Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4439/22.2T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
INDEFERIMENTO LIMINAR
CASO JULGADO
REPETIÇÃO DA PROVIDÊNCIA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RP202310094439/22.2T8AVR.P1
Data do Acordão: 10/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Estando o indeferimento liminar de um procedimento cautelar reservado aos casos de verificação, na fase liminar, de situações em que a posição do requerente não tenha possibilidade de ser acolhida (manifesta inviabilidade) ou em que ocorram exceções dilatórias insupríveis de que o juiz possa conhecer oficiosamente (cfr. al. b), do nº4, do art. 226º e nº1, do art. 590º, do CPC), vedado está ao julgador proferi-lo fora desse contexto, de excecionalidade.
II - Verificando-se situação de tríplice identidade imposta pelo nº 1, do art. 581º, do CPC, e estando a causa já definitivamente julgada, estamos perante caso julgado (material), exceção dilatória a obstar ao conhecimento do mérito da causa e a levar à absolvição do sujeito passivo da instância (arts 577º, al. i), 576.º, n.º 2 e 278º nº1, al. e), daquele diploma legal).
III - Tal figura, de “repetição de causa” (nº1, do art. 580 º e nº1, do art. 581º, ambos do CPC), não se confunde com a, paralela expressão, prevista no nº4, do art. 362º, daquele diploma, para os procedimentos cautelares (onde a tutela se desenha como provisória e, por isso, incompatível com o caso julgado material), de repetição de providência”, que, especialmente, estatui a não admissibilidade de repetição de providência, na verificação dos seguintes requisitos, cumulativos: i) Tenha existido uma providência que foi julgada “injustificada ou que tenha “caducado”; ii) Tenha, na dependência damesma causa (litígio) daquela, sido instaurada outra providência; iii) Seja esta providência “repetição” da anterior.
IV - Assim, verificando-se injustificação sempre que há recusa da providência (seja com ou sem audiência prévia do requerido (nº1 e 2, do art. 368º), seja quando há revogação duma providência inicialmente ordenada, após a oposição do requerido ou em recurso (art. 372º)), tem, para existir “repetição de providência”, de se suscitar a questão perante um mesmo litígio e a providência de ser idêntica a outra quanto aos elementos essenciais: i) sujeitos; ii) pedido; iii) causa de pedir. Só é inadmissível a nova providência que tenha o mesmo conteúdo da anteriormente caducada ou julgada injustificada e se baseie no mesmo fundamento de facto.
V - Não é de restringir a admissibilidade de nova providência a situações de superveniência (objetiva e subjetiva) dado a lei não efetuar tal restrição e onde a lei não distingue não deve o interprete distinguir -“ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus”.
VI - A alegação de novos factos essenciais, a densificar diversa causa de pedir, afasta a “repetição de providência” e a inadmissibilidade legal da nova providência entre as mesmas partes e com o mesmo pedido.
VII - Impendendo sob as partes o dever de pautar a sua atuação processual por regras de conduta conformes à boa fé - cfr. art. 8º, do CPC -, caso não o observem podem incorrer em responsabilidade processual, estando associada à responsabilidade por litigância de má fé (cfr arts 542º e segs, do CPC) - tipo central de responsabilidade processual - a prática de um ilícito meramente processual;
VIII - Com tipificação das situações objetivas de má fé - nº2, do art. 542º, do CPC -, a figura da litigância de má fé pretende cominar quem, dolosamente ou com negligência grave (elemento subjetivo), põe em causa os princípios da cooperação, da boa fé processual, da probidade e adequação formal, que estão subjacentes à boa administração da justiça. Para a sua aplicabilidade, é exigido que resulte demonstrado nos autos que a parte agiu de forma reprovável e conscientemente ao pôr em causa a boa administração da justiça, não o caso, de admissibilidade da providência requerida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 4439/22.2T8AVR.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira - Juiz 2

Relatora: Des. Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Des. José Eusébio Almeida
2º Adjunto: Des. Maria de Fátima Almeida Andrade


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto


Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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RELATÓRIO

Recorrentes: os requerentes, AA, BB, CC e DD

AA, BB, CC e DD que deduziram, em 23/12/2022, procedimento cautelar de arresto contra EE, notificados do despacho proferido em 13/1/2023, a indeferir liminarmente o arresto e a condená-los como litigantes de má fé, dele se apresentaram a recorrer pugnando pela total revogação a decisão recorrida e sua substituição por outra que ordene a marcação de audiência, com não condenação por litigância de má-fé, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
“I) Salvo o devido respeito, entendemos que ao Mmo. Juiz A Quo estaria vedada a possibilidade de indeferimento liminar dado que tal Decisão foi desprovida da análise da prova por estes apresentada.
II) O procedimento cautelar de arresto não deveria ter sido julgado improcedente, porquanto os requerentes ao trazerem aos autos factos e provas novas que não foram vertidos no primeiro arresto conforme se verteu no presente recurso, tais factos deveriam ter sido apreciados para tomada de Esclarecida Decisão porquanto foram os ditos factos novos que motivaram a interposição da nova providência.
III) Os Recorrentes aditaram também prova testemunhal que não foi tida em conta para a Decisão Proferida,
IV) Condicionando de imediato a produção de prova em sede de audiência, como salvo o devido respeito, competia ao Digno Magistrado Judicial ao abrigo do disposto no artigo 411.º do C.P.C.
Ao mesmo tempo,
V) O Mmo. Juiz do Tribunal “A Quo” não poderia lançar mão do caso julgado formal porque em concreto não se verifica: há factos novos (que salvo o devido respeito, não foram devidamente e criticamente apreciados), bem como novas provas apresentadas que não foram produzidas em audiência.
VI) Salvo o devido respeito, não pode o Tribunal “A Quo” descartar tais direitos dos ora Recorrentes, impedindo que esses se socorram da tutela juridiscional existente.
VII) Como se deverá compreender, o tipo de processo em causa (de natureza urgente) provoca a sucessão de “pedaços de vida” de tal forma sucessivos e abruptos com o avançar do tempo que nem sempre se coadunam com os ritmos processuais; a existência de uma testemunha suplementar apresentada após entrada em juízo da petição é exemplo disso.
VIII) A audição de tal testemunha, e bem assim, a produção da demais prova deveria ter sido realizada cumprindo assim o Mmo. Juiz A Quo (e salvo o devido respeito, não o fez) o Dever de Inquisitório e também de descoberta da verdade ínsito no artigo 411.º do C.P.C.
IX) Igualmente, e porque entendeu que muitos dos factos alegados eram “generalidades, conclusões e juízos absolutamente conclusivos”, salvo o devido respeito e ao abrigo dos princípios da boa gestão processual e do aproveitamento dos autos, ser-lhe-ia possível convidar os Recorrentes (Mandatário) a aperfeiçoar a Petição Inicial entregue, o que malogradamente, também não o fez.
X) Não se pode conceber a condenação dos Recorrentes como litigantes de má-fé porquanto a conduta comportamental adoptada pelos requerentes não foi censurável nem grosseira.
XI) Os Recorrentes não atuaram em condução própria como Mandatários, porquanto contrataram um Advogado para o efeito e como todo o cidadão que recorre a Juízo acataram os conselhos jurídicos do Profissional Forense que escolheram para com base nestes novos factos e na data que o mesmo manifestou a sua disponibilidade e de acordo com a sua gestão processual encetar um novo procedimento cautelar.
XII) Também não vislumbram o porquê de terem de referir que tiveram já decisão anterior; é consabido que seria facilmente detetável a existência da primeira lide por meios informáticos.
XIV) Aliás, se a má-fé dos Recorrentes existisse de facto mais facilmente recorreriam à Comarca do Porto – Vila Nova de Gaia (onde está localizado o bem de maior valor e solvabilidade) de modo a ocultar mais facilmente a primeira providência, atendendo a não só serem comarcas distintas, bem como por não ser a comarca onde os Recorrentes têm domiciliação e, por isso, serem menos conhecidos.
XV) Os Recorrentes cumpriram pois escrupulosamente os requisitos processuais e pautaram-se sempre pela sua boa-fé, cumprindo com o princípio da universalidade, direito este constitucionalmente consagrado no artigo 12.º da Constituição da República Portuguesa bem como o princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da CRP, bem como o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva igualmente consagrada na CRP no seu artigo 20º/5
XVI) Os aqui Recorrentes, insiste-se, não eram obrigados a saber se o seu Mandatário referiu ou não se já tinha sido instaurado um primeiro arresto, pois este goza de plena autonomia técnica para desenvolver o seu um trabalho intelectual sem obedecer a diretrizes dos seus constituintes.
XVII) Aliás, ao proferir na Douta Sentença que “a censurabilidade é alta atenta a natureza pessoalíssima do facto de que eram conhecedores a que acrescem as suas profissões”, a ser verdade, constituiria todos os operadores judiciários (maxime, Advogados e mesmo Magistrados) como tendo obrigações de fiscalização sobre os demais a quem confiam mandato, o que de si é por demais incompreensível e periga a autonomia destas mesmas Dignas Profissões.
XVIII) Salvo o devido respeito, confundir a profissão dos Recorrentes com a condução do Mandato Forense a outro profissional confiado, para além de atentatório aos seus direitos como cidadãos, coloca em causa a sua dignidade, brio e rigor profissional, porque aqui tão-somente estão a fazer valer-se de um mecanismo legal que visa assegurar provisoriamente um direito de crédito que têm sobre a requerida e que sabem que se não assegurarem nos presentes autos será certamente impossível a sua cobrança, insiste-se, não estando nestes autos a agir como Mandatários”.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS

- OBJETO DO RECURSO
Cumpre definir o objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1ª - Da admissibilidade do novo procedimento cautelar de arresto, dada a não “repetição de providência”, por alegados se mostrarem novos factos essenciais;
2ª – Da não verificação de responsabilidade processual dos Requerentes da providência, por litigância de má fé, dada a admissibilidade da providência.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. FACTOS PROVADOS
Os factos provados constam já do relatório supra, acrescentando-se, ainda, os seguintes factos e vicissitudes processuais, com relevância para a decisão, com vista a facilitar a análise do caso:
1. No dia 23/12/2022, foi apresentado o requerimento inicial do presente procedimento de arresto, com alegação dos seguintes artigos:
“I – Do crédito
1. Os requerentes são advogados e dedicam-se, entre outros, à representação forense dos seus constituintes.
2. No exercício da sua actividade profissional, foram prestados vários serviços à requerida, Designadamente,
3. No Processo nº 3447/18.2T8VNG, que correu os seus termos no Juiz 2, do Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, do Tribunal da Comarca do Porto;
4. No Processo nº 1608/21.6 T8VFR, que correu os seus termos no Juiz 3, do Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira, do Tribunal da Comarca de Aveiro e no seu apenso com o nº 1608/21.6 T8VFR – A;
5. No Processo nº 3084/21.4 T8OAZ-A, que correu os seus termos no Juiz 1, dos Juízos de Execução de Oliveira de Azeméis, do Tribunal da Comarca de Aveiro e
6. Na Reclamação Graciosa junto do Serviço de Finanças de ... – Santa Maria da Feira, sob o Processo nº ...41.
7. Pelos serviços prestados, a requerente apresentou à requerida várias notas discriminativas e justificativas de honorários e despesas, as quais totalizam a quantia de EUR 40.754,55 (quarenta mil setecentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta e cinco cêntimos),
8. Correspondendo:
i) EUR 26.281,95 (vinte e seis mil duzentos e oitenta e um euros e noventa e cinco cêntimos) aos serviços prestados no Processo nº 3447/18.2T8VNG, acima melhor identificado – cifra documento nº 1;
ii) EUR 9.323,20 (nove mil trezentos e vinte e três euros e vinte cêntimos) aos serviços prestados no Processo nº 1608/21.6 T8VFR e seu apenso A, acima melhor identificados – cifra documento nº 2;
iii) EUR 1.742 (mil setecentos e quarenta e dois euros) aos serviços prestados no Processo nº 3084/21.4 T8OAZ-A, acima melhor identificado – cifra documento nº 3 e
iv) EUR 3.407,4 (três mil quatrocentos e sete euros e quarenta cêntimos) aos serviços prestados na Reclamação Graciosa – Processo nº ...41, acima melhor identificado – cifra documento nº 4.
9. Apesar do sucesso na Reclamação Graciosa supra identificada e no estorno, pela Fazenda Nacional, da quantia de EUR 27.000,00 (vinte e sete mil euros) à requerida, certo é que esta apenas liquidou EUR 150,00 (cento e cinquenta euros) das notas supra elencadas, recebidos a título de provisão.
10. Sem prejuízo das diversas interpelações, telefónicas e por escrito, efectuadas pelos requerentes, certo é que as notas de honorários e despesas em crise nunca vieram pagas – cifra documento nº 5.
11. À interpelação efectuada pelo causídico que represente os requerentes – cifra documento nº 6,
12. foi apresentada proposta manifestamente insuficiente e desenquadrada com todos os serviços prestados.
13. O crédito dos requerentes mantém-se vencido e por liquidar até à data da propositura deste procedimento.
14. Acresce ainda que, a requerida (em conjunto com outros mandantes dos requerentes, com relação familiar) revogou a procuração conferida aos requerentes, no processo 3084/21.4T8OAZ-A.
15. rompendo-se, de forma irreversível, a relação de confiança que deve existir entre o causídico e o seu mandante.
16. Para obter o pagamento desta quantia, os ora requerentes propõem contra os requeridos a presente acção.
17. A requerida é proprietária de:
1. prédio urbano sito no Lugar ..., ..., freguesia ... e ..., composto por casa de três pavimentos e terreno junto, descrito junto da 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ...45, de ... e inscrito na respectiva matriz predial com o artigo ...23, das freguesias de ... e ... – cifra documentos nºs 7 e 8;
2. metade indivisa do prédio urbano sito no Lugar ..., freguesia ..., composto pelo lote ...3, parcela de terreno para construção, descrito junto da Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóvel de Santa Maria da Feira sob o número ...17 e inscrito na respectiva matriz predial urbana com o artigo ...57º - cifra documentos 9 e 10;
3. metade indivisa do prédio urbano sito no Lugar ..., freguesia ..., composto pelo lote ...4, parcela de terreno para construção, descrito junto da Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóvel de Santa Maria da Feira sob o número ...18 e inscrito na respectiva matriz predial urbana com o artigo ...58º - cifra documentos 9 e 11.
18. Sucede que, por motivo que os requerentes desconhecem, a requerida e a co-proprietária dos prédios melhor identificados nos números 2 e 3 procederam à sua unificação,
19. A qual apenas formalizaram junto da Administração Tributária.
20. Junto da Conservatória do Registo Predial surgem duas descrições,
21. Crendo, os aqui requerentes, que ainda não foram unificadas numa só, por tal operação carecer do credor hipotecário inscrito numa delas, a qual não deve ter sido concedida.
II – Do justificado receio
22. Sucede que, creem os requerentes que a requerida tem vindo a praticar actos que têm vindo a desvalorizar a propriedade melhor identificada no ponto 1, do articulado 17º,
23. sobre a qual está incrito um arresto, determinado pelo Processo nº 1608/21.6T8VFR-A, acima melhor identificado, pela quantia de EUR 118.319,59 (cento e dezoito mil trezentos e dezanove euros e cinquenta e nove cêntimos).
24. Aliás, parece ser “modus operandi” (e se pôde constatar no Processo melhor identificado no articulado anterior) da requerente e da sua família,
25. pelo qual usam expedientes e artilugios, para sonegar bens ou activos do seu património aos seus credores e os frustrarem no ressarcimento dos seus créditos.
26. Aliás, foi na execução do mandato, que os ora requerentes os conheceram, em primeira mão, que, seja através de doações entre membros da família (observável nas certidões de registo ora remetidas) ou
27. com recurso a vendas fictícias, julgada pelo Processo nº 3447/18.2T8VNG, que correu termos no Juiz 2, do Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, do Tribunal da Comarca do Porto.
28. Por esse motivo, os requerentes temem que usem os mesmos expedientes de sonegação de património em relação a eles.
29. Acresce ainda que, apesar do património da requerente integrar duas metades indivisas, de dois prédios urbanos (parcelas de terreno),
30. certo é que a hipótese de sucesso na cobrança coerciva dos créditos se mostra mais difícil, penosa e com tendência a desvalorizar o activo,
31. comparativamente com a cobrança coerciva de crédito, com venda de activo titulado exclusivamente pelo devedor.
32. Para além destes três activos, não lhe são conhecidos outros rendimentos ou créditos passíveis de salvaguardarem o crédito dos aqui requerentes,
33. com excepção feita ao salário que a requerida dizia auferir como auxiliar de acção médica, que corresponde à Remuneração Mínima Nacional Garantida.
34. O supre exposto evidencia uma situação económica da requerida muito precária, agravada em face do provável sucesso da acção conexa ao arresto decretado no Processo nº 1608/21.6T8VFR-A, acima melhor identificado,
35. Ou eventual transação judicial, pela qual a requerente dê em pagamento o supra citado imóvel arrestado,
36. Frustrando, desta forma, o ressarcimento dos créditos dos aqui requerentes.
37. É igualmente “vox populi” na área de localização do prédio arrestado, que é intenção da requerente vendê-lo por preço declarado inferior ao seu de mercado, para fazer face aos seus problemas de liquidez,
38. Tendo sido, inclusive, visto no dia 13 de Outubro de 2022, serem tiradas fotografias ao dito imóvel arrestado por pessoas que se fizeram transportar no carro de uma mediadora imobiliária.
39. Desconhecendo os requerentes outros bens da requerida, incluindo o destino dos montantes que lhe foram estornados pela Fazenda Nacional,
40. É o imóvel arrestado supra identificado a garantia patrimonial de que poderá lançar mão na cobrança do seu crédito,
41. Afigurando-se como muito provável que, saindo aquele bem da esfera jurídica patrimonial da requerida, a cobrança efectiva dos Requerentes se venha a tornar morosa e com fracas hipóteses de sucesso.
42. Verifica-se, assim, a existência da dívida da requerida para com os aqui requerentes e o justo receio de estes perderem a garantia patrimonial do seu crédito.
43. Nos termos do nº 1, do artigo 391º do CPC “o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor”.
44. Devendo, de acordo com o nº 1 do artigo 392º, do CPC deduzir os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, indicando os bens que devem ser apreendidos, o que os Requerentes consideram ter satisfeito com o acima alegado.
45. Assim, o bem que indicam para apreensão é o:
- prédio urbano sito no Lugar ..., ..., freguesia ... e ..., composto por casa de três pavimentos e terreno junto, descrito junto da 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ...45, de ... e inscrito na respectiva matriz predial com o artigo ...23, das freguesias de ... e ....
46. Alternativamente, caso seja doutamente entendido mais favorável, indicam como bens a apreender:
- metade indivisa do prédio urbano sito no Lugar ..., freguesia ..., composto pelo lote ...3, parcela de terreno para construção, descrito junto da Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóvel de Santa Maria da Feira sob o número ...17 e inscrito na respectiva matriz predial urbana com o artigo ...57º;
- metade indivisa do prédio urbano sito no Lugar ..., freguesia ..., composto pelo lote ...4, parcela de terreno para construção, descrito junto da Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóvel de Santa Maria da Feira sob o número ...18 e inscrito na respectiva matriz predial urbana com o artigo ...58º”.
2. No dia 28/12/2022, foi proferido o seguinte
despacho liminar”:
Prova por declarações de parte
Os Requerentes requereram a produção de prova por declarações de parte, quando no requerimento inicial há, além de factos, matéria conclusiva, meramente de impugnação.
Os termos em que os Requerentes formulam o pedido não cumprem o ónus da indicação de forma discriminada imposta pelo nº 2, do art.º 452º, do referido diploma legal na medida em que só é admissível a prova por declarações de parte sobre factos de natureza pessoal ou de que o declarante tenha conhecimento direto; não cabendo ao Tribunal selecionar a matéria de facto objeto das declarações de parte, quando estas são requeridas de forma genérica.
Pelo exposto, e abrigo do disposto no artº 6º, 466º, nº 2, 452º, nº2, Código de Processo Civil, notifique os Requerentes para, no prazo de 2 (dois) dias, concretizarem os factos sobre os quais requerem declarações de parte, sob pena de indeferimento por inobservância do referido preceito legal.
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Para inquirição da testemunha e declarações de parte (caso sejam admitidas) designo o dia 5 de janeiro de 2023, às 15.30 horas.
Notifique.
3. No dia 4/1/2023, foi proferido o seguinte
“despacho”:
“I. É do meu conhecimento funcional que os mesmos requerentes instauraram contra a mesma requerida, previamente ao presente arresto, o arresto que correu termos sob o n.º 3499/22.0T8VFR.
II. Assim, junte-se aos presentes autos o requerimento inicial do anterior arresto e a decisão aí proferida, a qual transitou em julgado.
III. Nesta sequência, notifique os requerentes para, em 5 dias, se pronunciarem sobre eventual indeferimento liminar à luz do previsto no art. 362.º, n.º 4, do CPC (Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado).
IV. Mais notifique os requerentes para, em 5 dias, se pronunciarem sobre eventual condenação como litigantes de má fé.
V. Em consequência, dou sem efeito a diligência designada”.
4. No dia 13/1/2023 foi proferido o seguinte
Despacho de indeferimento liminar do arresto:
“AA, BB, CC e DD intentaram, a 16-10-2022, procedimento cautelar especificado de arresto contra EE.
Esse arresto correu termos sob o processo n.º 3499/22.0T8VFR.
Para tanto, sumariamente, alegaram que no exercício da advocacia prestaram serviços à requerida cujas notas de honorários e despesas totalizam 40.754,55€.
Apesar de ter recebido um estorno da Fazenda Nacional no valor de 27.000,00€, e das diversas interpelações, a requerida apenas pagou 150,00€ a título de provisão, não tendo pago as notas de honorários mencionadas.
O único bem da requerida é o prédio urbano sito na Avenida ..., da freguesia ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ...45 e inscrito na matriz predial com o artigo ...23.
No mais, sobre este prédio está inscrito um arresto no valor de 118.319,59€, havendo receio da insolvência da requerida face ao provável sucesso da ação conexa com o arresto, ou transação judicial na qual dê o imóvel em pagamento, sendo voz popular que a requerente quer vendê-lo por valor inferior ao de mercado, além de que foram avistadas pessoas que se fizeram transportar no carro de uma mediadora imobiliária a tirar fotografias ao imóvel. Assim, desconhecendo-se outros bens, incluindo o destino dos montantes da Fazenda Nacional, é provável que aquele imóvel saia da esfera jurídica da requerida, tornando impossível a cobrança efetiva do crédito dos requerentes.
Concluíram assim pedindo o decretamento do arresto do prédio urbano acima identificado.
Após produção de prova, foi proferida decisão de indeferimento.
Relativamente aos factos indiciariamente demonstrados e não demonstrados, consta o seguinte:
1. FACTOS INDICIARIAMENTE PROVADOS
1. Os requerentes são advogados e dedicam-se à representação forense dos seus constituintes.
2. No exercício da sua atividade profissional prestaram serviços à requerida, nos seguintes processos:
a) no Processo nº 3447/18.2T8VNG, do Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, Juiz 2, do Tribunal da Comarca do Porto, cuja nota de honorários e despesas apresentada ascende a 26.281,95€ e foi notificada à requerida para pagamento em 6/06/2022;
b) no Processo n.º 1608/21.6T8VFR e Processo n.º 1608/21.6 T8VFR-A, do Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira, Juiz 3, do Tribunal da Comarca de Aveiro, cuja nota de honorários e despesas apresentada ascende a 9.323,20€ e foi notificada à requerida para pagamento em 11/07/2022;
c) no Processo n.º 3084/21.4T8OAZ-A, dos Juízos de Execução de Oliveira de Azeméis, Juiz 1, do Tribunal da Comarca de Aveiro, cuja nota de honorários e despesas apresentada ascende a 1.742,00€ e foi notificada à requerida para pagamento em 11/07/2022;
d) na reclamação graciosa junto do Serviço de Finanças de ..., Santa Maria da Feira, sob o Processo nº ...41, cuja nota de honorários e despesas apresentada ascende a 3.407,40€ e foi notificada à requerida para pagamento em 06/06/2022.
3. A requerida recebeu o estorno pela Fazenda Nacional, da quantia de 27.000,00€, em data não concretamente apurada, mas próxima de maio ou junho de 2022.
4. A título de provisão das notas acima referidas a requerida liquidou 150,00€.
5. Apesar de interpelada para o efeito, por telefone e por escrito, as notas de honorários e despesas mencionadas não foram pagas pela requerida.
6. A requerida revogou a procuração aos requerentes no processo n.º 3084/21.4T8OAZ-A.
7. Encontra-se registado a favor da requerida o prédio urbano sito no Lugar ..., ..., freguesia ... e ..., composto por casa de três pavimentos e terreno junto, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ...45 e inscrito na matriz predial com o artigo ...23.
8. Sobre o qual está inscrito um arresto determinado pelo procedimento cautelar n.º 1608/21.6TV8FR-A, pela quantia de 118.319,59€.
9. O referido prédio consta com valor patrimonial tributário de 79.840,00€, 46.830,00€ e 88.910,00€, no valor total de 215.580,00€.
10. No dia 13/10/2022 foram avistadas pessoas a tirar fotografias ao imóvel.
11. Encontra-se registado a favor da requerida e de FF, o prédio urbano, que constitui o lote ...3 de terreno para construção, com área de 626,25 m2, descrito na Conservatória de Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o número ...17 e inscrito na matriz predial com o artigo ...57.
12. Sobre o qual está inscrita uma hipoteca a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social. IP, pelo valor máximo segurado de 24.452,52€, registada sobre a quota de ½ pertencente a FF.
13. Encontra-se registado a favor da requerida e de FF, o prédio urbano, que constitui o lote ...4 de terreno para construção, com área de 684 m2, descrito na Conservatória de Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o número ...18 e inscrito na matriz com o artigo ...58.
14. A requerida trabalha num lar de idosos ou entidade equiparada.
2. FACTOS INDICIARIAMENTE NÃO PROVADOS
A. O prédio referido em 7) é o único bem da requerida.
B. Há receio de insolvência da requerida face ao provável sucesso da ação conexa com o arresto decretado no Processo n.º 1608/21.6T8VFR-A.
C. Ou de transação judicial em que dê o prédio identificado em 7) em pagamento.
D. É intenção da requerida vender o prédio identificado em 7) por preço declarado inferior ao valor de mercado.
E. As fotografias ao imóvel referido em 7) estavam a ser tiradas por pessoas que se fizeram transportar no carro de uma mediadora imobiliária.
II. Pelos presentes autos, a 23-12-2022, vêm os mesmos requerentes, AA, BB, CC e DD, intentar procedimento cautelar especificado de arresto contra a mesma requerida, EE.
Em síntese, alegam os mesmos factos com excepção do vertido nos seguintes artigos:
11
À interpelação efectuada pelo causídico que represente os requerentes
12.
foi apresentada proposta manifestamente insuficiente e desenquadrada com todos os serviços prestados. (…)
17
(descreve os 3 imóveis registados a favor da requerida)
18
Sucede que, por motivo que os requerentes desconhecem, a requerida e a co-proprietária dos prédios melhor identificados nos números 2 e 3 procederam à sua unificação,
19.
A qual apenas formalizaram junto da Administração Tributária.
20
Junto da Conservatória do Registo Predial surgem duas descrições,
21.
Crendo, os aqui requerentes, que ainda não foram unificadas numa só, por tal operação carecer do credor hipotecário inscrito numa delas, a qual não deve ter sido concedida. (…)
24.
Aliás, parece ser “modus operandi” (e se pôde constatar no Processo melhor identificado no articulado anterior) da requerente e da sua família,
25.
pelo qual usam expedientes e artilugios, para sonegar bens ou activos do seu património aos seus credores e os frustrarem no ressarcimento dos seus créditos.
26.
Aliás, foi na execução do mandato, que os ora requerentes os conheceram, em primeira mão, que, seja através de doações entre membros da família (observável nas certidões de registo ora remetidas) ou
27.
com recurso a vendas fictícias, julgada pelo Processo nº 3447/18.2T8VNG, que correu termos no Juiz 2, do Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, do Tribunal da Comarca do Porto.
28.
Por esse motivo, os requerentes temem que usem os mesmos expedientes de sonegação de património em relação a eles.
29.
Acresce ainda que, apesar do património da requerente integrar duas metades indivisas, de dois prédios urbanos (parcelas de terreno),
30.
certo é que a hipótese de sucesso na cobrança coerciva dos créditos se mostra mais difícil, penosa e com tendência a desvalorizar o activo,
31.
comparativamente com a cobrança coerciva de crédito, com venda de activo titulado exclusivamente pelo devedor.
33.
com excepção feita ao salário que a requeriada dizia auferir como auxiliar de acção médica, que corresponde à Remuneração Mínima Nacional Garantida.
III. Os requerentes foram notificados para se pronunciarem sobre eventual indeferimento liminar à luz do previsto no art. 362.º, n.º 4, do CPC. Mais foram notificados para se pronunciarem sobre eventual condenação como litigantes de má fé.
Em síntese, alegam que surgiram factos novos (Os requerentes terem tomado conhecimento, na data da produção de prova, que a requerida era proprietária de duas metades indivisas, de dois prédios urbanos (identificados na petição); Do mesmo modo, a requerente AA encetou negociações com a requerida, na tentativa de ser almejado acordo no pagamento dos serviços prestados e não pagos; O causídico que representa os requerentes, também interpelou a requerida, recebeu proposta para pagamento, insuficiente para os requerentes; Foi assumida uma posição, pela requerida e respectivos familiares, a quem os requerentes prestaram serviços, junto de outras pessoas por si conhecidas, pela qual iriam dificultar a cobrança do créditos. Se necessário, recorrerem a expedientes e artilugios, para sonegar bens ou activos do seu património aos seus credores e os frustrarem no ressarcimento dos seus créditos, similares àquelas a que já recorreram em tempos idos, e de que os requerentes tomaram conhecimento) e que por isso não litigam de má fé.
IV. Cumpre apreciar e decidir.
Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado – assim reza o art. 362.º, n.º 4 do CPC.
Apesar de existir norma especial, na sua ausência seria a figura do caso julgado a regular situações como a dos autos em que as mesmas partes instauram, num espaço de 2 meses, arresto contra a mesma pessoa. Neste sentido, LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, I, 2.ª edição, Almedina, 2004, p. 344, para quem a natureza dos procedimentos cautelares não é avessa à figura do caso julgado, que sempre obstaria a sucessiva repetição de providências idênticas, alicerçadas numa mesma causa de pedir.
Tanto é assim que para MARCO GONÇALVES, Providências cautelares, 2.ª edição, Almedina, 2016, p. 391, aquela norma impede a repetição sucessiva de providências cautelares com as mesmas partes, o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, afirmação esta que nos remete necessariamente para o disposto no art. 581.º, do CPC, o qual estabelece os requisitos da litispendência e do caso julgado.
Desta forma, também se afigura consensual que no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 560/10.9TBPBL-A.C1, de 08-09-2015, se escreva que com a referida estatuição pretende-se, por um lado, afirmar/concretizar os princípios da economia e da celeridade processuais e, por outro lado, a autoridade e prestígio das decisões (prevenção de eventuais pronúncias de sinal contraditório ou de conteúdo repetitivo sobre o mesmo objecto). A proibição que dela decorre assenta, pois, em fundamentos algo semelhantes aos subjacentes ao instituto do caso julgado, traduzidos na repetição de uma causa, para a qual a lei exige a verificação da chamada tripla identidade plasmada no art.º 581º, do CPC.
Isto porque, como é sabido, tem sido dois os fundamentos apontados ao caso julgado: o prestígio dos tribunais e a razão de certeza ou segurança jurídica (neste sentido MANUEL DE ANDRADE, Noções elementares de processo civil, reimpressão, Coimbra editora, 1993, p. 306).
Posto que são as mesmas partes em ambos os arrestos, sendo o mesmo pedido (arresto de bens – diga-se que não é o facto de se indicar mais bens a arrestar que o pedido passa a ser outro), voltemos ao art. 362.º, n.º 4 do CPC. Face a esta norma são 3 os demais requisitos:
i. A repetição de providência cautelar;
ii. Que essa repetição se verifique na pendência da mesma causa;
iii. Que essa providência cautelar tenha caducado ou sido julgada injustificada.
Dúvidas não resultam que o anterior arresto foi julgado injustificado e que há uma repetição que se verifica na pendência da mesma causa, entendendo-se este requisito com as necessárias adaptações. Como sustenta MARCO GONÇALVES, op. cit., p. 397-398, tal não obriga a que estejamos necessariamente no domínio da mesma acção ou meio processual, bastando antes que se trate do mesmo litígio ou questão a decidir.
Deste modo, resta apurar se estamos perante a repetição de arrestos. Faça-se, antes de mais, um pequeno excurso sobre este tema.
MARCO GONÇALVES, op. cit., p. 393, propugna a repetição quando está em causa uma providência com o mesmo conteúdo e se baseie nos mesmos factos espácio-temporalmente situados. (…) Mas a parte não fica impedida de lançar mão de uma outra providência cautelar que permita evitar eventuais riscos de lesão diversos dos que determinaram o recurso infundado à tutela cautelar inicial, atenuando-se, dessa forma, a preclusão emergente da improcedência da providência.
Este Autor, a p. 394-395, esclarece melhor esta situação:
Nada obsta a que a parte requeira, na dependência da mesma causa, o decretamento de uma outra providência cautelar com base em novos factos, destinados a preencher o requisito do periculum in mora, pois que, nessa eventualidade, não se verifica a repetição da causa de pedir. Analogamente, verificando-se uma alteração relevante e superveniente das circunstâncias de facto quanto ao fumus boni iuris ou ao periculum in mora, será admissível a repetição de uma providência cautelar que anteriormente tenha sido julgada injustificada, já que essa alteração pode qualificar como justificada uma providência que antes não o era, devendo então prevalecer o interesse do requerente na tutela jurisdicional efectiva do seu direito, constitucionalmente garantida, sem que o tribunal se confronte com a alternativa de contradizer ou de reproduzir a decisão anterior, porque não se repetem os fundamentos da providência. A mesma solução deverá ser adoptada nos casos em que a providência repetida se funde em factos supervenientes ao encerramento da causa e que, consequentemente, não puderam ser devidamente analisados e valorados pelo julgador que considerou a providência inicial injustificada (sublinhados nossos).
No mesmo sentido JOÃO DE CASTRO MENDES e MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Manual de processo civil, vol. I, AAFDL, 2022, p. 610-611: não basta a invocação de factos diferentes, se não forem supervenientes, para evitar a repetição da providência: o sentido do disposto no art. 362.º, n.º 4, do CPC, é precisamente o de impor a preclusão de todos os factos que podiam ter sido invocados no procedimento cautelar.
Como é sabido, não se pode olvidar o carácter preclusivo do caso julgado. Clarifiquemos esta característica: MANUEL DE ANDRADE, Noções elementares de processo civil, reimpressão, Coimbra editora, 1993, p. 324, ensinava que, se a sentença reconheceu no todo ou em parte o direito do autor, ficam precludidos todos os meios de defesa do réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir, a até os que ele poderia ter deduzido com base num direito seu. Neste sentido, pelo menos, vale a máxima segundo a qual o caso julgado cobre o deduzido e o dedutível. De igual modo para a improcedência da acção. A sentença julgando improcedente a acção preclude incontestavelmente ao autor a possibilidade de, em novo processo, invocar outros factos instrumentais, ou outras razões (argumentos) de direito não produzidas nem consideradas oficiosamente no processo anterior. Nesta medida vale também aqui, sem sobra de dúvida, a máxima segundo a qual o caso julgado cobre o deduzido e o dedutível. Mas já não é líquido que o impeça ainda de, com base nos mesmos factos, alegar outro direito, título jurídico ou via legal que possa conduzir ao mesmo resultado prático (p. 325). Mutatis mutandis ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, Coimbra editora, p. 716, para quem a eficácia do caso julgado já funcionará para impedir que, decaindo o autor na acção, ele possa em outra acção vir alegar novos factos instrumentais, relativamente à mesma causa de pedir para obter o efeito jurídico visado na acção anterior.
Por fim, MARCO GONÇALVES, op. cit., p. 397, adverte que este regime não é afastado se o requerente logrou coligir novos ou melhores meios de prova, afirmação com a qual não podemos estar mais de acordo.
Face a estas considerações, a nosso ver, a repetição do arresto é inequívoca. Senão vejamos:
Como supra se salientou, são estes os alegados “novos” factos os quais se passam a apreciar:
Nos artigos 11 e 12 refere-se À interpelação efectuada pelo causídico que represente os requerentes foi apresentada proposta manifestamente insuficiente e desenquadrada com todos os serviços prestados. A nosso ver, isto não é um novo facto. Melhor, isto é um facto mas totalmente irrelevante para a causa, já que o facto de haver discordâncias entre o credor e o devedor quanto ao montante em dívida, por si, não se afigura relevante para efeitos do justo receio da perda de garantia patrimonial. Para além do mais, os requerentes não referem que este facto é superveniente.
Por outro lado, nos artigos 17 a 21 alegam-se mais alguns bens da requerida e refere-se que, por motivo que os requerentes desconhecem, a requerida e a co-proprietária dos prédios melhor identificados nos números 2 e 3 procederam à sua unificação, A qual apenas formalizaram junto da Administração Tributária. Junto da Conservatória do Registo Predial surgem duas descrições, Crendo, os aqui requerentes, que ainda não foram unificadas numa só, por tal operação carecer do credor hipotecário inscrito numa delas, a qual não deve ter sido concedida. O facto dos requerentes agora elencarem mais bens da titularidade da requerida (designadamente os bens que foram apurados oficiosamente no anterior processo) também se afigura irrelevante para o justo receio de perda da garantia patrimonial. Dir-se-ia até que fragiliza ainda mais a posição dos requerentes. De qualquer modo, estes “novos” bens foram apreciados no primeiro arresto.
Mutatis mutandis quanto ao alegado no artigo 33: com excepção feita ao salário que a requerida dizia auferir como auxiliar de acção médica, que corresponde à Remuneração Mínima Nacional Garantida.
Por fim, aprecie-se a “alegação” nova vertida nos artigos 24 a 31:
Aliás, parece ser “modus operandi” (e se pôde constatar no Processo melhor identificado no articulado anterior) da requerente e da sua família, pelo qual usam expedientes e artilugios, para sonegar bens ou activos do seu património aos seus credores e os frustrarem no ressarcimento dos seus créditos. Aliás, foi na execução do mandato, que os ora requerentes os conheceram, em primeira mão, que, seja através de doações entre membros da família (observável nas certidões de registo ora remetidas) ou com recurso a vendas fictícias, julgada pelo Processo nº 3447/18.2T8VNG, que correu termos no Juiz 2, do Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, do Tribunal da Comarca do Porto. Por esse motivo, os requerentes temem que usem os mesmos expedientes de sonegação de património em relação a eles. Acresce ainda que, apesar do património da requerente integrar duas metades indivisas, de dois prédios urbanos (parcelas de terreno), certo é que a hipótese de sucesso na cobrança coerciva dos créditos se mostra mais difícil, penosa e com tendência a desvalorizar o activo, comparativamente com a cobrança coerciva de crédito, com venda de activo titulado exclusivamente pelo devedor.
Relativamente à parte inicial, são tudo generalidades, conclusões e juízos absolutamente conclusivos. Por outro lado, esses juízos não são supervenientes já que são os próprios requerentes que alegam que os formularam na execução do mandato. Isto é, alegam juízos conclusivos sobre a requerida fundamentados no que conheceram na execução do contrato de mandato, quando no primeiro arresto alegam esse mandato como o contrato que deu origem ao crédito que se arrogam. Isto é, estes juízos conclusivos, mesmo que se considerassem factos (que não são) deviam ter sido invocados no primeiro arresto, pelo que não são supervenientes.
Relativamente aos temores dos requerentes, como é sabido, o critério legal do justo receio não é subjectivo, muito menos o receio subjectivo dos credores (o justo receio referente à perda da garantia patrimonial é o factor distintivo do arresto relativamente a outras formas de tutela cautelar de direitos de natureza creditícia. O critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor, isto é, simples conjecturas, antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da acção declarativa ou executiva – assim ABRANTES GERALDES, Temas da reforma do processo civil, IV, 2.ª edição, Almedina, 2003, p. 187).
Quanto ao raciocínio levado a cabo sobre as metades indivisas, também, a nosso ver, e salvo melhor opinião, se afigura totalmente despiciendo.
Por fim, os requerentes alegam no requerimento que antecede que Foi assumida uma posição, pela requerida e respectivos familiares, a quem os requerentes prestaram serviços, junto de outras pessoas por si conhecidas, pela qual iriam dificultar a cobrança do créditos. Primeiro, tal não foi alegado na presente acção. Segundo, mais uma vez esta alegação é conclusiva. Terceiro, e como em relação ao resto, não se alega superveniência.
Em síntese, as inovações constantes do segundo arresto não configuram factos mas sim juízos, conclusões que para além do mais não são supervenientes. Por outro lado, os factos inovatórios (a existência de mais bens) afiguram-se despiciendos e irrelevantes para efeitos da presente providência de arresto. Pior, esses novos bens foram apurados no primeiro arresto e aí apreciados.
Como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 3994/08.4TBVLG-C.P1, de 16-06-2009, no procedimento cautelar de arresto, integra o conceito de “justo receio de perda da garantia patrimonial” qualquer causa idónea a provocar num homem normal esse receio; pode tratar-se do receio de insolvência do devedor; ou do da ocultação, por parte deste, dos seus bens; ou do receio de que o devedor venda os seus bens; ou de qualquer outra actuação do devedor que levasse uma pessoa de são critério, colocada na posição do credor, a temer a perda da garantia patrimonial do seu crédito; a existência do “justo receio” deverá resultar da interpretação de factos ou circunstâncias objectivas e concretas, não relevando para tanto as suspeitas tidas pelo credor, ou uma situação de medo em que este tenha caído fundada tão só numa análise subjectiva da vivência do devedor.
Refere a este propósito LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, Coimbra editora, 2001, p. 119 e 120, que integra o conceito de justo receio qualquer causa idónea a provocar num homem normal esse receio; pode tratar-se do receio de insolvência do devedor (a provar através do apuramento geral dos bens e das suas dívidas) ou do da ocultação, por parte deste, dos seus bens (se, por exemplo, ele tiver começado a diligenciar nesse sentido, ou ousar fazê-lo para escapar ao pagamento das suas dívidas); ou do receio de que o devedor venda os seus bens (como quando se prove que está tentando fazê-lo) ou de qualquer outra actuação do devedor que levasse uma pessoa de são critério, colocada na posição do credor, a temer a perda da garantia patrimonial do seu crédito. Ainda sobre a questão do justo receio escreve PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, I, 4.ª edição, 1987, Coimbra editora, p. 637, que para que haja justo receio de perda da garantia patrimonial basta que, com a expectativa de alienação de determinados bens ou a sua transferência para o estrangeiro, o devedor torne consideravelmente difícil a realização coactiva do crédito.
No entanto, não basta a alegação de meras convicções, desconfianças, suspeições de carácter subjectivo. É preciso que haja razões objectivas, convincentes, capazes de explicar a pretensão drástica do requerente. A alegação de tal perda de garantia patrimonial deve assentar em factos positivos e concretos de dissipação, ocultação ou extravio do património do devedor que, pelo seu contexto ou reiteração, constituam um real perigo de insatisfação do direito do credor.
Assim, não foram invocados novos factos supervenientes destinados a preencher o requisito do periculum in mora, como não ocorre, manifestamente, uma alteração relevante e superveniente das circunstâncias de facto quanto ao justo receio de perda da garantia patrimonial. Pelo contrário, os alegados novos factos foram apreciados no primeiro arresto.
Deste modo, ocorrendo repetição, há que indeferir o presente arresto.

V. Os requerentes litigaram de má fé ao repetirem a mesma providência? A nosso ver, a resposta deve ser positiva.
(…)
Os requerentes tentaram, assim, na prática, repetir o primeiro procedimento cautelar, situação que lhes está vedada como se viu supra.
Ora, a nosso ver, é do senso comum que não se podem repetir e apreciar as mesmas matérias ad eternum. Os cidadãos devem ter a consciência de que não se podem intentar acções iguais de forma repetida até ter ganho de causa. Conhecendo ou não a figura do caso julgado, o cidadão médio deve ter a mínima consciência de que não se podem intentar acções iguais de forma repetida até ter ganho de causa. E afigura-se inequívoca a repetição de matérias, não supervenientes, e já tratadas em sede do primeiro arresto.
Além do mais, os requerentes são advogados de profissão, pelo que, à luz dos conhecimentos do advogado médio, pode concluir-se que deduziram pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar.
Repare-se que repetem o arresto em férias judiciais. Mais a mais, omitem a existência do primeiro arresto, sem alegarem qualquer superveniência. Isto é, com esta omissão, caso o julgador desconhecesse a existência do primeiro arresto, estava impedido de conhecer a existência do primeiro procedimento, pelo que na prática estava impedido de aplicar o disposto no art. 362.º, n.º 4, do CPC. Isto é, por omissão dos requerentes poderia verificar-se a prolação de decisão contrária ao primeiro arresto o que, a nosso ver, como supra se referiu, implicava exactamente aquilo que a lei pretende evitar: a prolação de decisões contraditórias. (…) Assim, os requerentes deduziram pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar e que, nessa sequência, não podiam repetir o arresto com base na mesma causa de pedir. Agiram, assim, de forma dolosa.
Deste modo, os requerentes praticaram uma conduta processual (o requerimento inicial) típica (preencheram o comportamento previsto na alínea a) de forma dolosa uma vez que deduziram pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar), ilícita (pois violou-se o dever de probidade, actuou-se de forma desconforme ao processo justo, equitativo e leal) e culposa (a censurabilidade é alta atenta a natureza pessoalíssima do facto de que eram conhecedores a que acrescem as suas profissões), daí resultando danos processuais típicos.
(…)
VI. Pelo exposto, indefiro liminarmente o presente arresto.
Mais decido condenar os requerentes como litigantes de má fé e, em consequência, condeno-os, cada um, no pagamento de uma multa no valor de 3UC.
VII. Custas pelos requerentes.
VIII. Valor: €40.754,55”.
5. No procedimento cautelar de arresto, proc. n.º 3499/22.0T8VFR, que os requerentes da presente providência requereram contra ora requerida[1], foi, em 25/10/2022, proferida a decisão, junta aos presentes autos, cujo teor se dá por reproduzido, a julgar “improcedente o procedimento cautelar de arresto”, da qual não foi interposto recurso, concluindo-se na mesma:
Em suma, de todo o exposto, não existem nos autos factos concretos que sustentem o justo receito, o periculum in mora, da perda iminente do património da requerida, ficando por preencher o segundo requisito para o decretamento da providência cautelar de arresto.
Face ao exposto, por não se mostrarem verificados os respetivos pressupostos cumulativos, julga-se improcedente o presente procedimento cautelar de arresto, nos termos do disposto no art. 391.º, n.º 1 do CPC”.
*

II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Do erro de julgamento
Insurgem-se os requerentes contra o despacho que indeferiu liminar a providência e os condenou como litigantes de má fé, que entendem padecer de erro de julgamento, dada a alegação, que efetuaram, de “factos novos” e estar “vedada a possibilidade de indeferimento liminar dado que tal Decisão foi desprovida da análise da prova por estes apresentada”.
Assim, as questões a apreciar no âmbito do presente recurso são:
i) a da verificação de erro na decisão de indeferimento liminar da providência;
ii) a do, consequente, erro na condenação dos Requerentes do procedimento, ora Apelantes, em multa, por responsabilidade processual,
dado não estarmos perante uma situação de “repetição de causa”, sendo admissível nova providência motivada em novos factos essenciais,
não podendo deixar de se dar razão aos apelantes, adianta-se.
Apreciemos.

1ª - Da admissibilidade da providência e do erro do despacho de indeferimento liminar.

O meio adjetivo em que nos movemos é um procedimento cautelar, sendo estes, como teve a ora relatora, já, a oportunidade de referir noutros acórdãos por ela relatados, instrumentos processuais destinados à obtenção de uma providência ou medida para acautelar a eficácia da decisão judicial a proferir numa causa, destinando-se a garantir a utilidade prática da ação principal, a evitar danos, que possam advir da demora, para o efeito útil da ação. Sendo instrumentos de eficácia do processo principal, é admissível o recurso às providências cautelares quando a regulação dos interesses não pode aguardar pela decisão definitiva, sendo necessária, para assegurar a utilidade da decisão final e a efetividade da tutela jurisdicional, uma composição provisória do litígio, que vai acautelar a situação até à decisão definitiva.
O processo cautelar é o instrumento de preservação do fim do processo – tutela jurisdicional do caso concreto. É “…na expressiva síntese de CALAMANDREI, “garantia da garantia”, caracterizando-se a sua natureza por uma dupla instrumentalidade”, tendo por fim a proteção da garantia, isto é, através da sua garantia, do seu fruto (a providência cautelar), garantir a produção do efeito útil final – a decisão da ação principal[2].
Permite assegurar a validade e eficácia da decisão através da adoção de medidas (providências) que atuam ao nível da realidade prática por forma a preservar, acautelar, o efeito útil a produzir pela ação principal. A decisão cautelar não traduz, em regra[3], uma antecipação da decisão principal (embora casualmente possa, conduzir à produção de alguns dos efeitos próprios desta). Antes tem uma natureza preventiva, pois visa acautelar e prevenir que, no período que decorre entre o momento em que a providência é proposta e aquele em que a decisão da ação principal produz efeitos, não ocorra situação que inviabilize a utilidade da mesma.
Os procedimentos cautelares representam tão só “uma antecipação ou garantia de eficácia relativamente ao resultado do processo principal e assentam numa análise sumária (summaria cognitio) da situação de facto que permita afirmar a provável existência do direito (fumus boni juris) e o receio justificado de que o mesmo seja seriamente afetado ou inutilizado se não for decretada uma determinada medida cautelar (periculum in mora)”[4].
Destinam-se a tutelar o efeito da ação, a assegurar o direito à efetiva tutela jurisdicional, isto é, a garantir o efeito útil da ação principal que vai regular definitivamente o direito, conciliando os interesses da celeridade e segurança jurídicas.

Nas providências cautelares não se forma caso julgado material, pois nem o julgamento da matéria de facto nem a decisão final proferida no procedimento são definitivas, nenhuma influência tendo no julgamento da ação principal de que o procedimento é dependente. Sendo a tutela alcançada com estes procedimentos provisória, não podem confundir-se com instrumentos de tutela definitiva, esta a que releva para a exceção dilatória do caso julgado, pelo que, como veremos, a figura do caso julgado nunca poderia ter ampla aplicação no âmbito dos procedimentos cautelares, a faltar norma especial.
Com efeito, devido à específica natureza e finalidades dos procedimentos cautelares, o instituto do caso julgado não pode ter nelas aplicação, tendo, contudo, o legislador prevenido, especialmente, a situação de repetição de providências.
*
Entrando no objeto do recurso, e antes, mesmo, de se analisar da alegação fáctica a densificar os requisitos de admissibilidade da providência requerida, designadamente quanto a novos factos alegados, e de saber se há, ou não, inadmissível repetição de providência, cumpre referir que, depois de ter sido marcada data para a produção da prova requerida, foi a providência objeto de despacho a dar sem efeito a, decidida, marcação de produção de prova e de despacho liminar de indeferimento.
Cumpre acentuar o carater excecional deste despacho, estando o indeferimento liminar de um procedimento cautelar reservado aos casos de verificação, na fase liminar, de situações em que a posição do requerente não tenha possibilidade de ser acolhida (manifesta inviabilidade) ou em que ocorram exceções dilatórias insupríveis de que o juiz possa conhecer oficiosamente (cfr. al. b), do nº4, do art. 226º e nº1, do art. 590º, do Código de Processo Civil), vedado estando ao julgador proferi-lo fora desse contexto.
Com efeito, e quanto a indeferimento liminar de providência cautelar, bem se considerou no Ac. RG de 23/5/2019, proc. 2259/19.0T8BRG.G1, tal excecionalidade, manifestando-se estar o mesmo “reservado a situações em que ocorram exceções dilatórias insupríveis, de que o juiz possa conhecer oficiosamente, ou quando a tese do requerente não tenha qualquer possibilidade de ser acolhida perante a lei em vigor e a interpretação que dela faz a doutrina e a jurisprudência, sendo, por isso, o pedido manifestamente improcedente”[5].
No caso, em que tutela cautelar é solicitada, após ter sido proferido “despacho liminar” e ter sido designada data para produção de prova, foi dado sem efeito o determinado e, em novo despacho liminar, proferida nova decisão, desta feita, de indeferimento liminar do arresto (ainda com condenação dos requerentes como litigantes de má fé, dado o anterior procedimento cautelar de arresto requerido com as mesmas partes ativa e passiva e a, definitiva, decisão nele proferida), convocando-se o consagrado no nº4, do artigo 362º, do Código de Processo Civil, abreviadamente CPC, diploma a que nos reportamos na falta de outra referência e considerando verificada situação já julgada, não obstante a alegação de matéria que não havia sido invocada na anterior providência requerida.
Estatui este preceito, que dispõe para o procedimento cautelar comum, subsidiariamente aplicável, por força do nº1, do art. 376º, aos procedimentos nominados:
4. Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado”.
Não se estando perante situação de caso julgado, já que de “repetição de causa” já definitivamente decidida se não trata, cumpre analisar se estamos perante uma inadmissível repetição de providência.
Analisemos a figura jurídica em causa - repetição de providência - para, depois, verificarmos se, na situação sub judice, estão ou não preenchidos os respetivos requisitos.

Comecemos por deixar claro que a exceção de caso julgado constitui uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que se traduz num pressuposto processual negativo, pois que impede o prosseguimento do processo evitando que o tribunal se veja na contingência de proferir decisão de mérito que reproduza ou contrarie uma decisão definitiva, obstando ao conhecimento do mérito da causa e levando à absolvição da instância – cfr. artigos 577º, al. i), 576.º, n.º 2 e 278.º, n.º 1, alínea e) – pelo que, a verificar-se, nada mais cabe conhecer ou determinar, por a apreciação de mérito (segundo as soluções plausíveis da questão de direito) ficar prejudicada pela decisão proferida.
Para além de satisfazer interesses que se prendem com a economia processual, a exceção do caso julgado visa evitar que a causa seja julgada mais do que uma vez, o que atentaria contra a força do caso julgado.
Como se refere no Acórdão do STJ de 24/2/2015, proc. 915/09.0TBCBR.C1.S1, relatado pela Senhora Juíza Conselheira Maria Clara Sottomayor, ao “caso julgado está inerente a ideia de imutabilidade ou de estabilidade. O fim do caso julgado é o de evitar a reprodução ou contradição de uma dada decisão transitada em julgado.
A excepção do caso julgado traduz-se em «a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, todos tendo de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objectivo ou à actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes, mas também à paz social» (cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, pp. 305-306)”.
Aí se esclarece “Diz-se material o caso julgado, nos termos do art. 619.º do CPC, se a decisão recai sobre o mérito da causa, e, portanto, sobre a relação jurídica substancial.
O caso julgado material tem força obrigatória dentro do processo e fora dele e por isso não pode ser alterado em qualquer acção nova que porventura se proponha sobre o mesmo objecto, entre as mesmas partes e com fundamento na mesma causa de pedir. A estabilidade ultrapassa as fronteiras do processo e portanto, além da preclusão operada no processo, produz-se a impossibilidade de a decisão ser alterada mesmo noutro processo, com a excepção da possibilidade da sua revogação ou modificação por meio dos recursos extraordinários de revisão (art. 696.º do CPC) para os casos em que o caso julgado se formou em circunstâncias patológicas ou anormais”[6].
Também Lebre de Freitas e Isabel Alexandre referem que a exceção dilatória de caso julgado se baseia no caso julgado material, projetado para fora do processo em que se forma, não no caso julgado formal[7].
O conceito de caso julgado é dado pelo nº 1, do art. 580º - consiste na repetição de uma causa estando a anterior decidida por sentença que já não admite recurso ordinário[8].
Por sua vez, o nº 1, do art. 581º, estabelece que “repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”, definindo o nº 2 que há “identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica”, o nº 3 que há “identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico” e o nº 4 que há “identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do meso facto jurídico”.
Para que o caso julgado se imponha, não permitindo nova discussão da questão noutra ação (vertente negativa do caso julgado), é necessário que estejam preenchidos os requisitos consagrados no art. 581º - a mencionada tríplice identidade (de sujeitos, de pedido e de causa de pedir).
Esta exceção dilatória, para além de obstar à propositura de ações inúteis e a originar gastos desnecessários, tem por fim evitar que o tribunal contradiga ou reproduza uma decisão anterior (cfr. nº 2, do art. 580º).
A intangibilidade (tendencial) do caso julgado é um princípio do nosso ordenamento jurídico com que se pretende evitar, não uma colisão teórica de decisões, mas a contradição de julgados, a existência de decisões, em concreto, incompatíveis ([1])[9].
Com efeito, a insusceptibilidade de impugnação de uma decisão decorrente do seu trânsito em julgado (art. 628º do CPC) é uma exigência de boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, dado que dá expressão aos valores da segurança e certeza imanentes a qualquer ordem jurídica: a res judicata obsta a que uma mesma acção seja instaurada várias vezes, impede que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante uma composição, tendencialmente definitiva, dos litígios que os tribunais são chamados a resolver.
Diferentemente do caso julgado formal – que tem uma eficácia estritamente intraprocessual ([2])[10] – o caso julgado material é sempre vinculativo no processo em que foi proferida a decisão ou em processos distintos (cf. arts. 619º e 620º do CPC).
A eficácia do caso julgado material – único que releva para a apreciação da questão cuja apreciação ora se suscita – varia, porém, em função da relação entre o âmbito subjectivo e o objecto da decisão transitada e o âmbito subjectivo e o objecto do processo posterior.
Se o âmbito subjectivo e objectivo da decisão transitada for idêntico ao processo posterior, i.e., se ambas as acções possuem o mesmo âmbito subjectivo e a mesma causa de pedir e nelas for formulado o mesmo pedido, o caso julgado vale, no processo subsequente, como excepção do caso julgado (arts. 580º e 581º do CPC). O caso julgado acarreta para o tribunal do processo subsequente a dupla proibição de contradição ou de repetição da decisão transitada, o que explica que se resolva num pressuposto processual negativo e, portanto, numa excepção dilatória própria [art. 577º i) do CPC]. Verificando-se a tripla identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, a decisão goza de força obrigatória, no processo e fora dele, não podendo o mesmo tribunal ou um outro ser colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir a decisão, destinando-se a excepção a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual”[11].
Assim, visa-se evitar que a mesma questão decidida venha a ser, validamente, definida, mais tarde, em termos diferentes pelo mesmo ou por outro tribunal. Pretende-se que o juiz se abstenha de conhecer do fundo da causa, uma vez que já foi julgada outra e evitar eventuais casos julgados contraditórios. O princípio da irrevogabilidade do caso julgado visa assegurar a certeza e a segurança nas relações sociais.

Ora, in casu, mesmo que de “repetição de providência” se tratasse, podendo tal repetição ser considerada uma situação paralela à “repetição de causa”, remetendo-se a interpretação a dar para o conteúdo daquele preceito que a esta se reporta, nunca perante a tríplice identidade imposta por este preceito estaríamos, pois que, como vimos, a tutela a obter pela decisão do procedimento cautelar não se apresenta como definitiva, tendo, meramente, um caráter provisório, sendo que o que releva para a exceção dilatória do caso julgado é a existência de definitiva decisão de mérito.
E, sendo a posição processual dos sujeitos idêntica nas duas providências e idênticas sendo as pretensões nelas formuladas, suscitada vem a, pertinente, questão da falta de identidade de causas de pedir, por alegados se mostrarem essenciais factos novos, não se estando, por isso, perante repetição de providência, dada a diferente causa de pedir.
Assim sucede, na verdade.
Requerentes e Requerida são, nos dois procedimentos, os portadores do mesmo interesse substancial, havendo, por isso, identidade jurídica de sujeitos (ou subjetiva). Acresce que, havendo identidade dos pedidos (ou objetiva) quando numa e noutra ação se pretende obter o mesmo efeito jurídico, sendo pedido a providência jurisdicional formulada pelo requerente, a enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objeto do direito a tutelar[12] e, querendo identidade de pedido dizer identidade de providência jurisdicional solicitada pelo autor[13], há identidade de pedidos quando a segunda ação é proposta para exercer o mesmo direito que exercido foi na primeira. Sendo o efeito jurídico pretendido pelos requerentes absolutamente coincidente, ocorre no caso identidade de pedido, pois, num e noutro procedimento os requerentes pretendem obter o mesmo efeito jurídico: o arresto de bens da devedora. Assim, pacífico é haver, além de identidade subjetiva, identidade objetiva.
Já assim se não verifica quanto à identidade da causa de pedir. Quanto a esta, cumpre referir que, sendo causa de pedir o ato ou facto jurídico de que procede a pretensão deduzida, o facto concreto invocado pela parte ativa, o acontecimento natural ou a ação humana de que promanam, por disposição legal, efeitos jurídicos, o princípio gerador do direito, o acervo dos factos que integram o núcleo essencial da previsão da norma ou normas do sistema que estatuem o efeito de direito material pretendido, a causa de pedir é considerada a mesma “se o núcleo essencial dos factos integradores da previsão das várias normas concorrentes tiver sido alegado no primeiro processo, permitindo nele identificar as normas aplicáveis” , em concurso real ou aparente. A qualificação jurídica dada aos factos nunca é elemento identificador do caso julgado, estando vedada nova ação em que aos mesmos factos se atribua uma nova qualificação, o que é o corolário de a causa de pedir ser sempre um facto concreto e não o facto abstratamente descrito na lei. A causa de pedir não consiste na categoria legal invocada ou no facto jurídico abstrato configurado pela lei, mas, antes, nos concretos factos da vida a que se virá a reconhecer, ou não, a força jurídica bastante e adequada para desencadear os efeitos pretendidos pelo autor. Há identidade de causas de pedir quando a pretensão deduzida nos dois meios processuais procede do mesmo ato ou facto jurídico. A identidade da causa de pedir verifica-se, assim, quando as pretensões formuladas em ambas as ações emergem de facto jurídico genético do direito reclamado comum a ambas[14].
Nunca se podendo considerar verificada no caso a exceção dilatória do caso julgado por a decisão do procedimento cautelar não ser definitiva, a questão que cumpre decidir é a de saber se estamos perante uma repetição de procedimento cautelar admissível ou, ao invés, se o presente procedimento cautelar é inadmissível e se bem foi, liminarmente, rejeitado.
Tal passa, desde logo por saber se, verificando-se identidade de sujeitos e de pretensão, também se verifica identidade de causa de pedir, ou se à causa de pedir foram acrescentados novos factos, densificadores de diversa causa de pedir.
Ora, in casu, não se verifica, identidade de causa de pedir, pois que, na verdade, os requerentes carrearam para os autos novos factos jurídicos de onde pode, pois, resultar, juntamente com as circunstâncias do caso que já anteriormente haviam sido aportadas, justificada a pretensão cautelar que formulam.
Com efeito, não se verifica identidade de causa de pedir, porquanto a pretensão deduzida nas duas providências não procede do mesmo facto jurídico (no caso, dos mesmos factos a fundamentar o justo receio de perda da garantia patrimonial) não tendo o núcleo essencial dos factos integradores da causa de pedir sido integralmente alegado no primeiro processo, apresentando-se os factos aqui alegados, de novo, como um mais, como um acrescer aos alegados no processo anterior.
E, na realidade, a entender-se haver alegação de juízos conclusivos, em vez de afirmação fáctica, necessário seria convite ao aperfeiçoamento.
In casu, não se verificando os requisitos de procedência da exceção de caso julgado, pois que, para além da falta de identidade de causa de pedir, já que a pretensão em ambas as providências não radica nos mesmos factos concretos essenciais, factos novos vindo alegados - como seja: a hipoteca registada sobre novo bem descoberto, auferir a requerida apenas o salario mínimo nacional, apesar da descoberta de novos bens não arrestados (embora em compropriedade e onerados, com um credor hipotecário) os expedientes usados pela requerida para sonegar os bens, expedientes que transparecem materializados nos processos citados, e, por isso, o, justificado, receio de os novos bens poderem desaparecer do património da devedora -, sequer estamos perante uma decisão que possa ser qualificada de definitiva e, face a isso, nunca estaremos perante efeitos de preclusão de direitos (sendo que preclusões que possam existir nunca poderão extravasar o campo cautelar, não tendo efeitos na regulação das relações materiais, podendo, por isso, produzir efeitos de caso julgado formal, não de caso julgado material).
Assim, os factos jurídicos essenciais genéticos da pretensão formulada na presente providência não são os mesmos da anterior providência.
Não se verificando a tríplice identidade imposta pelo nº 1, do art. 581º, do CPC, não estamos perante “repetição de causa”, e caso julgado material - exceção dilatória a obstar ao conhecimento do mérito da causa e a levar à absolvição do sujeito passivo da instância (arts 577º, al. i), 576.º, n.º 2 e 278º nº1, al. e)), impedindo novas qualificações e subsunções jurídicas dos factos –, e sequer estamos perante, a especialmente prevista para as providências cautelares, o caso, “repetição de providência”.
Situações de repetição de providências não se subsumem aos referidos preceitos, a regular ações definitivas, existindo norma especial a dispor quanto a tal - o supra citado nº4, do art. 262º - que consagra não ser admissível repetição de providência na dependência da mesma causa, sendo, nos termos do referido preceito, os seguintes os requisitos, cumulativos, necessários ao indeferimento:
i) Ter existido uma providência que foi julgada “injustificada” ou que tenha “caducado”;
ii) Ter, na dependência da “mesma causa” (litígio) daquela, sido instaurada outra providência;
iii) Ser esta providência “repetição” da anterior.
Com relação ao primeiro requisito, cumpre referir que por “injustificação da providência deve entender-se quer a sua recusa, com ou sem audiência prévia do requerido (art. 368, nº1 e 2), quer a revogação duma providência inicialmente ordenada, após a oposição do requerido ou em recurso (art. 372)”[15].
A “repetição de providência” só se equaciona perante o mesmo litígio, a mesma ação principal de que as providências são dependência.
E a providência repete-se se é idêntica a outra quanto aos seus elementos essenciais, caracterizadores do conteúdo de qualquer procedimento judicial:
i) sujeitos;
ii) pedido;
iii) causa de pedir.
Com efeito, “repetição de providência”, sendo “expressão paralela à expressão “repetição de causa” dos artigos 497-1 e 498-1 do CPC de 1961 (idênticos aos atuais arts 580-1 e 581-1), inculca que só é hoje tida por inadmissível a providência que tenha o mesmo conteúdo da anteriormente caducada ou julgada injustificada e se baseie no mesmo fundamento de facto”[16].
Só havendo identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir a nova providência se mostra uma repetição da anterior. A alegação de novos factos, a densificar diversa causa de pedir, afasta a “repetição de providência”[17] e a inadmissibilidade legal de nova providência entre as mesmas partes e com o mesmo pedido[18].
E entendemos não ser de restringir a admissibilidade de nova providência a situações de superveniência (objetiva e subjetiva), pois que onde a lei não distingue não deve o interprete distinguir, estando-se no “domínio da aplicação de um princípio intemporal do direito, expresso no brocardo latino: “ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus”, isto é, onde a lei não distingue, não deve o intérprete distinguir. Dito de outro modo, distinções interpretativas não devem ser reconhecidas quando sirvam para afastar uma regra legalmente estabelecida e de leitura unívoca”[19], sendo que “ (…) a interpretação por nós propugnada dita literal (literal provem do latim “littera”, que significa “letra”) é a que se atem justamente às palavras, à letra da lei, obter-se-ão inegáveis ganhos, internamente, em termos de procedimento uniforme e homogéneo e, externamente, em termos de certeza e segurança jurídicas”[20], para não falarmos já nas necessidades cautelares dos procedimentos a que se dirige, a impor especial regime que não justifica tal restrição.
Ora, no caso, apesar de nenhuma dúvida existir quanto à verificação dos dois primeiros requisitos, não estamos perante situação de repetição de providência, pois que, como vimos, se não encontra preenchida a tríplice identidade necessária: de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, por as causas de pedir serem diferentes. Em falta está a identidade de causa de pedir, por a invocada na presente providência não ser a anterior, mas, antes, uma outra integrada por novos factos essenciais que, ante a proposição de provas e após a sua produção bem poderá fundamentar um juízo favorável à verificação do requisito justificado receio de perda de garantia patrimonial.
Vindo indicado, como integrando o património da requerida, um imóvel, certo é alegada vir, também, a existência de um arresto sobre ele (com tudo o que tal representa), e a alegação, ex novo, de bens (com falta de rendimentos penhoráveis) não se mostra isolada. Antes vem acompanhada da afirmação de situações que desvalorizam e oneram estes bens – tratar-se de direitos a uma parte indivisa (bens em compropriedade) e existir hipoteca, de um credor, a onerar - e invocado vem, também, o, até superveniente, dado que os novos bens não eram conhecidos aquando da instauração do anterior procedimento, receio de poderem ser praticados pela requerida atos, sobre os novos bens conhecidos, como os que são invocados e estão retratados e materializados nos processos mencionados, de sonegação de bens aos credores.

Em suma: Estamos, assim, perante nova providência fundada em novos factos, sendo que, a não se tratar de uma situação de facticidade nova e a entender-se necessária maior clarificação e especificação fáctica, sempre a possibilidade do convite a tal estaria no âmbito dos poderes, oficiosos, do julgador (cfr. nº3 e 4º, do art. 590º).
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2ª - Da responsabilidade processual dos requerentes, por litigância de má fé.

Impendendo sob as partes o dever de pautar a sua atuação processual por regras de conduta conformes à boa fé - cfr. art. 8º, do Código de Processo Civil -, caso não o observem podem incorrer em responsabilidade processual.
O instituto da má fé processual, regulado nos artigos 542º a 545º, de tal diploma legal, visa sancionar a parte que preencha, com a sua atuação processual, a respetiva previsão.
Ao contrário do que sucedia antes da revisão do Código de Processo Civil operada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro, atualmente as condutas passíveis de integrar má fé não têm de ser, necessariamente, dolosas, já que o instituto passou a abranger, também, a negligência grave. Atingiu-se uma maior responsabilização das partes. Como resulta do preâmbulo do referido diploma, o atual Código de Processo Civil, com a nova filosofia de colaboração que lhe está ínsita, consagrou "expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos". Na reforma processual introduzida por este DL houve uma substancial ampliação do dever de boa fé processual, alargando-se o tipo de comportamentos que podem integrar má fé processual - quer a substancial quer a instrumental -, tanto na vertente subjetiva como na objetiva. A condenação por litigância de má fé pode agora fundar-se em negligência grave, para além da situação de dolo já anteriormente prevista.
Alberto dos Reis distinguia, em matéria de conduta processual das partes, quatro tipos de lide: lide cautelosa (aquela em que a parte esgota todos os meios para se assegurar de que tem razão e apesar disso vê inviabilizada a sua pretensão (ou oposição)), lide imprudente (aquela em que a parte comete imprudência leve ou levíssima), lide temerária (aquela em que a parte, embora convencida que tem razão, incorre em culpa grave ou erro grosseiro, indo a juízo sem tomar em consideração as razões ponderosas (de facto ou de direito) que devia empregar para desfazer o seu erro, comprometendo a sua pretensão) e lide dolosa (aquela em que a parte, apesar de ciente de que não tem razão, litiga e deduz pretensão (ou oposição) conscientemente infundada)[21].
Ao sancionar, atualmente, a litigância com negligência grave a lei está a proibir, para além da lide dolosa, a lide temerária, a qual pressupõe culpa grave ou erro grosseiro[22].
Na verdade, de acordo com o nº2, do art. 542º, do CPC, “Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
“Segundo o nº2, constituem atuações ilícitas da parte: a dedução de pretensão ou oposição com manifesta falta de fundamento, por inconcludência ou inadmissibilidade do pedido ou da exceção (alínea a)); a apresentação duma versão dos factos, deturpada ou omissa, em violação do dever de verdade (alínea b)); a omissão do dever de cooperação (alínea c)); em geral, o uso reprovável do processo ou de meios processuais, visando um objetivo ilegal, o impedimento da descoberta da verdade, o entorpecimento da ação da justiça ou o protelamento, sem fundamento sério, do trânsito em julgado da decisão (alínea d))”[23].
“Visa entorpecer a ação da justiça a parte que atua usando meios dilatórios”[24] – cfr exemplos citados in ob e pag. cit..
“Visa apenas protelar o trânsito em julgado da decisão a parte que recorre ou reclama sem fundamento sério, conseguindo assim atrasar o momento do trânsito em julgado e da exequibilidade da decisão”[25].
Assim, a lei tipifica as situações objetivas de má fé, exigindo-se, simultaneamente, um elemento subjetivo (dolo ou negligência grave) - cfr. referido nº2 - já não no sentido psicológico, mas ético-jurídico.
O juízo de censura que enforma o instituto radica na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa fé a que as partes estão adstritas, para que o processo seja “justo e equitativo”, e daí a designação, segundo alguns autores, de responsabilidade processual civil. Litiga de má fé não apenas a parte que tem consciência da falta de fundamento da pretensão ou oposição, como aquela que, muito embora não tenha tal consciência, deveria ter agido com o dever de cuidado e prudência, bem assim com o dever de indagar a realidade em que funda a pretensão[26].
Distingue-se entre má fé material ou substancial e má fé processual ou instrumental. A primeira tem a ver com o mérito da causa, a segunda com a conduta processual[27]. Na primeira “a parte, não tendo razão, atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objetivo que se afasta da função processual. A segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo. Assim, só a parte vencida pode incorrer em má fé substancial, mas ambas as partes podem atuar com má-fé instrumental, podendo portanto o vencedor da ação ser condenado como litigante de má-fé” [28].
A má fé a se reportam as supra referidas als. a) e b) é a má fé material ou substancial, aquela que se refere à relação jurídica material[29]; as restantes alíneas contendem com a má fé instrumental[30].
A litigância de má fé surge como um instituto processual, de tipo público, com um sistema sancionatório próprio, especialmente regulado, não se tratando de uma manifestação de responsabilidade civil, que pretenda suprimir danos, ilícita e culposamente causados a outrem através de atuações processuais. A responsabilidade por litigância de má fé está sempre associada à verificação de um ilícito puramente processual e constitui o “tipo central da responsabilidade processual”[31].
Atualmente, “considera-se sancionável a título de má-fé, a lide dolosa, tal como preconizava A. Reis, in Código de Processo Civil anotado, II volume, pg.280, e, ainda, a lide temerária baseada em situações de erro grosseiro ou culpa grave.
Como refere Menezes Cordeiro “alargou-se a litigância de má-fé à hipótese de negligência grave, equiparada, para o efeito, ao dolo.” (in “Da Boa Fé no Direito Civi”, Colecção Teses, Almedina).
No dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida – dolo directo – ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial – dolo indirecto; no dolo instrumental faz-se dos meios e poderes processuais um uso manifestamente reprovável (v. Menezes Cordeiro, obra citada, pg.380).
Verifica-se a negligência grave naquelas situações resultantes da falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das desaconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida (Maia Gonçalves, C.Penal, anotado, pg.48).
O dever de litigar de boa-fé, com respeito pela verdade é corolário do princípio da cooperação a que se reporta o art.º 266º do Código de Processo Civil, e vem consignado no art.º 266º-A, do mesmo diploma legal.
Em qualquer caso, a conclusão pela actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alíneas do art.º 456º do Código de Processo Civil e a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça”[32].
A questão da má fé material não pode ser vista de forma linear, sob pena de se limitar o direito de defesa que é um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, com foros de garantia constitucional, tendo de ser feita uma apreciação casuística, não cabendo a análise do dolo ou da negligência grave no processo civil em estereótipos rígidos.
A má fé processual não opera no domínio da interpretação e aplicação das regras do direito, mas tão só no domínio dos factos. A sustentação de posições jurídicas, mesmo que desconformes com a correta interpretação da lei, não basta à conclusão da litigância de má fé de quem as propugna.
Acresce, também, que, a conclusão no sentido da litigância de má fé não se pode extrair, mecanicamente, da simples alegação de factos pessoais que não se provaram ou da negação de factos pessoais que vieram a provar-se. Na “base da má-fé está este requisito essencial, a consciência de não ter razão. Não basta pois o erro grosseiro ou a culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição infundada"[33].
O que importa é que exista uma intenção maliciosa (má fé em sentido psicológico) e não apenas imprudência (má fé em sentido ético), não bastando a imprudência, o erro, a falta de justa causa, é necessário o querer e o saber que se está a actuar contra a verdade ou com propósitos ilegais.
A condenação por litigância de má fé, em qualquer das suas vertentes – material e instrumental – pressupõe sempre a existência de dolo ou de negligência grave (art. 456º, nº2, do CPC) pelo que se torna necessário que a parte tenha procedido com intenção maliciosa ou com falta das precauções exigidas pela mais elementar prudência ou previsão, que deve ser observada nos usos correntes da vida”[34].
Emergente dos princípios da cooperação, da boa fé processual e da probidade e adequação formal, a figura da litigância de má fé pretende cominar quem, dolosamente ou com negligência grave, põe em causa tais princípios, que a eles tem subjacente a boa administração da justiça.
Quanto à sua aplicabilidade, é quase unânime entre a jurisprudência e a doutrina mais avisada, a exigência de um comportamento doloso e consciente no sentido de pôr em causa a boa administração da justiça, vindo aquela a ser restritiva na admissão da litigância de má fé.
Esta interpretação impõe-se por ser a mais razoável e a que melhor compreende a realidade subjacente a um processo em que as partes estão em desacordo: não é humanamente exigível que elas sejam absolutamente objetivas, pois são elas que sentem os problemas e o litígio. O inadmissível surge apenas quando a parte, sabendo embora não ter razão, recorre ao processo (o que é ainda mais grave tratando-se de factos pessoais): provado isto, haverá litigância de má fé. Esse é o limite à compreensão e aceitação, relativamente à posição vivida pelas partes.
O ensinamento do Prof. Alberto dos Reis que, quanto a esta matéria, vem incluído no CPC Anotado, é lapidar, assim escrevendo Não obstante o dever geral de probidade, imposto às partes, a litigância de má fé pressupõe a violação da obrigação de não ocultar ao tribunal ou, melhor, de confessar os factos que a parte sabe serem verdadeiros. Não basta, pois, o erro grosseiro ou culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada, de tal modo que a simples proposição da ação ou contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a incerteza da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir; é preciso que a Autora faça um pedido que conscientemente sabe não ter direito, e que o Réu contradiga uma obrigação que conscientemente sabe que deve cumprir[35].
Exige-se para a condenação como litigante de má fé que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a atuação dolosa ou gravemente negligente da parte, demonstrando-se nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a ação da justiça, litigando de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes[36].
À litigância de má fé não se basta a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. Exige-se ainda que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, que soubesse da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição e que se encontrasse numa situação em que se lhe impusesse esse conhecimento e um dever de agir em conformidade com ele. A aplicação do instituto da litigância de má fé, à semelhança do instituto do abuso de direito, traduz uma aplicação do princípio da boa fé no domínio processual civil, tendo de se ter em conta a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente, através da análise global dos factos provados e não provados, e não apenas de um segmento dessas factos[37].
Ora, vista a Doutrina e a Jurisprudência tendo-se em atenção a lição assim colhida, que em nosso entender plasma a interpretação mais avisada da figura jurídica do litigante de má fé, e analisando a conduta processual dos Apelantes não podemos considerar que os mesmos não atuaram com dolo ou negligência grave, pondo em causa os seus deveres como litigantes, antes se apresentaram a exercer um direito – o de solicitar nova providência invocando novos factos, pelo que se não justifica a sua condenação como litigantes de má fé.
Não se pode concluir que os apelantes tenham atuado com o propósito de entorpecer a ação da Justiça. Do simples ato de propositura da nova providência, que admissível é, não resulta atuação de má fé. Não resulta dos autos consciência dos requerentes de não terem direito à satisfação da pretensão, não resultando o dolo, sequer negligência, dos requerentes ao formulá-la, resultando, até, existir o direito a requerer, o que se lhes está a reconhecer.
Não resulta verificar-se a referida atuação como litigante de má fé, não podendo, por isso, ser proferida condenação como tal.
Sendo admissível a nova providência apresentada, em responsabilidade processual não incorrerem os requerentes, ora apelantes, não se justificando a condenação por litigância de má fé.
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Procedem, por conseguinte, as conclusões da apelação e por o procedimento cautelar ser admissível tem a decisão recorrida de ser totalmente revogada e os autos de seguir os termos subsequentes, como determinado no despacho liminar proferido no dia 23/12/2022.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam, integralmente, o despacho recorrido, determinando o prosseguimento do procedimento cautelar, com produção das provas propostas pelos requerentes.
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Custas pelos apelantes, sendo que a taxa de justiça paga é atendida a final, na ação respetiva (cfr. parte final do nº1, do art. 527º e nº2, do art. 539º).
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Porto, 9 de outubro de 2023
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
José Eusébio Almeida
Fátima Andrade
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[1] Sendo no requerimento inicial (junto aos presentes autos e cujo teor dá por reproduzido) alegados os seguintes factos::
1. Os requerentes são advogados e dedicam-se, entre outros, à representação forense dos seus constituintes.
2. No exercício da sua actividade profissional, foram prestados vários serviços à requerida, Designadamente,
3. No Processo nº 3447/18.2T8VNG, que correu os seus termos no Juiz 2, do Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, do Tribunal da Comarca do Porto;
4. No Processo nº 1608/21.6 T8VFR, que correu os seus termos no Juiz 3, do Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira, do Tribunal da Comarca de Aveiro e no seu apenso com o nº 1608/21.6 T8VFR A;
5. No Processo nº 3084/21.4 T8OAZ-A, que correu os seus termos no Juiz 1, dos Juízos de Execução de Oliveira de Azeméis, do Tribunal da Comarca de Aveiro e
6.Na Reclamação Graciosa junto do Serviço de Finanças de ... Santa Maria da Feira, sob o Processo nº ...41.
7.Pelos serviços prestados, a requerente apresentou à requerida várias notas discriminativas e justificativas de honorários e despesas, as quais totalizam a quantia de EUR 40.754,55 (quarenta mil setecentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta e cinco cêntimos),
8.Correspondendo:
i) EUR 26.281,95 (vinte e seis mil duzentos e oitenta e um euros e noventa e cinco cêntimos) aos serviços prestados no Processo nº 3447/18.2T8VNG, acima melhor
identificado cifra documento nº 1;
ii) EUR 9.323,20 (nove mil trezentos e vinte e três euros e vinte cêntimos) aos serviços prestados no Processo nº 1608/21.6 T8VFR e seu apenso A, acima melhor identificados cifra documento nº 2;
iii) EUR 1.742 (mil setecentos e quarenta e dois euros) aos serviços prestados no Processo nº 3084/21.4 T8OAZ-A, acima melhor identificado cifra documento nº 3 e
iv) EUR 3.407,4 (três mil quatrocentos e sete euros e quarenta cêntimos) aos serviços
prestados na Reclamação Graciosa Processo nº ...41, acima melhor identificado cifra documento nº 4.
9.Apesar do sucesso na Reclamação Graciosa supra identificada e no estorno, pela Fazenda Nacional, da quantia de EUR 27.000,00 (vinte e sete mil euros) à requerida, certo é que esta apenas liquidou EUR 150,00 (cento e cinquenta euros) das notas supra elencadas, recebidos a título de provisão.
10.Sem prejuízo das diversas interpelações, telefónicas e por escrito, efectuadas pelos requerentes, certo é que as notas de honorários e despesas em crise nunca vieram pagas cifra documento nº 5,
11.Mantendo-se o crédito dos requerentes vencido e por liquidar até à data da propositura deste procedimento.
12.Acresce ainda que, a requerida (em conjunto com outros mandantes dos requerentes, com relação familiar) revogou a procuração conferida aos requerentes, no processo 3084/21.4 T8OAZ-A.
13.rompendo-se, de forma irreversível, a relação de confiança que deve existir entre o causídico e o seu mandante.
14.Para obter o pagamento desta quantia os ora requerentes propõem contra os requeridos a presente acção.
15. A requerida tem vindo a praticar actos que têm vindo a desvalorizar a única propriedade que lhe é conhecida pelos requerentes o prédio urbano sito no Lugar ..., ..., freguesia ... e ..., composto por casa de três pavimentos e terreno junto, descrito junto da 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ...45, de ... e inscrito na respectiva matriz predial com o artigo ...23, das freguesias de ... e ... cifra documentos nºs 6 e 7,
16. sobre a qual está incrito um arresto, determinado pelo Processo nº 1608/21.6T8VFR-A, acima melhor identificado, pela quantia de EUR 118.319,59 (cento e dezoito mil trezentos e dezanove euros e cinquenta e nove cêntimos).
17.O património da requerente está reduzido àquele imóvel e não lhe são conhecidos outros rendimentos ou créditos passíveis de salvaguardarem o crédito dos aqui requerentes.
18.O supre exposto evidencia uma situação económica da requerida muito precária, havendo até justo receio de insolvência em face do provável sucesso da acção conexa ao arresto decretado no Processo nº 1608/21.6T8VFR-A, acima melhor identificado,
19. Ou eventual transação judicial, pela qual a requerente dê em pagamento o supra citado imóvel,
20. Frustrando, desta forma, o ressarcimento dos créditos dos aqui requerentes.
21.vox populi vendê-lo por preço declarado muito inferior ao seu de mercado,
22. Tendo sido, inclusive, visto no dia 13 de Outubro de 2022, serem tiradas fotografias ao imóvel por pessoas que se fizeram transportar no carro de uma mediadora imobiliária.
23. Desconhecendo os requerentes outros bens da requerida, incluindo o destino dos montantes que lhe foram estornados pela Fazenda Nacional,
24. É o imóvel supra identificado a única garantia patrimonial de que poderá lançar mão na cobrança do seu crédito,
25. Afigurando-se como muito provável que, saindo aquele bem da esfera jurídica patrimonial da requerida, a cobrança efectiva dos Requerentes se venha a tornar impossível.”
[2] Lucinda D. Dias da Silva, Processo Cautelar Comum, Princípio do Contraditório e dispensa de audição prévia do requerido, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 113.
[3] Cfr, contudo, o art. 369º, do Código de Processo Civil, com a epígrafe “Inversão do contencioso”
[4] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª edição, pág. 438
[5] Ac. RG de 23/5/2019, proc. 2259/19.0T8BRG.G1 in dgsi.pt. Aí se analisa “as providências cautelares são os meios processuais que a lei coloca ao dispor das partes com vista à necessidade de tutela urgente dos seus direitos, face à natural demora de uma ação judicial e aos danos graves e de natureza irreparável que essa demora seria suscetível de lhes causar, de molde que uma vez decidida a ação judicial tendo por objeto a lesão desse direito por parte dos terceiros demandados, com o trânsito em julgado da sentença que reconhecesse o direito ao requerente, já nada mais havia a fazer, ou escassamente havia a fazer, para a salvaguarda do direito em causa.
É assim, que conforme realça Marco Gonçalves, o que preside e justifica as providências cautelares é “a necessidade de tutela urgente de um direito, enquanto única forma de salvaguardar a sua proteção contra o receio de produção de um dano grave e irreparável ou de difícil reparação”, tratando-se de “medidas cautelares”, caracterizadas pela sua urgência e que se baseiam necessariamente num “juízo tendencialmente sumário e perfunctório”, necessário à tutela dos direitos subjetivos em risco, mas em que existe sempre um risco acrescido de neles serem proferidas decisões injustas decorrentes das menores exigências probatórias em relação aos direitos neles em litígio (1).
Deste modo, compreende-se que a concessão de uma providência cautelar não especificada, enquanto medida destinada à tutela provisória de um direito e à sua efetivação prática, mas que concomitantemente implica uma grave ingerência da esfera jurídica do requerido, tenha como requisitos processuais necessários: o “fumus boni iuris”, o “periculum in mora, o interesse processual e a proporcionalidade da providência (2).
É assim que preceitua o n.º 1 do art. 362º do CPC, que sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado”, acrescentando o seu n.º 2 que o interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor”.
[6] Acórdão do STJ de 24/2/2015, processo 915/09.0TBCBR.C1.S1,in dgsi.net.
[7] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2, 2017, Almedina pág 600.
[8] Embora, como refere no citado Acórdão do STJ de 24/2/2015O alcance do caso julgado, por razões de certeza e de segurança jurídica e de prestígio dos tribunais, não se limita aos estreitos contornos definidos, nos artigos 580.º e seguintes do CPC, para a excepção do caso julgado, antes se estendendo a situações em que apesar da ausência formal de identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento daquela figura jurídica está notoriamente presente”.
[9] O caso julgado visa, essencialmente, obstar a que «o tribunal decida de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta, já definida por decisão anterior, ou seja, desconheça de todo ou em parte os bens por ela reconhecidos e tutelados» (Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, p. 391 e s).
[10] Só vincula no próprio processo em que a decisão que o adquiriu foi proferida.
[11] Acórdão da Relação de Coimbra de 22/9/2015, processo 101/14.8TBMGL.C1, in dgsi.net
[12] Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, página 111
[13] Aberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, página 107
[14] Acórdão do STJ de 24/2/2015, processo 915/09.0TBCBR.C1.S1, in dgsi.net
[15] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª edição, pág. 15.
[16] Ibidem, pág. 14 e seg., sendo que, como aí se refere, a interpretação dada ao referido nº4, do art. 262º, do CPC, conforme ao texto da lei e ao espírito do legislador, inteiramente conforme ao sistema não é uniforme, sendo que “Interpretação diversa é feita por Abrantes Geraldes, Temas cit., III, p. 130, que entende inadmissível a dedução da mesma pretensão cautelar, isto é, de pretensão com o mesmo conteúdo e visando satisfazer o mesmo interesse que a anterior, ainda que tenha fundamento diverso; no mesmo sentido, Lopes do Rego, Comentários cit.I, p. 381. E Rui Pinto, Notas cit., n.º 9 da anotação ao art. 362 (com a ressalva da superveniência de factos, objetivos ou subjetivos). Veja-se no sentido correto (…) os Acs do STJ de 29-2-96 (Pereira da Graça), BMJ, 454, p. 663, de 7.7.99, Ferreira de Almeida, www.dgsi.pt, proc. 99B563, e de 8.1.15 (Tavares de Paiva), www.dgsi.pt, proc. 3589/08 (outros foram os factos invocados como fundamento do justo receio de perda da garantia patrimonial no novo arresto requerido), este por isso revogando o ac. do TRL de 29.4.14 (Anabela Calafate, com voto de vencido de Ana de Azeredo Coelho), www. Dgsi.pt, proc. 3589/08, que julgara, na linha do ac. do TRL de 31.1.13 (Olindo Geraldes), www.dgsi.pt, proc. 3705/11, que o preceito que comentamos ultrapassa os limites do caso julgado, dispensando a identidade de causa de pedir e contentando-se com a identidade das partes e do direito a garantir. Veja-se ainda, embora não seja claro se adere à tese aqui sustentada ou à de Abrantes Geraldes e Lopes do Rego, o ac. do TRC de 8.9.2015, Fonte Ramos, www.dgsi.pt, proc. 2560/10. Que “mesma causa” não é “mesmo processo”, mas mesmo litígio, julgaram - bem – os acs. do TRE de 12.3.09 (Almeida Simões), www.dgsi.pt, proc. 3014/08, e do TRL de 3.5.12 (Jerónimo Freitas), www.dgsi.pt, proc. 2737/11”.
[17] Cfr. Ac. da RP de 7/2/2022, em que a ora relatora também o foi, proferido no proc. 1741/10.0T2AVR-C.P1, acessível in dgsi.pt, onde se sumaria: “I - Não se verifica repetição do procedimento cautelar na dependência de uma causa (cfr. nº4, do art. 362º, do CPC, aplicável aos procedimentos especificados ex vi nº1, do art. 376º), (…) quando os fundamentos fácticos que sustentam o novo procedimento são diversos, por densificados por novos e supervenientes factos essenciais;
II - O procedimento cautelar de arresto depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:i)- probabilidade da existência do crédito; ii)- justo ou fundado receio de perda da garantia patrimonial.
III - Pressupõe o mesmo a alegação e prova (sumária) de factos suscetíveis de gerar perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito, assegurando-se com o arresto a sua efetiva execução.
(…) V - Para que se verifique o requisito de “justo receio” da perda da garantia patrimonial, necessária é a demonstração de razões objetivas que aconselhem uma decisão cautelar imediata, como fator de eficácia da ação declarativa e executiva”.
[18] Cfr. Ac. do STJ de 8/1/2015, proc. 3589/08.2YYLSB-G.L1.S1, in dgsi.pt, onde se decidiu “Não existe repetição de providência quando o requerente se limita a intentar uma outra alegando factos novos a integrar a respectiva causa de pedir, suprindo a insuficiência da alegação inicial” (Relator Tavares de Paiva e 1º Adjunto Abrantes Geraldes).
[19] Como referido vem na decisão proferida em 26/9/2023, pelo Senhor Desembargador Presidente do TRP, no âmbito do proc. 1531/21.4T8VFR.P2, desta secção.
[20] Ibidem
[21] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª Ed. 1981, p. 262 e seguintes
[22] Ac. do STJ, de 20/3/2014: Processo 1063/11.9TVLSB.L1.S1,in dgsi.net, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição Revista e Ampliada, Março de 2017, pág 703, onde se decidiu que “a condenação como litigante de má fé pode ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição “cuja falta de fundamento não devia ignorar”, ou seja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte, como litigante de má fé, demonstrando-se que o litigante tinha consciência “de não ter razão”, pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização”.
[23] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2º Volume, 3ª Edição, Almedina, pág 457
[24] Ibidem, pág 457
[25] Ibidem, pág 457
[26] Ac. da Relação de Coimbra de 16/12/2015, processo 298/14.7TBCNT-A.C1, in dgsi.net, onde se escreve “O juízo de censura que enforma o instituto radica na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa fé a que as partes estão adstritas, para que o processo seja “justo e equitativo“, e daí a designação, segundo alguns autores, de responsabilidade processual civil.
O âmbito da má fé abrange hoje não apenas o dolo, como a “negligência grave“, introduzida com a alteração ao CPC pelo DL nº 329-A/95, de 12 /12, concebida como erro grosseiro ou culpa grave, sem que seja exigível a prova da consciência da ilicitude da actuação do agente.
Por conseguinte, a lei tipifica as situações objectivas de má fé, exigindo-se simultaneamente um elemento subjectivo, já não no sentido psicológico, mas ético-jurídico. (…) Importa ter presente que actua de má fé não apenas a parte que tem consciência da falta de fundamento da pretensão ou oposição, como aquela que, muito embora não tenha tal consciência, deveria ter agido com o dever de cuidado. Além disso, o dever de verdade processual (alínea b)) pressupõe que a parte tem a obrigação de indagar a realidade em que funda a sua pretensão (dever de pré-indagação)”.
[27] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2008, p. 220/221
[28] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 457
[29] Alberto dos Reis, CPC Anotado, II, 3ª ed., p. 264).
[30] Ac. da Relação de Coimbra de 16/12/2015, processo 298/14.7TBCNT-A.C1, in dgsi.net
[31] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 461
[32] Ac. da Relação de Guimarães de 10/11/2011, Processo 387645/09.9YIPRT.G1, in dgsi.net
[33] José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, II, Coimbra Editora, 1982, pág. 263.
[34] Ac. do STJ, de 3/2/2011, Ver. 351/2000: Sumários, 2011, p. 77, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição Revista e Ampliada, Março de 2017, pág 703
[35] Alberto dos Santos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 2º, Coimbra Editora, pag. 263
[36] Ac. da Relação de Guimarães de 15/10/2015, processo 3030/11.3TJVNF.G1, in dgsi.net
[37] Ac. do STJ de 10/12/2015, Processo551/06: Sumários, 2015, pág 692, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição Revista e Ampliada, Março de 2017, pág 706.