Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1340/21.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MENDES COELHO
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS
TRATAMENTOS DENTÁRIOS
REVOGAÇÃO CONTRATUAL
Nº do Documento: RP202302271340/21.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 02/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O contrato que tem por objecto um tratamento médico dentário, mediante retribuição, integra um contrato de prestação de serviço que, embora socialmente típico, pois comum e recorrente, não está especialmente regulado; assim, na disciplina do mesmo há que, como previsto no art. 1156º do C. Civil, aplicar, com as necessárias adaptações, as disposições sobre o mandato.
II – A revogação de tal contrato pelo paciente integra um acto claramente possibilitado pelo nº1 do art. 1170º do C. Civil, onde se estabelece que o mandato é livremente revogável, o que está em plena conformidade com a natureza do contrato médico; trata-se de uma relação de índole pessoalíssima em que a confiança entre as partes é absolutamente essencial e, logo, a liberdade do paciente abandonar o contrato é imperiosa.
III – Tal revogação produz efeitos ex nunc, salvaguardando-se os actos já praticados pelo mandatário.
IV – Como tal, até à data da revogação salvaguardam-se os actos já praticados pelo mandatário/prestador do serviço, do que decorre que por referência a tal data há lugar às obrigações do mandante previstas nas alíneas b), c) e d) do art. 1167º (pagamento da retribuição, reembolso de despesas e indemnização do prejuízo sofrido em consequência do contrato) e, por via do disposto no art. 1172º c) – pois o contrato é oneroso e era para assunto determinado – há lugar à indemnização do mandatário/prestador do serviço pelo prejuízo por este sofrido.
V – Não se provando que aquando da desvinculação contratual tivessem ocorrido quaisquer despesas ou custos por parte do mandatário/prestador do serviço, não há que proceder a qualquer indemnização a tal título e há lugar, por parte deste, à obrigação prevista na alínea e) do art. 1161º (de o mandatário entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste, se o não despendeu normalmente no cumprimento do contrato).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº1340/21.0T8PRT.P1
(Comarca do Porto – Juízo Local Cível do Porto – Juiz 5)

Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

AA, residente na Rua ..., ... Lisboa, propôs acção declarativa comum contra “A..., Lda.”, com sede na Rua ... – RC, ... Porto, deduzindo o seguindo pedido:
a) seja a R. condenada a restituir à A. o valor de € 15.000,00 (quinze mil euros) deduzido do valor da consulta realizada em 02.08.2018 no valor estimado de € 200,00 (duzentos euros), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal desde a data da comunicação de resolução justificada do contrato, 20.07.2018, até efectivo e integral pagamento, e que à data de 22.01.2021 ascendem a € 1.466,21 (mil quatrocentos e sessenta e seis euros e vinte e um cêntimos).
Alternativamente, o que apenas se admite por cautela de patrocínio,
b) seja a R. condenada a restituir à A. o referido valor com fundamento no enriquecimento sem causa, acrescido de juros de mora desde a data da comunicação de resolução do contrato, 20.07.2018, até efectivo e integral pagamento, e que à de 22.01.2021 ascendem a € 1.466,21 (mil quatrocentos e sessenta e seis euros e vinte e um cêntimos).
c) Seja a R. condenada ao pagamento a título de danos morais no valor de € 2.000,00 (dois mil euros).
Alegou para tal, em síntese, o seguinte:
- na procura de tratamento dentário, em 21.06.2018 realizou junto da R. uma consulta no seu consultório, na qual lhe foi realizado um raio X panorâmico e, após análise e diagnóstico, foi apresentado pela R. um orçamento que incluía tratamentos que discriminou, o qual compreendia a realização de 10 consultas a serem realizadas ao longo do período de 12 meses e que tinha o valor global de € 26.977,00;
- em 02.07.2018 foi realizada a primeira consulta do tratamento dentário orçamentado, tendo sido tratadas três cáries dentárias, e nesse mesmo dia, para pagamento do início do tratamento, foi pela A. transferido para a R. o valor de € 15.000,00, tendo entretanto ficado marcada a segunda consulta para o dia 02.08.2018 para continuação do tratamento;
- sucede porém que tem poliomiosite, doença degenerativa, inflamatória, autoimune e altamente incapacitante, a qual afecta os músculos, causando muita dor, fraqueza e cansaço e causa, entre outros efeitos, insuficiência cardíaca, pulmonar e dificuldade em deglutir; a sua condição clínica, crónica e incurável, é bastante limitadora, não lhe permitindo viajar frequentemente de Lisboa para o Porto (ida e volta) para a realização das consultas, fazer jejuns prolongados (uma vez que tem de comer obrigatoriamente de duas em duas horas), bem como o próprio tratamento dentário envolve riscos para a saúde da A. que podem desencadear um drástico avanço da doença; por isso, no dia 20.07.2018, a A. contactou telefonicamente a R., na pessoa da sua secretária, para informar que tinha de parar o tratamento, informando, inclusivamente, que tal decisão acompanhava a firme instrução do Dr. BB, médico especialista em doenças autoimunes que acompanhava a A. no Hospital ...;
- além do referido contacto, outros foram efectuados, não tendo obtido qualquer resposta por parte da R. relativamente à impossibilidade de continuar com o tratamento por indicação médica e, assim, no dia 01.08.2018, remeteu email para a R. – na pessoa do seu Director Clínico, CC – a informar que por motivos de saúde não podia dar seguimento ao tratamento dentário, tendo para o efeito junto declaração médica emitida pelo Dr. BB;
- uma vez que não obteve qualquer resposta quanto à interrupção do tratamento, deslocou-se pessoalmente às instalações da R. para falar pessoalmente com o Director Clínico, CC, e solicitar a restituição do valor liquidado para pagamento das consultas futuras relativas ao orçamento para tratamento apresentado, deduzindo a consulta realizada no dia 02.07.2018;
- no seguimento de tal solicitação, a R. declinou restituir qualquer valor;
- em 23.10.2018 remeteu carta registada com aviso de recepção para a R., a solicitar, uma vez mais, a restituição do valor com que se locupletou no seguimento da revogação legítima e justificada do tratamento dentário;
- como consequência directa de toda a situação, sofreu grande ansiedade e transtorno, mal-estar esse que gerou privação de sono por inúmeras noites, tendo afectado e continuando a afectar o seu estado de saúde.
A ré deduziu contestação, alegando o seguinte:
- que após a elaboração do plano de tratamento da Autora e respectivo orçamento, em 21/6/2028, foi agendada para o dia 2 de Julho de 2018 a primeira consulta, realizada pelo Dr. DD, na qual foram realizados tratamentos de endodontia aos dentes n.ºs 17, 35 e 46 e, ainda, encerramento de diagnóstico com respectivo mockup para produção imediata das coroas provisórias em cerâmica, as quais foram logo encomendadas, conforme havia sido definido no plano de tratamento e respectivo orçamento;
- de forma a poder prosseguir com o plano de tratamento acordado e contratado com a A., foi agendada nova consulta, para o dia 2 de Agosto de 2018, na qual iriam ser colocados os implantes dentários;
- que no dia 1 de Agosto de 2018, ou seja, na véspera da data da consulta, a A. comunicou à R. a sua intenção de desistir do tratamento acordado, alegando para o efeito padecer de alguns problemas de saúde que a incapacitavam de continuar com o referido tratamento, e que pretendia ainda que a R. lhe devolvesse o montante de €15.000,00 que havia pago, montante esse que correspondia ao sinal entregue do valor total da prestação de serviços orçamentada;
- perante tal comunicação, a R. referiu prontamente que os tratamentos realizados se consubstanciavam num plano de tratamento pluridisciplinar, porquanto, as peças dentárias (coroas e facetas cerâmicas) haviam já sido confeccionadas no laboratório, tendo as mesmas já sido entregues à R. e, por essa razão não podiam proceder à devolução de tal montante, uma vez que a R. também já havia procedido ao pagamento daquele trabalho ao respectivo laboratório; como suporte desta sua alegação, referiu os documentos nºs 3 e 4 por si juntos (sendo o nº3 uma factura passada por “B..., Lda.” à Ré, como sede no mesmo local da sede desta, no montante de 10.939,20 €, e o nº4 um documento em língua inglesa no qual é referido o pagamento de um montante de 70.000 € a “C... Ltd” por referência a DD e pelo período de 1/3/2018 a 30/9/2018);
- que a A., na data dos exames de diagnóstico e de elaboração do plano de tratamento, não referiu ao médico que a assistiu qualquer impossibilidade física ou de saúde, situação essa que desde logo suscita dúvidas quanto à veracidade da alegação, mas sabendo já da sua condição a verdade é que assinou de livre vontade o documento inerente ao tratamento e pagou o respectivo preço;
- que o comportamento da Autora integra abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium;
- que inexiste qualquer locupletamento da R. à custa da A., pois o contrato foi livremente celebrado entre as partes e o preço da prestação de serviços pago igualmente de forma livre, pelo que nada foi indevidamente recebido; além do mais, uma vez que a R. possibilitou à A. a continuação do tratamento, que apenas foi interrompido por esta, também com este fundamento inexiste qualquer situação de enriquecimento sem causa e, assim sendo, não há lugar a qualquer restituição do preço pago pela A.;
- que inexistem os danos não patrimoniais alegados.
A autora impugnou os documentos nºs 3 e 4 juntos pela Ré com a contestação.
Na sequência da auscultação das partes, foi dispensada a audiência prévia e foi depois proferido despacho saneador, seguido de despacho de identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Procedeu-se a julgamento, tendo na sua sequência sido proferida sentença em que se decidiu a acção nos seguintes termos:
Em face do exposto, vistas as já indicadas normas jurídicas e os princípios indicados, julgo a ação procedente, condenando-se a Ré A..., Lda. a restituir à Autora AA a quantia de € 15.000 (quinze mil euros), acrescida de juros desde 20JUL2018 e até efetivo e integral pagamento”.
De tal sentença veio a Ré interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (note-se que a conclusão 26 está vazia de conteúdo, como ali consta):

1. Na sentença recorrida, além de terem sido cometidos erros na apreciação da matéria de facto, não foi feita uma correta interpretação e aplicação do direito atinente, impondo-se uma decisão diametralmente oposta.

2. O Erudito Tribunal de Primeira Instância andou mal ao considerar provada a factualidade descrita nos pontos 1, 2, 4 e 7 e ao ter considerado não provada a restante factualidade constante dos articulados e resultante da instrução da causa.

3. O legal representante da R. referiu expressamente que no dia 21 de junho de 2018, da parte da manhã, a Recorrida foi por si consultada para realização de diagnóstico com vista à elaboração de um plano de tratamento para reabilitação oral total; que a solicitação da A. (que pretendia otimizar a deslocação de Lisboa ao Porto), durante a hora do almoço, reuniu com dois colegas para planear o tratamento que foi apresentado à Recorrida no dia 21 de julho de 2018, durante a tarde; que, durante essa tarde, na segunda consulta do dia, após a A. ter aceite o orçamento e plano de tratamento, o Dr. DD realizou um tratamento endodôntico na A. (Localização: Dia 09/02/2022 – n.º ..., 00:01:12.2 a 00:02:17.9; 00:05:12.6 a 00:05:33.9, 00:06:12.0 a 00:006:12.6.)

4. A testemunha EE confirmou a factualidade relatada pelo legal representante da Recorrente (Localização Dia 07/03/2022 – n.º ..., 00:00:51.6; 00:04:48.8 a 00:04:53.2.)

5. A testemunha FF referiu que no dia 2 de julho de 2018, a A. foi novamente consultada pela R. (Localização: Dia 09/02/2022 – n.º ..., 00:05:33.3 a 00:05:39.5, 00:22:02.0 a 00:23:20.1

6. Toda esta prova impunha que os pontos 1, 2 e 4 dos factos provados tivesse a seguinte redacção:
1. Na procura de tratamento dentário, a Autora, em 21 de Junho de 2018, realizou duas consultas no consultório da Ré; 2. Na primeira consulta realizada no dia 21 de junho de 2018, a A. foi avaliada e diagnosticada com vista à elaboração de um plano de tratamento para reabilitação oral; 4. No dia 21 de Junho de 2018, após apresentação e aprovação do orçamento, foi iniciado o tratamento tendo sido realizada uma consulta de tratamento endodôntico.

7. A testemunha Dr. GG foi perentória ao confirmar que a A. padece de poliomiosite há vários anos, isto é, muito antes da celebração do contrato de prestação de serviços em discussão nos presentes autos (Localização: Dia 09/02/2022 – n.º ..., 00:01:23.4 a 00:01:33.6, 00:13:06.0), pelo que, o ponto 7 dos factos provados deveria ter o seguinte teor: 7. A Autora padece de poliomiosite pelo menos desde 2013, que é uma doença degenerativa, inflamatória, autoimune e incapacitante, que afeta os músculos e causa dor, fraqueza e cansaço, o que a Autora sabia muito antes de contratar os serviços da Ré, por tal doença lhe ter sido diagnosticada anos antes.

8. Do depoimento da mesma testemunha, resulta que a declaração médica referida no ponto 10 dos factos provados não visava proibir ou impedir o tratamento ajustado entre A. e R., pretendia apenas que servisse de alerta quanto aos fatores precipitadores de maior atividade da doença (Localização: Dia 09/02/2022 – n.º ..., de 00:19:50.2 a 00:20:10.9), pelo que, deveria ter sido incluída na matéria de facto provada que A doença aludida no ponto 7 não constitui um impedimento ou constrangimento à realização dos tratamentos acordados pela A. e R.

9. Através do documento n.º 3 junto aos autos com a contestação, é possível concluir que após a realização das consultas acima mencionadas, a R. encomendou ao laboratório B..., Lda., a produção das peças dentárias (coroas e facetas cerâmicas) que seriam colocadas à A. na consulta marcada para agosto de 2018, tal como era procedimento habitual da clínica, suportando, para o efeito, o pagamento do montante de € 10.939,20.

10. Esta factualidade, foi também confirmada pelo legal representante da A. (Localização: Dia 09/02/2022 – n.º ..., 00:06:12.6 a 00:09:49.6, 00:11:38.3) e pela testemunha EE (Localização: Dia 07/03/2022 – n.º ..., 00:04:09.2 a 00:04:16.9, 00:04:28.3 a 00:05:09.2, 00:05:17.3 a 00:05:18.7, 00:02:53:0 a 00:03:11:8), pelo que, entendemos que deveria ter sido incluída na listagem dos factos provados que:- Após a realização da consulta de diagnóstico e da consulta de tratamento, a R. encomendou ao laboratório B..., Lda., a produção das peças dentárias (coroas e facetas cerâmicas), suportando o pagamento do montante de € 10.939,20; - Na data em que a A. comunicou à R. que pretendia desistir do tratamento, as peças dentárias encomendadas ao laboratório B..., Lda., já se encontravam produzidas especificamente para a A., não sendo possível devolvê-las.

11. Do documento n.º 4 junto aos autos com a contestação resulta que, por força do contrato de prestação de serviços que celebrou com a A., a R. teve igualmente de suportar os honorários do Dr. DD, o que foi confirmado pela testemunha EE (Localização: Dia 07/03/2022 – n.º ..., 00:03:21:8 a 00:03:43:5), bem como pelo legal representante da R. (Localização: Dia 09/02/2022 – n.º ..., 00:11:25.0 a 00:12:01.6, 00:15:57.2 a 00:16:03.9, 00:16:42.4 a 00:16:48.7), pelo que, também deveria constar da matéria de facto provada que: - A R. pagou ao Dr. DD, o montante de € 5.000,00.

12. O tribunal a quo concluiu que, atenta a factualidade em causa nos presentes autos, o acordo de vontades das partes consubstancia um contrato de prestação de serviços inominado.

13. Mesmo que tal classificação estivesse, efetivamente, correta, ainda assim se impunha concluir que a solução de direito aplicada ao caso concreto não é acertada, pois, aplicar-se-ia ao caso dos autos o disposto no artigo 1170.º do Código Civil, que preceitua que o mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação, salvo nos casos em que o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, casos em que só poderá ser revogado em caso de acordo, ou ocorrendo justa causa.

14. A revogação, não se confundindo com a resolução, prevista no artigo 432.º e seguinte do Código Civil, produz apenas efeitos ex nunc, limitando-se a fazer cessar o contrato de prestação de serviços, estando, neste aspeto, mais próxima da denúncia, ou seja, tendo eficácia meramente ex nunc, a revogação do contrato de prestação de serviços não significa que se extinguem os direitos da parte a quem é imposta a revogação, sendo-lhe, consequentemente, inaplicável a disposição do artigo 433.º do Código Civil, preceito que equipara os efeitos da declaração resolutiva aos efeitos da anulabilidade (artigo 289.º do mesmo diploma).

15. A revogação unilateral não é passível de ser confundida com a resolução do contrato, a qual apenas é admitida nos casos previstos no contrato ou na lei, sendo indistintamente atribuída aqualquer uma das partes contratante e assenta, em regra, num poder vinculado, porquanto o autor da declaração resolutiva tem de alegar e demonstrar o fundamento resolutivo que suporta a destruição retroativa da relação contratual.

16. A atribuição de eficácia retroativa à declaração resolutiva visa repor, para o contraente cumpridor, a situação de que era titular aquando da celebração do contrato através da restituição do que prestou, ou seja, está indissociavelmente ligada à função recuperatória- liberatória desse mecanismo, o que ajuda a perceber as limitações à eficácia retroativa, nomeadamente a consagrada no n.º 2 do artigo 432.º do Código Civil, não sendo esse o escopo nem o alcance da faculdade conferida pelo n.º 1 do artigo 1170.º do Código Civil, como vimos, sendo que inexiste qualquer justificação para se operar a reposição do status quo pré-existente à celebração do contrato de prestação de serviços.

17. O ato de revogação unilateral preconizado pela Recorrida não poderá produzir efeitos retroativos, pois, os mesmos não são suscetíveis de serem determinados pelas partes.

18. O tribunal a quo decidiu mal, ao decidir que o R. sem que lhe tenha sido imputado pela A. qualquer facto ou causa de incumprimento do contrato celebrado, deva trabalhar graciosamente, empobrecendo à custa da A.

19. Diversamente do que entendeu o Tribunal a quo, julgámos que os efeitos da revogação unilateral não são aqueles que as partes entenderem conferir-lhe em ordem a regular os seus interesses, diferente seria se nos encontrássemos no campo do distrate ou da revogação do contrato de prestação de serviços por mútuo consenso, o que não sucede no caso concreto, pelo que, não se vê que, por força da revogação unilateral do contrato de prestação de serviços, impenda sobre a Recorrente a obrigação de devolver as quantias recebidas ao abrigo desse contrato.

20. Tal obrigação (de devolução do que foi prestado) também não pode assentar no instituto do enriquecimento sem causa, pois, o certo é que o pretenso empobrecimento da Recorrida, não é desprovido de causa justificativa, na medida em que, a facticidade descrita nos pontos 1), 2) e 3) dos factos provados evidencia que o pagamento do montante de € 15.000,00 assentou na existência de um contrato de prestação de serviços, sendo inviável à luz do que que ficou dito a propósito do regime da revogação unilateral do mesmo, a Recorrida obter, concomitantemente, com o efeito extintivo daquele ajuste, a restituição do que prestou.

21. Não há por parte da A. a invocação de qualquer evento objectivo que possa ser imputado à R. com significado bastante para provocar a cessação do contrato.

22. Não há qualquer “justa causa resolutiva” que possa ser imputada à R. que permita uma sanção de retroatividade de efeitos, e que permita a destruição do contrato assinado!!

23. Não há qualquer incumprimento da R. ao contrato de prestação de serviços celebrado entre A. e R.!

24. Não há leit-motiv da resolução, da relação sinalagmática, que possa por em causa a “lei contratual”.
25. A contraente tem o direito (irrenunciável) de se desvincular unilateralmente da contraente fiel, contudo, sem a imputação de qualquer efeito, ora liberatório, ora recuperatório, do eventualmente já prestado, uma vez que, a R. até à data cumpriu integralmente com a A. no âmbito das obrigações por si assumidas.
26.
27. Não há qualquer incumprimento contratual que permita um eventual funcionamento da falta de correspetividade contratual, não faz sentido punir a R. como parte cumpridora, privando-a do justo rendimento do tempo despendido e dos custos assumidos no âmbito do cumprimento contratual na procura célere de soluções mais convenientes para os interesses clínicos da A..

28. Mesmo que efetivamente se considerasse que a revogação do contrato de prestação de serviços extingue os direitos da parte a quem é imposta a revogação, o que apenas se concebe por mero dever de raciocínio, o certo é que, sempre se impunha concluir que a A. teria a obrigação da indemnizar a R., nos termos do disposto no artigo 1172.º do Código Civil, pelos danos que lhe causou, pois, ficou provado que a Recorrida foi consultada três vezes no gabinete da Recorrente; que a Recorrente elaborou um plano de tratamento, o qual foi elaborado por três médicos da sua equipa; que após as duas primeiras consultas, a Recorrente encomendou as peças dentárias para o tratamento da A., as quais não são suscetíveis de serem utilizadas noutros pacientes, e com as quais despendeu o montante de € 10.939,20; que a Recorrente suportou o pagamento de € 5.000,00 a título de honorários devidos a um dos médicos dentistas que consultou a Recorrida, pelo que, sempre se impunha concluir que a Recorrente é detentora de um crédito sobre a Recorrida, e, por via disso, não estava obrigada a proceder à devolução do montante de € 15.000,00 pago pela Recorrida.

29. Entende a Recorrente que o Tribunal a quo andou mal ao considerar que entre as partes foi celebrado um contrato de prestação de serviços inominado, pois, atenta a matéria de facto provada, impunha-se concluir que Recorrente e Recorrida celebraram um contrato de empreitada.
30. Os atos médicos, designadamente os relacionados com a realização de análises clínicas, exames radiológicos, tratamentos dentários, fornecimento e colocação de próteses dentárias, integram um contrato que visa a realização de uma certa obra – produção ou transformação de uma coisa – em favor do paciente.

31. A relação estabelecida entre o Médico e o Paciente que a ele acorre, tendo em vista beneficiar dos seus serviços está, assim, subordinada ao regime do contrato de empreitada.

32. O contrato de empreitada encontra-se regulado nos artigos 1207.º a 1230.º do Código Civil, sendo definido como aquele pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.

33. Este contrato constitui uma modalidade do contrato de prestação de serviços, que se distingue dele pois, na empreitada, o empreiteiro promete o resultado de um trabalho, sendo ele quem corre o risco e fixando-se a remuneração em função do resultado, enquanto na prestação de serviços o prestador promete uma atividade (o resultado do seu trabalho), correndo o risco por conta do beneficiário dessa atividade e sendo a remuneração fixada em função do tempo de atividade.

34. Quanto à extinção do contrato por desistência do dono da obra, prescreve o artigo 1229.º do Código Civil que “o dono da obra pode desistir da empreitada a todo o tempo, ainda que tenha sido iniciada a sua execução, contando que indemnize o empreiteiro dos seus gastos e trabalhos e do proveito que poderia tirar da obra”.

35. ficou provado que a Recorrida foi consultada três vezes no gabinete da Recorrente; que a Recorrente elaborou um plano de tratamento, o qual foi elaborado por três médicos da sua equipa.

36. ficou também demonstrado que após as duas primeiras consultas, a Recorrente encomendou as peças dentárias para o tratamento da A., as quais não são susceptíveis de serem utilizadas noutros pacientes, e com as quais despendeu o montante de € 10.939,20.

37. Do mesmo modo, ficou também demonstrado que a Recorrente suportou o pagamento de € 5.000,00 a título de honorários devidos a um dos médicos dentistas que consultou a Recorrida.

38. Pelo que, reitera-se, sempre se impunha concluir que a Recorrente é detentora de um crédito sobre a Recorrida, e, por via disso, não estava obrigada a proceder à devolução do montante de € 15.000,00 pago pela Recorrida.

39. Embora efetivamente a Recorrida pudesse desistir do tratamento dentário que havia iniciado com a Recorrente, o certo é que, teria a obrigação de indemnizar esta pelo tempo despendidos com as consultas e dos gastos que a mesma teve com o pagamento dos honorários do médico dentista que a consultou, e ainda com as próteses dentárias que mandou produzir, pelo que, se impunha igualmente concluir que a Recorrida não tinha direito a ser restituída do montante de € 15.000,00 que pagou à Recorrente.

40. A sentença violou, assim, o disposto nos artigos 1170.º n.º 1, 1172.º e 1229.º do Código Civil.

A autora apresentou contra-alegações, defendendo a total improcedência do recurso, com a manutenção na íntegra da sentença recorrida.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), tendo em conta a lógica e necessária precedência das questões de facto relativamente às questões de direito, são as seguintes as questões a tratar:
a) – apurar das alterações à matéria de facto da decisão recorrida propugnadas pela recorrente;
b) – apurar da eventual repercussão da reapreciação da decisão da matéria de facto na solução jurídica do caso, sendo nesta sede de apurar da desvinculação contratual efectivada pela autora e seus efeitos.
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II – Fundamentação

Vamos à questão enunciada sob a alínea a).
A recorrente, com base em depoimentos cujos excertos identifica por referência ao tempo da respectiva gravação e transcreve (depoimento da testemunhas CC, EE, FF e BB) e em documentos que identifica (documentos nºs 3 e 4 que juntou com a sua contestação), defende a alteração do julgamento da matéria de facto efectuado pelo tribunal recorrido relativamente aos pontos 1, 2, 4 e 7 dos factos provados e a inclusão na matéria de facto provada de novos itens nos seguintes termos:
- que o ponto 1, cujo conteúdo é “Na procura de tratamento dentário, a Autora, em 21JUN2018, realizou uma consulta no consultório da Ré”, seja alterado no sentido de dele passar a constar: “Na procura de tratamento dentário, a Autora, em 21 de Junho de 2018, realizou duas consultas no consultório da Ré”;
- que o ponto 2, cujo conteúdo é “Nessa mesma consulta, após análise e diagnóstico, foi apresentado pela Ré um orçamento que incluía os seguintes tratamentos:
- “Cirurgia periodontal da zona do dente 14 ao 24, no valor de € 1.800;
- Retratamento Endodôntico dos dentes 11, 16 e 46, no valor de € 750;
- Tratamento endodôntico dos dentes presentes, no valor de € 3.400;
- Cirurgia para colocação de impantes na zona do dente 36 com coroa cerâmica (possível implante no dente 35), no valor de € 3.000;
- Reabilitação oral fixa implanto dento suportada, no valor de € 18.000.”,
seja alterado no sentido de dele passar a constar:
Na primeira consulta realizada no dia 21 de junho de 2018, a A. foi avaliada e diagnosticada com vista à elaboração de um plano de tratamento para reabilitação oral”;
- que o ponto 4, cujo conteúdo é “Foi realizada a primeira consulta do tratamento dentário em 2JUL2018”, seja alterado no sentido de dele passa a constar: “No dia 21 de Junho de 2018, após apresentação e aprovação do orçamento, foi iniciado o tratamento tendo sido realizada uma consulta de tratamento endodôntico”;
- que o ponto 7, cujo conteúdo é “A Autora padece de poliomiosite, que é uma doença degenerativa, inflamatória, autoimune e incapacitante, que afeta os músculos e causa dor, fraqueza e cansaço”, seja alterado no sentido de dele passar a constar: “A Autora padece de poliomiosite pelo menos desde 2013, que é uma doença degenerativa, inflamatória, autoimune e incapacitante, que afeta os músculos e causa dor, fraqueza e cansaço, o que a Autora sabia muito antes de contratar os serviços da Ré, por tal doença lhe ter sido diagnosticada anos antes”;
- que deve ser incluído na matéria de facto provada que “A doença aludida no ponto 7 não constitui um impedimento ou constrangimento à realização dos tratamentos acordados pela A. e R.”;
- que deve ser incluído na matéria de facto provada que “Após a realização da consulta de diagnóstico e da consulta de tratamento, a R. encomendou ao laboratório B..., Lda., a produção das peças dentárias (coroas e facetas cerâmicas), suportando o pagamento do montante de € 10.939,20”;
- que deve ser incluído na matéria de facto provada que “Na data em que a A. comunicou à R. que pretendia desistir do tratamento, as peças dentárias encomendadas ao laboratório B..., Lda., já se encontravam produzidas especificamente para a A., não sendo possível devolvê-las”;
- que deve ser incluído na matéria de facto provada que “A R. pagou ao Dr. DD, o montante de € 5.000,00”.
Analisemos.
Cumpre referir que, nos termos do art. 607º nº5 do CPC, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (essa livre apreciação só não abrange as situações referidas na segunda parte de tal preceito), não se podendo esquecer que o tribunal, nos termos do art. 413º do CPC, “deve tomar em consideração todas as provas produzidas”.
Ou seja, a prova deve ser apreciada globalmente, sendo corolário em sede de recurso de tal comando o disposto no art. 662º nº1 e 2, alíneas a) e b), do CPC, quando dali com evidência se conclui que a Relação “tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” (como refere António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª edição, 2018, pág. 287).
Além disso, precisa-se, desde que se mostrem cumpridos os requisitos formais previstos no art. 640º do CPC, a Relação não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (como refere aquele mesmo autor, naquela mesma obra, a págs. 293).
Tendo presente estes pressupostos, analisemos então as alterações propugnadas.
Comecemos pela alteração pretendida ao ponto 1 dos factos provados.
A recorrente pretende que se dê como provado que, no circunstancialismo de tempo e lugar nele referido, foram realizadas, em vez de uma, duas consultas.
Tal facto – duas consultas naquele dia – ninguém o alegou: a autora, nos artigos 1º e 2º da petição inicial, alegou uma consulta; a ré/recorrente, na sua contestação, nada disse em contrário disso (nem sequer impugnou expressamente aqueles artigos) e, nos artigos 2º e 3º da sua contestação, até confirma aquela alegação da autora (refere expressamente no artigo 2º “uma consulta”).
Ora, a factualidade a ter em conta na acção, salvo os casos previstos nas alíneas do nº2 do art. 5º do CPC [e este segmento de factualidade não se integra em nenhum de tais casos, pois não se inclui manifestamente nas suas alíneas a) e c) e, quanto à sua alínea b), é um facto novo e autónomo] é a alegada nos articulados e não a referida nos depoimentos prestados em audiência de julgamento.
Os depoimentos (assim como os documentos que se juntam aos autos atinentes à factualidade em discussão), são elementos probatórios do alegado (servem para a sua prova ou não prova) mas não são, por si só, fonte de matéria nova.
A assim não se considerar, por este andar vertia-se na factualidade da sentença o que as testemunhas e/ou outros depoentes iam dizendo e não o alegado nos articulados, sendo que é com o que nestas peças processuais se diz que se conformam os fundamentos fácticos da acção e da defesa.
Como tal, independentemente dos conteúdos dos depoimentos referidos pela ré/recorrente e do relevo que lhes possa ser dado, porque o segmento factual pretendido não integra factualidade alegada, é desde logo de fazer improceder quanto a tal factualidade a pretensão probatória em análise.
Como tal, mantém-se nos seus precisos termos o ponto 1 dos factos provados.
Passemos para o ponto 2 dos factos provados.
Mantendo-se, como decidido antes, o ponto 1 dos factos provados, a alteração pretendida ao ponto 2 não faz sentido: tendo havido, como se refere naquele ponto 1, uma consulta naquele dia 21 de Junho de 2018, o que consta sob o ponto 2 não é mais do que o alegado pela autora no artigo 2º da petição inicial, artigo este que, como já se referiu, não foi impugnado pela ré; além disso, o conteúdo de tal ponto 2, na parte atinente aos tratamentos e orçamento ali aludidos, corresponde ao documento nº1 junto com a petição inicial, o qual não foi impugnado pela ré (aliás, tanto quanto do mesmo se vê, é um documento emanado dela própria).
Como tal, improcede também a pretensão de alteração deste ponto dos factos provados, o qual por isso também se mantém nos seus precisos termos.
Passemos para o ponto 4 dos factos provados.
O conteúdo de tal ponto corresponde ao alegado no artigo 4º da petição, o qual apenas foi impugnado pela ré na parte em que ali se alega o tratamento de três cáries dentárias.
A alteração propugnada para este ponto integra também matéria não alegada pela ré e, diga-se, bem diferente e até contraditória com a que a mesma alega nos artigos 5º e 6º da sua contestação (onde se diz que a primeira consulta do tratamento contratado foi agendada para o dia 2 de Julho de 2018 – nesta parte de forma consentânea com o alegado no artigo 4º da petição inicial – e que foi nessa consulta que foram realizados tratamentos de endodontia).
Não correspondendo a factualidade em causa a matéria alegada, colhem aqui as considerações que já acima se aduziram no sentido, repetimos, de que a factualidade a ter em conta na acção, salvo os casos previstos nas alíneas do nº2 do art. 5º do CPC (e este segmento de factualidade também não se integra em nenhum de tais casos), é a alegada nos articulados e não a referida nos depoimentos, pois estes são elementos probatórios do alegado, mas não são, por si só, fonte de matéria nova.
Como tal, independentemente dos conteúdos dos depoimentos referidos pela Ré e do relevo que lhes pudesse ser dado, porque a alteração factual pretendida nem sequer integra factualidade alegada, é de fazer improceder tal pretensão.
Assim, mantém-se aquele ponto 4 dos factos provados nos seus precisos termos.
Passemos agora para o ponto 7 dos factos provados.
A ré pretende também fazer constar do mesmo que a autora padece de poliomiosite “pelo menos desde 2013” e que as características e efeitos de tal doença ali referidos são algo “que a Autora sabia muito antes de contratar os serviços da Ré, por tal doença lhe ter sido diagnosticada anos antes”.
Aquela primeira asserção não consta alegada por qualquer das partes.
A segunda asserção integra matéria, além de também não alegada, claramente conclusiva e, como tal, contrária à matéria estritamente factual que deve ser seleccionada para a fundamentação de facto, como explicitamente decorre do nº4 do art. 607º do CPC (tal asserção integrará uma conclusão interpretativa ou raciocínio a retirar ou a considerar pelo tribunal perante concretos factos provados, mas já em sede de fundamentação de direito e não nesta sede puramente factual).
Por outro lado, a matéria já constante daquele ponto 7 foi alegada pela própria autora no pressuposto assumido de que já tinha aquela doença antes de se vincular contratualmente com a ré, como se vê dos artigos 7º a 10º da petição inicial.
Assim, porque as referidas asserções integram matéria não alegada e a segunda delas ainda matéria conclusiva, é também de fazer improceder a alteração em análise.
Debrucemo-nos agora sobre os pontos de factualidade que a recorrente/ré pretende introduzir na factualidade provada e cujo conteúdo acima já se referiu.
Comecemos pelo primeiro, que a recorrente pretende seja incluído com base no depoimento da testemunha BB, com a redacção “A doença aludida no ponto 7 não constitui um impedimento ou constrangimento à realização dos tratamentos acordados pela A. e R.”.
Tal factualidade, como se vê do conteúdo do articulado de contestação, mais uma vez, não corresponde a matéria alegada.
Assim, colhem aqui, mais uma vez, as considerações acima tecidas no sentido de que a factualidade a ter em conta na acção, salvo os casos previstos nas alíneas do nº2 do art. 5º do CPC (e este segmento de factualidade também não se integra em nenhum de tais casos), é a alegada nos articulados e não a referida por via de depoimentos.
Como tal, independentemente do conteúdo do depoimentos referido pela recorrente e do relevo que lhes pudesse ser dado, porque o segmento factual pretendido incluir não integra factualidade alegada, é de fazer improceder tal pretensão.
Vamos agora aos pontos de factualidade que a recorrente pretende sejam incluídos com base nos depoimentos das testemunhas CC e EE e no documento nº3 junto com a contestação, um com a redacção “Após a realização da consulta de diagnóstico e da consulta de tratamento, a R. encomendou ao laboratório B..., Lda., a produção das peças dentárias (coroas e facetas cerâmicas), suportando o pagamento do montante de € 10.939,20” e outro com a redacção “Na data em que a A. comunicou à R. que pretendia desistir do tratamento as peças dentárias encomendadas ao laboratório B.... Lda., já se encontravam produzidas especificamente para a A., não sendo possível devolvê-las”.
Quanto à factualidade do primeiro ponto é de referir o seguinte: tal factualidade não se encontra assim alegada em nenhum articulado, designadamente pela ré na sua contestação; esta refere, no artigo 6º desta peça, que foi só na consulta de 2 de Julho de 2018 que foi feito o que chama de “mockup” para produção imediata das coroas provisórias em cerâmica, as quais, nessa sequência, “foram logo encomendadas”, não se referindo em qualquer artigo o nome da clínica “B..., Lda.” nem aquele valor de “€ 10.939,20”; esta clínica e tal valor só “aparecem” na factura referenciada no artigo 14º da contestação, junta pela ré com tal peça como doc. nº3, sendo que de tal factura consta como data de emissão 31/12/2018 e data de vencimento 30/1/2019 e na mesma referem-se “serviços técnicos prótese dentária”.
Quanto à factualidade do segundo ponto, é também de referir que a mesma não consta assim alegada em lado nenhum.
Um e outro de tais pontos acabam por contender com a matéria alegada na contestação sob os artigos 6º (atinente à consulta de 2/7/2018 e efectivação nela do “mockup” para produção imediata das coroas provisórias em cerâmica e encomenda destas), 8º (na parte atinente à colocação de implantes dentários na consulta agendada para 2 de Agosto de 2018), 13º (na parte em que ali se refere que aquando da comunicação da autora à ré de 1 de Agosto de 2018 as peças dentárias – coroas e facetas cerâmicas – haviam já sido confeccionadas no laboratório, tendo as mesmas já sido entregues à R.) e 14º (em que se alega que a ré já havia procedido ao pagamento daquele trabalho ao respectivo laboratório e no qual se referenciam os documentos nºs 3 e 4 juntos com a contestação).
Toda tal matéria foi considerada não provada na sentença recorrida, embora sob a forma residual ali constante de “Todos os restantes factos descritos nos articulados, bem como os aventados na instrução da causa, distintos dos considerados provados - discriminados entre os “factos provados” ou considerados na “motivação” (aqui quanto aos instrumentais) -, resultaram não provados.” – a qual, diga-se, é absolutamente conclusiva e não concretizadora seja do que for e está em manifesta oposição com a exigência legal feita no art. 607º nº4 do CPC, onde se diz que na fundamentação da sentença o juiz declara “quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados” [o que traduz, inequivocamente, uma exigência de especificação ou concretização efectiva dos factos em causa – designadamente, como nos parece óbvio, de todos os factos alegados pelo Autor constitutivos do direito invocado por este e de todos os factos alegados pelo Réu como impeditivos, modificativos ou extintivos daquele direito, como decorre do art. 342º nºs 1 e 2 do CC e dos arts. 5º nº1, 552º nº1 d) e 572º c) do CPC].
Ora, sobre aquela factualidade, ouvidos os depoimentos prestados em audiência, nomeadamente os invocados pela recorrente, e analisando os dados documentais constantes dos autos, verifica-se o que se passa a referir.
A testemunha CC, sócio da ré, referiu que pelo Dr. DD foi feito um scanner da boca para mandar fazer as facetas e as coroas e que tal material foi mandado para o laboratório, para produzir, para na próxima consulta a paciente poder já colocar as facetas nos dentes; disse inclusivamente que “se for necessário, nós conseguimos fazer chegar quer o scanner quer esse material”.
A testemunha EE, funcionária administrativa da ré, referiu o seguinte: que em vista de aplicar os implantes e preparar os dentes para as facetas, o procedimento da clínica (da ré) é pedir ao laboratório para fazer a parte da prótese; que o laboratório precisa de cerca de uma a duas semanas para fazer esse trabalho; que deram logo a ordem para tal, com vista a tal trabalho estar feito a tempo da consulta marcada para o dia 2 de Agosto de 2018; que a factura junta pela ré com a contestação como documento nº3 está relacionada com tal trabalho do laboratório.
Ora, não se mostra junta aos autos qualquer ficha clínica ou registo clínico onde, sob uma qualquer forma, conste a menção a um qualquer concreto tratamento efectuado à autora na consulta de 2/7/2018 ou a realização de um qualquer trabalho preparatório e necessário à produção imediata de coroas e facetas cerâmicas. Quanto a tal dia, consta apenas o documento nº2 junto com a contestação, que integra uma factura recibo no valor de 15.000 euros passada à autora, onde se refere genericamente “serviços de medicina dentária”, sendo que aquela quantia, como qualificado pela própria ré no artigo 10º da contestação, “correspondia ao sinal entregue do valor total da prestação de serviços orçamentada”.
Note-se que a autora veio a 3/5/2021 requerer a junção aos autos de cópia integral do seu registo clínico e de todos os elementos de suporte ao mesmo, invocando para tal o disposto no nº4 do art. 30º e nº1 do art. 31º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos Dentistas, onde se prevê, sob aquele nº4 do art. 30º, que “O processo clínico individual é integrado pela ficha clínica e por todos os meios auxiliares de diagnóstico, incluindo fotografias, modelos, exames imagiológicos e por todo o tipo de informação do doente recolhida durante o período de diagnóstico e tratamento”, e sob aquele nº1 do art. 31º que “Quando solicitado pelo doente ou pelo seu representante legal, o médico dentista deve fornecer a informação clínica relacionada com o diagnóstico e tratamento prestado, bem como, todos os suportes dos meios auxiliares de diagnóstico, ou respetivas réplicas, que lhe digam respeito.”, e tendo tal requerimento sido deferido por despacho proferido a 25/5/2021 (aquando do despacho saneador), na sequência dele veio a ré, a 7/6/2021, juntar documentos que mais não são do que documentos já juntos com a petição inicial (plano de tratamento e orçamento, termo de consentimento e factura recibo de 2/7/2018) e por si juntos com a contestação (aqueles mesmos documentos e ainda ficha sobre história clínica da autora e factura referenciada como doc. nº3), nada deles constando no sentido da aludida concretização de tratamentos efectuados ou de um qualquer trabalho preparatório e necessário à produção imediata de coroas e facetas cerâmicas.
Note-se ainda que nessa sequência, veio a autora, a 28/6/2021, requerer, de novo, a notificação da ré no sentido de esta proceder à “junção de todos os elementos clínicos existentes – entenda-se, moldes, radiografias, registo dos dentes tratados com referência ao médico interveniente, etc.”, que foi proferido despacho a tal deferir a 30/6/2021 e que a ré, notificada para tal a 1/7/2021, não deu qualquer resposta a tal solicitação.
Além disso, da factura junta com a contestação como documento nº3 – no valor de 10.939,20 euros, emitida por “B..., Lda.”, com data de emissão de 31/12/2018 e data de vencimento a 30/1/2019 – nada resulta de forma minimamente segura que corresponda a trabalhos referentes ao tratamento da autora, pois, além de tais trabalhos, como se referiu, não estarem referenciados em qualquer registo clínico ou ficha clínica referente à autora – e deveriam estar, face à supra referida previsão do nº4 do art. 30º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos Dentistas, pois prevê-se no nº1 daquele mesmo art. 30º que “O prestador de cuidados de saúde de medicina dentária deve ter um arquivo onde figurem todos os processos clínicos individuais dos doentes independentemente do seu formato, o qual deve conservar pelo prazo mínimo de 20 anos” e, como se prevê no art. 2º de tal diploma (Regulamento n.º 515/2019, publicado na 2.ª série do Diário da República, n.º 115, de 18 de Junho), as suas disposições têm carácter obrigatório e são aplicáveis a todos os seus membros no exercício da sua profissão e actividade, independentemente do regime em que esta seja exercida –, a data de emissão de tal factura, com a menção vaga de “serviços técnicos prótese dentária”, é muito posterior, em vários meses, à data dos factos em questão (Julho/Agosto de 2018).
Deste modo, na sequência do que se veio de analisar, é de concluir que não se fez prova que se possa ter como segura daquela factualidade que se referiu e alegada pela ré, nos termos supra aludidos, nos artigos 6º, 8º, 13º e 14º da contestação.
Assim, há que considerar a mesma como não provada, como se fez na decisão recorrida, embora na elencagem de factualidade que se vai efectuar em vista do tratamento da segunda questão enunciada se vá discriminar a mesma.
Resta agora apurar do ponto que a recorrente pretende seja incluído, com base no documento nº4 por si junto com a contestação e na alegada confirmação do mesmo pela testemunha EE, com a redacção “A R. pagou ao Dr. DD, o montante de € 5.000,00”.
Aquele documento nº4 junto com a contestação é um documento em língua inglesa, refere-se nele um montante global de pagamentos no valor de 70.000 euros feito pela ré a uma sociedade (C... Ltd) por referência a trabalho efectuado por DD (que será o médico identificado no artigo 5º da contestação) e que abrange o período de 1/3/2018 a 30/9/2018.
Portanto, não podemos deixar de o dizer, está muito longe de, por si só, documentar um qualquer pagamento de 5000 euros por causa de um qualquer tratamento efectuado à autora e só a ela.
De qualquer modo, aquela factualidade, como se vê do conteúdo do articulado de contestação, não corresponde a matéria alegada.
Assim, colhem aqui, mais uma vez, as considerações acima tecidas no sentido da sua não consideração, do que decorre que é de fazer improceder a pretensão da recorrente quanto a tal ponto de factualidade.

Passemos agora à segunda questão enunciada.
É a seguinte a matéria de facto provada e não provada a ter conta [decorrente da factualidade da sentença recorrida que não foi objecto de impugnação e do referido anteriormente quanto à matéria de facto não provada que se aludiu, conformando-se toda ela com uma numeração própria, o que se faz ao abrigo do disposto nos arts. 663º nº2 e 607º nº4, 2ª parte, do CPC]:
Factos provados:
1. Na procura de tratamento dentário, a Autora, em 21JUN2018, realizou uma consulta no consultório da Ré, a qual é uma sociedade que exerce com fim lucrativo a atividade de prestação de serviços médicos na área da medicina dentária.
2. Nessa mesma consulta, após análise e diagnóstico, foi apresentado pela Ré um orçamento que incluía os seguintes tratamentos:
- “Cirurgia periodontal da zona do dente 14 ao 24, no valor de € 1.800;
- Retratamento Endodôntico dos dentes 11, 16 e 46, no valor de € 750;
- Tratamento endodôntico dos dentes presentes, no valor de € 3.400;
- Cirurgia para colocação de impantes na zona do dente 36 com coroa cerâmica (possível implante no dente 35), no valor de € 3.000;
- Reabilitação oral fixa implanto dento suportada, no valor de € 18.000.”
3. O orçamento apresentado pela Ré à Autora compreendia a realização de 10 consultas, ao longo de 12 meses, com o valor global de € 26.977, sendo que a Autora deu o seu acordo àquele plano de tratamento e o respectivo orçamento, assinando para o efeito os respectivos documentos.
4. Foi realizada a primeira consulta do tratamento dentário em 2JUL2018.
5. Nesse mesmo dia, para pagamento do início do tratamento, foi pela Autora transferido para a Ré o valor de € 15.000.
6. Ficou marcada a segunda consulta para o dia 2AGO2018, para continuação do tratamento.
7. A Autora padece de poliomiosite, que é uma doença degenerativa, inflamatória, autoimune e incapacitante, que afeta os músculos e causa dor, fraqueza e cansaço e pode causar dificuldades em deglutir.
8. Perante o descrito em 7), no dia 20JUL2018, o marido da Autora contactou telefonicamente a Ré, na pessoa da sua secretária, para informar que tinha de parar o tratamento.
9. E, no dia 1AGO2018, a Autora enviou um e-mail para a Ré, na pessoa do seu Diretor Clínico, CC, que o recebeu, a informar que por motivos de saúde não podia dar seguimento ao tratamento, e-mail esse que se mostra junto com a petição inicial e cujo teor se transcreve:
Ex.mo Prof. Doutor CC.
Estava agendado para amanhã duas consultas no seguimento do plano dentário elaborado por si, mas, conforme avisei previamente por telefone para o A..., não vou comparecer, e vou ter que desistir do tratamento que o Sr Prof elaborou por mim.
Aconteceu que não estou capaz por minha doença, suportar o tipo de intervenção médica a que seria sujeita, e o cansaço muito grande no meu primeiro dia também torna insuportável a continuidade.
Contra outras opiniões fiz questão de me deslocar ao Porto para ser tratada por si devido á óptima impressão que fiquei nos seus programas televisivos.
Já foram feitos pagamento, possuo a factura ainda comigo, julgo que da sua parte tudo será feito de acordo, para satisfação minha e sua.
Junto anexo uma declaração médica da pessoa que me tem acompanhado que não gostou que eu não o tivesse consultado antes.
Peço muita desculpa deste transtorno, foi o meu entusiasmo que motivou esta maneira precipitada de assumir o tratamento consigo.
Fico então a aguardar noticias para que tudo se resolva a contento.
Os meus sinceros cumprimentos e agradeçimentos
AA”,
seguindo em anexo a declaração médica emitida pelo Dr. BB em 1AGO2018 e que se mostra junta aos autos com a petição inicial e cujo teor se transcreve:
DECLARAÇÃO
Eu, BB, médico com a cédula profissional nº ... da Ordem dos Médicos da Região Sul, declaro sob honra profissional que a doente AA tem Polimiosite, uma doença crónica e incurável.
Encontra-se nas terapêuticas imunossupressoras com metotrexato.
Esta doença é exacerbada por situações de stress emocional e exercício físico prolongado, pelo que não recomendo viagens prolongadas.
Adicionalmente a realização no passado de um bypass gástrico obriga ainda à alimentação fracionada de duas horas, pelo que não recomendo períodos de jejum prolongado”.
10. O marido da Autora deslocou-se pessoalmente às instalações da Ré para falar pessoalmente com o Diretor Clínico, CC, e solicitar a restituição do valor liquidado.
11. A Ré declinou restituir qualquer valor.
12. Em 23OUT2018, a Autora enviou missiva à Ré a solicitar uma vez mais a restituição do valor pago.

Factos não provados:
a) – que na consulta de 2 de Julho de 2018 tivessem sido efectuados tratamentos de endodontia aos dentes n.ºs 17, 35 e 46 e, ainda, efectuado mockup para produção imediata das coroas provisórias em cerâmica, as quais foram logo encomendadas;
b) – que na consulta agendada para o dia 02 de agosto de 2018 iriam ser colocados os implantes dentários;
c) – que aquando da comunicação da autora à ré de 1 de Agosto de 2018, referida sob o nº9, as peças dentárias – coroas e facetas cerâmicas – haviam já sido confeccionadas no laboratório, tendo as mesmas já sido entregues à R.;
d) – que a ré houvesse já procedido ao pagamento daquele trabalho ao respectivo laboratório e que a factura junta com a contestação como documento nº3, no montante de 10.939,20 euros, seja referente a tal.
*
Como decorre dos pontos 2 e 3 dos factos provados, entre a autora e a ré foi celebrado um contrato de prestação de serviço, o qual consistia num tratamento médico dentário a efectuar pela última à primeira, mediante retribuição (art. 1154º do C. Civil).
Tal contrato de prestação de serviço, embora socialmente típico, pois comum e recorrente, não está especialmente regulado.[2]
Assim, na disciplina do mesmo há que, como previsto no art. 1156º do C. Civil, aplicar, com as necessárias adaptações, as disposições sobre o mandato constantes dos arts. 1157º e sgs. do C. Civil.
Em sede de tais disposições, preceitua-se o seguinte:
- sob a alínea e) do art. 1161º, que “O mandatário é obrigado… A entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste, se o não despendeu normalmente no cumprimento do contrato”;
- sob as alíneas b), c) e d) do art. 1167º, que “O mandante é obrigado… b) A pagar-lhe a retribuição que ao caso competir, e fazer-lhe provisão por conta dela segundo os usos; c) A reembolsar o mandatário das despesas feitas que este fundadamente tenha considerado indispensáveis, com juros legais desde que foram efectuadas; d) A indemnizá-lo do prejuízo sofrido em consequência do mandato, ainda que o mandante tenha procedido sem culpa”;
- sob o nº1 do art. 1170º que “O mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação”;
- sob o art. 1172º e sua alínea c) que “A parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer:… c) Se a revogação proceder do mandante e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que o mandante o revogue sem a antecedência conveniente”.
No caso, a autora, por via da comunicação de 20 de Julho de 2018 (referida sob o nº8 dos factos provados) e secundada pelo email por si enviado em 1 de Agosto de 2018 (referido sob o nº9 dos factos provados), decidiu parar o tratamento médico dentário que tinha contratado com a ré.
Desse modo, actuou a revogação imprópria do contrato prevista no art. 1170º (pois a revogação em sentido próprio corresponde à livre extinção de um acto jurídico pelo respectivo sujeito ou respectivos sujeitos[2]).
Tal revogação integra um acto claramente possibilitado pelo nº1 do art. 1170º. Como refere João Carlos Gralheiro[3], “[o] art. 1170º estabelece que o mandato é livremente revogável, o que está em plena conformidade com a natureza do contrato médico; trata-se de uma relação de índole pessoalíssima em que a confiança entre as partes é absolutamente essencial e, logo, a liberdade do paciente abandonar o contrato é imperiosa”.
Por outro lado, tal revogação produz efeitos ex nunc, salvaguardando-se os actos já praticados pelo mandatário[4].
Como tal, até à revogação, efectuada em 20 de Julho de 2018, salvaguardam-se os actos já praticados pela ré (mandatário/prestador do serviço), do que decorre que por referência a tal data há lugar, por parte da autora, às obrigações do mandante previstas nas alíneas b), c) e d) do art. 1167º que supra se referiram (pagamento da retribuição, reembolso de despesas e indemnização do prejuízo sofrido em consequência do contrato) e, por via do disposto no art. 1172º c) – pois o contrato é oneroso e era para assunto determinado – há lugar à indemnização da ré pelo prejuízo por esta sofrido.
Ora, conforme decorre dos factos não provados referidos sob as alíneas a) a d), a despesa que a ré alegou ter já efectuado aquando da desvinculação contratual da autora não se provou e aquela não alegou nem provou quaisquer outras despesas ou custos, do que decorre que não há que proceder a qualquer indemnização a tal título.
Por outro lado, também nada se provou no sentido de que a quantia que a ré não pretende restituir à autora (nºs 5 e 12 dos factos provados) constitua uma qualquer despesa que tenha efectuado, do que decorre a sua obrigação de a restituir à autora com base no disposto na alínea e) do art. 1161º.
Como tal – e ainda porque não questionado no recurso o decidido na sentença recorrida no sentido do não desconto da quantia de 200 euros que a própria autora, no seu pedido, decidiu “retirar” aos 15.000 euros por si pagos (alegando que o fazia por conta da primeira consulta) – há que, embora por fundamentação jurídica não coincidente com a constante da decisão recorrida, confirmar tal decisão.

As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente, que nele decaiu (art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC).
*
Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
………………………………
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III – Decisão

Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
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Porto, 27/2/2023
Mendes Coelho
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
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[1] E assim interpretando afastamos o entendimento, aventado pela recorrente sob as conclusões 29 a 34, de que o contrato em causa integra um contrato de empreitada [neste sentido, vide João Carlos Gralheiro, “O ato médico é uma empreitada?”, in ROA, Ano de 2014, Vol.III/IV (Julho/Dezembro de 2014), onde de págs. 867 a 872 se discorre sobre o ato médico, incluindo sobre a colocação de uma prótese e sobre tratamentos dentários, e se conclui (pág. 871) que há que “expurgar o regime do contrato de empreitada da relação Médico/Cliente, por manifestamente ofensiva da dignidade devida ao Homem e à Medicina”.
[2] Neste sentido, e ainda sobre a figura da revogação prevista no art. 1170º, vide “Código Civil Anotado”, coord. de Ana Prata, Volume I, 2ª edição, Almedina, 2019, pág. 1502, em anotação àquele preceito assinada por Maria Helena Brito e Maria de Lurdes Vargas.
[3] Obra referida na nota 1, pág. 857.
[4] Neste exacto sentido, vide obra referida na nota 2, pág.1503.