Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
827/20.7T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DUARTE TEIXEIRA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO EUROPEIA
DECLARAÇÕES DE PARTE
DESPACHO DE ADMISSÃO DE MEIOS DE PROVA
Nº do Documento: RP20210527827/20.7T8PRT.P1
Data do Acordão: 05/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A competência internacional no procedimento de injunção europeia corresponde ao domicílio do réu ou, no caso da prestação de serviço, ao local onde esta foi realizada.
II - Em caso de dúvida sobre o âmbito dessa prestação deve atender-se à versão da realidade alegada pelo autor, porque estamos perante um pressuposto processual.
III - A admissão do depoimento e declarações de parte só depende da existência de factualidade alegada que seja pertinente para os pressupostos de cada meio de prova.
IV - É indiferente que o ónus de prova dessa realidade caiba à parte contrária, porque o que está em causa é a admissão de um meio de prova que poderá ser útil para a boa decisão da causa sendo o ónus de prova na dimensão objetiva de aplicação posterior.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº. 827/20.7T8PRT-A.P1

Sumário:
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1. Relatório
Nos presentes autos de acção declarativa, que segue a forma de processo comum, instaurados por requerimento de injunção europeia pela “B…, Lda.” contra a “C…, SI”, a autora pediu a condenação da ré no pagamento da quantia de 24.410,45€, correspondente a capital e juros. Alegou, em suma, ter celebrado com a ré um contrato de prestação de serviços e que esta não pagou o seu preço.
Tendo sido ordenada a emissão de injunção nos termos do art. 12.º, n.º1 e 2, do Regulamento (CE) n.º1896/2006, a requerida deduziu oposição.
Sustentou, em suma, que a autora não cumpriu o ónus de alegação e, nessa medida, o requerimento deveria ter sido recusado, invocou a excepção da incompetência internacional deste Tribunal sustentando que, porque não foram prestados os serviços, não releva o critério relativo ao lugar do cumprimento da obrigação e, no mais, defendeu-se por impugnação.
Foi proferido despacho saneador que julgou a excepção improcedente e declarou o Tribunal competente em razão das regras de determinação da competência internacional.
Foi depois, proferido o seguinte despacho: “3. A ré requereu que o legal representante da autora seja ouvido em declarações de parte à matéria alegada nos arts. 18.º a 40.º da resposta à petição inicial aperfeiçoada. Cumpre apreciar. Este meio de prova apenas é admissível tendo em vista provocar a confissão, isto é, o reconhecimento de factos que lhe sejam desfavoráveis e favoráveis à parte contrária (cfr. arts. 352.° do Código Civil). Só pode ter por objecto, factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento. Mais importa que recaia sobre factos que assumam relevo para a decisão da causa. Ora, tal-qual a própria ré o qualifica, a mesma defendeu-se por impugnação, de tal forma que os factos nos arts. 18.º a 40.º da resposta são de mera impugnação motivada. Na verdade, os factos que vão ser apreciados e julgados são os que a autora alegou e não estes. Nesta medida, resulta inútil pretender que a autora confesse factos que nem sequer são os que relevam para a lide. Pelo exposto, indefiro o requerido”.
Por fim, foi proferido um terceiro despacho nos seguintes termos: “4. A ré requereu ainda a prestação de declarações de parte pelo seu legal representante, indicando novamente à matéria dos arts. 18.º a 40.º da resposta. Vale aqui na integra o que já se referiu. Na verdade, tal-qual a própria parte a qualificada, defendeu-se por impugnação, de tal forma que o que alega representa a motivação desta impugnação, a sua versão dos factos, sendo certo que os factos que assumem relevo para a decisão da causa são os alegados pela autora e não estes. Nesta medida, resulta inútil pretender fazer a prova destes factos pois que não são estes que vão ser objecto de instrução e julgamento”.
Inconformada veio a ré interpor recurso que foi admitido como de apelação autónoma, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.

2.2. Foram formuladas as seguintes conclusões:
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2.2. Foram apresentadas as seguintes contra-alegações, que se dão por integralmente reproduzidas e, se resumem, nos seguintes termos: É, pois, totalmente infundada a pretensão da Recorrente quanto à matéria alegada sobre a excepção da incompetência territorial, pelo que deverão improceder “in totum”, as conclusões pela mesma motivadas no seu recurso.

3. Questões a decidir
1. determinar a competência internacional do tribunal
2. Após, se necessário apreciar a validade dos despachos que indeferiram a produção de dois meios de prova

4. Matéria de facto provada
No requerimento inicial consta que:
1. a causa de pedir é a celebração de um contrato de prestação de serviço em 15.7.2019. (produção de conteúdos).
2. Sendo que a requerente tem domicilio em Portugal e a requerida em Espanha.
3. E se visa obter o pagamento de uma fatura emitida em 10.7.2019.
Na oposição, além do mais, foi alegado que:
4. A Requerida não solicitou à Requerente a prestação de quaisquer dos serviços (insuficientemente) elencados na factura junta com o requerimento de injunção.
5. E, por maioria de razão, a Requerente não os prestou à Requerida.
6. Sendo certo que a factura em causa nos presentes autos nunca foi, sequer, remetida à Requerida.
7. A qual, assim, nunca a recebeu.
8. Tendo sido confrontada, pela primeira vez, com a pretensão da Requerente através da citação para os presentes autos de injunção.
Na sua “resposta” a requerida alegou que:
18[1]. A Requerida adjudicou à Requerente a realização de um trabalho que, genericamente, consistiu na realização de filmagens em Bruxelas e Milão e a edição dos vídeos daí resultantes.
19. Serviços esses que, no valor de € 46.338,00, foram facturados pela Requerente à Requerida nos termos da factura nº ……/……., emitida em 28.02.19 – cfr., doc. n.º 1.
20. Factura que, por sua vez, foi aceite pela Requerida e por ela liquidada no dia 28 de Fevereiro de 2019 – cfr., doc. n.º 2.
21. Correspondendo a estes trabalhos o doc. nº 1 junto pela Requerente com a resposta de fls.
22. Sendo que, por sua vez, o doc. nº 2 junto pela Requerente com o mesmo articulado corresponde ao briefing remetido pela Requerida à Requerente com vista à realização dos trabalhos, mormente de edição, a que corresponde a factura acima identificada.
23. Por seu turno, o doc. nº 3, datado de 3.1.19, mais não é do que um e-mail através do qual foi feito um ponto de situação em relação aos diferentes trabalhos que estavam em curso e em fase final de conclusão.
24. Dele resultando que a maior parte dos trabalhos que foram adjudicados pela Requerida à Requerente estavam ou terminados ou em fase de conclusão.
25. Aqui se incluindo, os trabalhos correspondentes à factura acima identificada.
26. E, bem assim, os trabalhos correspondentes ao projecto denominado D…, os quais foram facturados pela Requerente à Requerida nos termos da factura nº ……/……., com o valor de € 16.795,00, emitida em 18.12.18 e paga em 17.02.19 – cfr., docs. nºs 3 e 4, que se juntam e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
27. Sendo certo que a Requerida não contratou a Requerente para a realização de quaisquer serviços relacionados com a produção, grafismo e edição de qualquer projecto posterior aos trabalhos acima identificados – cfr., doc. nº 5, que se junta e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
28. Concretizando, em relação à produção e filmagem dos vídeos em Paris no final de Março de 2019, refira-se que toda a produção que envolveu aquelas filmagens foi assegurada directamente pela própria Requerida.
29. Que estabeleceu os cronogramas de produção, seleccionou os locais de filmagem, assegurou as autorizações para o efeito, estabeleceu o plano de viagens (ida e volta) dos diferentes técnicos envolvidos no projecto, incluindo o do seu gerente E…, reservou o alojamento para todos, assegurou as deslocações na cidade, suportou todos os custos de alimentação e estadia (alojamento incluído), etc.
30. Tudo isto sem qualquer intervenção ou participação da Requerente ou de qualquer seu funcionário ou colaborador.
31. A pari, a Requerida contratou o freelancer F… para realizar a edição e montagem dos vídeos resultantes das filmagens de Paris pelo preço de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros), conforme orçamento que lhe foi por ele apresentado – cfr., doc. nº 6, que se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
32. E o freelancer G… para a realização da parte gráfica (Motion Graphics/Graphic Development).
33. O que tudo, de resto, era do conhecimento da Requerente.
34. Durante quase um mês, o F… trabalhou na edição de 5 dos 11 vídeos.
35. O qual, por pressão da Requerente, recusou-se terminar o trabalho desenvolvido até então, entregou as filmagens realizadas à Requerente, o que, inclusive, levou a que a Requerida interpelasse a Requerida para a sua entrega – cfr., docs. nºs 7 e 8, que se juntam e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
36. Entrega essa que a Requerente fez.
37. O que obrigou a Requerida a contratar um novo técnico, o freelancer H…, para a revisão e conclusão dos trabalhos em falta (que incluiu também a conclusão da parte gráfica - Motion Graphics/Graphic Development).
38. Contratação essa que, tendo em conta os prazos de entrega que a Requerida tinha que respeitar com o seu cliente, foi feita sobre uma enorme pressão de falta de tempo.
39. E a quem a Requerida efectuou o pagamento do trabalho em 17 de Junho de 2019 – cfr., docs. nºs 9, 10 e 11, que se juntam e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido
40. Sendo que a Requerente em relação a este projecto apenas se limitou a assegurar o serviço das filmagens em Paris através dos freelancers F… e I… pelo valor de € 950,00 (F…: € 450,00 e I… € 400,00) – cfr., doc. nº 6.

5. Fundamentação Jurídica
5.1. Da competência
Está em causa a competência internacional do tribunal para a presente acção, a qual é o primeiro dos pressupostos processuais.
Os pressupostos processuais são tradicionalmente definidos como “os requisitos de que depende dever o juiz proferir decisão sobre o mérito da causa, concedendo ou denegando a providência judiciária requerida pelo demandante”[2].
Podem, definir-se como as condições necessárias à apreciação do fundo da causa, e à regular constituição da instância processual[3].
Por isso, “constituem assim, as condições de que depende o exercício da função jurisdicional, visando a assegurar a justiça da decisão (a sua conformidade com o direito objectivo) e, por outro lado, a evitar decisões inúteis ou desnecessárias”.[4]
No caso dos procedimentos especiais de injunção europeia, existem requisitos delimitadores específicos.
Decorre do art. 3º do REGULAMENTO (CE) N.º 1896/2006 que “Para efeitos do presente regulamento, um caso transfronteiriço é aquele em que pelo menos uma das partes tem domicílio ou residência habitual num Estado-Membro distinto do Estado-Membro do tribunal demandado”.
Estabelece o art 6 do mesmo diploma que: “para efeitos da aplicação do presente regulamento, a competência judiciária é determinada em conformidade com as regras do direito comunitário aplicáveis na matéria, designadamente o Regulamento (CE) n.º 44/2001”.
Este diploma foi revogado e actualmente substituído pelo Regulamento(UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro[5].
Nos termos do art. 4º desse diploma “Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro”.
Mas, de acordo com o art 7º do mesmo diploma: “As pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro:
1) a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;
b)Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será: — no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues, — no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados”.
Desta normas resulta que, se existe um critério geral que corresponde ao domicilio das partes, também existe um critério especial que resulta do local onde os serviços foram prestados[6].
A norma comunitária optou assim por “um conceito pragmático e autónomo de execução aplicável quando esteja em causa contratos de prestação de serviço, que não se encontra sujeito a interpretações extensivas”[7].
Por causa disso, outros elementos como, por exemplo o pagamento do preço são factores de conexão irrelevantes[8].
Sendo que, em tese geral, [9] “entendeu-se que o foro do lugar de cumprimento da obrigação não só está bem colocado para a condução do processo como também é aquele que, em regra, apresenta a conexão mais estreita com o litígio. Uma vez que oferece ao autor uma alternativa ao foro do domicílio do réu, esse critério de competência contribui para um equilíbrio entre os interesses do autor e os do réu.”
Ora, in casu estamos perante um contrato de prestação de serviços que, na ótica da requerente, implica edição das imagens colhidas a realizar no Porto.
Logo, ao estarmos perante um pressuposto processual o seu preenchimento, em caso de dúvida é efectuado de acordo com a versão alegada pelo autor[10].
Note-se que esta posição foi reiterada pelo nosso STJ considerando que “A competência internacional é um pressuposto processual, isto é, uma condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa, e afere-se pelo objecto apresentado pelo autor na petição inicial”[11].
A ser assim os serviços, na ótica do autor/requerente foram prestados na cidade do Porto.
Por isso, pode a requerida alegar a sua versão da realidade, mas tendo a mesma utilidade para a demonstração de um pressuposto processual, como referimos, a tese relevante em caso de dúvida é a alegada pelo autor.
Logo é o tribunal nacional o competente.
Improcede, portanto, por motivos diferentes, a primeira questão.
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5.2. Da legalidade dos despachos de não admissão dos meios de prova
O primeiro despacho não admitiu o depoimento de parte com o fundamento de que “defendeu-se por impugnação, de tal forma que os factos nos arts. 18.º a 40.º da resposta são de mera impugnação motivada. Na verdade, os factos que vão ser apreciados e julgados são os que a autora alegou e não estes”.
Ora, sempre como o devido respeito é evidente que esse fundamento não tem pertinência, pois, o essencial é que o objecto do depoimento diga respeito a factos pessoais e desfavoráveis.
Na verdade, este é o meio de prova que visa, nos termos dos arts.º 452.º e ss. do CPC, obter a confissão.
Por causa disso o seu objecto terá de incidir sobre factos passíveis desse escopo processual, sob pena de ser indeferido.
Mas, no caso presente esses factos foram indicados.
Veja-se por exemplo os seguintes factos alegados:
27. Sendo certo que a Requerida não contratou a Requerente para a realização de quaisquer serviços relacionados com a produção, grafismo e edição de qualquer projecto posterior aos trabalhos acima identificados – cfr., doc. nº 5, que se junta e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido
28. Concretizando, em relação à produção e filmagem dos vídeos em Paris no final de Março de 2019, refira-se que toda a produção que envolveu aquelas filmagens foi assegurada directamente pela própria Requerida.
29. Que estabeleceu os cronogramas de produção, seleccionou os locais de filmagem, assegurou as autorizações para o efeito, estabeleceu o plano de viagens (ida e volta) dos diferentes técnicos envolvidos no projecto, incluindo o do seu gerente E…, reservou o alojamento para todos, assegurou as deslocações na cidade, suportou todos os custos de alimentação e estadia (alojamento incluído), etc.
30. Tudo isto sem qualquer intervenção ou participação da Requerente ou de qualquer seu funcionário ou colaborador.
31. A pari, a Requerida contratou o freelancer F… para realizar a edição e montagem dos vídeos resultantes das filmagens de Paris pelo preço de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros), conforme orçamento que lhe foi por ele apresentado – cfr., doc. nº 6, que se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
32. E o freelancer G… para a realização da parte gráfica (Motion Graphics/Graphic Development).
33. O que tudo, de resto, era do conhecimento da Requerente.
34. Durante quase um mês, o F… trabalhou na edição de 5 dos 11 vídeos.
35. O qual, por pressão da Requerente, recusou-se terminar o trabalho desenvolvido até então, entregou as filmagens realizadas à Requerente, o que, inclusive, levou a que a Requerida interpelasse a Requerida para a sua entrega – cfr., docs. nºs 7 e 8, que se juntam e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
36. Entrega essa que a Requerente fez.
37. O que obrigou a Requerida a contratar um novo técnico, o freelancer H…, para a revisão e conclusão dos trabalhos em falta (que incluiu também a conclusão da parte gráfica - Motion Graphics/Graphic Development).
Ou seja, desses factos resulta claro, simples e evidente que foram alegados factos desfavoráveis à requerente os quais são pessoais e por isso passíveis de confissão.
Logo, o despacho em causa, é ilegal e por isso deve ser revogado.
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5.2.2. Das declarações de parte
As declarações de parte constam do art.º 466.º do CPC e visam expor a versão da realidade favorável da parte. Logo a sua finalidade e valor é distinto do depoimento de parte.
A única exigência legal é a que as declarações de parte devem única e exclusivamente incidir sobre factos dos quais a parte tenha tido conhecimento direto ou em que tenha intervindo pessoalmente.
Este novo meio de prova foi criado por razões de igualdade, apesar de a natureza impor uma evidente cautela na sua valoração. Como salienta, por exemplo, Luís Filipe Sousa[12], “as partes têm um interesse no resultado da ação e podem ser tentadas a dar um testemunho desonesto e finalmente mesmo que as mesmas não sejam desonestas, estudos psicológicos demonstram que as pessoas têm uma maior tendência a recordar factos favoráveis do que factos desfavoráveis pelo que o depoimento delas como testemunhas nos processos em que são partes não é, por essa razão de índole psicológica, fidedigno”.
Mas este meio de prova foi indeferido pelos mesmos motivos supra referidos (objecto de prova).
Salvo o devido respeito o tribunal a quo laborou, novamente, num equivoco. É evidente que o ónus de prova da prestação dos serviços e seu valor impende sobre a requerente. Mas daí não decorre que a requerida não possa produzir meios de prova sobre a realidade oposta (que os serviços não foram prestados).
O tribunal parece confundir a dimensão objectiva e subjectiva do ónus de prova[13], sendo certo que no nosso ordenamento importa apenas a segunda dimensão.
Segundo Pedro Múrias[14] “o sentido do ónus da produção da prova é a situação das partes resultante da distribuição do ónus da prova objectivo”. E, como é evidente a convicção probatória pode e deve fundamentar-se em todos os meios de prova admitidos e produzidos pelas partes e ainda nos determinados oficiosamente. Logo uma coisa é admissão do meio de prova outra o resultado da valoração que, em caso de dúvida, vai onerar uma das partes. Ou seja, nada permite limitar os meios de produção de prova com base no futuro e eventual resultado da aplicação do ónus de prova.
Importa ainda frisar que todos os requisitos processuais devem ser interpretados de acordo com as regras processuais da acção em causa que, recorde-se é um procedimento de injunção.
Ora, neste, conforme considera de forma uniforme esta secção do TRP que: “para uma oposição eficaz à injunção basta uma mera e singela declaração naquele sentido, mesmo não fundamentada, dirigida ao tribunal onde o processo se encontra, seja através do formulário normalizado F, constante no Anexo VI, seja por meio de suporte em papel ou por quaisquer outros meios de comunicação, inclusive eletrónicos, aceites pelo Estado-Membro de origem e disponíveis no tribunal de origem.[15]
Daí resulta, pois, que neste procedimento o grau de exigência na alegação de factos e por isso indicação de depoimentos é menos rigoroso que numa acção comum.
Por fim, é certo que, nalguns factos a alegação é efectuada na negativa. Mas o essencial para a produção de prova não é a forma de alegação mas sim a realidade discutida que neste caso é simples: foram ou não encomendados serviços no valor de x?
Ora, conforme salientavam os clássicos, que é sempre útil reler, o ónus da prova não é o ónus de alegar os factos essenciais para a ação. Como escreveu ANSELMO DE CASTRO[16] «o ónus da alegação é determinado pelo ónus da prova, e não este pelo primeiro».
Logo, parece simples e evidente que as declarações de parte terão de ser admitidas aos factos pessoais alegados pela apelante ainda que na forma negativa.

6. Decisão
Pelo exposto, o tribunal coletivo decide julgar parcialmente procedente por provado o presente recurso e por via disso, determina que seja proferido despacho a admitir o depoimento e declarações de parte, nos termos supra referidos, mantendo-se no restante a decisão recorrida.

Custas a cargo do apelante na parte em que decaiu, cuja proporção se fixa em metade. Na parte restante sem custas porque a parte contrária não deduziu oposição nem decaiu.

Porto em 27.5.21
Paulo Duarte Teixeira
Deolinda Varão
Freitas Vieira
______________
[1] Numeração da parte.
[2] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 74; cfr. a ampla análise de Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, III, Coimbra Editora, 1946, p. 378 e segs.
[3] Segundo Castro Mendes, Direito Processual Civil, I, AAFDL, p. 118, são “as condições necessárias para que o Tribunal se possa ocupar do mérito da causa ”. Em termos semelhantes Otmar Jauerning, Direito Processual Civil, Almedina (tradução portuguesa), p. 81 e segs.
[4] Anselmo de Castro In Direito Processual Civil Declaratório, II vol., Almedina, Coimbra, 1982, p. 7.
[5] Ac do STJ de 04-03-2010, Revista n.º 2425/07.1TBVCD.P1.S1 - 2.ª Secção, Serra Baptista; Blog do IPPC: Aspectos gerais do Reg. 1215/2012 (Reg. Bruxelas Ia) - Parte I; Blog do IPPC: Aspectos gerais do Reg. 1215/2012 (Reg. Bruxelas Ia) - Parte II.
[6] Cfr Ac da RG de 10.12.2013, nº 691/11.7TVPRT-A.G1 (Ana Duarte) Luís Pinheiro in “A Competência Internacional dos Tribunais Portugueses”, disponível em http://processocivil.com.sapo.pt/Lima %20Pinheiro.pdf. Note-se alias que esta primazia do local de cumprimento tem vindo a ser reiterada pelo TJUE em várias decisões, nomeadamente o Acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 2013, United Antwerp Maritime Agencies (Unamar), processo C-184/12 Pedido de decisão prejudicial: Hof van Cassatie–Bélgica.
[7] DÁRIO MOURA VICENTE, “Competência Judiciária e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras no Regulamento (CE) n.º 44/2001”, in Sciencia Ivridica, Maio-Agosto 2002, Tomo L1, n.º 293, p.347-379, maxime p. 3
[8] Ac da RL de 19.4.2016, nº 991/13.1TVPRT.L1-1 (Maria Adelaide Domingos)
[9] LUIS LIMA PINHEIRO, “Direito Internacional Privado”, Vol. III, p.105.
[10] Neste sentido, entre vários, Ac. STJ de 30.01.2013, proc. nº 1705/08.3TBVNO.C1.S1, Ac da RE de 18.4.2013, nº 75613/12 (Elisabete Valente).
[11] Ac do STJ de 5.5.2004, nº JSTJ000 (Araújo Barros).
[12] In AS DECLARAÇÕES DE PARTE. UMA SÍNTESE, acedidas, a 20.5.2021 em: http://www.trl.mj.pt/PDF/As%20declaracoes20de%20parte. %20Uma%20sintese.%202017. pdf.
[13] No ónus de prova subjetivo importa saber quem é que deve provar determinada matéria, no objetivo apenas se determinada matéria está ou não provada.
[14] Por uma distribuição fundamentada do ônus da prova, Coimbra: Editora Lex, 2000, p. 19.
[15] Ac da RP de 23.1.2020, nº13249/18.0T8PRT.P1 (Filipe Caroço), RP de 9.11.2017, nº 226/17.8T8PRT.P1 (Aristides Almeida).
[16] in Direito Processual Civil Declaratório, III, 1982, p. 355.