para valer como prova, não necessita de ser lido ou examinado em audiência.
No mesmo sentido, vide o Acórdão do STJ, relatado por Santos Cabral, no qual se assinala que “Os autos, tal como os documentos, as imagens e as perícias são, quase sempre, provas que, em princípio, não carecem de leitura - basta o contraditório e o exame -, mas a sua leitura e visualização pode ser requerida na audiência”[5].
Sempre no apontado sentido, anote-se o sumário do Acórdão do STJ, de 17/09/09, proferido no âmbito do Proc. n.º 169/07.3GCBNV.S1 - 5.ª Secção por Rodrigues da Costa:
(…) X - Constitui uma exigência absurda a de que todas as provas, incluindo as provas documentais constantes do processo, têm de ser reproduzidas na respectiva audiência de julgamento, se se pretender fazê-las valer e entrar com elas para a formação da convicção do tribunal.
XI - Conforme jurisprudência estabilizada do STJ, a exigência do art. 355.º, n.º 1, do CPP prende-se apenas com a necessidade de evitar que concorram para a formação da convicção do tribunal provas que não tenham sido apresentadas e feitas juntar ao processo pelos intervenientes, com respeito pelo princípio do contraditório, e não que tenham de ser reproduzidas em audiência, isto é, lidas ou apresentadas formalmente aos sujeitos processuais todas as provas documentais dele constantes.
XII - Se as provas, nomeadamente as provas documentais, já constam do processo, tendo sido juntas ou indicadas por qualquer dos sujeitos processuais e tendo os outros sujeitos delas tomado conhecimento, podendo examiná-las e exercer o direito do contraditório em relação a elas, não se vê razão para que elas tenham de ser obrigatoriamente lidas ou os sujeitos processuais obrigatoriamente confrontados com elas em julgamento para poderem concorrer para a formação da convicção do tribunal”.
No mesmo sentido, vide o Acórdão do TRP, de 09/09/2010, relatado por Maria Leonor Esteves[6], no qual se anotou que “A Lei (art. 355.º, n.º 1, do CPP) não faz depender a possibilidade de valoração de todas as provas produzidas em audiência do seu efectivo exame durante esta, admitindo que aquelas que estejam documentadas nos autos (e às quais os sujeitos processuais têm acesso, podendo aperceber-se da relevância probatória das mesmas e infirmá-las ou contraditá-las) ainda que não sejam alvo de exame naquele momento processual, possam ser objecto de valoração na sentença. Ponto é que a leitura dos actos processuais em que se contêm não esteja abrangida pelas proibições que resultam do disposto nos art. 356.º e 357.º, do CPP”.
Ainda em sintonia com esta interpretação, mas sem esconder que contra tal tese estava Germano Marques da Silva e Dá Mesquita, sustenta Paulo Pinto de Albuquerque que, sem prejuízo do princípio da imediação ser uma garantia de defesa e da própria sentença, a disposição aqui em apreço «…não abrange a prova documental e os meios de obtenção de prova. Com feito, não é inconstitucional a interpretação conjugada dos artigos 127.º, 355.º e 165.º, n.º 2 do CPP, segundo a qual a formação da convicção com documentos juntos com a acusação, constantes dos autos, não lidos nem explicados na audiência, não viola o princípio do contraditório, “quer na modalidade do princípio da oralidade, quer da imediação», ali se anotando ainda que «De igual modo, os meios de obtenção de prova, isto é, os autos de exames, revistas, buscas, apreensões e escutas telefónicas podem ser invocados na fundamentação da sentença mesmo que não tenham sido examinados em audiência. A razão é esta: conhecendo a defesa o inquérito, a defesa pode contrariar a admissão e o valor probatório da prova, sempre que quiser, mas “a leitura em audiência de dezenas de documentos nada acrescentaria às oportunidades de defesa do arguido”, o mesmo valendo para os autos de exames, revistas, buscas, apreensões e escutas telefónicas…[7] ».
Anote-se que a apontada tese claramente maioritária foi já validada pelo Tribunal Constitucional que, no Acórdão nº 110/2011[8], sustentou que “Não julga inconstitucional a interpretação das normas dos artigos 355.º, n.º 1, 327.º, n.º 2, e 340.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, no sentido de que o tribunal pode apoiar uma decisão condenatória num documento incorporado nos autos desde a fase de inquérito, mas não incluído expressamente na indicação de prova constante da acusação do Ministério Público, nem apresentado e discutido na audiência de julgamento”.
Cremos demonstrada à saciedade que não era exigível a leitura da documentação em questão, pelo que nenhuma censura merece a decisão recorrida, sendo certo que, se esse fosse o caso, não estaríamos perante a nulidade da sentença, pois que fora do contexto previsto no artigo 379º do Código de Processo Penal, mas perante a valoração de prova proibida, conforme decorre dos artigos 355º, nº 1, e 125º, ambos do Código de Processo Penal, o que nos remeteria unicamente para um eventual erro de julgamento, e nada mais.
Naufraga, pois, este capítulo do recurso, manifestamente.

2 – do erro de julgamento:

O recorrente questiona os pontos da matéria de facto dada como provada sob as alíneas D), F), G), H), I), J), L), M), N), O), P), Q), T), 1º parágrafo, U), 1º parágrafo, V) X) e Z).
Razões de tal.
Quanto aos pontos D), F) e G): a sentença recorrida baseou-se nas suas declarações, nas da assistente e no depoimento das testemunhas S… e Q….
Sucede, que as suas declarações, que situa por remissão para as correspondente gravação, foram completamente desvalorizadas, apesar de ter apresentado um discurso livre, credível, sincero, aberto e coerente, e sempre conduzido pelo Procurador e pela Juiz, e nunca pelo seu defensor.
Mas, mesmo que não as tivesse prestado ou as mesmas não fossem de qualquer forma credíveis, nem assim poderia ter-se dado tais factos como assentes porque sendo a versão das referidas testemunhas, que igualmente situa, completamente contraditória, a sentença recorrida não se pronuncia acerca dos motivos pelos quais foi valorado um depoimento em detrimento do outro, e, além disso, porque tais factos ocorreram em “praça pública”, podendo haver mais testemunhas sobre os mesmos.
Entende, por isso que o tribunal violou o princípio da livre apreciação da prova.
No tocante aos pontos H), I) e J): para os fixar, o tribunal baseou-se única e exclusivamente nas declarações da assistente, sendo que, para além das suas próprias declarações, mais nenhuma prova foi produzida.
Sucede que tais factos, alegadamente, ocorreram perante clientes e funcionários que se encontravam no restaurante, mas, por muito incrível que pareça, o tribunal não onerou a acusação com o ónus de fazer prova de tal facto positivo e bastou-se com as declarações da assistente, como se tais factos tivessem ocorrido à porta fechada, sem possibilidades de ser produzida maior prova, o que não poderá admitir-se.
Entende, de novo, que o tribunal violou o princípio da livre apreciação da prova e que tais factos deveriam dar-se como não provados.
Relativamente aos pontos M), N) e O): foram fixados única e exclusivamente com base nas declarações da assistente e no depoimento da testemunha S…, mas trata-se de depoimentos contraditórios e que, portanto, deveriam ter sido desvalorizados globalmente ou, pelo menos, deveriam ser explicados os motivos para se dar credibilidade a um e não a outro. Isto não obstante, a referida testemunha ter sido arrolada pela acusação e não ter testemunhado qualquer facto em seu favor.
Contesta, pois, que, face a tal discrepância, o tribunal tivesse voltado a dada toda a credibilidade à assistente, a única com interesse directo nos autos, e por motivos que não lograva alcançar, tanto mais que uma tal força probatória perversa é contrariada pelo depoimento das testemunhas C… e S…, conforme passagens que localiza.
Preconiza, pois, que tais factos passem também a não provados, face a nova violação do aludido princípio da livre apreciação da prova.
Agora quanto aos pontos P) e Q): trata-se de factos tidos como assentes com base nas declarações da assistente e das testemunhas J… e K…, que localiza, bem como nas suas próprias declarações.
Sucede, porém, que nenhum deles afirmou alguma vez que também durante esse período, por diversas vezes dirigiu à ofendida várias expressões insultuosas, entre elas, vaca, traidora, puta, és uma mãe de merda, não sabes tratar dos teus filhos, para além de que a credibilização dos depoimentos das duas referidas testemunhas, mais uma vez, pendeu para o lado da acusação, contra si, sendo que a testemunha K… referiu que o viu junto do estabelecimento apenas uma única vez, quando foi levar o filho da assistente à sua mãe, após o que foi embora, tal como afirmou que trabalhava todos os dias na parte da frente do referido estabelecimento, tendo contacto directo com o exterior e com todos os clientes, o que leva a concluir, com muita segurança, que se se tivesse dirigido por variadas vezes ao tal estabelecimento para provocar desacatos ou qualquer outro distúrbio, esta testemunha certamente o teria visto, a menos que estivesse de folga.
Porém, invariavelmente, apesar desta testemunha ser arrolada pela acusação, o tribunal desconsiderou por completo tal depoimento, sem demonstrar o seu descrédito, e deu como provado que ele aí se dirigiu por variadas vezes.
Sustenta, também aqui, que tais factos deveriam dar-se como não provados.
Em relação aos pontos T) e U): não compreendia que o tribunal tivesse dado como assente que foi ele quem enviou para a assistente diversas as mensagens de texto, vulgarmente designadas por SMS, de teor ofensivo, uma vez que, e apesar de tudo ter sido feito, com a máxima transparência, para descobrir o autor das referidas mensagens, foi em vão, sendo certo que, ao contrário dos escritos, aqui negou a imputada autoria, tendo, inclusivamente, produzido prova de que não poderia ter enviado tais SMS, pois não tinha telemóvel há mais de três anos, ao que acrescem os depoimentos nesse sentido das testemunhas N… e O…, que localiza.
Neste contexto, concluiu, apesar da prova produzida ter sido apenas no sentido de que não foi ele a enviar tais mensagens, no alto do princípio da livre apreciação da prova, o tribunal recorrido resolveu, sem qualquer meio de prova, atribuir-lhe tais mensagens, isto, quando uma acusação mais interessada neste ponto, designadamente, por parte da assistente, poderia ter logrado comprovar a verdadeira autoria das mensagens SMS.
Entende, por isso, que, neste ponto, o tribunal recorrido violou de forma grave o princípio da livre apreciação das provas e foi também contra outros princípios ordenadores do Direito Penal, a saber, o princípio “in dubio pro reo”.
Finalmente, e no que concerne aos pontos V), X) e Z): aqui, o recorrente começa por censurar a apreciação jurídica que foi feita dos factos tidos como assentes, incluindo as ilações tecidas nestes últimos pontos citados, pois que, atenta a diversidade temporal dos factos, entende que não deveria ter-se metido tudo num só “bolo”, mas especificar as diversas condutas e inerentes consequências de cada uma, a levarem, quiçá, à existência de dois crimes, passando depois a empreender aquilo que denominou de interpretação da prova produzida em audiência, capítulo em que sustentou que o tribunal tinha falhado na apreciação da prova produzida ao credibilizar unicamente a tese da ofendida, quando é certo que neste caso, e contrariamente ao que é habitual neste tipo de situações, os factos ocorreram todos fora de portas, à luz de todos, e não entre paredes, num espaço recôndito, secreto e confidente, pelo que se impunha que se exigissem à acusação muitos mais elementos de prova de cada facto, não se ficando pela duvidosa segurança de um depoimento e, acima de tudo, pela maior margem de manobra na sua interpretação, contexto em que, após ter dissertado sobre os conceitos de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, de erro notório na apreciação da prova e da livre apreciação da prova, sublinhou que os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância, o que aqui sucede, já que entendia que os pontos da fundamentação de direito em que o tribunal recorrido fundamentou a sentença recorrida não deveriam manter-se e, portanto, as conclusões jurídicas e a pena deveriam ser revogados e substituídos por outros que correspondam a um decisão justa e legal.

O Ministério Público respondeu para anotar que, no que tange aos pontos D) F) e G), o recorrente não refere quais as contradições das versões das testemunhas S… e Q…, ou seja, em que concretos pontos divergem, nem esclarece, decorrentemente, quais as ilações a tirar (se algumas) do depoimento de Q…, sendo certo que estão por demais explicadas as razões pelas quais o depoimento da testemunha S… mereceu credibilidade e contribuiu para a formação e fundamentação da convicção e, quanto ao depoimento da testemunha Q…, para além das contradições em que caiu, quando confrontado com as declarações que prestou em inquérito, verifica-se que do mesmo apenas se retirou que “assistiu a discussões entre o casal, motivadas por questões de trabalho, e a um episódio em que o arguido agarrou o braço da ofendida, não a deixando sair do estabelecimento – no entanto o seu depoimento não versou sobre situações ocorridas em 2010, já que na altura aí não trabalhava”, ou seja, não se pronunciou sobre o que declarou não ter visto, pelo que o seu depoimento, como não podia deixar de ser, não se revestiu de particular relevância.
Quanto à circunstância de tais factos terem ocorrido em praça pública, não se compreende qual o sentido e alcance de tal alegação, e se o mesmo quereria com isso significar que deveria ter-se apresentado uma pequena multidão de testemunhas que ilidiriam, ou confirmariam, a versão coerente, credível e serena que a assistente apresentou em tribunal, e a demais prova, testemunhal, documental e pericial que a corroborou, então ninguém o logrou fazer, não o fez a acusação, nem ele próprio, pelo que restam as vicissitudes próprias de qualquer processo, nada havendo a acrescentar neste particular.
Relativamente aos Pontos H), I) e J), adianta que é a lei quem onera a acusação com o ónus de prova, e não o tribunal, e a este, atentas as particularidades do episódio ocorrido em 30/05/10, eventualmente presenciado por terceiros, mas que não se logrou identificar, coube, naturalmente, apreciar a prova que nesse particular lhe foi submetida, a saber, os depoimentos prestados em audiência e os exames clínicos ao mesmo respeitantes, pelo que mal se entende a incredulidade do arguido, afigurando-se que tempera o seu entendimento do princípio da livre apreciação da prova com um critério matemático do qual decorre que sempre que uma versão contraria outra, sendo idêntico o número de depoimentos num sentido e noutro, tais factos não poderão nunca dar-se como provados, limitando-se o julgador a uma operação de simples aritmética, independentemente da credibilidade, seriedade ou coerência dos mesmos, o que é inaceitável, e, isso sim, faz tábua rasa do princípio da livre convicção do juiz.
Quanto aos pontos M) N) e O), entende que o arguido volta a fazer a leitura da prova produzida no sentido que mais lhe convém, pois que o facto da testemunha S… não se ter apercebido do acto de agarrar e decorrentes arranhões sofridos pela assistente, não significa que tal não sucedeu, devendo relembrar-se que ela própria declarou, além do mais, que o presenciou a insultar a ofendida de filha da puta, cabra e mentirosa e que, no último dia de laboração do restaurante, onde trabalhava com a ofendida, ela própria foi fisicamente afastada por ele, quando se colocou de permeio entre ele e a assistente, contexto em que o seu depoimento não só não contraria, mas confere credibilidade ao relato da assistente, que confirmou e descreveu a agressão de que foi vítima e cujos resultados se encontram devidamente documentados nos elementos clínicos juntos aos autos.
Sublinhou depois que idênticas considerações suscitam as alegações do recorrente a propósito dos pontos P) e Q), nomeadamente, em relação aos depoimentos prestados por J… e K…, que, ao contrário do que pretende, não penderam para o lado da acusação, pois que, a penderem para algum lado, e no que tange a proferir insultos ou provocar desacatos no “G…”, foi para o da defesa (v.g, estas testemunhas não presenciaram qualquer insulto e viram apenas bilhetes e, a K…, também flores no pára-brisas do carro da ofendida), o que em nada contraria os sobreditos pontos P) e Q), sendo certo que o tribunal deu como não provados desacatos no G….
Quanto aos pontos T) e U), esclarece que o arguido estranha que o tribunal tenha considerado que enviou para a assistente diversas mensagens de texto, (SMS), de teor ofensivo, quando é certo que não foi possível obter das entidades que poderiam ter prestado tal informação qualquer indicação útil, mas que é exactamente uma dessas mensagens que responde à questão por si suscitada, mais concretamente a remetida no dia 29/1/013, às 17h09m05s, e que reza o seguinte: “pede ao E1… para me ligar do teu tlm para este n. que é duma amigo e é tag ou atende quando estiveres ao lado dele! Bjs”, aém de que basta o mero confronto entre as mensagens e o vasto acervo de papéis manuscritos pelo arguido para confirmar, à exaustão, a conclusão retirada pelo tribunal, a única possível.
Quanto aos pontos V), X) e Z), sustenta que inexiste no nosso ordenamento jurídico-penal qualquer crime de “stalking”, tal como se pretende no ponto 65º do recurso ora apresentado, pelo que, evidentemente, tal inexistente crime não faz depender a sua concretização das, também inexistentes, “desculpa” ou, muito menos, “provocação” da vítima, mas mesmo que assim não fosse, a assistente esclareceu, sem margem para qualquer dúvida, que, menos que o conteúdo de tais missivas, foi devido ao facto de o arguido a procurar no seu local de trabalho, rondando pela zona, deixando bilhetes e flores no pára-brisas da sua viatura, enviando-lhe SMS do referido nº ………, fazendo-lhe chegar as cartas juntas aos autos, tudo numa perseguição constante com o objectivo de reatar a relação, que se sentia envergonhada, manipulada, ficava de rastos, intimidada, com medo e pavor, tremendo por dentro, humilhada, e apenas se tenha sentido libertada desde há cerca de seis meses, após ter feito terapia, no que foi corroborada, entre outros, pelo depoimento das testemunhas I…, assistente social, e L…, psicólogo, conforme ficou bem explicitado na sentença, constatando-se, no mais, que a Mma. Juiz teve o cuidado de dividir as condutas do arguido não em duas, mas em três fases, geradoras da adequada integração, conforme explicita.
No mais, entende que as afirmações do recorrente em nada abalam a justeza das convicções formadas pelo tribunal, já que o mesmo limita-se a questionar a própria essência do princípio da livre apreciação da prova, acabando a sua pretensão por se resumir a uma inadmissível tentativa de revisão da convicção do tribunal recorrido, sobrevalorizando o seu próprio depoimento e desvalorizando os depoimentos da assistente e das testemunhas que o corroboraram, visando persistir em negar as condutas cuja autoria recusa e minimizar os efeitos das condutas, que apenas assume por às mesmas não ter por onde escapar, arvorando-se em Juiz, não só da intenção, mas das consequências das mesmas.

A Ex.ma PGA aderiu à sobredita resposta, tendo destacado ainda que não existiam os dois apontados vícios e que, ao pôr em causa a incorrecta apreciação dos factos do modo que o faz, remetendo para a gravação dos depoimentos das testemunhas e questionando a credibilidade que lhes foi, ou não, atribuída pelo tribunal recorrido, e conferindo-lhe uma interpretação subjectiva, pessoal e da maneira que lhe é mais favorável, o recorrente não está a impugnar a matéria de facto nos termos legalmente estatuídos, mas sim a convicção do tribunal recorrido, em contrário do que decorre do princípio da livre apreciação da prova.
Sustenta, pois, que não vislumbrava que a sentença recorrida padecesse de omissões ou contradições que tornassem a sua fundamentação ilógica ou irracional, nem de qualquer vício de conhecimento oficioso, ao mesmo tempo que anotava que, não se tendo suscitado ao tribunal recorrido quaisquer dúvidas insanáveis quanto à autoria, circunstâncias e modo em que os factos ilícitos ocorreram, não tinha que fazer uso do princípio “in dubio pro reo”.

Apreciando.

1.1 Ponto prévio.

Decorre das conclusões aduzidas pelo recorrente, em coerência com a motivação subjacente, que, neste capítulo, o recurso visa exclusivamente o reexame da matéria de facto com recurso à prova gravada e documental que indica.
Contudo, à mistura com a discussão da valia e sentido da prova produzida, o mesmo refere-se, genericamente, à definição dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e ao erro notório na apreciação da prova (cfr. pontos 107 e 108º da motivação), sem que se surpreenda da argumentação aduzida uma qualquer concretização de tais vícios, os quais voltam a surgir apenas no pedido formulado a final, quando o mesmo resume as causas do apontado erro de julgamento (e da pena), mas apelando apenas à existência de violação dos princípios da livre apreciação da prova e trazendo à colação apenas o artigo 127º do Código de Processo Penal.
Ora, a ausência de uma concreta argumentação constituiu uma ontológica impossibilidade de apreciação, ilação que o Ministério Público, em ambas as instâncias, acaba igualmente por retirar, e bem, do mesmo passo que assinala a inexistência de quaisquer dos aludidos vícios, ou outros.
Cremos, pois, que o mesmo pretenderia reportar-se apenas à insuficiência da prova para a decisão da matéria de facto provada e ao facto de o tribunal recorrido, sempre na sua óptica, ter efectuado uma errónea apreciação da prova, realidades bem diversas dos apontados vícios, pois que são as únicas que se denota derivarem daquela motivação ou argumentação subjacente.
Fique, pois, claro que o recurso visa a discussão da matéria de facto apenas por vida da análise da indicada prova produzida.
De qualquer modo, sendo pacífico, o que nos dispensa quaisquer citações, que a apreciação de tais vícios não poderá exorbitar do texto da decisão, ainda que este possa ser cotejado com as regras da experiência, conforme decorre linearmente do próprio teor do artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, indicado preceito, e posto que se trata de aspectos que sempre implicaria apreciar oficiosamente, conforme se disse antes, dir-se-á que não se descortinam tais vícios, minimamente[9].

1.2 Do real objecto do recurso.

Embora nos pareça existir total sintonia nos autos quanto a esta matéria, mas apenas para nos situarmos em termos interpretativos, adentro do estatuído quadro legal, naturalmente, impõe-se recordar, “ab initio”, que o tribunal de recurso não realiza um segundo julgamento da matéria de facto, incumbindo-lhe apenas emitir juízos de censura crítica a propósito dos pontos concretos que as partes especifiquem e indiquem como não correctamente julgados ou se as provas sindicadas impunham decisão diversa[10].
Daqui flui já que “Quanto ao julgamento de facto pela Relação, importa ter em conta que uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova e, outra, é detectar-se no processo de formação da convicção desse julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório” e que “Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no art. 127.º do CPP, ou seja, assenta (…) na livre convicção do julgador e nas regras da experiência. Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá, e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar, naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir”[11].
De tudo isto cientes, e tal como nos relembrava o anotado parecer, o recorrente, em bom rigor, não cumpriu as exigências contidas no artigo 412º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, pois que, e apesar de alguma aparência formal nesse sentido, limitou-se depois a discutir declarações e depoimentos, por remissão para determinados excertos da prova gravada, não porque discordasse daquilo que foi dito, mas apenas porque entendia que deveria ser dada credibilidade apenas à sua própria tese, aqui se englobando as testemunhas que arrolou.
Daqui decorre, pois, que a prova que o mesmo indica, e aqui foi reapreciada, não compromete o decidido, uma vez que dela não ressalta um qualquer erro de julgamento, mas, isso sim, a existência de duas teses opostas, a da assistente, no essencial, corroborada pelas testemunhas que a acusação indicou, e a do aqui recorrente, esta, no essencial, desacompanhada de outra prova, ao menos relevante.

Concretizando.

No tocante aos pontos D), F) e G), contesta terem sido desvalorizadas as suas declarações e, em contrário, valoradas as da assistente e o declarado pelas testemunhas S… e Q…, pois que entendia que o seu depoimento era sincero, aberto e coerente, e que não foi conduzido pelo seu defensor, e aqueles depoimentos testemunhais eram contraditórios, anotando ainda que o tribunal não explicou a referida e diversa opção de valoração e que, uma vez que tais factos ocorreram em praça pública, poderia haver mais testemunhas sobre os mesmos.
Já antes vimos que o tribunal explicou, convenientemente, em pormenor, e em consonância com a prova gravada (aspecto este que, reitere-se, o recorrente não coloca em crise), as opções de valoração efectuadas, tal como resulta da simples análise da respectiva fundamentação em sede de facto, mormente quando analisa criticamente a prova, tendo ali referido, além do mais, que “…neste aspecto é fundamental a credibilidade que a vítima empresta ao seu depoimento, credibilidade que passa, quer pela coerência do depoimento, quer pela atitude que revela ao relatar os episódios, quer pelo sentimento que demonstra relativamente ao arguido;
- no caso em apreço, a ofendida depôs de forma consistente e pormenorizada sobre os diversos episódios que na acusação são imputados ao arguido, denotando o estado de perturbação e de humilhação sentido em consequência de tais condutas;
- do seu depoimento não transparece, no entanto, qualquer hostilidade para com o arguido, mas sim apenas um sentimento de mágoa;
- por outro lado, o seu depoimento é corroborado por testemunhas que assistiram aos factos: a testemunha S…, cujo depoimento, assertivo, se centrou sobre as condutas do arguido para com a ofendida no período de tempo em que o referido estabelecimento ainda laborava, referindo-se, de forma segura, aos comentários proferidos pelo arguido mesmo à frente dos clientes, visando a ofendida, rebaixando-a e insultando-a com as expressões referidas, e concretamente ao episódio relatado pela ofendida ocorrido no dia 28/8/010, bem como ao estado de perturbação e nervosismo que assim era criado na ofendida, a qual ficava a tremer e a chorar;
- a testemunha Q… assistiu a discussões entre o casal, motivadas por questões de trabalho, e a um episódio em que o arguido agarrou o braço da ofendida, não a deixando sair do estabelecimento – no entanto o seu depoimento não versou sobre situações ocorridas em 2010, já que na altura aí não trabalhava” (sic).
Por outro lado, o próprio arguido admite ter havido palavras agressivas, o que, mesmo que colocado num sentido bilateral, não terá o condão de fazer desaparecer as suas, estas, de resto testemunhadas, tal como refere ainda a intenção de a ofendida se divorciar em Maio de 2010, pelo que não se percebe porque questiona o ponto G, ao menos na sua totalidade, sendo certo que existe prova para tudo o que ali se fixou.
Quanto às alegadas contradições dos depoimentos das sobreditas testemunhas, e tal como refere o Ministério Público na resposta apresentada, o mesmo não as concretiza, pelo que se ignora onde entende que as mesmas radicavam, além de que não se vislumbram, pese embora as contradições com o declarado em sede de inquérito, tal como se explica na sobredita resposta, onde se salientou a pouca ou nenhuma relevância do declarado por essa testemunha.
Finalmente, e não se discutindo que poderiam existir outras testemunhas, o certo é que nem o próprio recorrente afirma que as mesmas efectivamente existiam, pelo que a simples teorização aqui trazida de nada serve, sendo certo que incumbe à acusação demonstrar a sua tese, pelo que não pode o tribunal sindicar a opção acusatória, a não ser que no decurso da audiência seja captada informação sobre a existência de prova eventualmente relevante, caso em que lhe incumbirá processá-la, conforme decorre do artigo 340º, nº 1, do Código de Processo Penal, preceito que, recorde-se, possibilita também que a própria defesa disso se socorra, pelo que, se entendesse existir outra prova com indiscutível interesse, não lhe estaria vedado suprir essa alegada “lacuna” acusatória.
Esta ilação é perfeitamente extensível ao argumento seguinte.
Na verdade, o recorrente veio questionar os pontos H), I) e J) dos factos provados, que pretendia ver como não provados, apenas pelo simples facto de terem sido fixados única e exclusivamente com base nas declarações da assistente, em detrimento das suas, e porque se trata de factos que, alegadamente, teriam ocorrido perante clientes e funcionários que se encontravam no restaurante, pelo que, na sua óptica, o tribunal deveria ter onerado a acusação com o ónus de produzir mais prova, não devendo bastar-se com as declarações da assistente.
Já vimos que assim não é, pelo que nos limitamos a remeter para o ponto anterior, devendo anotar-se, uma vez mais, o papel passivo do recorrente que também nada fez para que fosse convocada mais prova testemunhal, para si imprescindível, ao que parece.
Assim sendo, e tal como nos relembrava a mencionada resposta, sendo a lei quem onera a acusação com o ónus de prova, e não o tribunal, restam as vicissitudes próprias de qualquer processo.
Neste contexto, a avaliação efectuada no que concerne a todos os sobreditos pontos da matéria de facto aqui questionada situa-se no âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que não se descortina que tenha sido aqui beliscado.
Relativamente aos pontos M), N) e O), o recorrente volta a discordar que pudessem ter sido considerados provados apenas com base nas declarações da assistente, as únicas tidas como credíveis, apesar do seu interesse directo na contenda, em detrimento do depoimento da testemunha S…, que as contraria, e sem que o tribunal explicasse sequer essa opção valorativa.
De novo sem razão, adiante-se.
Na verdade, e tal como nos alertava a argumentação vertida na resposta, o facto da testemunha S… não se ter apercebido do acto de agarrar e decorrentes arranhões sofridos pela assistente, não significa que tal não tenha ocorrido, ilação que subscrevemos, pois que tal seria perfeitamente compatível com a própria dinâmica do sucedido que a mesma descreve, já que, neste tipo de situações, diz-nos a experiência que é comum as pessoas directamente envolvidas nas “contendas” não se aperceberem de muitos pormenores, até pelo estado emocional normalmente a isso associado.
Uma coisa é certa, alguma coisa houve, caso contrário a mesma não teria sentido a necessidade de se meter de permeio, sendo certo que o facto de tal testemunha ter dito que o arguido tentou agarrar a ofendida, além de poder constituir apenas uma forma menos clara de expressão, inculca a objectiva ideia de que houve um tal movimento de agressão. De qualquer modo, a ofendida clarificou também este aspecto, perfeitamente compatível com as documentadas lesões.
Não se vislumbra, por isso, a alegada contradição.
O recorrente discute ainda os pontos P) e Q) tidos como assentes, já que, na sua óptica, foram mal alicerçados nas declarações da assistente e das testemunhas J… e K…, e ainda nas suas próprias declarações, pois que nenhum deles afirmou o que ali se refere, pendendo a credibilização dos depoimentos de tais testemunhas para o lado da acusação, contra si, além de que a testemunha K…, cujo depoimento o tribunal desconsiderou por completo, e que trabalhava ali diariamente, referiu que o viu junto do estabelecimento apenas uma única vez, pelo que o teria visto mais vezes caso ele ali se tivesse dirigido por variadas vezes.
Também aqui, sem razão.
De facto, e tal como vinha sublinhado na resposta, não há dúvidas de que as identificadas testemunhas não presenciaram qualquer insulto e viram apenas bilhetes e, a K…, também flores no pára-brisas do carro da ofendida, o que, de resto, resulta linear da correspondente motivação.
Porém, a ofendida explicou, claramente, que tais insultos ocorreram, sendo certo que da sobredita alínea Q) não resulta que tais insultos ocorreram no restaurante em questão, já que ali se alude apenas a um período de tempo em que esses insultos foram proferidos por várias vezes.
No mais, ambas confirmaram a perturbação sofrida pela ofendida mercê das insistentes idas do recorrente ao G…
Nenhum reparo, portanto.
Em relação aos pontos T) e U), não compreende que o tribunal tivesse dado como assente que foi ele quem enviou à assistente as referenciadas mensagens de teor ofensivo, pois que não se sabe a quem pertencia o telemóvel em questão, ele sempre negou tal facto e ficou provado, mormente pelo depoimento das testemunhas N… e O…, que ele não tinha telemóvel há mais de três anos.
De novo, sem razão alguma.
Na verdade, e recuperando a respectiva motivação inserta na decisão recorrida, o tribunal explicou, com facilidade, lógica, racionalidade e coerência, como alcançou a autoria de tais “sms”, anotando que “apesar de o arguido negar que o referido telemóvel lhe pertencesse, não se tendo logrado apurar a titularidade de tal telemóvel, certo é que as SMS enviadas dizem respeito a situações concretas que só ao arguido e à ofendida dizem respeito, onde é feita a alusão ao filho do casal, sendo que o teor de algumas delas estão (leia-se, está) em consonância com os bilhetes e cartas que o arguido assume ter escrito”.
De forma mais concreta, que aqui se subscreve atenta a sua total pertinência, o Ministério Público anotava na sua resposta que era exactamente uma dessas mensagens que respondia à esta questão, mais concretamente a remetida no dia 29/1/013, às 17h09m05s, e que reza o seguinte: “pede ao E1… para me ligar do teu tlm para este n. que é duma amigo e é tag ou atende quando estiveres ao lado dele! Bjs”, além de que bastava o mero confronto entre as mensagens e o vasto acervo de papéis manuscritos pelo arguido para confirmar, à exaustão, a conclusão retirada pelo tribunal, a única possível.
Acresce ainda que não que não está vedado ao julgador lançar mão das estatuídas presunções judiciais, tal como as define o artigo 349º, do Código Civil, perfeitamente válidas em sede processual penal, pois que circunscritas pelo núcleo previsto pelo artigo 125º, do Código de Processo Penal, e, por isso, suportadas pela livre, mas fundamentada, apreciação do julgador, o que nos permite reter que na passagem de um facto conhecido para a aquisição ou prova de um facto desconhecido têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido[12]. E aqui tudo vai entroncar na pessoa do recorrente, claramente.
Cremos, pois, explicado o raciocínio do tribunal recorrido e a ausência do propugnado erro de avaliação, pelo que, e ao contrário do que o recorrente alegava, não poderá afirmar-se que foi preterido, e de forma grave, o princípio da livre apreciação da prova, bem como o princípio “in dubio pro reo”, já que não se descortina, minimamente, que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o recorrente, ou que a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova materializou-se numa decisão contra ele, que não era suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção[13].
Também aqui, nada a alterar.
Finalmente, e no que concerne aos pontos V), X) e Z), o recorrente limita-se a tecer considerações genéricas sobre todos os pontos antes debatidos e ainda sobre os pontos R) e S), visando essencialmente, é o que se apreende, discutir o enquadramento jurídico fixado, pois que, na sua óptica, atenta a diversidade temporal dos factos, não deveria ter-se metido tudo num só “bolo”, mas especificar as diversas condutas e inerentes consequências de cada uma, a levarem, quiçá, à existência de dois crimes.
Depois, limitou-se a empreender aquilo que denominou de interpretação da prova produzida em audiência, capítulo em que sustentou que o tribunal tinha falhado na apreciação da prova produzida ao credibilizar unicamente a tese da ofendida, quando poderia exigir à acusação muitos mais elementos de prova de cada facto, concluindo depois que entendia que os pontos da fundamentação de direito em que o tribunal recorrido fundamentou a sentença não deveriam manter-se e, portanto, as conclusões jurídicas e a pena deveriam ser revogados e substituídos por outros que correspondam a um decisão justa e legal (dissertou ainda, e além doutros, sobre os conceitos de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova, de forma meramente genérica e, por isso, sem substrato que permitisse a sua concreta análise, conforme já se assinalou no início desta capítulo – vide nota prévia).
Já antes vimos as razões da discórdia por parte do Ministério Público.
Ora, a simples análise da argumentação do recorrente permite concluir que o mesmo joeirou aqui aspectos essencialmente jurídicos, que serão tratados no capítulo que se segue, já que se prendem com a incriminação fixada na sentença recorrida, altura em que será relembrada a concreta argumentação contida na resposta, e que, no mais, limitou-se e dissertar sobre a prova e associados princípios, sem que suscitasse, ao menos de forma perceptível, uma qualquer questão directamente relacionada com o acervo fáctico tido como assente.
De qualquer modo, dir-se-á que as sobreditas ilações vertidas nas alíneas V), X) e Z) constituem a normal decorrência dos factos que as precedem, pelo que são perfeitamente legítimas e bastantes, pois que encerram a avaliação das consequências que o conjunto de factos firmados permitia reter, tal como a lei impõe. Coisa diversa já será aquilatar posteriormente da maior ou menor gravidade de um facto em relação a outro, o que nos reconduz a um outro momento, o da pesquisa da pena a aplicar e respectiva medida.
Afora isto, retém-se, pois e apenas, a sua discórdia no tocante à valoração das declarações da assistente, pretendendo que o tribunal tivesse exigido à acusação outras provas, que não identifica, mas que teriam que existir por se tratar de factos ocorridos “extra muros”.
Em suma, é apenas isto.
Permitimo-nos, pois, relembrar o que já acima se referiu sobre esta matéria e que aqui temos como renovado, por simplicidade, reiterando-se que é a lei quem onera a acusação com o ónus de prova, e não o tribunal, pelo que, e adentro da prova introduzida em juízo, restam as vicissitudes próprias de qualquer processo, como nos era recordado pelo Ministério Público.
Nada a assinalar, portanto, devendo sublinhar-se em jeito de síntese, e parafraseando a Ex.ma PGA, que o recorrente mais não fez do que conferir à prova produzida uma interpretação subjectiva, pessoal e da maneira que lhe fosse mais favorável, que não, verdadeiramente, impugnar a matéria de facto nos termos legalmente estatuídos, mas sim a convicção do tribunal recorrido, em contrário do que decorre do princípio da livre apreciação da prova.
Flui de todo o exposto que, embora pudesse até equacionar-se, em tese, que a análise da referenciada prova poderia admitir uma outra leitura crítica, o que, na prática, corresponderia a validar a tese do recorrente em detrimento de tudo o mais, o que já constituiria tarefa dificilmente atingível, ao menos com a consistência devida, o certo é que não pode afirmar-se que a análise encetada pelo tribunal recorrido, e devidamente explicitada, foi efectuada à revelia da lei e/ou que impunha uma decisão diversa, tal como o exige o artigo 412º, nº 3, al. b), do Código de Processo Penal. O que, já se vê, compromete o êxito dessa pretensão, e associados efeitos absolutórios.
Naufraga, pois, este item do recurso.

2 – dos pressupostos do imputado crime:

O recorrente discorda da apreciação jurídica que foi feita dos factos tidos como assentes, incluindo as ilações tecidas nos pontos V), X) e Z), pois que, atenta a sua diversidade temporal, com um hiato temporal de dois anos, não deveria ter-se metido tudo num só “bolo”, mas especificar as diversas condutas e inerentes consequências de cada uma, a levarem, quiçá, à existência de dois crimes, um de violência doméstica e outro de “stalking”.
Alega ainda que as vinte cartas ou bilhetes que endereçou à ofendida não podem merecer a censura que mereceram, pois que são apenas a mais pura demonstração de um comportamento humano, misturando racionalidade e emotividade, raciocínio e emoção, sem qualquer intenção de a magoar, pese embora o teor mais “azedo” de algumas, que as circunstâncias deverão desculpar, o que não pode ser confundido com actos de violência doméstica.
Requer, pois, a sua reapreciação, pugnando pela não condenação por tais escritos, tanto mais que, na sua óptica, a prova permite afirmar que alguns dos vinte bilhetes foram recolhidos pela própria ofendida da casa da mãe do recorrente, sem que nada a obrigasse a pegar neles e a lê-los, podendo simplesmente rejeitá-los.
Em suma, é isto.
O Ministério Público respondeu para sublinhar que inexiste no nosso ordenamento jurídico-penal qualquer crime de “stalking”, pelo que seriam aqui descabidas as alegadas “desculpa” ou, muito menos, “provocação” da vítima, também inexistentes, mas que, mesmo que assim não fosse, a assistente esclareceu que, menos que o conteúdo de tais missivas, foi pelo facto de o arguido a procurar no seu local de trabalho, rondando pela zona, deixando bilhetes e flores no pára-brisas da sua viatura, enviando-lhe SMS, fazendo-lhe chegar as referenciadas cartas, tudo numa perseguição constante com o objectivo de reatar a relação, que se sentia envergonhada, manipulada, ficava de rastos, intimidada, com medo e pavor, tremendo por dentro, humilhada, e apenas se tenha sentido libertada desde há cerca de seis meses, após ter feito terapia, no que foi corroborada por outra prova.
Anotou ainda que a Mma. Juiz teve o cuidado de dividir as condutas do arguido não em duas, mas em três fases, geradoras da adequada integração, conforme explicita.

Apreciando.

Começaremos por anotar que existe total sintonia nos autos relativamente ao que é albergado no tipo legal aqui em apreço, o que nos dispensa quaisquer outros considerandos.
Fique, pois, claro, que, tal como a decisão recorrida escalpeliza, a coberto de adequadas citações, estão aqui em causa maus tratos físicos e psíquicos, desde que correspondam a actos, isolada ou reiteradamente praticados, reveladores de um tratamento insensível ou degradante da condição humana da vítima, conforme reportava o citado acórdão deste TRP.
Relembrado, sumariamente, o enquadramento, e atentas as críticas tecidas pelo recorrente, impõe-se começar por analisar o que a este propósito consta da decisão recorrida.
Ali se inscreveu: “No caso em apreço, podemos distinguir três situações no que se refere ao comportamento do arguido para com a ofendida:
- a que ocorre no período em que o arguido e a ofendida exploram o referido estabelecimento de restauração, quando, por diversas vezes, aquele, dirigindo-se aos clientes do estabelecimento, dizia que a arguida queria o restaurante para receber os amigos e apelidava-a de “puta”, “vaca”, dizendo que a mesma tinha muitos amantes;
- a que se desenha a partir do momento em que a ofendida e o arguido se separam de facto e em que aquela manifesta a sua intenção de se divorciar: após tal data, por diversas vezes, o arguido procurou a ofendida no referido restaurante, local onde provocou desacatos, sempre com o intuito de perturbar e atormentar a ofendida, tendo protagonizado os episódios ocorridos nos referidos dias 30/5/010, 4/7/010 e 28/8/010, nos quais a acusa de não querer saber dos filhos, de andar metida com os funcionários do restaurante, que quis ficar com o restaurante para receber os amigos; a ameaça, dizendo que vai incendiar a casa e partir o carro; a agride, agarrando-a de forma violenta e desferindo-lhe arranhões, ameaçando que a mata e dizendo que anda metida com a funcionária e que só gosta de gajas;
- a que se desenha a partir do momento em que a ofendida inicia uma nova relação amorosa e em que é decretado o divórcio do casal: o arguido dirige à ofendida, por diversas vezes, insultos, apelidando-a de “vaca”, “traidora”, “puta”, “és uma mãe de merda, não sabes tratar dos teus filhos”; o arguido procura por diversas vezes a ofendida no seu local de trabalho, sem qualquer motivo, desse modo a perturbando; o arguido escreve bilhetes dirigidos à ofendida, deixando-os colocados no pára-brisas do seu veículo automóvel; o arguido escreve diversas cartas dirigidas à ofendida; o arguido envia diversas SMS para o telemóvel da ofendida, ofendendo-a, perturbando-a e humilhando-a.
Como já referido, o teor dos escritos elaborados pelo arguido demonstram a sua insistência numa relação que já havia terminado, o lembrar e relembrar à ofendida sentimentos passados, o querer impor a sua visão no que se refere ao relacionamento da ofendida com um terceiro, o seu paternalismo em relação à ofendida e a sua ascendência sobre a mesma, pressionando-a, de forma insistente, a reatar a relação.
Na verdade, o comportamento do arguido, nesta fase, é susceptível de se enquadrar numa situação de stalking, forma de violência já criminalizada autonomamente em vários países, e que no nosso ordenamento jurídico encontra previsão, com mais acuidade, no crime de violência doméstica, em que o sujeito activo invade repetidamente a esfera de privacidade da vítima, empregando tácticas de perseguição e diversos meios, tais como ligações telefónicas, envio de mensagens, espera nos locais de maior frequência, dos quais podem resultar danos à integridade psicológica e emocional da vítima e restrições à sua liberdade de locomoção, face à angustia e temor que tais comportamentos provocam.
Em todas as situações, o arguido quis atingir, insultar e fazer temer pela integridade física a ofendida, sua ex-mulher e mãe dos seus filhos, com expressões insultuosas e agressões que lhe dirigiu, bem como atingi-la no seu corpo e provocar-lhe dores e mau estar, querendo, com as condutas adoptadas, causar inquietação à ofendida, pretendendo que a mesma se sentisse menorizada, humilhada e psicologicamente desgastada, perturbando-a assim de forma reiterada no seu bem estar e sossego, atingindo-a psíquica e emocionalmente, o que conseguiu, bem sabendo que a afectava na sua saúde física e psíquica, querendo ainda atingi-la na sua dignidade enquanto ser humano, o que conseguiu, tendo agido livre e conscientemente e sabendo a sua conduta proibida e punida por lei”.
Foi neste contexto global que o tribunal considerou verificados os requisitos enformadores do imputado crime.
E cremos que sem reparo, adiante-se.
Na verdade, e se a conduta do recorrente até ao divórcio não deixa margem para qualquer dúvida, nem ele, nesta específica sede, a questiona (já antes vimos que questionava alguns desses factos, mas sem êxito), não é menos líquido que o seu apurado comportamento posterior encaixa igualmente na previsão do normativo em questão, tal como bem o explicitou a decisão recorrida ao aludir ao teor dos escritos e à associada insistência na relação, tentando condicioná-la e pressioná-la, o que conseguiu, já que se demonstrou que a mesma ficava intranquila, desgostosa, e agastada com tudo isso, o mesmo tendo sucedido com as “sms”, igualmente persistentes e incómodas.
E não se diga que os referidos escritos são apenas a mais pura demonstração de um comportamento humano, misturando racionalidade e emotividade, raciocínio e emoção, sem qualquer intenção de a magoar, pelo que não mereciam a censura de que foram alvo, pois que a simples insistência no sentido de tentar “forçar” o reatamento da relação consubstancia uma forma intolerável de desestabilizar emocionalmente a vítima, e a sua “nova vida”, tal como, de resto sucedeu.
Acresce que, e tal como o próprio recorrente confessa, alguns desses escritos contêm um teor mais “azedo”, não se vislumbrando onde poderia radicar a sua almejada desculpabilização, sendo certo que ficou provado que o mesmo fazia chegar esses escritos às mãos da ofendida (ver alínea S) dos factos provados, além dos que eram colocados no pára-brisas da viatura), pelo que esta os lia. Nada mais natural, atenta a denotada e acrescida preocupação da mesma com esse tipo de comportamentos do aqui recorrente, e outros anteriores, sendo essa a única forma de ver o que ele queria e de procurar defender-se de alguma outra adversidade que por aí lhe pudesse advir.
Uma coisa é certa. O recorrente escreveu-os e cuidou de os fazer chegar às mãos da ofendida, pelo que o simples envio reiterado de tais escritos não pode deixar de incomodar e de perturbar a sua destinatária, tal como sucedeu, reitere-se (vide alínea X) dos factos provados).
Quanto às “sms”, o seu teor fala por si, pelo que, tal como anotava a resposta, inexistindo o crime de “stalking”, resta subsumir tais factos nos maus tratos psíquicos, o seu “habitat” natural, por ora, valendo também para aqui os efeitos decorrentes da sua simples reiteração.
Diga-se, por último, que não se vislumbra que o hiato temporal a que se reporta o recorrente possa obstar à manutenção do fixado enquadramento, pois que os comportamentos que se seguiram ao divórcio continuam a fazer parte do “iter” comportamental anteriormente iniciado, conforme decorre da análise dos factos vertidos nas alíneas O) e P) e seguintes dos factos provados – na prática, o que deles dimana é que a ofendida foi obrigada a fechar o restaurante e que, quando o recorrente a localizou a trabalhar noutro, “voltou à carga” –, e, por isso, sempre a coberto da mesma resolução, contexto em que, e apesar do assinalado interregno, existe um só crime, pelo que a avaliação dos associados malefícios causados à vítima há-de situar-se nessa avaliação global, e não por conjuntos de factos, tal como o mesmo vindicava.
Em suma, já não bastava o seu comportamento anterior, que culminou na destruição do casamento, pois que, mesmo após o divórcio, não deixou a assistente em paz, a que a mesma teria (finalmente) direito, legitimamente.
Mantém-se, pois, o fixado enquadramento, já que, também aqui, nenhum reparo nos merece a decisão recorrida.

3 – da pena aplicada:

No tocante à pena aplicada, e após sublinhar que o critério legal a seguir é o de que o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa, de multa, sempre que verificados os respectivos pressupostos de aplicação, isto é, que a pena alternativa se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição, dependendo a sua aplicação tão-somente de considerações de prevenção especial, sobretudo de prevenção especial de socialização, e de prevenção geral sob a forma de satisfação do sentimento jurídico da comunidade, sendo que o tribunal só deve negar a sua aplicação quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquela pena, adiantou depois que o quadro factológico provado não aponta minimamente no sentido de estar carecido de socialização, a concretizar através da aplicação de pena privativa de liberdade, e que, na vertente das exigências de prevenção geral, também não se vislumbra que a preferência pela pena de multa abale o reforço da consciência jurídica comunitária e o sentimento de segurança face à violação da norma violada, pelo que, a ausência de antecedentes penais leva à conclusão de que a sua conduta radicou numa situação de mera ocasionalidade, num contexto de conflitualidade com a sua ex-mulher, razão pela qual entendia que a pena de multa realizaria, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, assim se ponderado, devidamente, a não despicienda gravidade do crime aqui em questão, a reduzida gravidade das lesões sofridas pela ofendida, sendo certo que a própria declara ter-se já recomposto, o motivo determinante das condutas, designadamente, no que se refere às cartas e bilhetes enviados por si, o reduzido conhecimento e baixa intensidade no dolo (directo) revelado, a ausência de antecedentes penais, a sua condição pessoal e a sua situação económica.
Terminou alegando que, no que aqui importa, tendo sido incorrectamente determinada a pena aplicada, a sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que o absolva, ou, caso assim não se entender, que lhe fixe uma pena não privativa da liberdade, ou, se assim também não se entender, que baixe a pena privativa da liberdade aplicada, ainda que sempre substituída pela pena de trabalho a favor da comunidade.

Na resposta que apresentou, o Ministério Público sustentou, em síntese, que a pena foi fixada em medida muito próxima do seu mínimo e que a fundamentação permite reter que foram escrupulosamente respeitados todos os ditames legais, nomeadamente, os vertidos nos artigos 40º, 70º e 71º, do Código Penal, pelo que se lhe afigurava que a pena aplicada é justa e adequada, porventura, algo benevolente, atendendo a que as exigências de prevenção geral são muito elevadas, e que, tendo actuado com dolo directo e intenso, o arguido manifesta ainda hoje uma total ausência de espírito auto-crítico em relação às condutas a que sujeitou a ofendida, o que, aliás, ressuma de todo o entendimento que expressa em relação às mesmas.

A Ex.ma PGA veio sustentar que a escolha da espécie e medida da pena mostrava-se correcta e adequada às necessidades de prevenção geral e especial do caso e ao tipo de crime.

Apreciando.

Para nos situarmos juridicamente, e apesar de poder afirmar-se que também aqui existe uma total sintonia conceptual, relembrar-se-á que, quanto à escolha da pena, reza o artigo 70º do Código Penal que “Se ao crime foram aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Como é sabido, “… são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa que justificam (e impõe) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação”, anotando-se ainda que deve dar-se prevalência à prevenção especial de socialização e que a prevenção geral há de actuar apenas como limite à actuação das sobreditas exigências preventivas[14].
Por outro lado, é também consabido que “As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade”, e que “Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa”[15]. De resto, a culpa e a prevenção são os dois parâmetros que norteiam a indagação da medida da pena, conforme resulta claro da previsão do artigo 71º, nº 1, do Código Penal.
Claro está que uma tal tarefa há de partir, logicamente, da análise dos factos, no seu cotejo com a também apurada personalidade do seu agente, o que equivale por dizer que “… o substrato da culpa, e portanto também o da medida da pena, não reside apenas nas qualidades do caráter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível…” mas reside, isso sim, “…na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizada naquilo que chamamos a atitude da pessoa perante as exigências do dever-ser.”[16]
De tudo isto cientes, e analisada a argumentação do recorrente, constata-se que, além de se insurgir contra a sua condenação, aspecto já claramente ultrapassado, pois que dependia de uma não conseguida alteração factual, ainda questiona a pena aplicada, pelas razões acima enunciadas e aqui tidas como renovadas.
Já antes vimos as razões que ditaram o desacordo unânime do Ministério Público.
Vejamos se lhe assistirá razão.
Relembrando o decidido, o tribunal entendeu que o dolo, na sua forma directa, era intenso, embora comum ao tipo de crime, a ilicitude mediana, mas que as exigências de prevenção geral eram muito elevadas, atentos os valores que era imperioso salvaguardar (“…dar tutela a uma das formas talvez mais subliminares de escravatura humana, em que alguém é subjugado a uma vida de violência e humilhação, forçado a aceitar as opiniões e condições de outrem mais forte, devendo, por conseguinte, ser convenientemente sublinhada, perante a sociedade, a validade da norma que pune tal conduta e protege aqueles bens jurídicos fundamentais”) e que eram igualmente prementes as exigências de prevenção especial, tendo em conta que o arguido revela reduzido juízo de censurabilidade e ilicitude relativamente aos factos praticados.
A par, não esqueceu a sua situação pessoal e económica.
Disso discordando, o recorrente entende que a factualidade apurada não permite afirmar que esteja minimamente carecido de socialização para que não pudesse ter-se dado preferência à pena multa, e que nem as razões de prevenção geral o exigiam, pois que não tem antecedentes criminais e tratou-se de uma situação ocasional e contextualizada, e cuja aplicação levaria à devida ponderação da não despicienda gravidade do crime aqui em questão, da reduzida gravidade das lesões sofridas pela ofendida, que declara ter-se já recomposto, e do motivo determinante das condutas, designadamente, no que se refere às cartas e bilhetes enviados por si, o reduzido conhecimento e baixa intensidade no dolo (directo) revelado, a sua condição pessoal e a sua situação económica.
Contudo, sem razão alguma.
Em primeiro lugar, a pretensão de dar preferência à pena de multa constitui um apelo a uma impossibilidade, já que o tipo em questão prevê apenas a aplicação de pena de prisão (de 1 a 5 anos), o que, logicamente, nos arreda da previsão contida no artigo 70º do Código Penal.
Depois, e partindo do princípio de que a sua pretensão era, afinal, a de que a pena de prisão fosse substituída por pena de multa, somos confrontados com igual impossibilidade, pois que a pena de prisão aplicada excede o máximo que seria consentido para que tal substituição pudesse ser sequer ponderada, tal como resulta do estatuído no artigo 43º, nº 1, do Código Penal.
Por último, se a sua pretensão fosse, realmente, a de que se lhe aplicasse a pena mínima possível, a única que permitiria, em tese, a sua eventual substituição por pena de multa, o que expressamente não alegou, resta dizer que nenhuma razão lhe assiste, já que, e adentro do quadro fáctico disponível, logicamente, foram devidamente ponderados os critérios a que aludem os artigos 40º, nºs. 1 e 2, e 71º, ambos do Código Penal, tal como resulta dos respectivos considerandos vertidos na decisão recorrida e atrás sumariados, perfeitamente adequados à apurada factualidade e que, por isso, aqui se subscrevem, não se vislumbrando que deles decorra um qualquer exagero ou falta de proporcionalidade, devendo relembrar-se ainda que, embora sem grande importância para o caso, atento o diverso crime em questão, o recorrente tem uma condenação anterior (ver alínea GG dos factos provados), não sendo, pois, primário, conforme alegava.
Assim sendo, resta concluir que, tendo presente a sobredita moldura abstracta aqui em apreço, respeitados que foram os critérios que norteiam a aplicação das penas, e relembrando-se que nesta matéria existe sempre alguma margem de subjectividade do julgador, pelo que as penas só poderão ser alteradas nos casos em que, apesar de respeitados os subjacentes critérios legais, é ostensivo o seu exagero ou desproporção, tal como decorre do elucidativo Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, datado de 02/6/2010[17], e ao qual, modestamente, se adere, desrespeito que aqui não sucedeu, claramente (trata-se de um quadro bastante grave), não se vislumbra que a pena aplicada, no referido espectro possível, seja exagerada, desproporcionada e injusta, pelo que deverá manter-se.
Naufraga, pois, também este derradeiro capítulo do recurso.
*
III – DISPOSITIVO:

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B… e, em consequência, decidem manter integralmente a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se em seis UC´s a taxa de justiça devida (cfr. artigos 513º, nºs 1 a 3, do Código de Processo Penal e 8º, nº 9 e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais).

Notifique.
*
Porto, 08/10/2014[18].
Moreira Ramos
Maria Deolinda Dionísio
____________
[1] Vide Ac. do STJ, datado de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt, aqui citado por ser ainda relativamente recente, no qual se sustenta que “Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso”.
[2] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I série-A, de 28/12/95.
[3] Cujas conclusões são prolixas, reproduzindo uma grande parte da argumentação, em vez de se aterem ao estatuído resumo das razões do pedido, conforme estipula o artigo 412º, nº 1,do Código de Processo Penal.
[4] Vide Aut. cit., in Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2008, fls. 726 a 728, para cuja leitura se remete.
[5] Aresto datado de 23/11/2011, a consultar in http://www.dgsi.pt.
[6] Decisão proferida no âmbito do processo 164/06.0GAETR.P1, publicada no Boletim do TRP n.º 38.
[7] Vide Aut. cit., in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição, Universidade Católica Portuguesa, fls. 914, anotando-se que ali ainda se inscrevem concordantes anotações jurisprudenciais, mormente do STJ e do TC.
[8] Publicado in D.R. n.º 68, Série II, de 2011/04/06.
[9] Recorde-se que “o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (…) é o que ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de direito, porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar relativamente a factos relevantes para a decisão da causa, alegados pela acusação ou pela defesa, ou que resultaram da audiência ou nela deveriam ter sido apurados por força da referida relevância para a decisão” (Vide, Ac. do STJ, de 03/07/02, relatado por Armando Leandro, apud Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2008, fls. 914) e que “Erro notório existirá, assim, sempre que se revelem distorções de ordem entre os factos provados e não provados, ou que estes traduzam uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, fora de qualquer contexto racional, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio” (Vide, Ac. do STJ, datado de 18/10/06, relatado por Santos Cabral, apud Vinício Ribeiro, Ob. Cit, fls. 914).
[10] Vide, entre muitos outros, o Ac. do STJ, datado de 26/01/00, in http://www.dgsi.pt.
[11] Citação do Ac. do STJ, de 29/10/08, in http://www.dgsi.pt.
[12] Nesta matéria, vide o Acórdão do STJ datado de 07/04/2011, relatado por Santos Cabral, que temos como emblemático, a consultar in http://www.dgsi.pt.
[13] A este propósito, vide o Acórdão do STJ, datado de 07/04/2010, relatado por Pires da Graça, consultado in http://www.dgsi.pt, aqui citado, constituindo apenas um de entre muitos outros que elucidam de forma similar o referenciado conceito ali expresso.
[14] Vide, Jorge Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs.330 a 334.
[15] Vide, Jorge de Figueiredo Dias, Ob. Cit., pág. 227.
[16] Vide, Figueiredo Dias, in “Liberdade, Culpa, Direito Penal”, Biblioteca Jurídica Coimbra Editora, 1983, págs. 183 e 184.
[17] Aresto proferido no âmbito do processo nº 60/09.9 GNPRT.P1, reIatado por Joaquim Gomes, a consultar in www.dgsi.pt, onde se sustentou que “Observados que se mostrem os critérios de dosimetria concreta da pena, sobra uma margem de atuação do julgador dificilmente sindicável”.
[18] Texto composto e revisto pelo relator (artigo 94º, nº2, do Código de Processo Penal).