Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2968/16.6T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO DE CARVALHO
Descritores: DIREITO DE REGRESSO
CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RP201804232968/16.6T8PNF.P1
Data do Acordão: 04/23/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 673, FLS 653-658)
Área Temática: .
Sumário: I - No âmbito do Decreto-Lei nº 291/2007, tal como no anterior Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de dezembro, o direito de regresso surge com a extinção da obrigação para com o lesado, ficando a seguradora na posição de credora relativamente ao segurado que, por sua vez, se torna obrigado a pagar à mesma seguradora o que esta despendeu, uma vez verificado o fundamento do regresso.
II - Tendo, ao abrigo do seguro obrigatório de responsabilidade civil, satisfeito a indemnização proveniente do acidente de viação ocasionado por culpa exclusiva do condutor do veículo seguro que não esteja legalmente habilitado, a seguradora pode exercer o respetivo direito de regresso.
III - E o exercício de tal direito de regresso não depende da prova do nexo de causalidade entre a falta de habilitação legal para a condução e o acidente em que interveio o condutor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 2968/16.6T8PNF.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B... – Companhia de Seguros, S.A., intentou a presente ação com processo comum de declaração contra C... e D..., casados entre si, e E..., pedindo a condenação solidária destes a pagar-lhe a quantia de €34.074,87, acrescida de juros de mora vencidos até 4.11.2016, no montante de €348,74, bem como os que posteriormente se venceram e vencerem, à taxa legal, até integral pagamento.

A fundamentar aquele pedido, alega que, no dia 20 de julho de 2015, pelas 16,15h, na localidade e freguesia ..., concelho de Penafiel, ocorreu um acidente, no qual interveio o veículo ligeiro de mercadorias, com a matrícula ..-..-TS, pertencente a F..., Lda., e conduzido por G..., e o motociclo Honda, com a matrícula ..-..-GO, pertencente aos réus C... e mulher D..., conduzido pelo filho de ambos, o réu menor E..., imputando o mesmo acidente à culpa efetiva e exclusiva deste.
Em consequência do acidente, a autora suportou a reparação dos danos sofridos pelo veículo ..-..-TS, no monte de €1.879,00, bem como pagou ao menor transportado no GO, H..., a quantia de €30.000,00, para o ressarcir de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu na sequência do acidente; e suportou ainda a quantia de €2.225,25 a título de tratamentos e reembolso de despesas ao pai do H....
A responsabilidade civil por danos decorrentes da circulação do motociclo ..-..-GO encontrava-se transferida para a autora B... – Companhia de Seguros, S.A.
O réu E... conduzia o motociclo GO com autorização dos seus pais, sendo que apenas estava habilitado para a condução de motociclos com potência não superior a 11kw e aquele detinha 21,3kw.

A ré contestou, alegando que, atendendo às circunstâncias do local e do acidente, o condutor do GO não foi culpado pela ocorrência do acidente.
Desde 30.4.2015 que o E... se encontra habilitado com a carta de condução da categoria A1, que permite a condução de motociclos de cilindrada não superior a 125 cm3 e potência até 11kw.
O GO tinha uma cilindrada inferior a 125kw, em concreto, é de 124 cm3.
Concluem pela improcedência da ação.

Procedeu-se a julgamento e, a final, proferida sentença, na qual a ação foi julgada totalmente improcedente e, em consequência, os réus absolvidos do pedido.

Inconformada, a autora recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1. Vem reconhecido e dado como provado na sentença que o acidente sub judice se produziu por culpa exclusiva do menor E..., condutor do GO;
2. E que o E... tinha 16 anos de idade e era filho dos co-réus C... e mulher D..., com quem vivia na mesma morada, aos seus cuidados e sob a sua guarda, proteção e vigilância;
3. Que o E... não estava legalmente habilitado para conduzir o motociclo GO que tripulava, com 21,3kw de potência, e com o qual embateu no TS, por ser de potência superior a 11kw e ele ter menos de 18 anos de idade, mínima para poder obter carta de condução para aquela categoria de veículos;
4. Pois que estava apenas habilitado com carta para motociclos de potência não superior a 11kw e apenas desde 30.04.2015, por isso ainda com apenas 2 meses e 20 dias dos 3 anos do regime de prova obrigatória (artigo 122º do RHLC),
5. E que, não obstante circulava a velocidade não inferior a 60km (item 9 da douta sentença), dentro de uma localidade (item 1) e ter conduzido aquele veículo poucas vezes (item 10).
6. Mais vem provado que a autora, na sua qualidade de seguradora da responsabilidade emergente da circulação do GO, indemnizou os danos causados no veículo embatido pelo GO, no valor de €1.879,00 (itens 11, 12 e 13 da sentença),
7. Que indemnizou o H..., passageiro gratuito transportado no GO no momento do acidente, das lesões corporais por ele sofridas, dano biológico, dano moral, repercussão na vida, despesas de tratamentos e auxílio de 3ª pessoa, tudo pela acordada quantia de €30.000,00 (ut itens 11, 14 a 21 da sentença;
8. E ainda que pagou €1.592,84 de tratamentos hospitalares do H... + €407,41 + €225,00 de reembolsos ao pai do H... (item 22).
9. O artigo 27º, nº 1, alínea d), reconhece, à seguradora que indemnizou os danos causados pelo acidente, ação de regresso contra o condutor que não estiver legalmente habilitado a conduzir o veículo que tripulava e com o qual ocorreu o acidente;
10. Cumpria aos réus afastar o nexo de causalidade entre o acidente e a falta de habilitação legal do E..., por se tratar de facto impeditivo do direito de regresso reconhecido à seguradora, aqui autora (artigo 442-2, do C.C.);
11. O que, aliás, a sentença reconhece a págs. 17, supra, mas invertendo depois, erradamente e com um fundamento inaplicável e sem apoio legal, os termos do problema e fazendo recair sobre a autora o ónus de provar o nexo de causalidade, ou seja que o acidente aconteceu por o E... não estar legalmente habilitado,
12. Arrimando-se a um aresto do STJ que nada tem a ver com o caso dos autos, ou seja de caducidade da carta de condução com a qual o condutor estava habilitado.
13. A decisão da Mmª Juiz a quo peca por inconstitucional, na interpretação errada que faz do artigo 17º, nº 1- d), do DL 291/07, de 21/08, ao exigir que a seguradora, no caso a autora, faça ainda a prova do nexo de causalidade entre a não habilitação legal do condutor e o acidente, em vez de, como também reconhece, ser ao réu condutor que incumbe a prova do facto impeditivo de que o acidente nada teve a ver com a falta de habilitação legal para a condução do veículo que tripulava.
14. Os pais do menor E..., os co-réus C... e D..., com os quais ele vivia na mesma morada, aos seus cuidados e sob a sua guarda, proteção e vigilância (item 23 da douta sentença), são solidariamente responsáveis pelos danos por aquele causados, nos termos do artigo 491º do C.C.
15. Pois não mostraram que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos teriam na mesma acontecido, nomeadamente nada alegaram sobre as providências que concretamente hajam tomado para impedir o acesso do E... ao motociclo que tripulava, designadamente que o réu C... o deixara trancado com um cadeado ou qualquer outro meio eficaz ou que o filho tivera acesso abusivo às chaves do motociclo, por esta e aquela razão.
16. Sendo manifestamente insuficiente, para a exigência legal do cumprimento daquela sua obrigação, ter-se provado apenas que o pai estava ausente em Espanha por uns dias e que a mãe não viu sair o E... com o motociclo, por estar fora de casa quando isso aconteceu (itens 40 e 41), sabendo, como não podiam deixar de saber, que o E... já andara mais vezes com o motociclo (item 10 da douta sentença).
17. Ao decidir nos termos em que o fez, a douta sentença violou as disposições legais que ficam citadas, em especial a norma da alínea d) do nº 1 do artigo 27º do DL 291/07, de 21.08.

Os réus apresentaram contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Na sentença recorrida foram considerados assentes os seguintes factos:
1. No dia 20 de julho de 2015, cerca das 16h15m, na localidade e freguesia ..., concelho de Penafiel, no entroncamento, em ângulo reto, da Rua ... na Rua ... ocorreu um embate entre o motociclo de marca Honda, com a matrícula ..-..-GO, pertencente aos réus C... e mulher, e tripulado pelo filho de ambos, o réu E..., e o veículo ligeiro de mercadorias de marca Citröen, modelo ... com a matrícula ..-..-TS, pertencente a “F..., Lda.” e conduzido por G....
2. O TS procedia da Rua ... em direção à Rua ..., na qual pretendia ingressar e voltar a sua esquerda, no sentido de ....
3. O motociclo GO circulava na Rua ..., em direção a ..., pela metade direita da Rua.
4. A Rua ... descreve ali uma reta de boa visibilidade, em bom estado de conservação.
5. O condutor do TS parou ao chegar ao dito entroncamento, a fim de se inteirar do trânsito a circular nesta Rua, depois do que avançou lentamente.
6. Quando atravessava a hemi-faixa de rodagem da Rua ... em que acabava de ingressar, foi embatido, a meio da lateral esquerda do TS pela dianteira do GO.
7. O condutor do GO avistou o TS parado, e nem tentou contorná-lo pela sua dianteira, pela outra meia faixa de rodagem e nem sequer travou.
8. Na Rua ... não havia qualquer sinalização a retirar a prioridade ao condutor do TS.
9. O condutor do GO circulava a uma velocidade não inferior a 60km/h.
10. O Réu E... havia conduzido poucas vezes o motociclo que tripulava.
11. O proprietário do GO, o co-réu C..., transferiu para a autora a responsabilidade civil por danos emergentes da circulação do GO por meio de contrato de seguro titulado pela apólice ........., válido e eficaz à data do sinistro.
12. A reparação dos danos causados no TS importou na quantia de €1.879,00.
13. Que a autora pagou.
14. No assento de trás do GO era transportado, como passageiro gratuito, H..., de 16 anos de idade, estudante, amigo do réu E....
15. O qual, na queda e projeção, sofreu fratura do rádio à direita, secção do extensor do 3º dedo da mão esquerda e fratura da clavícula esquerda.
16. Foi transportado para o CHTS (Centro Hospitalar Tâmega e Sousa, mais conhecido por Hospital Padre Américo), onde foi radiografado e recebeu tratamento e ficou internado no Serviço de Ortopedia.
17. No local do acidente foi assistido pelos bombeiros, que o imobilizaram em plano duro e com colar cervical.
18. No Hospital foi sujeito a fixação percutânea com dois fios de Kuntchner e sutura do tendão extensor e imobilização dos dois membros superiores.
19. Teve alta hospitalar em 22 de julho de 2015 e foi seguido em consulta externa da ortopedia, tendo retirado o material de osteossíntese cerca de 30 dias depois. Realizou cerca de 40 sessões de Medicina Física e de Reabilitação (MFR) e fisioterapia na I....
20. Teve alta clínica, curado, em 03 de dezembro de 2015.
21. Os pais do menor, por intermédio do seu advogado, e a autora acabaram por fixar a indemnização ao menor na quantia de €30.000,00, sendo €11.000,00 pelo dano biológico, € 11.000,00 pelo dano moral e repercussão na vida, €6.000,00 por despesas com tratamentos e € 2.000,00 pelo auxílio de 3ª pessoa, indemnização que a autora pagou.
22. A autora pagou ainda €1.592,84 de tratamentos hospitalares e €407,41 + €225,00 de reembolsos ao pai do H..., J....
23. O E... é filho dos réus C... e D..., com quem vivia na mesma morada, aos seus cuidados e sob a sua guarda, proteção e vigilância.
24. À data do sinistro o réu E... tinha 17 anos de idade e era solteiro e estudante.
25. O E... estava habilitado, desde 30 de abril de 2015, a tripular veículos a motor da categoria A1, ou seja veículos de duas rodas (motociclos) de cilindrada não superior a 125cm3 e potência não superior a 11kw.
26. O GO era da marca HONDA, modelo ..., com motor de propulsão, a gasolina, com 124 cm3 de cilindrada, e potência de 21,3kw.
27. Por carta de 02 de agosto de 2016, a autora solicitou aos réus o reembolso das quantias pagas, mas eles recusaram.
28. O sinistro ocorreu num entroncamento de uma estrada municipal, que estabelece a ligação entre a cidade de Penafiel e as freguesias ..., ..., ..., ....
29. A Rua ... surge num local escondido, desnivelado em relação à estrada principal, da qual é difícil a perceção da sua existência, uma vez que surge num ângulo reto, por detrás de um muro e a uma cota de terreno inferior ao nível da cota da estrada principal.
30. A Rua ... tem pavimento em pedra (paralelos), com algum asfalto no imediato local de acesso à Rua ..., delimitado por muros em pedra, com uma largura aproximada de 3 metros, sendo o entroncamento em causa com uma das estradas mais movimentadas do concelho de Penafiel que estabelece a ligação de Penafiel com as freguesias ..., ..., ... e ....
31. Na berma da estrada principal foi colocada e existe uma linha longitudinal contínua, que continua no local de entroncamento das vias em causa, e, em frente ao caminho, existe um espelho por forma a permitir àqueles que, provindos do caminho, pretendam aceder à estrada principal, assegurando o acesso à mesma desde que nenhum veículo aí circule, por forma a evitar acidentes.
32. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1), o GO circulava na Rua ... no sentido .../....
33. A determinado momento, surgiu na via onde seguia o GO, o TS, conduzido por G....
34. Que naquele momento acedia à Rua ..., apresentando-se pela direita, atento o sentido de marcha do GO.
35. Assim que o TS entrou na Rua ... o seu condutor parou e imobilizou o veículo na perpendicular em relação ao eixo da via, ocupando parte da hemi-faixa de rodagem afeta ao sentido de marcha do sentido .../....
36. Quando se encontrava com o veículo parado na Rua ..., o condutor do TS efetuou um gesto com a mão, dando indicação ao condutor do GO para seguir em frente; (artigo 32.º)
37. O GO é do réu C..., que o tinha comprado escassas duas ou três semanas antes da ocorrência do sinistro, para sua utilização própria.
38. O E... tinha, e tem, um outro veículo a si destinado e que o utilizava, o ciclomotor da marca Macal, modelo ..., de matrícula ..-JZ-.., com 50 cm3 de cilindrada, sem qualquer necessidade de utilização do GO.
39. Os réus C... e esposa não sabiam que o GO estava a ser utilizado naquele dia.
40. À data do sinistro, o réu C... encontrava-se no estrangeiro, em Madrid, Espanha, onde permaneceu pelo período de uma semana. 41. A ré D... não viu o filho a sair de casa com aquele motociclo, pois estava fora de casa quando tal aconteceu.

Factos não provados
42. ….à entrada da Rua ... à sua direita, mas convenceu-se de que o seu condutor lhe daria passagem e, por isso, não moderou a velocidade no sentido de parar e dar passagem ao TS, ...;
43. O condutor do GO circulava a uma velocidade não inferior a 70km/h.
44. Tripulava o GO com autorização e permissão de seus pais, que lho emprestaram para ir dar um passeio com o amigo H..., do qual regressavam, permissão e empréstimo que já acontecera mais vezes.
45. … (via principal) (…) e um pequeno caminho (público ou particular) que dá acesso a algumas habitações de um determinado local da freguesia ...; (artigo 9.º)
46. O referido caminho.
47. Estamos perante um entroncamento de um mero caminho.
48. O GO seguia numa estrada onde diariamente circulam centenas ou milhares de viaturas, muitas delas são veículos pesados que transportam pedra granítica.
49. Por sua vez, o TS circulava num caminho de acesso a um pequeno aglomerado habitacional, com pequena dimensão.
50. …que atravessa o caminho.
51. A velocidade nunca superior a 50 Km/h.
52. … de forma súbita e repentina …;
53. … através de um caminho...;
54. Apercebendo-se da aproximação do GO, o condutor do TS parou a viatura ocupando parte da via, em vez de, como se lhe imporia, efetuar uma manobra rápida e consecutiva que lhe permitisse retirar a sua viatura daquela hemi-faixa de rodagem, que não pretendia ocupar, uma vez que efetuava uma manobra de mudança de direção à esquerda.
55. Mas, após a realização desse gesto, o TS avançou na via, ocupando a totalidade da hemi-faixa de rodagem destinada ao sentido de marcha do GO, o que tornou o embate entre os dois veículos inevitável.
56. Essa linha encontra-se com desgaste, decorrente do uso e da inércia das autoridades locais ao não procederem ao seu melhoramento, mas é visível e percetível a sua existência.
57. Quer os progenitores, quer o E..., sempre transmitiram à autora, nomeadamente ao “perito” que os contactou aquando da averiguação do sinistro, que não autorizaram o filho a utilizar o GO.
58. Sucedeu que a pessoa que se intitulou como perito solicitou ao menor que redigisse uma declaração cujo teor foi exclusivamente ditado por aquele, sob pretexto daquela declaração se tornar necessária “para o processo ficar concluído mais depressa”.
59. Foi então pelo perito ditado o texto da declaração, que constitui o documento junto a fls. 22 sem que, contudo, a alusão ao “empréstimo e autorização” corresponda à verdade. Não obstante, por insistência do perito, acederam a assinar aquela declaração, que foi pedida, repete-se, sob pretexto de se tornar necessária para o processo ser resolvido mais depressa.

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do novo C.P.C.
A questão a decidir consiste em saber se à autora/seguradora incumbia alegar e provar o nexo de causalidade entre a falta de habilitação do réu para conduzir um veículo com potência superior àquela para a qual detinha título de condução e o acidente em que interveio como condutor.

I. Na presente ação, a autora vem exercer o direito de regresso contra o seu segurado, ao abrigo do disposto no artigo 27º, nº 1, alínea d), do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de agosto.
Na sentença, concluiu-se que não assistia à autora o direito de regresso invocado, uma vez que o veículo ..-..-GO está incluído na cilindrada para a qual o réu estava habilitado a conduzir e apenas quanto à potência do mesmo se pode afirmar a inexistência de título, pelo que não está presumida a falta de experiência e destreza para a condução.
Por seu turno, a autora entende que tem esse direito, pois, a lei – artigo 27º, nº 1, alínea d), do Decreto-Lei nº 291/2007 – não exige que a seguradora faça prova do nexo de causalidade entre a não habilitação legal e o acidente.
Não vem posto em causa que, por violação do disposto nos artigos 29º, nº 1, e 30º, nº 1, do C.E., o acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor do motociclo 27-29-GO, o réu E....
O direito de regresso é o direito atribuído ao devedor, que cumpre a obrigação, de poder exigir de terceiro a prestação que efetuou.
No dizer de A. Varela, «o direito de regresso é um direito nascido ex novo na titularidade daquele que extinguiu (no todo ou em parte) a relação creditória anterior ou daquele à custa de quem a relação foi considerada extinta». Das Obrigações em Geral, Volume II, pág. 346.
De modo muito idêntico, escreve Almeida Costa que «o direito de regresso significa o nascimento de um direito novo na titularidade da pessoa que, no todo ou em parte, extinguiu uma anterior relação creditória (artigo 524º) ou à custa de quem esta foi extinta (artigo 533º)». Direito das Obrigações, pág. 712.
E Vaz Serra diz que «o direito de regresso é um direito resultante de uma relação especial existente entre o seu titular e o devedor, não operando, portanto, ao contrário daquela (sub-rogação) uma transmissão do direito do credor para o autor da prestação». RLJ, Ano 110º, pág. 339.
No âmbito do Decreto-Lei nº 291/2007, tal como no anterior Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de dezembro, o direito de regresso surge com a extinção da obrigação para com o lesado, ficando a seguradora na posição de credora relativamente ao segurado que, por sua vez, se torna obrigado a pagar à mesma seguradora o que esta despendeu, uma vez verificado o fundamento do regresso.
Dispõe o citado artigo 27º, nº 1, alínea d), do Decreto-lei nº 291/2007, que, «satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso: (…) contra o condutor, se este não estiver legalmente habilitado, ou quando haja abandonado o sinistrado».
O réu E... estava habilitado, desde 30 de abril de 2015, a tripular veículos a motor da categoria A1, ou seja, veículos de duas rodas (motociclos) de cilindrada não superior a 125cm3 e potência não superior a 11kw.
O ..-..-GO era da marca Honda, modelo ..., com motor de propulsão, a gasolina, com 124 cm3 de cilindrada e potência de 21,3kw.
Deve considerar-se, pois, que o referido réu não estava habilitado a conduzir, em virtude de o motociclo ter uma potência superior a 11kw e, neste contexto, tendo, ao abrigo do seguro obrigatório de responsabilidade civil, satisfeito a indemnização proveniente do acidente de viação ocasionado por culpa exclusiva daquele mesmo réu e condutor, a seguradora/autora pode exercer o respetivo direito de regresso. E o exercício de tal direito de regresso não depende da prova do nexo de causalidade entre a falta de habilitação legal para a condução e o acidente em que interveio o condutor.
Neste sentido, como se refere no acórdão do STJ, de 28.4.2016, «relativamente aos casos de condução sem habilitação legal – a única situação que verdadeiramente importa apreciar no caso – tanto a lei anterior, como a atual fazem depender o direito de regresso apenas da demonstração de dois elementos objetivos: imputação subjetiva do acidente ao condutor que tenha levado a seguradora a responder perante o lesado e demonstração de que o mesmo não detinha habilitação legal para conduzir. Não se exige, pois, a demonstração do nexo de causalidade entre o ilícito e o acidente ou seja, não é necessário à seguradora demonstrar que foi a falta de habilitação legal para conduzir que foi determinante para a ocorrência do acidente.
É este o sentido dominante na jurisprudência deste Supremo, como o revela o acórdão do STJ, de 25-10.2012 (www.dgsi.pt) que, além de recusar para a condução sem habilitação legal a interpretação anteriormente fixada pelo ACUJ nº 6/02 para a condução com alcoolemia, concluiu que a seguradora, para fazer valer o direito de regresso em caso de falta de habilitação legal do condutor, não tem de provar o nexo de causalidade adequada entre a falta de carta e o acidente. Tese igualmente assumida nos acórdãos do STJ, de 21.1.2014, de 24.1.2014, de 24.10.2006 e de 3.7.2003 (todos em www.dgsi.pt)».
E no entendimento como muito duvidosa «a aplicação do requisito geral da causalidade fixada no nº 2 do artigo 144º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (aprovado pelo DL 72/2008, de 16 de abril) – veja-se, p. e., a dificuldade de aplicação sem mais dessa solução ao caso do condutor não legalmente habilitado, previsto na 1ª parte da alínea d) do nº 1 do artigo 27º do DL 291/2007». Arnaldo Filipe da Costa Oliveira, Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, pág. 66.
É claro que, em certos casos se exigirá uma «ponderação entre a gravidade da falta cometida pelo condutor responsável pelo acidente e a amplitude das consequências patrimoniais decorrentes do exercício do direito de regresso». Citado acórdão do STJ, de 28.4.2016.
No entanto, ao contrário do sustentado na decisão recorrida, cremos que não haverá analogia com a situação discutida no acórdão do STJ, de 30.10.2014, no qual foi excluído o direito de regresso, não obstante o condutor ter deixado caducar a licença de condução que detinha há mais de 50 anos e que foi renovada 5 dias após o acidente, depois de ter sido medicamente atestada a sua aptidão mental e física para a condução.
Procede, deste modo, o recurso da autora B... – Companhia de Seguros, S.A.

Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogando a sentença recorrida, condenar os réus C..., D... e E..., no pedido.

Custas pelos apelados.

Sumário:
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Porto, 23.4.2018
Augusto de carvalho
Carlos Gil
Carlos querido