Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00043153 | ||
Relator: | JOSÉ FERRAZ | ||
Descritores: | TRANSACÇÃO SOCIEDADE COMERCIAL INEFICÁCIA | ||
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Nº do Documento: | RP2009110589707.1TBMUR.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/05/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO - LIVRO 816 - FLS 94. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Se, na transacção, pela parte sociedade comercial que se vincula pela intervenção de dois gerentes, intervém o seu advogado a quem foi conferida procuração com meros poderes forenses gerais, a transacção não produz quaisquer efeitos, quanto a essa sociedade, se um seu gerente, nessa qualidade, declara não ratificar a transacção e este acto vem a ser ratificado por outro gerente. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1) - “B………., Lda”, com sede em ………., maia, instaurou acção declarativa ordinária contra C………., com domicílio profissional no ………., 21, Murça, pedindo a condenação deste a pagara-lhe a quantia de € 19.320,66, referentes ao preço de mercadorias vendidas e despesas com devoluções de cheques sacados pelo réu e devolvidos por falta de provisão, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação. O réu contestou e deduziu reconvenção, alegando que era agente da autora, em regime de exclusividade, em todo o distrito de vila Real e, ainda, nos concelhos de Bragança, Mirandela Macedo de Cavaleiros e Vila Flor, pedindo a improcedência da acção e a procedência da reconvenção com a condenação da autora a pagar-lhe € 3.244,00, de indemnização por incumprimento contratual, e € 10.053,00, como indemnização de clientela, valores acrescidos de juros à taxa legal, contados desde a notificação da reconvenção. A autora respondeu e contestou a reconvenção pedindo a sua improcedência. Foi admitida a reconvenção, a instância julgada regular e seleccionada a matéria de facto. Prosseguindo o processo e designada data para julgamento, vieram as partes, sendo a autora apenas representada pelo seu advogado, Dr. D………., juntar ao processo documento escrito com a transacção sobre o objecto da acção. Por esta, foi fixada em € 10.000,00 a dívida do réu que se obrigou a pagá-la em dezoito prestações mensais e sucessivas, sendo a primeira de € 650,00 e cada uma das restantes de € 550,00, sendo a primeira a pagar em 31 de Outubro de 2008 e as restantes no final da cada mês subsequente. Mais se fixou uma cláusula penal de € 1.500,00, a acrescer ao valor em dívida, em caso de incumprimento do plano de pagamentos e se acordou a responsabilidade pelas custas em dívida em partes iguais por autora e réu. No processo, a autora apenas conferiu ao seu mencionado advogado os poderes representativos constantes da procuração de fls. 19, nos quais não constam poderes para, em representação daquela, confessar, desistir ou transigir nesta acção. Apenas foram conferidos “os mais amplos poderes forenses em Direito, incluindo os de substabelecer e os de receber custas de parte”. Procuração essa assinada por E………., como representante da autora (nela se dizendo “com poderes para o acto”). A transacção foi homologada, sendo ordenada a notificação pessoal da autora, nos termos do disposto no artigo 301º/3 do CPC. Na sequência dessa notificação, vem a autora, representada por E………., “na qualidade de sócio e gerente”, afirmar que não ratifica o acordo (a transacção) e requer o prosseguimento do processo. Prosseguimento do processo igualmente requerido pelo mandatário da autora, na sequência da notificação que lhe foi feita do requerimento da “autora”. Na sequência da notificação ao réu, e deferindo-se requerimento deste, foi o referido E………. notificado para provar a qualidade de gerente e os poderes que alega relativamente à autora. O que este veio fazer, com a junção de documento emitido pela Conservatória do Registo Comercial, donde se verifica a qualidade de sócio e gerente e que a sociedade autora se obriga pela intervenção de dois gerentes. Face ao que junta também declaração escrita do outro sócio e gerente – F……… (pelo documento do registo, a sociedade só tem esses dois sócios) – e nessa qualidade, que ratifica todos os actos praticado por E………., no (neste) processo. Perante a declaração de não ratificação da “transacção” por parte da autora, foi a mesma julgada “sem efeito” (e ordenado o prosseguimento do processo). 2) - Inconformado com este despacho recorre o réu. Alegando conclui: …………………………………………… …………………………………………… …………………………………………… A agravada responde pelo não provimento do agravo. Corridos os vistos cumpre decidir. 3) – Os factos a atender são os que se descrevem em 1). 4) – Importa, perante o teor das conclusões recursórias e o disposto no artigo 684º/3 do CPC[1] (na versão anterior à introduzida pelo DL 303/2007) se a declaração de não ratificação da transacção foi (não foi) eficazmente manifestada no processo pela agravada ou se a nulidade proveniente da falta de poderes do mandatário forense se encontra sanada. 5) – Dada a natureza e o valor da acção, é obrigatória a constituição de advogado, o que teve lugar, para o que, pela autora (representada pelo seu sócio gerente E……….), foi conferido mandato judicial (com poderes forenses gerais) a advogado mediante documento particular (procuração - artigo 262º/1 do CC), não lhe tendo sido conferidos poderes especiais para confessar, desistir ou transigir sobre o objecto da acção, ou seja, que o autorizasse a praticar qualquer desses actos no processo. Portanto, e nessa situação (sem poderes de representação para o efeito), transigindo sobre o objecto da acção, o negócio celebrado pelo mandatário, nessa situação, é ineficaz em relação ao mandante, se não for por este ratificado (artigo 268º/1 do CC). E, para o caso específico de transacção judicial (a espécie de negócio celebrado), celebrada por advogado, em nome da parte que no processo patrocina, sem poderes especiais para o efeito (transigir), prescreve o artigo 301º/1, que a sentença que, nessa situação, homologa a transacção é “notificada pessoalmente ao mandante, com a cominação de, nada dizendo, o acto ser havido por ratificado e a nulidade suprida; se este declarar que não ratifica o acto do mandatário, este não produzirá quanto a si qualquer efeito”. Trata-se de uma solução específica, simples e rápida, para resolver o problema da ineficácia (“nulidade” como se expressa a lei) do negócio celebrado no processo por mandatário judicial, sem poderes de representação para o efeito; a parte já não tem que agravar da decisão de homologação, como sucedia no anterior regime, bastando-lhe declarar a não ratificação. Perante o disposto no artigo 300º/3, lavrado termo ou junto documento com a transacção, em que intervém o advogado sem poderes para transigir, o juiz, verificando que a mesma, pelo seu objecto, é válida, homologa-a por sentença (nos seus precisos termos). Nela intervindo apenas o mandatário forense, sem poderes para o acto, a sentença é notificada pessoalmente ao mandante, com a cominação de, nada dizendo, o acto se considerar ratificado e a nulidade suprida. É um caso de relevância do silêncio como declaração negocial (artigo 218º do CC). Declarando não ratificar o acto do mandatário, o mesmo não produz quaisquer efeitos (quanto a si). A autora é uma sociedade por quotas, que tem dois sócios e, segundo o pacto social (pelo que consta do registo comercial), vincula-se pela intervenção de dois gerentes. A gerência é plural. A sociedade é administrada e representada por um ou mais gerentes, que devem praticar todos os actos necessários ou convenientes para a realização do objecto social (arts. 252º/1 e 259º do CSC). No exercício da administração, os gerentes sociais (titulares do órgão de gerência) actuam pela e para a sociedade, quer no âmbito da administração stricto sensu (a administração interna) quer no da representação, nomeadamente nos negócios celebrados com terceiros, projectando-se os actos por eles praticados, pela sociedade, na esfera jurídica desta pessoa jurídica. Como decorre do artigo 260º/1 do CSC, “os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhe confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social” (a sociedade não pode criar limitações aos poderes de representação dos seus gerentes, no que concerne às relações com terceiros), e aqueles “vinculam a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade” (nº 3), o que, na situação deste processo, foi observado, quer na declaração de não ratificação (pelo gerente E……….) quer na declaração (de F……….) de ratificação de todo o processado por aquele. Na situação, enquanto se decide não ratificar um negócio celebrado por mandatário sem poderes, está em causa a representação activa da sociedade apelada, pois trata-se da emissão da vontade social perante terceiros. Tratando-se de gerência plural importa ter presente o artigo 261º/1 do CSC que estabelece “quando haja vários gerentes e salvo cláusula do contrato de sociedade que disponha de modo diverso, os respectivos poderes são exercidos conjuntamente, considerando-se válidas as deliberações que reúnam os votos da maioria e a sociedade vinculada pelos negócios jurídicos concluídos pela maioria dos gerentes ou por ela ratificados”. Quando a lei fala em poderes exercidos conjuntamente não significa simultaneamente, no mesmo acto; a vontade dos gerentes pode manifestar-se simultânea ou separadamente e pode o acto ser praticado ou negócio concluído por um número insuficiente de gerentes, uma vez que se admite a ratificação posterior por outros gerentes até perfazer a maioria necessária á vinculação, ratificação essa que, a operar, produz efeitos retroactivamente à data da prática do acto (artigo 268º/2 do CC). Na espécie, tendo a sociedade apelada apenas dois sócios e gerentes, e tendo a declaração de não ratificação, produzida por um dos gerentes (precisamente aquele que foi notificado da sentença homologatória e a notificação à sociedade pode ser feita eficazmente em qualquer gerente - ver artigo 261º/3 do CSC e, também, artigo 231º/2 do CPC), sido ratificada, por escrito, pelo outro gerente (como se verifica do documento emitido pela Conservatória do Registo Comercial – fls. 216/218 do processo) suprida fica a “insuficiência” de poderes daqueloutro, sendo a não ratificação da transacção plenamente eficaz. E a essa conclusão não obsta o facto da ratificação pelo gerente F………. (dos actos praticados por E……….) ser efectuada para além dos 10 dias que a sociedade tinha para fazer a declaração prevista no artigo 301º/3 do CPC, pois que esta declaração foi feita por este dentro desse prazo e a ratificação foi feita dentro do prazo fixado ao gerente E………. para comprovar os poderes de que se arrogou ao fazer a declaração de não ratificação da transacção (aliás, poderes que já resultavam da procuração emitida a favor do mandatário da apelada, sem que se viesse arguir irregularidade de representação em juízo). E tendo a ratificação efeitos retroactivos, operou à data da comunicação ao processo da declaração de não ratificação da transacção pelo sócio gerente E………. . Consequentemente, a transacção e sentença homologatória não produz quaisquer efeitos em relação à autora/apelada. Por outro lado, a ter-se a declaração deste gerente como insuficiente para actuar a vontade da sociedade[2], na presença do que consta do contrato social, haveria que extrair as consequências da irregularidade do mandato, ab initio, pois que a atribuição de poderes forenses ao advogado foi conferida apenas pelo mesmo gerente, conforme procuração de fls. 19. Mas tudo ficaria sanado com a ratificação do outro gerente, uma vez que ratificou todos os actos praticados pelo gerente E………., no âmbito deste processo, incluindo, e nesse caso se sanando, a irregularidade do mandato. O agravo não merece provimento. Em conclusão – se na transacção, em processo em que é parte sociedade comercial que se vincula pela intervenção de dois gerentes, intervém apenas o seu advogado a quem foi conferiu procuração com meros poderes forenses gerais, a transacção não produz quaisquer efeitos, quanto a essa sociedade, se um seu gerente, nessa qualidade, declara não ratificar a transacção e este acto vem a ser ratificado por outro gerente. 6) – Pelo exposto, acorda-se neste tribunal da Relação do Porto em negar provimentos ao agravo e manter o despacho recorrido. Custas pelo agravante. Porto, 05 de Novembro de 2009 José Manuel Carvalho Ferraz António do Amaral Ferreira Ana Paula Fonseca Lobo _________________________ [1] Diploma legal a que pertencem as normas citadas sem outra referência. [2] E tenha-se presente que por essa declaração, a sociedade não está a vincular-se ao que quer que seja, nem a pretender desonerar-se de acto seu (isto é, que lhe seja imputável), mas antes a evitar que por acto praticado por mandatário sem poderes, ficasse vinculada por esse acto (de terceiro) – podendo colocar-se a questão da desnecessidade da intervenção de outro gerente para, eficazmente, declarar não assumir esse acto, até porque não constava do processo qualquer oposição à “gestão” do gerente que fez a declaração (ver arts. 985º/2 e 996/1 do CC). Antes do decurso do prazo concedido para a autora se pronunciar, à sociedade não pode ser imputado o acto, pelo que dele não decorria, para ela qualquer efeito. E o gerente limita-se a dizer que não quer assumir, pela sociedade, esse acto. |